Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06763/10
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA PELA PRÁTICA DE ACTO ILICITO EM INQUÉRITO CRIMINAL
Sumário:Para o julgamento das acções de responsabilidade civil extracontratual, por danos decorrentes e causados pela prática de actos específicos das respectivas funções pelos juízes e pelos magistrados do Ministério Público, designadamente em processos criminais, aqui se incluindo as fases de inquérito e de instrução, é competente a jurisdição comum.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


Francisco ………….., com sinais nos autos, inconformado com o saneador - sentença proferido pelo TAC de Lisboa, em 27 de Abril de 2010, que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência material da jurisdição administrativa para conhecer da presente acção emergente de responsabilidade civil extracontratual do Estado por acto praticado por Magistrado do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Inquérito nº 8/2008, e consequentemente absolveu o Réu da instância, dele recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

“ 1º A sentença proferida pelo Snr. Juíz do TAC de Lisboa nos presentes Autos e que considerou os Tribunais Administrativos materialmente incompetentes para conhecerem de acção de responsabilidade civil extracontratual por dano decorrente de um acto praticado em inquérito por um Magistrado do MP, é uma sentença que ignorou por completo o estatuído no novo ETAF sobre esta matéria;

2º Ignorando igualmente a doutrina já produzida face ao novo ETAF sobre a competência da jurisdição administrativa para conhecer das acções indicadas na conclusão anterior;

3º Ignorando ainda a importantíssima e decisiva jurisprudência do tribunal de Conflitos que se pronunciou no sentido de atribuir competências aos Tribunais Administrativos para conhecerem, inclusivamente face ao anterior ETAF, das acções de responsabilidade civil extracontratual em que a causa de pedir assenta num acto ilícito praticado pelos órgãos da Administração da Justiça. fora do exercício da função de julgar;

4º A sentença recorrida, suportando-se unicamente em jurisprudência tirada pelo STA no domínio da vigência do anterior ETAF, acabou assim por violar o disposto no artigo 4º, nºs 1, alínea g), 2, alínea c) e 3, alínea a), do novo ETAF, sendo, por conseguinte, ilegal;

5º Assim citando FREITAS DO AMARAL e AROSO DE ALMEIDA no seu comentário sobre “As grandes linhas da reforma do contencioso administrativo”, o novo ETAF atribui aos Tribunais Administrativos a competência para apreciar todas as questões de responsabilidade que possam decorrer da actuação dos magistrados, com a única excepção do erro judiciário;

6º No caso de erro judiciário, a jurisdição administrativa só será competente se tal erro for cometido pelos Juízes desta Jurisdição, pois, caso contrário, a competência será dos Tribunais Judiciais;

7º Ora, já no âmbito da vigência do anterior ETAF, foi produzida importante jurisprudência do tribunal de Conflitos, ignorada pelo Snr. Juíz a quo, a qual decidiu que o critério para a repartição de competências entre os tribunais administrativos e judiciais para conhecimento das acções de responsabilidade extracontratual do Estado por factos ocorridos da actividade dos Tribunais, reside em apurar se se está ou não perante a função de julgar;

8º Estando perante a função de julgar, de acordo com o Tribunal de Conflitos, serão os Tribunais Judiciais os competentes para conhecer das referidas acções de responsabilidade, cabendo aos Tribunais Administrativos a competência para conhecer de todos os actos ilícitos praticados no domínio da actividade dos Tribunais e que não sejam praticados no exercício da função de julgar – Acórdão de 15/12/94, AP-DR, de 30/4/96, ´pág. 17;

9º O critério criado pela jurisprudência do Tribunal de Conflitos foi o que ficou consagrado no novo ETAF, conforme escreve o Conselheiro FERNANDES CADILHE no seu comentário à nova Lei ad responsabilidade civil extracontratual do Estado;

10º Assim, de acordo com o ilustre Conselheiro, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea g), e do seu nº 3, alínea a) do novo ETAF , mantém-se a distinção essencial, para efeitos de competência contenciosa, entre a responsabilidade por actos materialmente administrativos dos serviços judiciários e a responsabilidade por actos substancialmente jurisdicionais;

11º Aos Tribunais Administrativos caberá conhecer das acções de responsabilidade relativas à primeira categoria de actos referidos na conclusão anterior e aos Tribunais Judiciais caberá conhecer das acções relativas à segunda categoria, efectuando o novo ETAF uma precisão, a saber, a responsabilidade por erro judiciário caberá aos Tribunais Administrativos se o erro for imputado a um Juíz da Jurisdição Administrativa;

12º Mais recentemente o Tribunal de Conflitos, pelo seu Acórdão de 11/3/2010, Proc. nº 01/10, confirmou tudo o que foi dito nas conclusões anteriores;

13º Assim, porque a causa de pedir nos presentes Autos, é um acto praticado por um magistrado do MP em processo de inquérito, não se tratando, por conseguinte, de um acto praticado por um Juíz, os Tribunais Administrativos, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea g), 2, alínea c) e 3, alínea a), do novo ETAF, são competentes para conhecer de acções de responsabilidade civil extracontratual intentadas contra o Estado por dano causado por acto praticado em inquérito pelo MP;

14º Deste modo, a sentença recorrida ao ter-se limitado a ler o artigo 4º, nº 2, alínea c), do novo ETAF, como sendo um preceito que exclui a competência dos Tribunais Administrativos para conhecer das acções referidas na conclusão anterior, quando o que está consagrado no preceito é a exclusão de acções que tenham por objecto a impugnação de actos praticados em inquérito, violou flagrantemente o preceito ora em causa;

15º Assim ao decidir pela incompetência dos Tribunais Administrativos para conhecer da acção dos presentes Autos, a sentença recorrida violou o artigo 4º, nº 1, alínea g), 2, alínea c) e 3, alínea a), do novo ETAF, sendo ilegal, não podendo pois ser mantida na ordem jurídica (…)”.

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O Ministério Público, em representação do Estado Português, contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante do saneador- sentença recorrido, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º nº 6 do actual Código de Processo Civil.

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Tudo visto, cumpre decidir.

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Veio o presente recurso interposto do saneador - sentença proferido pelo TAC de Lisboa que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência material da jurisdição administrativa para conhecer da presente acção emergente de responsabilidade civil extracontratual do Estado por acto praticado por Magistrado do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Inquérito nº 8/2008, e consequentemente absolveu o Réu da instância.

Em síntese, o Mmo. Juiz a quo, citando profusa jurisprudência referenciada e transcrita, face ao disposto no artigo 4º nº 2 al. c) do ETAF, o qual refere que os actos relativos ao inquérito e instrução criminais estão excluídos da jurisdição administrativa, e uma vez que os factos em que assenta a presente acção são relativos ao inquérito nº 8/2008, no âmbito do qual o ora Recorrente foi constituído arguido, considerou incompetente, em razão da matéria, a jurisdição administrativa para julgar a presente acção.

Discorda deste entendimento o Recorrente ao afirmar que o saneador-sentença em crise viola o disposto n artigo 4º nº 1 al. g), 2º al. c) e 3º al. a) do novo ETAF, sendo, por conseguinte, ilegal na medida em que a causa de pedir assenta num acto ilícito praticado pelos órgãos da administração da justiça, fora do exercício da função de julgar.

Vejamos o que se nos oferece dizer.
Como resulta da petição inicial o Autor intentou contra o Estado Português acção emergente de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito praticado pela Exma Magistrada do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Inquérito nº 8/2008, acto esse que consistiu na alegada errada constituição como arguido do Autor.
De acordo com o disposto no artigo 4º nº 2 al. c) do ETAF aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro:
Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de:
a) (…)
b) (…)
c) Actos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da acção penal e a execução das respectivas decisões.”

Por conseguinte, alicerçando o Autor o seu pedido de indemnização em acto relativo a inquérito criminal, a apreciação do presente litigio está expressamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa.
Com efeito, embora algumas medidas ou actos desses possam ter efeitos similares a actos administrativos ( a apreenso de bens ou a privação reventiva de liberdade), não parece que se trate aí de actos da Administração praticados ao abrigo de normas de direito administrativo, mas de actos de direito processual penal regulados no respectivo Código – o que os causa e determina é, com efeito, o interesse da realização judicial do Direito (Penal) , da investigação criminal, e não da realização administrativa de interesses públicos concreto, de ordem prática (material ou intelectual).
Os actos a que se referem os artigos 268º, 269º , 58º ou 283º do CPP, por exemplo – respeitantes a actos a praticar pelo juiz de instrução ( como a aplicação de medidas de coacção ou a efectivação de buscas e apreensões em escritório de advogado), a actos a ordenar ou a autorizar pelo juiz de instrução (como as buscas domiciliárias ou a gravação de telefonemas) e à constituição de arguido e acusação pelo Ministério Público, respectivamente – destinam-se a permitir ou facilitar a investigação criminal, a averiguar e provar quem cometeu um crime (ou a ilibar um inocente), a evitar novos crimes ou a fuga dos arguidos, a levar os criminosos a tribunal, etc. etc., e não a assegurar o funcionamento das autoridades de investigação criminal, das policias e agentes respectivos, a gerir as prisões, etc. – Cfr. a propósito MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA in CPTA e ETAF ANOTADOS, VOL. I., 2004, pág. 67.
Resulta pois de meridiana clareza que a lei não distingue entre actos relativos ao inquérito e instrução criminais, sendo que o titular da acção penal é o Ministério Público e ao Juiz de Instrução Criminal cabe realizar actos específicos de instrução no decurso do inquérito penal , visando ambos a realização judicial do direito penal e da investigação criminal.
Assim, a responsabilidade pelos danos derivados de medidas ou actos daqueles, em consequência de erro judiciário, pertence sempre à jurisdição comum.
Porém, já pode pertencer à jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos da al. g) do nº 1 do artigo 4º do ETAF se se tratar de uma deficiência do funcionamento da justiça, o que nos termos em que vem configurada a causa de pedir nos autos não é seguramente o caso.
Concluímos do exposto que para o julgamento das acções de responsabilidade civil extracontratual, por danos decorrentes e causados pela prática de actos específicos das respectivas funções pelos juízes e pelos magistrados do Ministério Público, designadamente em processos criminais, aqui se incluindo as fases de inquérito e de instrução, é competente a jurisdição comum.

Em conformidade com o exposto improcedem na íntegra as conclusões da alegação do Recorrente, sendo de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar o saneador-sentença recorrido.

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Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, 2º Juízo, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar o saneador- sentença recorrido.

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Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 25 de Junho de 2015
António Vasconcelos
Pedro Marchão Marques
Conceição Silvestre