Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1667/17.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
DIREITO À DEDUÇÃO
ANULAÇÕES
DEVOLUÇÕES
VALOR TRIBUTÁVEL
CONTRAPRESTAÇÃO
ENCARGOS FINANCEIROS
Sumário:I- Resultando provado que a Recorrente foi devidamente notificada para exibir a escrita, e que a mesma nunca cumpriu tal obrigação, quer em sede administrativa, quer em sede judicial, e dimanando, igualmente, como não provado que o Inspetor Tributário se recusou a receber os elementos contabilísticos da Impugnante para os anos de 2013 e 2014, então, não tendo a Recorrente logrado demonstrar estar na posse das faturas ou documentos equivalentes que permitissem identificar os valores de IVA deduzidos nos anos de 2013 e 2014, nenhuma ilegalidade pode ser assacada à correção atinente a IVA indevidamente suportado.
II- A pendência do processo de derrogação de sigilo bancário, em nada pode desvirtuar o ónus probatório que impendia sobre a Recorrente e eximir-se da junção da prova atinente à prova do IVA indevidamente suportado.
III- Não tendo a Recorrente carreado aos autos documentos que permitissem atestar anulações e devoluções, concretamente, comprovativos, inequívocos e efetivos, de resolução contratual, faturas, emissão notas de crédito e prova do conhecimento pelos beneficiários, a ausência de tal prova, compromete, per se, a possibilidade de regularização declarativa do imposto correspondente à anulação das faturas na sua totalidade ou por redução da base tributável.
IV- Ainda que a AT deva atuar investida da descoberta da verdade material, tal não pode justificar a inversão de quaisquer ónus probatórios, legitimando o cumprimento de ónus probatórios que se encontram, a montante, na esfera jurídica das partes.
V- O IVA pretende onerar o gasto real na aquisição de bens e serviços, enquanto expressão, desde logo, do princípio da capacidade contributiva, logo qualquer abatimento ou dedução ao preço deve ser expurgado do valor tributável.
VI- O valor tributável é constituído por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado, tendo, naturalmente, de existir um vínculo direto entre o serviço prestado e o valor recebido para que uma prestação de serviços seja tributável, sendo que essa contrapartida é um valor subjetivo, uma vez que a matéria coletável é a contrapartida efetivamente recebida e não um valor calculado segundo critérios objetivos.
VII- A realidade fática tem de ser analisada numa perspetiva de conjunto, concretamente da realidade contratual, com o valor, efetivamente, pago, por forma a aquilatar-se o aduzido preço real, donde o valor da contraprestação e competente valor tributável.
VIII- Se as sociedades financeiras não procedem ao reembolso do valor contratualizado na primeira relação contratual estabelecida entre o vendedor e o comprador, porquanto o valor transferido para a conta bancária da Recorrida, corresponde ao valor do crédito concedido, deduzido dos encargos financeiros melhor elencados nesse ponto. Então, tais ajustamentos negativos têm de levados em consideração, donde expurgados, pelo que não o sendo, as correções concatenadas com os “encargos financeiros”, são ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, conduzindo à anulação das respetivas liquidações, nessa exata medida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

I….., LDª (doravante I….., Lda ou Recorrente) e o DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente) vieram interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por I….., LDª, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respetivos juros compensatórios (JC), referentes aos anos de 2013 e 2014, no valor global de €412.508,22, tendo anulado as liquidações adicionais de IVA, na parte impugnada, nos montantes de €56.770,58 para o ano de 2013, e de €31.373,35 para o ano de 2014, acrescido dos correspondentes JC, e mantido no demais.


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A I….., LDª, interpôs recurso na parte em que decaiu tendo concluído como segue:

1- A Impugnante, ora recorrente, inconformada com a D. sentença proferida nos autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou apenas parcialmente procedente a impugnação apresentada, dela vem interpor o presente.

2 - Ora, com o devido respeito que é muito, a Recorrente não pode conformar-se com a D. decisão recorrida, no que concerne à parte decisória que julgou improcedente a impugnação da recorrente, decidindo manter na ordem jurídica os restantes montantes de IVA liquidados adicionalmente pela Fazenda Pública (ou seja, todo o valor para além dos 56.770,58€ para o ano de 2013, e de 31.373,35€ e respectivos juros compensatórios que pela D. sentença proferida foi decidido anular), absolvendo a AT nessa parte.

3 - Ao decidir da forma como o fez, decidiu mal e em desconformidade com a lei – erro de julgamento de facto e de direito. Entende a recorrente não ter sido feita uma correcta apreciação e valoração da prova testemunhal e documental, verificando-se, assim, um erro notório de apreciação da prova produzida.

4 - A Impugnante, ora Recorrente, deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respectivos juros compensatórios, referentes aos oito trimestres dos anos de 2013 e 2014, no valor global de 412.508,22€, efectuadas pela Fazenda Pública, pedindo, a final, a anulação das liquidações de IVA, no montante de 311.053,82€ e correspondentes juros compensatórios.

5 - A liquidações controvertidas padecem do vício de violação da lei, por errónea qualificação e quantificação da matéria colectável sujeita a IVA.

6 - O ponto 7) dos factos dados como provados constantes da D. sentença recorrida não deveria ter sido dado como provado, pelo menos com a redacção que aí consta, devendo tal redacção ser alterada, dele retirando as referências a “que a recebeu” e “assinado por” J…...

7 - Porquanto, a recorrente não teve conhecimento da notificação para exibição dos documentos contabilísticos referentes aos anos de 2013 e 2014, pois que o seu gerente há data, J….., estava ausente no estrangeiro, não tendo sido ele que assinou o respectivo aviso de recepção, nem escreveu nesse documento (AR), quer a data, quer o nome “ J…..” ou o aludido número do Cartão de Cidadão.

8 - A assinatura aposta no aviso de recepção não é do gerente da arguida (J…..), não foi ele que a fez, só podendo tratar-se de uma falsificação.

9 - Sendo que tal falsificação já havia sido alegada pela Impugnante/Recorrente em sede de processo de recurso de contra-ordenação, com o nº 1590/17.4BELRA, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, Unidade Orgânica 2, conforme bem resulta do recurso que agora se junta como documento 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Doc. 1

10 – Embora a existência do documento seja anterior à entrada da presente impugnação judicial, só com a audiência de julgamento e a prolação da decisão agora recorrida, mais concretamente o facto provado constante do ponto 7) da D. sentença recorrida, é que se tornou necessária a junção de tal documento, por forma a alterar a convicção do Tribunal, o que se pretende.

11 - O presente documento releva pois, para a boa decisão da causa por poder, em conjugação com outros elementos de prova, contribuir para a convicção desse Tribunal na decisão a proferir quanto à matéria de facto impugnada com fundamento no disposto no nº 1 do artigo 662º do C.P.C., conjugado com os artigos 425º e 423º do mesmo código, aplicáveis ex vi o artigo 281º do C.P.P.T.

12 - Ora, não tendo a assinatura constante do aviso de recepção sido feita pelo punho do gerente da impugnante, a aludida notificação efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, não teve lugar, não podendo produzir quaisquer efeitos relativamente à Impugnante/Recorrente.

13 - Devendo o ponto 7 dos factos provados passar a ter a seguinte redacção: Em 25/08/2016, os SIT remeteram para a morada da sede da Impugnante, na pessoa do seu representante legal e por carta registada com aviso de recepção, o ofício nº ….., cujo teor consta do seguinte: (…).

14 - Por outro lado, importa ainda ter presente que em momento nenhum, houve qualquer recusa por parte da impugnante/recorrente na entrega da apresentação dos documentos contabilísticos relativos aos anos de 2013 e 2014.

15 - Vindo aliás, a impugnante/recorrente a depositar os documentos referentes à contabilidade dos anos de 2013 e 2014, mais precisamente ao período de 01/01/2013 a 31/12/2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria – Unidade Orgânica 4, no âmbito do processo nº 151/17.2 BELRA (recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário), em 20/01/2017, conforme bem resulta do ponto 10) dos factos provados constante da D. sentença recorrida.

16 - O que a recorrente fez face à recusa por parte da Autoridade Tributária em receber os documentos contabilísticos por, alegadamente, já ter decorrido o prazo que lhe havia sido concedido para o efeito e com o objectivo de fazer prova de que detinha a documentação necessária para a acção inspectiva, não havendo necessidade de recorrer à derrogação do sigilo bancário e ao recurso a mecanismos de excepção, como é o caso do método indirecto, para correcção dos valores do IVA.

17 - Pastas essas que estiveram nesse Tribunal – TAF de Leiria -, à ordem desse processo, até 25/07/2017, data em que foram entregues/devolvidas ao gerente da Recorrente, ou seja, as pastas estiveram depositadas no Tribunal durante a acção inspectiva e para além da conclusão da acção inspectiva, em 24/04/2017, e notificação do relatório final de inspecção, datado de 05/07/2017, conforme pontos 13), 15) e 19) dos factos provados, logo à disposição do Senhor Inspector para análise e consulta.

18 – Tanto mais que o Senhor Inspector da Autoridade Tributária, N….., embora possa não ter tido qualquer intervenção na fase judicial desse processo de recurso, não ignorava a sua existência, pois que, nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento, admitiu ter tido conhecimento da existência do recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário que a impugnante/recorrente havia apresentado, conforme bem resulta do seu depoimento em audiência de julgamento de 10/11/2020, registado em sistema digital áudio (de 00:35:40 a 01:13:30 do temporizador de gravação) e concretamente na parte supra transcrita aos minutos 1:11:21 a 1:12:31.

19 - Destarte, deveria o Tribunal “ a quo” ter considerado como provado o facto B) dos factos não provados constantes da D. sentença – “O senhor inspector tributário tinha conhecimento de que a contabilidade da Impugnante dos anos de 2013 e 2014, estavam depositadas neste Tribunal, à ordem do processo nº 151/17.2BELRA”.

20 - E, como tal, atento o supra exposto, a Autoridade Tributária não deveria ter recorrido a métodos indirectos e procedido às liquidações adicionais de IVA, devendo ter analisado os documentos que se encontravam no Tribunal.

21 - E se assim tivesse procedido teria necessariamente chegado a uma conclusão diferente, mais justa e mais próxima, senão exacta da realidade, não tendo apurado IVA de montantes absolutamente exagerados, naqueles anos de 2013 e 2014.

22 - Cumpre dizer que o lançar mão da avaliação indirecta não depende de um critério discricionário da AT, porquanto o princípio é o do grau da certeza na tributação.

23 - A avaliação indirecta detém um carácter excepcional, dado só poder ser utilizada nas condições expressamente previstas na lei, conforme bem resulta do artigo 87º da LGT (nº 1 do artigo 81º da LGT), e assume-se como subsidiária da avaliação directa (nº 1 do artigo 85º da LGT), aplicando-se –lhe, sempre que possível e a lei não estabelecer o contrário, as regras da avaliação directa (nº 2 do artigo 85º da LGT).

24 - Ou seja, apenas se recorrerá à avaliação indirecta quando a avaliação directa não for absolutamente possível ou conveniente, ou doutro modo e na formulação da doutrina, só quando a matéria tributável não puder ser apurada mediante a declaração do contribuinte, depois de corrigida, se for caso disso, é possível a Administração afastar-se dessa declaração e tributar o contribuinte mediante o uso de métodos indirectos.

25 - Ora, reportando-nos ao caso concreto dos autos, atenta a factualidade exposta, à luz do quadro legal aplicável, para os exercícios referentes aos anos de 2013 e 2014, não deveria a Autoridade Tributária ter recorrido à utilização de métodos indirectos para corrigir os valores do IVA dos períodos em causa, tendo assim, violado o disposto nos artigos atrás referidos.

26 – Ainda, da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente das declarações da testemunha N….., depoimento registado em sistema digital áudio (de 00:35:40 a 01:13:30 do temporizador de gravação), concretamente aos minutos 1:01:23 a 1:01:52, resulta que não obstante terem os documentos sido recolhidos pelo Senhor Inspector Tributário, como o próprio confirmou, facto é que não os considerou em sede de dedução de IVA, procedendo a correcções, no ano de 2013, no montante de 34.283,73€ e no ano de 2014, no montante de 55.764,79€, conforme quadros I, III e IV constantes do relatório de inspecção tributária.

27 - O que fez, sabendo o Senhor Inspector da existência dos documentos que titulavam as aquisições das máquinas e que ao proceder às ditas correcções tal não corresponderia à realidade da empresa, pois que havia valores de deduções ao IVA inscritas nas declarações periódicas que deviam ser considerados, estando assim demonstrado a errada quantificação (exagero) do IVA por parte da AT.

28 - Assim, por todo o exposto, as correcções efectuadas ao IVA, relativamente ao imposto deduzido pela Impugnante/Recorrente referentes ao ano de 2013, no montante de 34.283,73€ e no ano de 2014, no montante de 55.764,79€, não deveriam ter sido efectuadas porque, atento todo o supra exposto, violam o princípio da excepcionalidade do recurso ao método indirecto.

29 – Verifica-se ainda uma errada qualificação e quantificação do IVA relativo às vendas a crédito, na medida em que, nos aludidos anos de 2013 e 2014, ocorreram diversas anulações de negócios/vendas ou contratos, por solicitação dos clientes, sem necessidade de qualquer justificação, no prazo de 14 dias após a celebração dos mesmos – direito de livre resolução -, o que redunda numa efectiva anulação dos negócios/facturas/contratos, com a consequente anulação do IVA, ou tudo se passa como se o negócio não tivesse existido.

30 - E muitos foram os contratos resolvidos/anulados, conforme bem resulta dos documentos internos juntos com a impugnação, nomeadamente, docs. 151, 156, 158, 164, 171, entre outros constantes do anexo 5 – Docs. 129 a 411 e anexo 6

31 – O que é corroborado pelas declarações prestadas por H….. (depoimento registado em sistema digital áudio dos minutos 00:03:10 a 00:28:26 do temporizador de gravação), designadamente aos minutos 00:22:28 a 00:26:11 e que supra se transcreveu.

32 - Resulta claro das declarações prestadas por H….. que, nestas circunstâncias de devoluções e de incumprimentos contratuais, a impugnante/recorrente devolvia às entidades financeiras todas as importâncias delas recebidas e que, ocorrendo resoluções contratuais dentro dos 14 dias, sem pagamento de qualquer quantia por parte do cliente, o valor que pudesse ter sido financiado era devolvido na íntegra à financeira.

33 - Ora, dentro desses 14 dias a factura não havia ainda sido emitida, pelo que tudo se passava como se nenhum negócio ou contrato tivesse ocorrido. Não havia factura emitida, também não tinha que ser emitida qualquer nota de crédito.

34 - Facto é que a recorrente não concretizou a venda, nem recebeu o pagamento, ou se o recebeu veio a devolvê-lo, o que se traduz no mesmo.

35 - Ora, a AT, não teve tais factos em consideração e procedeu às correcções do IVA sem considerar os valores relativos às anulações dos contratos, o que traduz uma distorção brutal e violenta quanto ao IVA apurado.

36 - Para além do mais, importa referir que presumem-se verdadeiros e de boa fé os dados inscritos na contabilidade.

37 - A lei credita presunção de veracidade e de boa fé às declarações dos contribuintes e aos dados e apuramentos organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal. Tal presunção cessa apenas quando houver indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento real da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75º/1-a) LGT).

38 - O que não sucede no caso dos autos, antes pelo contrário, resultando da conjugação das declarações prestadas em audiência de julgamento e dos documentos juntos ao processo que efectivamente existiram resoluções/anulações contratuais por parte dos clientes, com a consequente devolução do valor financiado às instituições Financeira, tendo sido ilegalmente considerados na base tributável de IVA, os seguintes montantes:

- No que concerne ao Banco ….., no ano de 2013, o valor das anulações de 2.250,00€ : 1,23 x 23% = 420,73€ e em 2014, as anulações no valor de 8.130,75€ : 1,23 x 23% = 1.520,38€, conforme artigo 30º da impugnação.

- No que reporta à C….., por referência ao ano de 2013, as anulações no valor de 41.581,58€ : 1,23 x23% = 7.775,42€, conforme artigos 35º e 36º da impugnação

- Relativamente à C….., em 2014, anulações de 7.807,00€ : 1,23 x 23% = 1,459,85€

correspondente a imposto ilegalmente liquidado no montante total de 11.176,38€, conforme artigo 43º da impugnação.

39 – A recorrente não poderá pois, ser tributada por importâncias que não recebeu, ou seja, não poderá a AT fazer incidir IVA sobre valores que não corresponderam na realidade a quaisquer vendas ou prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo, isto é pela Recorrente, pelo que, sempre com respeito por opinião diversa, não será de manter tão injusta tributação em IVA, apurada pela Inspecção Tributária.

40 - Aliás, a IT poderia ter confirmado quais os valores efectivamente recebidos pela recorrente, bastando para tal diligenciar tais informações junto das entidades financeiras, tal como diligenciou pela obtenção da circularização das contas.

41 - Se assim tivesse diligenciado, teria a noção exacta do valor dos créditos da impugnante, do valor que a esta pertenceu e dos valores entregues às entidades financiadoras.

42 - Consequentemente devem ser anuladas as liquidações de IVA nos anos de 2013 e 2014, relativamente às três financeiras supra referidas e no que concerne aos valores relativos aos montantes das anulações dos contratos.

43 - Ainda, ao abrigo do princípio da presunção da verdade e da boa fé de que gozam a contabilidade e as declarações prestadas pelo contribuinte e atento o mapa junto aos autos – Anexo VIII – havia que considerar como provado que houve operações com a C….., designadamente as indicadas nesse mapa, que não corresponderam a vendas feitas pela ora recorrente, tratando-se antes de intermediações (facilitação de código para aceder ao crédito realizadas entre a financeira e Parceiros de negócio, como sejam os identificados naquele mapa, a saber: P….., S….., Lda, R….., R….., V….., Lda. e A….., devendo ser subtraído ao valor considerado como não facturado em 2014, relativo a Parceiros a quantia de 136.404,00€, a que corresponde um valor de IVA indevidamente calculado de 12.271,34€.

44 – Devendo dar-se como provado o ponto C) dos factos não provados, ou seja, que “A Impugnante intermediou operações de vendas a crédito com a sociedade C….., com as sociedades “P…..”, “S….., Lda.”, “R…..”, “V….., Lda.” e “A…..”.

45 - Em face do que precede, deve a D. sentença ora em crise ser revogada e substituída por outra que acolha os factos provados e não provados, de acordo com a valoração adequada da prova produzida conjugada com os documentos juntos aos autos, absolvendo a Recorrente da totalidade do pedido.

Termos em que, no mais de Direito e com o suprimento de V. Exªs, deve dar-se provimento ao presente recurso, e em consequência alterar-se a D. sentença aqui recorrida, modificando-se, a decisão proferida pelo Mm. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, sobre a matéria de facto e de direito, no sentido que aqui ficou exposto, com todas as demais consequências, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA.”


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Devidamente notificada a DRFP optou por não apresentar contra-alegações.

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A DRFP termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) O presente recurso assume por objecto o segmento da sentença recorrida que contra a AT decidiu, ou seja, a secção versando o erro nos pressupostos de facto e de direito das correcções promovidas, em sede inspectiva, quanto às vendas com recurso a crédito omitidas, ou seja, o montante de IVA em falta apurado (epígrafe “Errada qualificação e quantificação do IVA relativo às vendas a crédito” da douta Sentença).

B) Nessa matéria entendeu enfim a sentença recorrida que, para efeitos do nº 1 do artigo 16º do CIVA, o verdadeiro valor da contraprestação obtida pela sociedade vendedora do bem seria - não o “PVP”, entendido como preço do bem alienado ou “Preço de Venda ao Público - mas o “Preço de Venda a Prestações”, conforme designação constante dos contratos celebrados entre a referida sociedade e os seus clientes finais.

C) Vindo a concluir que “as correcções efectuadas pela inspecção tributária, nesta parte, e que a Impugnante designa na petição inicial de “encargos financeiros”, são ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, conduzindo à sua anulação”. (página 51 da sentença recorrida).

D) Tal posição confunde os encargos dos clientes para com as sociedades financeiras, com as despesas da própria empresa vendedora dos bens para com as mesmas entidades, quando, comummente, as despesas desta para com as sociedades financeiras, não são suportadas pelos clientes finais.

E) Depois, incorre numa lógica de despesas enquanto custo ou gasto da empresa que não se coaduna com a mecânica do IVA, mas antes com a lógica associada a IRC.

F) A designação “preço de venda a prestações” que a sentença recorrida destaca e assume, extrapolando para todos os demais operadores financeiros, não se verifica em todos os contratos de crédito celebrados, nem é adoptado por todas as sociedades financeiras.

G) Existem vários contratos em que a designação escolhida refere mesmo “preço a pronto”, “preço do bem” ou “serviço a pronto”, nunca mencionando o controvertido “preço de venda a prestações”.

H) Igualmente, tais contratos referem o PVP mesmo quando houve pagamento de Juros, ou seja, o crédito não financiou os Juros, donde que o conceito de “preço de venda a prestações” não se possa verificar.

I) O valor da contraprestação obtida do adquirente/cliente, a que se referem os n.ºs 1 e 5 do artigo 16.º do IVA, será o preço de venda do bem ao público – o PVP, conforme profusos exemplos contratuais o demonstram.

J) Os contratos celebrados entre a Impugnante e o cliente não indicam o montante total imputável ao consumidor, mas apenas o preço de venda.

K) Tanto que naqueles contratos em que a TAN não é zero, o contrato celebrado entre a Impugnante e o cliente indica também o PVP, sem quaisquer juros e, ainda assim, os clientes pagam juros a acrescer ao preço.

L) Pelo que, respeitosamente, não está correcto o raciocínio perfilhado na sentença sob recurso, no sentido de que o valor destes contratos é o preço de venda a prestações.

M) Já os contratos elaborados pelas entidades financeiras referem sempre o “PVP”, o “Preço do bem/serviço a pronto” ou o “Preço a pronto/PVP” e, noutro campo, exibem as menções “Montante total imputado ao cliente” ou “Montante total imputável ao consumidor”, os quais só serão iguais ao preço do bem quando “não existirem juros, imposto do selo e outros encargos do crédito para o cliente”.

N) Nos termos da lei fiscal, o IVA incide sobre a contraprestação, ou seja, o preço dos bens, pelo que, sempre que não existam juros e encargos para o cliente, não resulta possível deduzir, ao preço do bem, valores suportados pela empresa vendedora na sua esfera pessoal, a fim de então apurar o IVA.

O) A sentença recorrida partiu dum exemplo singular para extrapolar para todos os demais contratos celebrados e para todos os operadores financeiros envolvidos (C….., C….. e C…..), o que não se mostra verdadeiro, nem adequado, nem traduz a verdade material dos Autos.

P) Ao decidir deste modo, a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na imperfeita fixação, apreciação e valorização, da prova documental produzida nos Autos, fazendo desacertada interpretação dos nºs 5 e nº 1 do artigo 16º do CIVA.

Q) Igualmente, deve o ponto 18 do probatório ser ampliado, de modo a reproduzir integralmente os 6 (seis) contratos anexos ao relatório, ou seja, acrescer aos 3 contratos com TAN de 0,00%, os restantes 3 contratos com TAN diferente de zero, demonstrativos da posição que aqui perfilhamos.

R) Atento o valor do processo e tendo feito a RFP, um ajustado uso da instância, requer ao Venerando Tribunal ad quem que, em matéria de cálculo da taxa de justiça por si devida, seja determinada a aplicação do artigo 6º, nº 7 do RCP.

Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao recurso, mediante a revogação da decisão, na parte recorrida, e a sua substituição por outra que julgue improcedente o pedido, com o que se fará como sempre JUSTIÇA.”


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Notificada da interposição de recurso pela DRFP, a I….., LDª apresentou contra-alegações de recurso pugnando pela improcedência daquele recurso e manutenção do decidido, com as seguintes alegações:

“Apesar das doutas alegações de recurso da Impugnada/Recorrente, a pretensão desta não poderá merecer provimento, pois não lhe assiste razão, conforme infra se demonstrará.

Na verdade, a D. sentença recorrida, no que concerne ao segmento objecto do recurso apresentado pela Recorrente, faz uma correcta aplicação dos institutos legais subjacentes à matéria factual dos autos, bem como uma correcta aplicação do Direito.

A Impugnada/Recorrente recorre da D. sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação judicial e, em consequência, decidiu, entre o mais:

a) anular as liquidações adicionais de IVA, na parte impugnada, nos montantes de 56.770,58€ para o ano de 2013, e de 31.373,35€ para o ano de 2014, acrescido dos correspondentes juros compensatórios, mantendo na ordem jurídica os restantes montantes de IVA e respectivos juros compensatórios, liquidados adicionalmente pela Fazenda Pública, absolvendo-a do pedido quanto a esta parte.

A D. sentença funda-se na matéria de facto dada como provada e não provada em audiência de discussão e julgamento, atentos os depoimentos das testemunhas, dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo, designadamente, não podendo, pela integração dos factos na Lei, haver outro resultado que não o verificado.

No entanto, a Impugnada/recorrente não se conformou com a douta decisão proferida, no segmento atrás transcrito, que contra a Recorrente decidiu, ou seja, na parte que decidiu anular as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros, dos anos de 2013 e 2014, por erro nos pressupostos de facto e de direito, quanto às vendas com recurso a crédito alegadamente omitidas, mantendo na ordem jurídica as liquidações resultantes das correcções ao IVA deduzido nas declarações periódicas daqueles anos, ao abrigo do disposto nos artigos 19º, nºs 1 e 2, 29º, 36º, nº 5 e 52º do CIVA.

Ora, entendeu a D. sentença recorrida que, para efeitos do nº 1 do artigo 16º do CIVA, o verdadeiro valor da contraprestação obtida pela sociedade vendedora do bem, in casu, a aqui impugnante/recorrida seria, não o “PVP”, entendido como preço do bem alienado ou “Preço de Venda ao Público”, mas o “Preço de Venda a Prestações, conforme designação constante dos contratos celebrados entre a Recorrida e os seus clientes finais, concluindo que “as correcções efectuadas pela inspecção tributária, nesta parte, e que a Impugnante designa na petição inicial de “encargos financeiro” são ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, conduzindo à sua anulação”.

E diga-se que muito bem andou o Tribunal “a quo” no que a esta matéria concerne ao decidir da forma que decidiu.

Importa pois ter presente o modelo de negócio da Recorrida e que consta no RIT, transcrito no ponto 16 dos factos provados da D. sentença recorrida.

Vejamos:

A actividade comercial da Impugnante/Recorrida, nos anos de 2013 e 2014, reportava-se essencialmente à venda de estações de tratamentos de água para consumo doméstico, sendo as vendas efectuadas essencialmente a clientes particulares.

Sempre que o cliente recorria ao crédito para adquirir as aludidas estações de tratamento de águas, era celebrado entre o cliente e a recorrida um contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade, devidamente assinado quer pelo cliente, quer pelo gerente da recorrida, dele constando a identificação do cliente, a descrição dos bens adquiridos e o preço de venda.

Por sua vez, este contrato de compra e venda a prestações originava a celebração de um contrato de crédito entre o cliente e uma sociedade financeira, designadamente a C….., a C….. ou a C….., o qual era assinado pelo cliente e pelo representante da recorrida, mencionando o preço de venda, o montante do crédito e o valor total imputado ao cliente/consumidor.

Por fim, existe uma parceria entre a sociedade financeira e a Impugante/Recorrida, onde a sociedade financeira procede à transferência do montante envolvido no negócio, que se traduz no pagamento de um montante igual ao valor do crédito concedido ao cliente, deduzido das despesas e impostos cobrados pela sociedade financeira.

Descrito que está o “modus operandi” do negócio, logo se conclui que a Recorrente fez uma incorrecta interpretação dos documentos e, consequentemente, um critério errado de apuramento da matéria colectável, na medida em que, a Recorrente considerou como base tributável para efeitos de IVA, o valor total do crédito concedido ao cliente, quando a Recorrida apenas recebe o valor do crédito, deduzido dos encargos financeiros cobrados pela sociedade financeira, cujos documentos são meramente informativos, incidindo desta forma, erradamente, IVA sobre os referidos encargos.

Está pois em causa, determinar qual o valor tributável das operações de venda para efeitos de IVA.

Pelo que teremos de considerar o que dispõe o artigo 16º do CIVA, do qual resulta que, para efeitos de IVA, o valor tributável das transmissões de bens efectuadas a título oneroso, é medido em função da contraprestação que o fornecedor tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo subvenções directamente relacionadas com o respectivo preço.

A matéria colectável compreende, além da contraprestação, os impostos e demais encargos tributários que oneram as operações, assim como eventuais despesas acessórias associadas.

Desta forma, a contraprestação corresponde ao que se entrega como contrapartida da prestação recebida – a transmissão dos bens ou a prestação do serviço.

A matéria colectável é o correspondente ao valor acordado pelas partes, ou seja, ao que é devido em troca do serviço prestado ou da transmissão dos bens – o preço efectivamente recebido.

Importa também ter presente o princípio da liberdade contratual das partes (artigo 405º do C. Civil), que estabelece que as partes podem livremente fixar o conteúdo dos contratos.

Pelo que, ao abrigo do referido princípio, as sociedades em geral podem regular livremente as suas relações jurídicas e, como consequência, a avaliação do resultado fiscal, desde que tal não derrogue o conteúdo e as regras de incidência tributária.

Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e o valor da contraprestação devida pela transmissão de um bem, não competindo, no caso, à Recorrente Autoridade Tributária, impor às partes outorgantes um significado da declaração diferente daquele que ambas lhe deram quanto ao valor estipulado.

As partes podem convencionar a contraprestação ou preço de um bem ou serviço prestado, sendo este um verdadeiro direito que o particular tem em definir o seu plano empresarial da forma que mais se adequa às finalidades económico-financeiras que prossegue, desde que não afectem o aspecto material da relação do imposto.

No caso concreto dos autos, resulta, nomeadamente, dos documentos juntos aos autos, bem como do alegado pela recorrida na sua impugnação e ainda, do teor do relatório da inspecção tributária (RIT) que, quando a venda é feita a crédito a recorrida vende ao cliente um bem, por exemplo “uma extensão de tratamento de água”, que o vai comprar com recurso a financiamento bancário, entre a Recorrida e o cliente, é celebrado um contrato de compra e venda a prestações, com reserva de propriedade, contrato esse assinado pelo cliente e pelo gerente da recorrida, do mesmo constando a identificação do cliente, a descrição dos bens adquiridos e o preço de venda a prestações.

Por sua vez, entre a sociedade financeira e o cliente, é celebrado um “contrato de crédito”, do mesmo constando o preço da venda a prestações (sob o uso da sigla “PVP”), o montante do crédito e o montante total imputado ao consumidor.

Por último, existe uma parceria entre a sociedade financeira e a recorrida, onde a sociedade financeira informa a Recorrida do valor do crédito concedido ao cliente, dos valores retidos a título “despesas/serviços” e correspondentes impostos – “imposto do selo”, e do valor transferido para a conta bancária da recorrida , que corresponde ao valor do crédito concedido, deduzido da retenção das despesas e impostos cobrados pela sociedade financeira.

Concretizando, atentemos no seguinte exemplo utilizado pela recorrida no seu articulado de impugnação e ao qual o Meritíssimo Juiz a quo também recorreu na D. sentença recorrida e que é semelhante às demais vendas com concessão de crédito.

A recorrida vendeu um produto ao cliente J….., com o NIF ….. (ponto 18 dos factos provados).

O valor da venda foi de 884,58€, acrescido de IVA no montante de 203,45€, perfazendo o valor total de 1.088,02€, conforme bem resulta do anexo IV ao relatório de inspecção, e do documento 1 – A junto com a petição inicial.

Do documento nº 1 junto com a p.i. (ponto 26 dos factos provados), resulta que o valor do crédito concedido ao cliente foi de 1.431,60€, e que a sociedade financeira debitou despesas e imposto do selo, a cargo do cliente, no montante de 343,58€, transferindo para a Impugnante/recorrida a quantia de 1.088,02€, exactamente o valor da factura emitida ao cliente.

Desta forma, atendo a todo o supra exposto, considerando o teor dos contratos celebrados entre a Recorrida e o cliente, e entre o cliente e a sociedade financeira, conclui-se que o cliente adquire o bem à Recorrida, pelo preço de 1.088,03€, com IVA incluído, pagando pelo negócio, por via do recurso ao crédito, o montante total de 1.431,60€, que engloba o valor do bem adquirido (capital - 1.088,03€), acrescido do valor dos serviços (incluindo o respectivo imposto de selo) prestados pela sociedade financeira (343,58€).

Importa referir que o consumidor autoriza a entrega directa do montante mutuado ao fornecedor dos bens ou serviços, ficando o mesmo obrigado ao reembolso do montante do crédito, acrescido de despesas e juros, à sociedade financeira (ponto 7 do contrato).

Isto significa que, o valor da contraprestação obtida do adquirente a que se referem os nºs 1 e 5 do artigo 16º do IVA, é, no caso do exemplo acima analisado, de 884,58€, apurando-se um valor de IVA a liquidar, no montante de 203,45€, o que perfaz o valor total de 1.088,03€.

Note-se que o contrato celebrado entre a Recorrida e o cliente, nas situações de vendas a crédito, refere expressamente na cláusula segunda, o “preço de venda a prestações “, e não, o preço do bem alienado, sendo perfeitamente claro que a celebração do contrato tem como intuito garantir o bom pagamento do produto vendido – daí a reserva de propriedade, que permite à Recorrida, em caso de incumprimento/não pagamento por parte do cliente, ficar com o bem vendido.

Destarte, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que as correcções tributárias efectuadas pela Recorrente AT, na parte que agora se vem analisando, são ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, o que forçosamente tem de conduzir à anulação das respectivas liquidações, nos montantes e termos determinados pela D. sentença recorrida.

Por todo o exposto, motivos não há para alterar a D. decisão recorrida no segmento que contra a Recorrente decidiu, ou seja, na parte que decidiu anular as liquidações adicionais de IVA, acrescido dos juros compensatórios, dos anos de 2013 e 2014, erro nos pressupostos de facto e de direito, quanto às vendas com recurso a crédito, nos montantes de 56.770,58€ 2013 e 2014, respectivamente, absolvendo a Recorrida do pedido quanto a essa parte.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o doutamente decidido na sentença recorrida, no que concerne à decisão de anular as liquidações adicionais de IVA, acrescido dos respectivos juros compensatórios dos anos de 2013 e 2014, nos montantes de 56.770,58€ 2013 e 2014, respectivamente, por erro nos pressupostos de facto e de direito, quanto às vendas com recurso a crédito, absolvendo a Recorrida do pedido quanto a essa parte, como nos parece ser de JUSTIÇA!


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.º do CPTA e emitiu douto parecer no sentido da improcedência de ambos recursos.


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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“1) A sociedade Impugnante, anteriormente designada por “A….., Lda.”, encontrava-se enquadrada, nos exercícios de 2012, 2013 e 2014, no regime geral de tributação em sede de IRC, e, em sede de IVA, no regime normal de periocidade trimestral, desde 1/04/2012 – (acordo).

2) Em 20/06/2016, foram emitidas em nome da Impugnante e no âmbito do procedimento de inspeção externa, as ordens de serviço n.º ….., ….. e ….., de âmbito parcial em IRC e IVA, respeitantes aos anos de 2012, 2013 e 2014 – (cfr. fls. 4 a 6 do documento do SITAF n.º 004898323 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

3) No âmbito das ordens de serviço referidas no ponto anterior do probatório, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria (doravante, SIT), foi remetido ao representante legal da Impugnante, por carta registada, o ofício de 21/06/2016, contendo a “carta-aviso; folheto informativo” a que alude a alínea l) do n.º 3 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária e o artigo 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – (cfr. fls. 1 a 3 do documento do SITAF n.º 004898323 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

4) No dia 24/08/2016, os SIT deslocaram-se à sede da Impugnante a fim de a notificar do início da ação inspetiva a que se referem as ordens de serviço referidas no ponto 2) do probatório, não tendo encontrado no local o “gerente/administrador, técnico oficial de contas ou qualquer outro empregado”, tendo os SIT afixado na porta do local da direção efetiva da Impugnante, “Nota de Marcação de Hora Certa”, nos termos do artigo 240.º do Código de Processo Civil, para o dia 25/08/2016, pelas 10h30m – (cfr. fls. 7 e 8 do documento do SITAF n.º 004898323 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5) No dia 25/08/2016, os SIT voltaram à sede da Impugnante para a notificar do início da ação inspetiva, nos termos referidos no ponto anterior do probatório, não tendo encontrado “qualquer pessoa capaz de transmitir a notificação ao gerente/administrador”, deixando afixado na porta do local da direção efetiva da Impugnante, “Certidão de verificação de Hora Certa - Afixação”, nos termos do artigo 240.º do Código de Processo Civil - (cfr. fls. 9 do documento do SITAF n.º 004898323 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

6) Por ofício datado de 25/08/2016, remetido para a morada da sede da Impugnante, na pessoa do seu representante legal e por carta registada, os SIT comunicaram à Impugnante o início da ação inspetiva com data de 25/08/2016 - (cfr. fls. 10 a 15 do documento do SITAF n.º 004898323 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

7) Em 25/08/2016, os SIT remeteram para a morada da sede da Impugnante, na pessoa do seu representante legal e por carta registada com aviso de receção, que a recebeu, conforme aviso de receção assinado por “J…..; titular do cartão de cidadão n.º …..”, em 29/08/2016, o ofício n.º ….., cujo teor consta do seguinte:

“(…)

Notificação para exibição de escrita e documentos fiscalmente relevantes

(…)

Deve considerar-se por este meio notificado, o sujeito passivo I….., Lda., para no prazo de 10 (Dez) dias, apresentar na Direção de Finanças de Leiria, (…), os seguintes documentos:

1) Todos os elementos de escrita, nomeadamente extratos de conta corrente, balancetes e os respetivos documentos de suporte dos anos de 2012, 2013 e 2014;

2) Todas as faturas de Vendas/Prestação de Serviços e de Compras referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014;

3) Extratos bancários da(s) conta(s) afeta(s) à atividade exercida dos anos de 2012, 2013 e 2014;

4) Os ficheiros normalizados de exportação de dados – SAF-T (PT) (…);

5) Dossier fiscal (…) dos anos de 2012, 2013 e 2014;

6) Inventários de mercadorias dos anos de 2012, 2013 e 2014.

(…)” - (cfr. fls. 16 a 18 do documento do SITAF n.º 004898323 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

8) Em 21/10/2016, foi emitido pela Divisão de Inspeção Tributária I, da Direção de Finanças de Leiria, “Pedido de Derrogação de Sigilo Bancário” a todas as contas da Impugnante, relativamente aos anos de 2013 e 2014, que mereceu despacho de concordância do Diretor de Finanças adjunto, tendo tal pedido sido autorizado por despacho da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 3/01/2017 – (cfr. fls. 25 a 35 do documento do SITAF n.º 004898323 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

9) Em 6/1/2017, os SIT remeteram à Impugnante, por carta registada com aviso de receção, que a recebeu em 10/01/2017, conforme assinatura do aviso de receção, o ofício n.º ….., com o seguinte assunto: “Notificação da decisão de autorização de acesso direto a informações e documentos bancários; n.º 4 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributaria (LGT) e artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)” - (cfr. fls. 36 a 44 do documento do SITAF n.º 004898323 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

10) Em 20/01/2017, a Impugnante apresentou recurso contra a decisão de derrogação do sigilo bancário a que se alude em 8) do probatório, tendo apresentado, conjuntamente com o recurso, a documentação contabilística da Impugnante relativamente ao período de 1/1/2013 a 31/12/2014 – (cfr. pontos H) e I) dos factos provados na sentença proferida no processo n.º 151/17.2BELRA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

11) Em 13/02/2017, os SIT remeteram à Impugnante, por carta registada com aviso de receção, que a recebeu em 14/02/2017, conforme assinatura no aviso de receção, ofício com a mesma data comunicando à Impugnante a prorrogação da ação de inspeção a que se alude em 2) deste probatório, relativamente às ordens de serviço n.º ….. e ….., respeitantes aos anos de 2013 e 2014 - (cfr. fls. 1 a 5 do documento do SITAF n.º 004898324 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

12) Em 27/03/2017, foi proferida sentença no recurso a que se alude no ponto 10) deste probatório, com decisão de improcedência do recurso - (cfr. sentença proferida no processo n.º 151/17.2BELRA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

13) Em 24/04/2017, foram emitidas as notas de diligência respeitantes às ordens de serviço n.º ….. (2013) e ….. (2014), determinando o fim dos atos de inspeção, notas de diligência comunicadas à Impugnante através de ofício com a mesma data, remetido por carta registada - (cfr. fls. 6 a 9 do documento do SITAF n.º 004898324 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

14) Em 16/05/2017, pelos SIT, foi elaborado o “Projeto de Relatório de Inspeção Tributária” relativamente às ordens de serviço n.º ….. (2013) e ….. (2014), objeto de despacho de concordância do Chefe de Equipa datado de 17/05/2017 - (cfr. fls. 12 a 29 do documento do SITAF n.º 004898324 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

15) O “Projeto de Relatório de Inspeção Tributária” a que se alude no ponto anterior, foi remetido à Impugnante através do ofício ….., de 17/05/2017, por carta registada - (cfr. fls. 10 e 11 do documento do SITAF n.º 004898324 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

16) Em 19/06/2017, pelos SIT, foi elaborado o “Relatório de Inspeção Tributária” relativamente às ordens de serviço n.º ….. (2013) e ….. (2014), que mereceu despacho de concordância do Diretor de Finanças (em substituição), cujo teor, para o que ora interessa, consta do seguinte:

“(…)

I. Conclusões da ação Inspetiva

I.1 Em sede de Imposto sobre Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

(…)

II. Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspeção

II.1 Credencial e período em que decorreu a ação

A presente ação inspetiva ao contribuinte I….. LDA, NIF ….., com sede fiscal na …..Leiria, doravante designado por Sujeito Passivo (SP), decorreu no cumprimento das Ordens de Serviço n° ….. e ….., para os exercícios de 2013 e 2014. O procedimento de inspeção foi iniciado em 25/08/2016, de acordo com o n° 2 do artigo 51° do RCPIT, tendo os atos inspetivos sido concluídos a 24/04/2017, em conformidade com o artigo 61° do RCPIT.

(…)

lI.3 Outras situações

II.3.1 Caracterização do sujeito passivo

O sujeito passivo é uma sociedade por quotas, sujeita a IRC, constituída a 06/02/2012, com a designação de A….. LDA, com o objeto social de comércio de purificadores de água e filtros. O nome da firma foi alterado para I….. LDA em 17/04/2014.

O capital social do sujeito passivo é de 5.000,00 Euros, representado por três quotas. Uma quota no valor de 250,00 Euros pertencente ao sócio H….., NIF …..e duas quotas no valor total de 4.750,00 Euros, pertencentes à sócia I….. LIc, NIF …...

Nos anos em análise, a gerência da sociedade foi exercida pelo sócio H….., NIF …... Este sócio renunciou às suas funções a 01/10/2015, tendo sido nomeado gerente nessa data, o contribuinte J….., NIF …...

Exerceram as funções de contabilista certificado do SP nos anos em análise, os contribuintes J….., NIF ….. (até 13/05/2013) e M….., NIF ….. (a partir de 13/05/2013).

Il.3.2 Enquadramento fiscal

O contribuinte é sujeito passivo de IRC, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 2.º do CIRC e está enquadrado no regime geral de tributação, em conformidade com o disposto no n° 1 do artigo 17° do CIRC.

O sujeito passivo está inscrito em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, desde 01/04/2012, pela prática da atividade de “Outro comércio por grosso de bens de consumo, não especificados”, com o CAE n° 46494, em conformidade com classificação portuguesa das atividades económicas, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 197/2003, de 27 de Agosto.

O sujeito passivo declarou, nas IES dos anos de 2013 e 2014, os volumes de negócios de 153.478,08 € e 252.062,49 € e os prejuízos fiscais de 30.993,65 € e 74.910,61 €.

III Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável

III.1 Correções em sede de IVA

III.1.1 IVA Dedutível

O Sujeito passivo foi notificado, pelo nosso ofício n° ….. de 25/08/2016 (Anexo I), para no prazo de 10 dias, proceder à apresentação de escrita e dos respetivos documentos de suporte, nomeadamente faturas, extratos bancários e inventários de mercadorias dos exercícios de 2013 e 2014.

Contudo, o sujeito passivo não cumpriu com os termos da notificação, não tendo procedido à apresentação de quaisquer elementos, no prazo estipulado.

Sucede que, em sede de IVA, só se admite a dedução do imposto devido ou pago nos termos do n° 1 do artigo 19° do CIVA, mencionado nos documentos elencados no n° 2 do artigo 19° do CIVA, nomeadamente em faturas ou documentos equivalentes que respeitem os requisitos formais do n° 5 do artigo 36° do CIVA, que se encontrem em nome e na posse do sujeito passivo.

Sendo os contribuintes obrigados a arquivar e conservar em boa ordem durante os 10 anos civis subsequentes todos os livros, registos e respetivos documentos de suporte, nos termos do artigo 52° do CIVA.

Ora, não tendo o contribuinte comprovado ter na sua posse as faturas ou documentos equivalentes que permitam identificar os valores de IVA deduzidos nos anos de 2013 e 2014, não podem os mesmos ser considerados como dedutíveis.

Termos em que se propõe que sejam corrigidos os valores de imposto dedutível declarados pelo sujeito passivo nos anos de 2013 e 2014, nos termos estipulados no n° 2 do artigo 19° do CIVA.

Nos anos de 2013 e 2014, o sujeito passivo deduziu imposto nas suas declarações periódicas de IVA, de acordo com o seguinte quadro:

Não tendo sido possível comprovar a existência das operações que estiveram na origem das deduções declaradas, propõe-se a correção dos valores deduzidos, de acordo com o seguinte Quadro:

III.1.2 IVA Liquidado

Em 29/08/2016, o sujeito passivo foi notificado para exibição de todos os elementos de escrita e documentos fiscalmente relevantes, nomeadamente extratos de conta corrente, balancetes e documentos de suporte, bem como faturas emitidas, extratos bancários, ficheiros SAF-T, inventários de mercadorias e Dossiers Fiscais, dos anos de 2013 e 2014 (Anexo I). No entanto, o sujeito passivo não cumpriu com os termos da notificação, não tendo procedido à apresentação de quaisquer elementos, até à presente data.

Não tendo tido acesso aos documentos contabilísticos, bancários ou outros, entenderam os serviços de inspeção tributária desta DF de Leiria usar a faculdade concedida pelos n° 4 e 5 do artigo 63°-C da Lei Geral Tributária (LGT), que prevê a possibilidade da AT aceder a todas as informações ou documentos bancários do sujeito passivo, conjugado com as alíneas b) e d) do artigo 63°-B da LGT.

O pedido de derrogação de sigilo bancário foi elaborado em 21/10/2016 e sancionado pelo Diretor de Finanças de Leiria na mesma data. O pedido de derrogação de sigilo bancário foi deferido por decisão da Diretora-Geral da AT de 03/01/2017, a qual autorizou os funcionários da inspeção Tributária a aceder diretamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo I….. Lda, com referência ao período compreendido entre 1/1/2013 e 31/12/2014.

Em 06/01/2017, procedeu-se à notificação das sociedades financeiras Banco C….. SA, NIF ….., Banco C….. SA, NIF ….. (atual Banco B….. SA, NIF ….., o qual incorporou por fusão a C….. SA, NIF …..) e C….., NIF …..; para que as mesmas remetessem a este serviço cópias dos contratos de concessão de crédito ao consumo em que a empresa I….. Lda, interveio como vendedor do equipamento financiado, bem como cópia dos documentos de venda emitidos pela empresa I….. Lda aos seus clientes e que estiveram na base da celebração dos contratos de crédito ao consumo e ainda cópia dos documentos comprovativos dos pagamentos efetuados à empresa I….. Lda, relacionados com os contratos de crédito ao consumo.

As sociedades financeiras remeteram a estes serviços de inspeção tributária a documentação solicitada, para os anos de 2013 e 2014. A informação recebida encontra-se disponível para consulta nas instalações desta DF de Leiria, dado o volume da mesma (cerca de 6000 folhas), juntando-se ao presente relatório uma relação das vendas a crédito realizadas pelo sujeito passivo nestes anos (Anexo II).

III.1.2.1 Modelo de negócio

Através dos elementos recebidos, foi possível tipificar o modelo de negócio desenvolvido pelo sujeito passivo nestes exercícios económicos. De seguida, descreve-se esse modelo de negócio, juntando-se ao presente relatório, a título exemplificativo, cópia de documentos relativos a uma venda com recurso a financiamento bancário, para cada uma das sociedades financeiras e para cada um dos anos em análise (Anexo Ill) bem como uma relação de todas as vendas efetuadas com recurso a crédito em cada um desses anos (Anexo II).

Da documentação enviada pelas financeiras, verificou-se que a principal mercadoria vendida pela empresa são estações de tratamento de água para consumo doméstico, sendo as vendas efetuadas essencialmente a particulares.

Constatou-se que quando o cliente recorre ao crédito bancário, para realizar a aquisição da estação de tratamento de águas, é celebrado entre o cliente e a empresa I…../A…..um contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade. Este contrato é assinado pelo cliente e pelo gerente da empresa I…../A….., do mesmo constando a identificação do cliente, a descrição dos bens adquiridos e o preço de venda.

Este contrato de compra e venda a prestações vai por sua vez originar a celebração de um contrato de crédito, entre o cliente e uma sociedade financeira (C…../C…../C…..). Contrato que é assinado pelo cliente e pelo representante da sociedade financeira, do mesmo constando o preço de venda, o montante do crédito e o montante total imputado ao consumidor.

Na generalidade dos casos, o preço de venda constante do contrato celebrado entre o cliente e o vendedor, é idêntico ao montante do crédito concedido pela financeira, constante do contrato celebrado entre o cliente e a sociedade financeira.

Analisados os contratos de crédito celebrados entre os clientes e as financeiras verificou-se o seguinte:

• Os contratos celebrados pela empresa C….. indicam o Preço a pronto/PVP dos bens e o montante do crédito concedido. Em parte dos contratos é fixada a taxa de juro anual nominal (TAN) de 0%, referindo o contrato nestes casos, que o crédito é concedido sem quaisquer juros e outros encargos e destinado à aquisição do bem. Noutros contratos, são fixadas taxas (TAN), de cerca de 13%, sendo nestes casos os juros remuneratórios e o valor do imposto do selo (custos totais do crédito) acrescidos ao montante total do crédito, para se obter o montante total imputado ao consumidor. O montante total do crédito destina-se a financiar a aquisição do bem (ponto 2 do contrato), sendo o crédito entregue, em nome e por conta do cliente, diretamente ao fornecedor do bem (ponto 3 do contrato), ficando o cliente devedor, do montante total imputado ao consumidor, à sociedade financeira.

• Os contratos celebrados pela empresa C….. indicam o PVP do bem e o montante do crédito. A taxa de juro anual nominal (TAN) fixada na maioria dos contratos é de 0%, sendo também fixadas em alguns contratos, taxas (TAN) de cerca de 13%. Nestes casos, ao montante total do crédito é acrescido o custo total do crédito para obter o montante total imputável ao consumidor. O consumidor autoriza a entrega direta do montante mutuado ao fornecedor dos bens ou serviços (ponto 6.1 do contrato), ficando o mesmo obrigado ao reembolso do montante do crédito, acrescido de despesas e juros, à sociedade financeira (ponto 7 do contrato).

• Os contratos celebrados pela empresa C….. indicam o Preço do bem/serviço a pronto e o montante do crédito. A taxa de juro anual nominal (TAN) fixada na maioria dos contratos é de 0%, sendo também fixadas em alguns contratos, taxas (TAN) de cerca de 14%. Nestes casos, ao montante total do crédito é acrescido o custo total do crédito para obter o montante total imputável ao consumidor. O consumidor autoriza a instituição de crédito a transferir por sua conta e ordem, o capital mutuado para a conta bancária do fornecedor, coincidindo tal data de transferência, com a data de utilização do crédito (ponto 6 do contrato).

Ou seja, na sequência da celebração do contrato de crédito e da entrega do bem ao consumidor, as sociedades financeiras procedem à transferência do valor do crédito para a conta do vendedor.

Sendo o valor da transferência bancária idêntico ao valor do crédito, para os contratos com taxa de juro nominal superior a zero. Por outro lado, nos contratos com taxa de juro nominal de zero, são deduzidos valores de subvenções aos montantes transferidos para as contas bancárias indicadas pelo fornecedor dos bens.

Os valores pagos desta forma ao vendedor são identificados como “V/Ref. Financiado" pela C….., "Montante de financiamento" pela C….. e "Valor a creditar" pela C….. (Anexo VI).

Esses pagamentos foram, nos anos em análise, realizados a favor da empresa I….. e concretizados por transferências bancárias, para as seguintes contas (por indicação do vendedor):

(…)

Verificou-se ainda que a empresa I….., apenas procedeu à emissão de faturas para uma pequena parte das vendas realizadas nos anos de 2013 e 2014, com recurso a crédito. Sendo que, para a maior parte dos montantes recebidos pela empresa I….. nesses anos, relativos a vendas com recurso a crédito, não foram emitidas quaisquer faturas ou recibos (Anexo IV).

III.1.2.2 Valores das vendas a crédito omitidas pelo sujeito passivo

Para apurar os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo nos anos de 2013 e 2014, utilizam-se os valores constantes de documentos obtidos através de circularização, com as sociedades financeiras C….., C….. e C….., resumidos em listagem constante de Anexo II.

Nos documentos recebidos constam os valores financiados aos clientes do sujeito passivo e os preços de venda ao público (PVP) praticados pela empresa I…...

Foram ainda consultadas as faturas emitidas pela empresa nos anos de 2013 e 2014, constantes do sistema e-fatura, tendo-se verificado quais as vendas a crédito faturadas pela empresa nesses anos e quais as que não foram.

Para determinar as omissões de IVA foi necessário confirmar se para cada venda, foi ou não emitida fatura e caso tenha sido, se foi pela totalidade do PVP ou apenas por parte do seu valor. Para obter o valor das vendas não faturadas foram confrontadas as faturas emitidas pelo contribuinte, constantes do sistema e-fatura (Anexo IV), com o valor das vendas a crédito (resumidas no Anexo II).

Sendo que, para apurar os valores das omissões vendas da empresa nos anos em análise, aos valores das vendas (PVP) com recurso ao crédito constantes do quadro supra, foram deduzidos os valores das vendas constantes do sistema e-fatura (faturadas pelo contribuinte) nos anos de 2013 e 2014 (Anexo IV), relativas a esses contratos de crédito (quando emitidas).

Os valores das vendas a crédito e as correspondentes omissões de faturação, constam de listagem anexa ao presente relatório (Anexo II).

Em resumo, as omissões (vendas não faturadas) foram as seguintes:

É pois evidente, conforme resulta da consulta às declarações fiscais apresentadas pela empresa (Declarações periódicas de IVA e Declarações de rendimento Modelo 22 de IRC, onde devem constar todos os rendimentos da empresa, como vendas a crédito, vendas a pronto pagamento e outros rendimentos), a existência de elevadas omissões de rendimentos em sede de IRC e de um elevado montante de IVA em falta.

III.2.3 Determinação do IVA liquidado em falta

O valor do IVA liquidado em falta, decorrente da omissão de emissão de faturas e da respetiva contabilização das vendas, é o que a seguir se determina:

IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos

IV.1 Correções em sede de IRC

(…)

Concluiu-se assim, que foram já contabilizados pelo sujeito passivo nos anos de 2013 e 2014, a generalidade dos custos relevantes relacionados com aquisições de mercadorias e que as mesmas se encontram refletidas nos valores dos resultados tributáveis declarados em sede de IRC.

Por outro lado, foi necessário estimar o valor de outros custos suportados pelo sujeito passivo, nomeadamente os custos financeiros suportados com a realização das vendas a crédito nos anos de 2013 e 2014.

Pois consultadas as declarações IES dos anos de 2013 e 2014, constatou-se que os custos financeiros relativos às vendas a crédito não foram considerados pelo sujeito passivo, não constando os mesmos das demonstrações financeiras da empresa nesses anos (Anexo V).

Para estimar esses custos financeiros, procedeu-se à consulta de documentos de pagamento, emitidos pelas sociedades financeiras a favor da sociedade I….. (Anexo VI), onde são referidos esses custos (comissões, subvenções e outras despesas).

Verifica-se assim, conforme relação e documentos constantes de Anexo VI, que os custos financeiros suportados pelo sujeito passivo, corresponderam em média a cerca de 31% (em 2013) e de 20% (em 2014), dos valores financiados aos clientes do sujeito passivo.

(…)

IX. Direito de audição

Foi remetido ao SP, o nosso ofício n° ….. de 17/05/2017, para no prazo de 25 dias o mesmo exercer o seu direito de audição, em conformidade com o disposto no artigo 60° da LGT e no artigo 60° do RCPIT.

O nosso ofício foi devolvido, com a indicação de que o destinatário foi contactado por carta registada e a carta não foi reclamada, presumindo-se o SP notificado nos termos do artigo 43° do RCPIT.

Decorrido o prazo estabelecido para exercício do direito de audição, o mesmo não foi exercido.

(…) - (cfr. fls. 34 a 51 do documento do SITAF n.º 004898324 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

17) No “Anexo II” ao relatório de inspeção tributária, consta o seguinte - (cfr. fls. 57 a 76 do documento do SITAF n.º 004898324 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):

(...)

(…).

18) No Anexo III ao relatório de inspeção tributária, consta o seguinte - (cfr. fls. 1 a 42 do documento do SITAF n.º 004898327 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):





(...)








(...)

(...)

(...)

(…).”

19) No Anexo VI ao relatório de inspeção tributária, consta o seguinte - (cfr. fls. 35 a 51 do documento do SITAF n.º 004898328 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
Pagamentos efetuados pela “C…..” à Impugnante – ano 2013

Pagamentos efetuados pela “C…..” à Impugnante – ano 2014

(...)

Pagamentos efetuados pela “C…..” à Impugnante – ano 2013

Pagamentos efetuados pela “C…..” à Impugnante – ano 2014

(...)

Pagamentos efetuados pela “C…..” à Impugnante – ano 2013

(...)

Pagamentos efetuados pela “C…..” à Impugnante – ano 2014

(...)

(...).

20) Em 30/06/2017, os SIT remeteram à Impugnante, através do ofício n.º ….., o teor do relatório de inspeção tributária referido nos pontos 16), 17) e 18) do probatório, constando do serviço de entregas dos CTT que o ofício foi entregue ao destinatário em 5/07/2017 - (cfr. fls. 31 a 33 do documento do SITAF n.º 004898324 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

21) Em 4/08/2017, a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria coletável fixada por aplicação de métodos indiretos, referente a IRC e IVA dos anos de 2013 e 2014 – (cfr. fls. 1 a 9 do documento do SITAF n.º 004898359, fls. 1 a 86 do documento do SITAF n.º 004898360, e fls. 1 a 26 do documento do SITAF n.º 004898361 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

22) O pedido de revisão a que se alude no ponto anterior versou apenas sobre IRC, e, da reunião dos peritos, não houve acordo, tendo sido proferido despacho pelo Diretor de Finanças de Leiria, datado de 30/08/2017, fixando a matéria coletável de IRC dos anos de 2013 e 2014 – (cfr. fls. 27 a 48 do documento do SITAF n.º 004898361 – Processo Administrativo -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

23) A petição de impugnação deu entrada neste Tribunal em 6/12/2017 – (cfr. fls. 1 a 1221 do SITAF).

Mais se provou que,

24) O titular do cartão de cidadão a que se alude em 7) do probatório, é J….., gerente da Impugnante à data da assinatura do aviso de receção – (cfr. documento do SITAF n.º 005257139, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

25) A sociedade financeira “C…..” remeteu à Impugnante o documento que abaixo se reproduz – (cfr. documento n.º 1 junto com a p.i.):


***

A sentença recorrida consignou como factos não provados os seguintes:

“A) O senhor inspetor tributário recusou receber os elementos contabilísticos da Impugnante para os anos de 2013 e 2014;

B) O senhor inspetor tributário tinha conhecimento de que a contabilidade da Impugnante dos anos de 2013 e 2014, estavam depositadas neste Tribunal, à ordem do processo n.º 151/17.2BELRA;

C) A Impugnante intermediou operações de vendas a crédito com a sociedade financeira “C…..”, com as sociedades “P…..”, “S….., Lda”, “R…..”, “V….., Lda” e “A…..” – (cfr. artigo 32.º da petição inicial).”


***

Em matéria de motivação da matéria de facto, consta o seguinte na sentença recorrida:

“A matéria de facto dada como provada resultou da análise dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos (cfr. artigo 76.º n.º 1 da LGT e artigo 362.º e seguintes do CC), conforme discriminado nos vários pontos do probatório, bem como, da prova por declarações de parte e testemunhal produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas.

Para a decisão da matéria de facto dada como provada, o Tribunal não relevou o depoimento das testemunhas e das declarações de parte, uma vez que a prova documental junta aos autos foi suficiente para a convicção do Tribunal.

No que concerne aos factos dados como não provados, relativamente ao facto A), da conjugação do depoimento da testemunha N….., inspetor tributário responsável pelo procedimento inspetivo aqui em causa, com as declarações do gerente J….., o Tribunal ficou convencido de que após o início da ação de inspeção, nunca houve qualquer contacto entre ambos, daí o Tribunal ter dado como não provado a alegada recusa de recebimento dos elementos contabilísticos.

Quanto ao facto B) dos factos dados como não provados, o Tribunal deu como não provado tal facto por falta absoluta de qualquer prova para o efeito.

No que concerne ao facto C) dos factos dados como não provados, compulsados os dados constantes dos mapas juntos com a petição inicial, Anexos VI e VIII, onde estão identificados os documentos em que alegadamente demonstram as parcerias com as referidas empresas, e o teor dos documentos identificados, não se alcança dos mesmos qualquer indicação das referidas sociedades, ou seja, os documentos juntos com a petição inicial, não revelam qualquer parceria nem consta, sequer, dos documentos, a alusão ao nome das referidas sociedades.

Assim, inexistindo qualquer elemento de prova que permita concluir pela alegada parceria, e que as vendas não foram efetuadas pela Impugnante, ao Tribunal não resta outra alternativa que não seja a de dar tal facto como não provado.

Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão.”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, dimanando do presente Relatório que ambas as partes interpuseram recurso jurisdicional na parte em que decaíram, estando, por conseguinte, a decisão recorrida sindicada no seu todo.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:
¾ Admissibilidade dos documentos apresentados pela I….., Lda, em sede de alegações de recurso;
¾ Se houve lugar à impugnação da matéria de facto por ambas as Recorrentes cumprindo os requisitos consignados na lei, e em caso afirmativo, se existe deficit ou erro de julgamento na valoração da matéria de facto que careça de aditamento, ou supressão;
¾ Estabilizada a matéria de facto, cumpre avaliar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, no atinente ao IVA indevidamente deduzido e ao apuramento do IVA em falta.

Iniciemos a apreciação pelo recurso da I….., Lda e pela questão prévia inerente à admissibilidade dos documentos juntos com as suas alegações de recurso.

A Recorrente convoca, neste particular, que os documentos juntos em sede recursiva, pese embora tenham data anterior à entrada da impugnação judicial, a verdade é que só com a audiência de julgamento e com a prolação da decisão recorrida, mais concretamente, com a enumeração do facto provado constante no ponto 7) da factualidade provada surgiu essa necessidade, relevando, assim, para a boa decisão da causa.

Apreciando.

A lei processual civil, concretamente o artigo 425.º e bem assim o normativo 651.º do CPC, possibilita a junção de documentos ao processo em fase de recurso apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.º, nº1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (artigo 651.º, nº.1, do CPC);

O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista[1] julgou que “são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância”.

Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários[2].

Mais importa ter presente, neste particular, que o advérbio “apenas”, utilizado no artigo 651.º, nº 1, do CPC significa, tão-só, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. É entendimento unânime jurisprudencial que deve ser recusada a junção de documentos que visem a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, sendo certo que não pode servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado[3].

Apreciando.

In casu, a Recorrente juntou dois documentos com as suas alegações de recurso, concretamente, o documento 1, datado de 4 de outubro de 2017, que integra a petição de recurso judicial de decisão de aplicação de coima prolatada no âmbito do processo de contraordenação nº ….., respeitante à recusa de apresentação de escrita e dos respetivos documentos de suporte, referentes aos exercícios de 2013 e 2014, no qual alega, designadamente, que a assinatura aposta no aviso de receção não corresponde à do gerente, porquanto alguém procedeu à falsificação da sua assinatura.

Mais integrando outro documento datado de 26 de setembro de 2017, o qual se coaduna com o pedido de emissão de certidão para efeitos de “verificação da veracidade da assinatura do gerente”, com “[c]ópia do registo de receção das correções anexo I do Relatório da Inspecção Tributária Proc. …..”.

E um outro documento numerado como documento 2, datado de 26 de fevereiro de 2020, o qual concerne a uma decisão de arquivamento do processo contraordenacional pela morte do infrator, atenta a insolvência da Requerente datada de 12 de maio de 2018.

Ora, tais documentos juntos com as alegações de recurso devem ser objeto de recusa, visto que no atinente aos documentos intitulados como documento 1 encontramo-nos, desde logo, perante documentos que têm data anterior à interposição da petição de impugnação judicial, donde poderiam ter sido entregues em data anterior, em nada consubstanciando superveniência objetiva ou subjetiva.

É certo que a Recorrente aduz que a necessidade de junção dos aludidos documentos apenas adveio com a prolação de sentença, mormente, com a evidência do ponto 7 da factualidade assente.

No entanto, atentando na p.i., verifica-se que a Recorrente expressamente alegou na sua p.i. relativamente à alegada recusa da p.i. que “[o] sujeito passivo não teve conhecimento dessa notificação, nem podia ter, visto que, nessa altura, o mesmo se encontrava ausente no estrangeiro”, pelo que sabendo da existência de um ofício do qual constava a menção ao gerente, com a evidência do seu bilhete de identidade e assinatura, deveria ter arguido nos presentes autos, a falsidade da assinatura, requerendo, designadamente, uma perícia grafológica à letra e assinatura constante no ofício, à semelhança do realizado no aludido processo contraordenacional.

Aliás, o ofício elencado no ponto 7) da matéria de facto provado está devidamente evidenciado no Relatório de Inspeção Tributária, contemplando inclusive o Anexo I, pelo que poderia/deveria a Recorrente ter acautelado essa situação, arguindo o que entendesse por pertinente nesse e para esse efeito, mormente, sindicando a falsidade dos documentos.

Note-se que “os casos em que a junção de documentos se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida[4]”, ora, como é bom de ver, não é, de todo, o caso vertente.

Dir-se-á, em abono da verdade, que a decisão recorrida não se baseou em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal – que não determinou a produção oficiosa de qualquer meio de prova e teve, essencialmente, em consideração na decisão de facto os documentos juntos ao processo – ou em fundamentação jurídica com cuja aplicação as partes, justificadamente, não tivessem contado ou não pudessem contar.

É certo que o documento dois tem data posterior à interposição da impugnação judicial, mas a verdade é que a admissão do mesmo teria de comportar utilidade para a presente lide, o que atento o seu âmbito e extensão, em nada podem influenciar os presentes autos, nem determinar qualquer alteração da matéria de facto, mormente, aludido ponto 7), porquanto, como visto, o mesmo apenas traduz a extinção de um processo contraordenacional.

Concluindo, dada a sua impertinência, devem os documentos juntos a fls. 1354 a 1359 dos autos ser desentranhados e restituídos à Recorrente, com a consequente condenação em custas pelo incidente anómalo a que deu causa, nos termos do artigo 527.º do CPC e 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) ao que se procederá no dispositivo do presente acórdão.


***

Prosseguindo.

Analisando o teor das alegações de recurso, verifica-se que a Recorrente, ainda que de forma pouco sistematizada, argui erro de julgamento de facto, por ter erradamente valorado a prova constante nos autos.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida[5].

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” [6]

Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, conforme decorre do artigo 662.º do CPC[7], aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Dir-se-á, portanto, que o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC[8].

In casu, a Recorrente, na generalidade cumpriu o ónus a que estava adstrita, ressalvadas algumas situações concatenadas, designadamente, com a prova testemunhal e que serão, devidamente, densificadas em sede própria.

Vejamos, neste particular, o que, em concreto, requereu a Recorrente e que infra descreve:

Começa por peticionar que a redação do ponto 7) da decisão recorrida deve ser alterada, dela retirando as referências “que a recebeu” e “assinado por” J….., passando o mesmo a ter a seguinte redação: “Em 25/08/2016, os SIT remeteram para a morada da sede da Impugnante, na pessoa do seu representante legal e por carta registada com aviso de recepção, o ofício nº ….., cujo teor consta do seguinte: (…).”

Porquanto tal facto foi, não só, alegado pela Recorrente na sua p.i., como decorre do depoimento do Inspetor Tributário, que diz ter contactado telefonicamente com o gerente da Recorrente que lhe disse estar fora de Portugal, de férias, sendo que a assinatura dele constante é falsa, a qual até já tinha sido arguida em sede contraordenacional e bem assim dos documentos juntos em sede de alegação.

Vejamos, então.

Ab initio, e quanto aos meios probatórios concatenados com a prova documental junta em sede de alegações recursivas, remete-se para o já expendido anteriormente, e que nos eximimos, naturalmente, de tecer outras considerações.

Relativamente ao depoimento do Inspetor Tributário, e quanto a esta específica impugnação, a mesma atentando nos requisitos supra enunciados não cumpre os necessários pressupostos, porquanto não é evidenciada a concreta passagem do depoimento com o respetivo registo áudio, nem, tão-pouco, procede, neste concreto âmbito, à sua transcrição.

De sublinhar, outrossim, que o facto de ter enunciado na petição inicial, sem a devida prova atinente ao efeito, de nada, naturalmente, releva. Reitere-se, neste conspecto, que nos presentes autos nunca foi sindicada a falsidade da assinatura, nem requerida qualquer perícia grafológica, conforma supra expendido e para o qual, ora, se remete.

E por assim indefere-se a alteração à matéria de facto supra requerida.

Prosseguindo.

A Recorrente propugna, outrossim, que deveria dar-se como provada a alínea B) dos factos não provados, passando, assim, a constar como realidade assente o seguinte: “O senhor inspetor tributário tinha conhecimento de que a contabilidade da Impugnante dos anos de 2013 e 2014, estavam depositadas neste Tribunal, à ordem do processo nº 151/17.2BELRA”.

Convoca como meio probatório o depoimento do Inspetor Tributário transcrevendo o excerto que reputa pertinente com a devida concretização dos minutos do registo áudio. 1:11:21 a 1:12:31, e bem assim a factualidade assente que atesta a pendência do processo de derrogação de sigilo bancário.

Neste âmbito, importa relevar que a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no citado artigo 640.º do CPC, visto que evidenciou, com a devida particularização, a prova testemunhal e bem assim o suporte documental que reputou pertinente.

No entanto, não se afigura que essa afirmação possa lograr provimento, porquanto contrariamente ao por si expendido tal factualidade não decorre do depoimento e menos ainda da factualidade retratada em 10), porquanto dela apenas se retira que a Recorrente interpôs recurso contra a decisão de derrogação de sigilo bancário, tendo, conjuntamente, apresentado documentação contabilística referente ao período de 1.1.2013 a 31.12.2014.

De relevar, neste particular, que o excerto convocado pela Recorrente apenas permite retirar que o Inspetor Tributário não interveio no processo de derrogação de sigilo bancário, e que a determinada altura -não devidamente consubstanciada espácio-temporalmente- reconhece que lhe foi dado conhecimento que a Recorrente tinha contestado a ação.

Ora, como é bom de ver, tal em nada permite retirar que “O senhor inspetor tributário tinha conhecimento de que a contabilidade da Impugnante dos anos de 2013 e 2014, estavam depositadas neste Tribunal, à ordem do processo nº 151/17.2BELRA”.

Ademais, este Tribunal procedeu à audição integral deste depoimento e do seu teor nada resulta nesse e para esse efeito, bem pelo contrário, porquanto no decurso do seu depoimento esclarece de forma clara e sem qualquer hesitação que “[n]ão sabia que Tribunal era, nem que processo era”, e “muito menos sabia o que tinha sido entregue ou não”.

De todo o modo, sempre se dirá e como infra se explanará, tal em nada relevaria nesta sede, porquanto tal não exime o ónus probatório que impende em primeira linha pela Recorrente.

E por assim ser, indefere-se, igualmente, a requerida alteração da matéria de facto.

Ainda no âmbito do erro de julgamento, sufraga a Recorrente que deve dar-se como provada a alínea C), dos factos não provados, ou seja, que: “A Impugnante intermediou operações de vendas a crédito com a sociedade C….., com as sociedades “P…..”, “S….., Lda.”, “R…..”, “V….., Lda.” e “A…..”, convocando, para o efeito, as declarações prestadas pelo contribuinte e o mapa junto aos autos – Anexo VIII.

Neste conspecto, importa, desde logo, salientar que em nada pode relevar a alegação não devidamente substanciada das declarações prestadas pelo contribuinte, sendo certo que os aludidos documentos não permitem demonstrar, de forma inequívoca, e devidamente concretizada e como legalmente se impunha, da existência de intermediários.

Aliás, se atentarmos nas alegações de recurso verifica-se que a mesma apresenta um juízo manifestamente conclusivo, sem a devida e necessária correspondência, não podendo, como é bom de ver, remeter-se, em bloco, para o Anexo VIII, o qual, em rigor, mais não representa que uma listagem interna que se limita a evidenciar num item o contrato como “anulado”, e depois a remeter para dois documentos, os quais em nada permitem extrapolar, fidedignamente, a existência de uma anulação.

Face ao supra expendido, improcede a arguida alteração da matéria de facto.

In fine, importa relevar que a Recorrente convoca, outrossim, a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente das declarações da testemunha N….., depoimento registado em sistema digital áudio (de 00:35:40 a 01:13:30 do temporizador de gravação), concretamente aos minutos 1:01:23 a 1:01:52, para demonstrar erro de julgamento atenta a falta de ponderação de documentos, na assunção da dedução do IVA suportado.

E bem assim as declarações prestadas por H….. (depoimento registado em sistema digital áudio dos minutos 00:03:10 a 00:28:26 do temporizador de gravação), aos minutos 00:22:28 a 00:26:11, para demonstrar as anulações, convocando, outrossim, os documentos internos juntos com a impugnação, nomeadamente, docs. 151, 156, 158, 164, 171, entre outros constantes do anexo 5 – Docs. 129 a 411 e anexo 6 e bem assim o próprio teor dos contratos nos quais se encontra clausulado o prazo legal de devolução das mercadorias cifrado em 14 dias.

No entanto, nestas situações não requer qualquer alteração ou aditamento, seja por complementação, seja por substituição, apenas argui o erro de julgamento, o qual, nessa medida, será analisado em sede e momento próprio.


***

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, no erro de julgamento de direito.

Atentando no Relatório de Inspeção Tributária evidenciado no probatório retiram-se que foram efetuadas correções em sede de IVA, por falta de apresentação das faturas ou documentos equivalentes que suportaram o IVA deduzido nas declarações periódicas apresentadas nos anos de 2013 e 2014, e bem assim correções efetuadas com base em omissões de faturação respeitantes a vendas a crédito, face ao confronto entre os documentos obtidos pelos serviços de inspeção tributária junto das instituições “C…..”, “C…..” e “C…..”, e os valores faturados e constantes do sistema “E-fatura”.

Apreciemos, assim, o erro de julgamento de direito assacado pela “I….., Lda”, na parte em que, naturalmente, decaiu.

A Recorrente começa por defender que não tendo a assinatura constante do aviso de receção sido feita pelo punho do gerente da impugnante, a aludida notificação efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária, não teve lugar, não podendo produzir quaisquer efeitos relativamente à Recorrente.

Sendo que em momento nenhum, houve qualquer recusa por parte da Recorrente na entrega da apresentação dos documentos contabilísticos relativos aos anos de 2013 e 2014, desde logo, porque os mesmos foram depositados no processo de derrogação do sigilo bancário, tendo inclusive o Senhor Inspetor Tributário conhecimento de tal realidade.

Aliás, a AT recusou-se a receber os documentos contabilísticos por, alegadamente, já ter decorrido o prazo que lhe havia sido concedido para o efeito, não estando, por isso, legitimado o recurso à avaliação indireta, até porque a mesma detém carácter excecional e assume-se como subsidiária da avaliação direta.

Mais aduzindo que, não foi valorada documentação entregue, mormente, aquisição de máquinas, como expressamente assumido pela testemunha N….., logo deviam ter sido aceites os valores inscritos nas declarações periódicas como IVA dedutível.

O Tribunal a quo esteou o juízo de improcedência, designadamente, com a seguinte fundamentação jurídica:

No atinente às correções ao IVA deduzido nas declarações periódicas dos anos de 2013 e 2014, sustenta que “[d]e acordo com os elementos constantes dos autos, verifica-se que a Impugnante apenas registou e declarou uma pequena parte das vendas a crédito, sendo por demais evidente que houve omissões na faturação, evidência que a própria Impugnante admite, bastando uma leitura à causa de pedir, com maior concretização no artigo 55.º, em que refere que o valor de IVA em falta e não liquidado será de não mais de € 80.000,00."

Mais relevando “[q]uanto à recusa, por parte do senhor inspetor tributário, de recebimento dos elementos contabilísticos, para além de não ter sido dado como provado que ocorreu essa recusa (cfr. facto A) dado como não provado), a Impugnante nem sequer concretiza em que data isso alegadamente ocorreu, mais argumentando que os elementos contabilísticos foram depositados neste Tribunal, à ordem do processo n.º 151/17.2BELRA, e que era do conhecimento do senhor inspetor que as pastas estavam disponíveis no Tribunal.”

Ademais, sublinha que “[r]esulta do probatório (cfr. pontos 7) e 24) do probatório), foi o próprio gerente da Impugnante que assinou o aviso de receção, em 29/08/2016, não podendo argumentar que não tinha tido conhecimento da notificação e que, por esse motivo, não apresentou, tempestivamente, os elementos documentais e contabilísticos dos anos em questão.”

Concluindo, assim, que “Face ao exposto, não tendo a Impugnante, quer em sede de procedimento inspetivo, quer nesta sede judicial (nestes autos, a Impugnante não alega nem apresenta um único documento de prova de aquisição de bens e serviços onde foi deduzido o IVA e inscrito nas declarações periódicas, quando o podia ter feito), apresentado qualquer prova documental da legalidade dos valores inscritos nas declarações periódicas de IVA de todos os trimestres dos anos de 2013 e 2014, relativamente ao imposto deduzido, improcedem os argumentos apresentados neste segmento da presente ação, mantendo-se as correções efetuadas pela inspeção tributária nesta parte: ano de 2013, no montante de € 34.283,73; ano de 2014, no montante de € 55.764,79, conforme quadros I, III e IV constantes do relatório de inspeção tributária.”

Vejamos, então, sublinhando, desde já, que não se vislumbra qualquer erro de julgamento, validando-se o supra expendido na decisão recorrida.

Ab initio importa, desde logo, relevar que conforme já foi devidamente evidenciado e analisado aquando da impugnação da matéria de facto, não logra provimento a argumentação da Recorrente quando aduz que o gerente da empresa não teve conhecimento do ofício, resultando tal asserção dos pontos 7) e 24) da factualidade provada.

Sendo que no atinente à prova da falsidade da assinatura do gerente, por o mesmo se encontrar no estrangeiro, remete-se para o aludido anteriormente de forma a evitar-se um juízo repetitivo e sem efeito útil.

Adensando, no entanto, que para além de nos presentes autos não ter sido requerida e demonstrada qualquer irregularidade e falsidade na aludida assinatura, não foi, tão-pouco, carreado aos autos qualquer prova documental que atestasse que o gerente se encontrava à data da notificação ausente do território nacional, sendo certo que a aludida prova carecia de uma prova documental e/ou testemunhal inequívoca, com a devida substanciação espácio-temporal, o que, como visto, nada resultou nos autos. De relevar, neste particular, que não é, de todo, suficiente a evidência do Inspetor Tributário no seu depoimento de que terá falado uma única vez ao telefone com o gerente da empresa e que o mesmo lhe referiu que estava no estrangeiro, porquanto tal apenas mais não representa que uma descrição de um relato que, sem mais, não tem qualquer materialidade, e que ressalve-se sempre carecia de uma prova documental consistente.

De resto, e sem embargo do exposto, no aludido depoimento é atestado pelo Inspetor Tributário que o mesmo lhe havia referenciado que regressaria dia 16 de agosto, sendo que, mediante confronto com o ofício sindicado em 6) e 7), verifica-se que a assinatura aposta data de 29 de agosto, pelo que, como visto, em nada logra provimento a esteira de argumentação da Recorrente.

No atinente à recusa, importa relevar que consta expressamente do probatório que não resultou provado que o senhor inspetor tributário recusou receber os elementos contabilísticos da Impugnante para os anos de 2013 e 2014.

Sendo que em nada pode relevar, neste e para este efeito, a pendência do processo de derrogação de sigilo bancário, desde logo, porque são processos distintos, com âmbitos díspares, e em que nada podem desvirtuar o ónus probatório que impendia sobre a Recorrente e eximir-se da junção de prova atinente ao efeito com base nesse fundamento.

De resto, não resultou, igualmente, provado que o senhor inspetor tributário tinha conhecimento de que a contabilidade da Impugnante dos anos de 2013 e 2014, estavam depositadas neste Tribunal, à ordem do processo n.º 151/17.2BELRA.

Ademais, importa ter presente que em sede judicial, e como legalmente se impunha e decorria do ónus probatório a que estava vinculada -e como bem evidenciou o Tribunal a quo- essa prova não foi carreada aos autos, ou seja, nenhuma contabilidade, mormente, faturas e recibos foi objeto de junção e devida demonstração em sede de judicial.

E por assim ser não tendo a Recorrente logrado demonstrar estar na posse das faturas ou documentos equivalentes que permitissem identificar os valores de IVA deduzidos nos anos de 2013 e 2014, e não tendo, como visto, carreado essa prova em sede administrativa e judicial, então, como é bom de ver, o IVA suportado não pode ser aceite.

Com efeito, o IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O direito à dedução é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante[9], visando o regime das deduções visa libertar integralmente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA[10].

No entanto, como é consabido, o direito à dedução do IVA está sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantiva e formal[11], estando os mecanismos de dedução do IVA, consagrados nos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Nos termos do artigo 19.º, do CIVA, especificamente do seu n.º 1, alínea a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Preceituando o nº2, alínea a), do citado normativo que “só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) Em faturas passadas na forma legal”.

Por seu turno, o artigo 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina igualmente que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.”

Chegados aqui e resumindo, da leitura destas normas retira-se que só o imposto que tenha, efetivamente, incidido sobre bens adquiridos para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, e que esteja devidamente suportado em documento legal -fatura ou documento equivalente- e que respeitem os requisitos do artigo 36.º do CIVA, pode ser deduzido o IVA incidente sobre as operações tributáveis.

Ora, in casu, face a todo o exposto anteriormente, não tendo a Recorrente comprovado ter na sua posse as faturas ou documentos equivalentes e carreado as mesmas aos presentes autos que permitam identificar os valores de IVA deduzidos nos anos de 2013 e 2014, não pode proceder o arguido pela Recorrente, sendo certo que a alegada asserção pelo Inspetor Tributário no seu depoimento não permite, natural e necessariamente, considerar preenchidos os requisitos constantes na lei para efeitos do direito à dedução, bem pelo contrário.

Assim, não cuidando a Recorrente de demonstrar, documentada e adequadamente, a sua posição, a mesma não pode lograr provimento, improcedendo, nessa medida, o vício atinente à dedução indevida de IVA.

Quanto à circunstância concatenada com o princípio da verdade declarativa, importa relevar que a partir do momento em que não existe a apresentação da contabilidade, e que os elementos constantes dos autos demonstram que a Recorrente apenas registou e declarou uma pequena parte das vendas a crédito-no âmbito das relações estabelecidas com a C….. e com a C….. a maioria das vendas não foi objeto de qualquer faturação-, ter-se-á de validar o inferido pelo Tribunal a quo no sentido de que é “[p]or demais evidente que houve omissões na faturação, evidência que a própria Impugnante admite, bastando uma leitura à causa de pedir, com maior concretização no artigo 55.º, em que refere que o valor de IVA em falta e não liquidado será de não mais de € 80.000,00”, pelo que como é bom de ver em nada foi preterido esse princípio cuja presunção cessa logo que constatadas tais irregularidades.

Ademais, como doutrinado, no Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 06418/13, datado de 07 de maio de 2013, “Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.”

Pelo que, dimana inequívoco que em nada foi desvirtuado o princípio da verdade declarativa.

No atinente ao recurso ilegítimo da avaliação indireta, aduz a Recorrente que a AT não poderia ter recorrido à avaliação indireta, porquanto a mesma é excecional e subsidiária, acarretando, por conseguinte, um vício de violação de lei que inquina o ato tributário.

Ora, ainda que se valide a asserção quanto à natureza da avaliação indireta, a verdade é que a mesma, in casu, não logra provimento, porquanto assenta em claro erro, e isto porque, como infra demonstraremos, no caso do IVA não houve lugar ao apuramento do imposto por recurso aos métodos indiretos, tendo todas as correções consistido em correções meramente aritméticas.

Explicitemos, então, com o pormenor que se impõe.

Com efeito, no que concerne ao âmbito e enquadramento da avaliação indireta, cumpre referir que esta tem uma consagração legislativa taxativa.

Dispõe o preceito legal 81.º da LGT, que a matéria coletável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a AT proceder à avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstas.

O mesmo é dizer que, o recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual. Uma “ultima ratio fisci”, para que a AT possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos.

Mas a verdade é que, não obstante o supra aludido a alegação da Recorrente padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, inexistindo, nessa medida, o aludido vício de violação de lei e isto porque, contrariamente ao defendido pela Recorrente, a AT não determinou o IVA em falta, relativamente aos anos de 2013 e 2014, por recurso à avaliação indireta.

Compulsado o teor do Relatório de Inspeção Tributária, constante no ponto 16), verifica-se que o apuramento do IVA, referente aos anos de 2013 e 2014, foi determinado através da avaliação direta.

Para o efeito atente-se, desde logo, no mapa resumo das correções resultantes da ação de inspeção, a páginas 3 do Relatório Inspetivo o qual evidencia qual o método de determinação da matéria tributável, constando expressamente no ponto I.1.1. que, em sede de IRC, as correções à matéria tributável foram realizadas com recurso a métodos indiretos, ascendendo a €399.484,08 e €405.641,74, nos exercícios de 2013 e 2014, respetivamente, e em sede de IVA, as correções assumem natureza meramente aritmética e perfazem o valor de €198.272,99 e €192.790,28, no concernente aos anos de 2013 e 2014, respetivamente.

E bem assim do item III.1.2.3 cuja epígrafe “Determinação do IVA liquidado em falta”, onde é expressamente evidenciado no Quadro VIII, que nos encontramos, em sede de IVA, relativamente a “correcções técnicas”.

Sendo que apenas quanto ao IRC, o apuramento da matéria coletável se realizou com recurso à avaliação indireta, existindo, desde logo, um capítulo intitulado como “IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos”, e um subcapítulo  com a menção “IV.1 Correções em sede de IRC”.

Explicitando-se no capítulo “V.Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos” o seguinte: “Tendo-se verificado a impossibilidade de quantificação direta e exata da matéria tributável, para efeitos da aplicação de métodos indiretos serão utilizados os critérios previstos na alínea d) e i) do nº 1 do artigo 90º da LGT: os elementos e informações declaradas à administração tributária e os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte, e uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.”

Aliás, a corroborar o supra expendido está, desde logo, o ponto 22) do probatório do qual resulta que o pedido de revisão versou apenas sobre IRC.

 Porquanto, face a todo o exposto não se vislumbra qualquer violação dos aludidos normativos, tendo a AT atuado em conformidade com a lei, mormente, com a circunstância da avaliação direta ser o regime regra e a avaliação indireta funcionar como última ratio fisci.

Improcedendo, face a todo o expendido, a arguida violação do princípio da excecionalidade do recurso ao método indireto.


***

Atentemos, ora, no IVA em falta, concretamente, na questão das anulações e devoluções e bem assim dos, alegados, parceiros, relevando, desde já, que nenhum erro de julgamento pode ser assacado ao Tribunal a quo que bem analisou e fundamentou a questão.

Senão vejamos.

A Recorrente defende, neste âmbito, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porquanto não relevou as anulações e as devoluções as quais se encontram suportadas documentalmente e foram devidamente atestadas por prova testemunhal, mormente depoimento de H…...

O mesmo sucedendo quanto à desconsideração das intermediações alegadas e devidamente demonstradas nos autos, mormente, P….., S….., Lda, R….., R….., V….., Lda e A…...

Quanto às anulações o Tribunal a quo fundou a improcedência na falta de demonstração da realidade em contenda, mormente, no artigo 78.º do CIVA, consignando que a Recorrente “[n]ão carreou para os autos, prova da emissão de qualquer nota de crédito, nem do registo a que se refere o artigo 45.º do Código do IVA, nem demonstrou ter na sua posse a prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto.”

No atinente às intermediações aduz que “[n]ão ficou provado [cfr. facto não provado C)] que existiram as referidas parcerias, não resultando dos documentos que a Impugnante junta e identifica, para prova do alegado, a mínima evidência de que os produtos vendidos foram efetuados pelos referidos “Parceiros”.

Apreciando.

Comecemos pelas anulações e devoluções.

Neste particular importa convocar o artigo 78.º do CIVA, sob a epígrafe “regularizações” o qual dispõe o seguinte:

“1 - As disposições dos artigos 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo.

2 - Se, depois de efetuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efetuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

3 - Nos casos de faturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a retificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efetuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a fatura a retificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos.

4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efetuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou retificação para menos do valor faturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da receção do documento retificativo, a dedução efetuada.

5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução.”

Como doutrinado no Acórdão deste Tribunal, prolatado no processo nº 177/18.9BECTB, datado de 23 de abril de 2020:

“A anulação de facturas por iniciativa do respectivo emitente ocorre quando por algum motivo ele, fornecedor de bens ou prestador de serviços, considera que a factura não foi correctamente emitida.

Caso a anulação ocorra antes da contabilização e declaração da operação tributável, a mesma reveste-se de um procedimento meramente administrativo ou interno; caso ocorra após a contabilização e declaração da operação, a regularização do IVA a favor do emitente passa pela emissão de uma nota de crédito devendo o emitente munir-se de prova de que o adquirente tomou conhecimento da anulação da factura na sua totalidade ou por redução da base tributável (art.º 78.º n.º 5, do CIVA), que poderá consistir (mas não só) na devolução da nota de crédito devidamente assinada e carimbada pelo adquirente.”

Ora, in casu, no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, não tendo sido carreados aos autos os documentos que permitissem atestar as realidades em contenda, concretamente, comprovativos, inequívocos e efetivos, de resolução contratual, faturas, emissão notas de crédito e prova do conhecimento pelos beneficiários, a ausência de tal prova, compromete, per se, a possibilidade de regularização declarativa do imposto correspondente à anulação das faturas na sua totalidade ou por redução da base tributável.

De mencionar, a final, e sem embargo do exposto que, quanto à convocação do depoimento de H….., o Tribunal procedeu à audição integral do aludido depoimento e a verdade é que este limitou-se a falar genericamente- entenda-se sem qualquer materialização temporal e evidência particularizada dos clientes visados- sobre a questão, mormente, sobre o direito à resolução no prazo de 14 dias, e a evidenciar a existência de anulações decorrentes da falta de pagamento de qualquer prestação, pelo que, como é bom de ver, em nada permite corroborar e validar as anulações e devoluções declaradas pela Recorrente.

Ademais, sempre se dirá que as aludidas questões carecem da devida prova documental, até porque como se encontra clausulado nos contratos, mormente, cláusula sexta, pese embora assista ao comprador o direito de resolver o contrato, o mesmo tinha de cumprir a formalidade contratual escrita, ou seja, “comunicação por escrito enviada à A….., Lda”. Há, portanto, desde logo, falta de prova a montante, a qual, como já evidenciado, não foi suprida em fase administrativa ou judicial.

Note-se que como já foi declarado, designadamente, no Acórdão do TJUE C-672/17, Tratave, de 6 de dezembro de 2018: “O princípio da neutralidade e os artigos 90.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê que a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), em caso de não pagamento, não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do IVA ao adquirente do bem ou serviço, que seja sujeito passivo do imposto, para efeitos de retificação da dedução do montante de IVA que este pôde efetuar.”

De relevar, in fine, que não logra provimento a argumentação da Recorrente no sentido de que a AT poderia ter envidado pela obtenção de outro tipo de documentação junto das entidades competentes, e isto porque ainda que a AT deva atuar investida da descoberta da verdade material, a verdade é que tal não pode justificar a inversão de quaisquer ónus probatórios, nem legitimar o cumprimento de ónus probatório que que se encontram, a montante, na esfera jurídica das partes. Sendo certo que, in casu, e como dimana do probatório a AT atuou investida do inquisitório e da legalidade diligenciando no qua lhe competia.

In casu, competia à Recorrente, em primeira linha, provar a ocorrência das alegadas anulações e devoluções e não o inverso, como sustenta.

E por assim ser nenhuma censura merece o entendimento do Tribunal a quo, o qual se valida inteiramente.


***

Subsiste por analisar as questões inerentes às intermediações, sendo certo que atenta a factualidade não provada e a improcedência da impugnação da matéria de facto, cujas razões se encontram, devidamente, explanadas nessa sede e para as quais, ora, remetemos ter-se-á de validar o entendimento do Tribunal a quo.

Com efeito, os elementos carreados aos autos pela Recorrente, em nada permitem corroborar a sua tese, porquanto os dados constantes dos mapas juntos com a petição inicial, Anexos VI e VIII, onde estão identificados os documentos em que alegadamente demonstram as parcerias com as referidas empresas. Aliás, aduza-se, em abono da verdade, que em tais documentos, não consta, tão-pouco, a alusão ao nome das referidas sociedades.

Destarte, resultando não provando que a Recorrente intermediou operações de vendas a crédito com as entidades evidenciadas na factualidade não provada, encontra-se legitimada a atuação da AT.

Face a todo o supra expendido, improcede na íntegra o recurso interposto pela Recorrente “I….., Lda”.


***

Analisemos, ora, o recurso da DRFP que incide sobre o montante de IVA em falta apurado nas vendas com recurso a crédito omitidas, atinente ao valor tributável da contraprestação, por ter entendido o Tribunal a quo que teriam de ser expurgados os “encargos financeiros”.

A Recorrente evidencia, ab initio, que deve o ponto 18 do probatório ser ampliado, de modo a reproduzir integralmente os seis contratos anexos ao relatório, no entanto, para além da aludida alegação não cumprir os requisitos da impugnação da matéria de facto consignados no artigo 640.º do CPC, a verdade é que conforme se retira do probatório, mormente, no aludido ponto, a menção aos contratos foi feita em termos enunciativos, convocando, designadamente, três realidades contratuais e remetendo, no demais, para o respetivo anexo ao Relatório Inspetivo. Acresce que, de todo o modo, como veremos, todos os contratos foram devidamente ponderados, não traduzindo, de resto, esse aditamento por complementação os efeitos almejados pela Recorrente, conforme se demonstrará, seguidamente.

Em termos de erro de julgamento de direito, defende, desde logo, que o Tribunal a quo confunde os encargos dos clientes para com as sociedades financeiras, com as despesas da própria empresa vendedora dos bens para com as mesmas entidades, quando, comummente, as despesas desta para com as sociedades financeiras, não são suportadas pelos clientes finais.

Incorrendo, outrossim, numa lógica de despesas enquanto custo ou gasto da empresa que não se coaduna com a mecânica do IVA, mas antes com a lógica associada a IRC.

Relevando, neste e para este efeito, que partiu dum exemplo singular para extrapolar para todos os demais contratos celebrados e para todos os operadores financeiros envolvidos (C….., C….. e C…..), o que não se mostra verdadeiro, nem adequado, nem traduz a verdade material dos Autos.

Com efeito, sublinha que o “preço de venda a prestações” que a sentença recorrida destaca e assume, extrapolando para todos os demais operadores financeiros, não se verifica em todos os contratos de crédito celebrados, nem é adotado por todas as sociedades financeiras.

Logo, o valor da contraprestação obtida do cliente, a que se referem os n.ºs 1 e 5 do artigo 16.º do IVA, será o preço de venda do bem ao público, a saber o PVP.

E por assim ser o IVA incide sobre a contraprestação, ou seja, o preço dos bens, pelo que, sempre que não existam juros e encargos para o cliente, não resulta possível deduzir, ao preço do bem, valores suportados pela empresa vendedora na sua esfera pessoal, a fim de então apurar o IVA.

Dissente, contra-alegando a Recorrida que faz uma correta aplicação dos institutos legais subjacentes à matéria factual dos autos, bem como uma correta aplicação do direito, porquanto a contraprestação corresponde ao que se entrega como contrapartida da prestação recebida – a transmissão dos bens ou a prestação do serviço.

Apreciando.

Para completa perceção da questão e do apuramento do valor tributável, e concreta materialização do valor da contraprestação sub judice importa, antes de mais, tecer algumas considerações sobre o âmbito da atividade da empresa e bem assim como foi, em concreto, apurado o imposto em falta pela AT, para depois se realizar a competente transposição para o quadro jurídico vigente.

Comecemos, então, por aquilatar do modelo do negócio desenvolvido pela Recorrida.

Do probatório, resulta que a atividade da Recorrida consiste na venda de estações de tratamento de água para consumo doméstico-principal mercadoria-, as quais são, essencialmente, efetuadas a particulares.

É, desde logo, celebrado entre o cliente e a empresa I…../A….. um contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade, o qual é assinado pelo cliente e pelo gerente da empresa, do mesmo constando a identificação do cliente, a descrição dos bens adquiridos e o preço de venda.

Existindo recurso ao crédito, é outorgado um contrato de crédito, entre o cliente e uma sociedade financeira, no caso vertente, com a C…../C…../C….., o qual é objeto de assinatura pelo cliente e pelo representante da sociedade financeira, do mesmo constando o preço de venda, o montante do crédito e o montante total imputado ao consumidor.

No concernente aos contratos de crédito celebrados entre os clientes e as financeiras e conforme resulta do Relatório Inspetivo a AT constatou as seguintes particularidades:

“Os contratos celebrados pela empresa C….. indicam o Preço a pronto/PVP dos bens e o montante do crédito concedido. Em parte dos contratos é fixada a taxa de juro anual nominal (TAN) de 0%, referindo o contrato nestes casos, que o crédito é concedido sem quaisquer juros e outros encargos e destinado à aquisição do bem. Noutros contratos, são fixadas taxas (TAN), de cerca de 13%, sendo nestes casos os juros remuneratórios e o valor do imposto do selo (custos totais do crédito) acrescidos ao montante total do crédito, para se obter o montante total imputado ao consumidor. O montante total do crédito destina-se a financiar a aquisição do bem (ponto 2 do contrato), sendo o crédito entregue, em nome e por conta do cliente, diretamente ao fornecedor do bem (ponto 3 do contrato), ficando o cliente devedor, do montante total imputado ao consumidor, à sociedade financeira.

Os contratos celebrados pela empresa C….. indicam o PVP do bem e o montante do crédito. A taxa de juro anual nominal (TAN) fixada na maioria dos contratos é de 0%, sendo também fixadas em alguns contratos, taxas (TAN) de cerca de 13%. Nestes casos, ao montante total do crédito é acrescido o custo total do crédito para obter o montante total imputável ao consumidor. O consumidor autoriza a entrega direta do montante mutuado ao fornecedor dos bens ou serviços (ponto 6.1 do contrato), ficando o mesmo obrigado ao reembolso do montante do crédito, acrescido de despesas e juros, à sociedade financeira (ponto 7 do contrato).

Os contratos celebrados pela empresa C….. indicam o Preço do bem/serviço a pronto e o montante do crédito. A taxa de juro anual nominal (TAN) fixada na maioria dos contratos é de 0%, sendo também fixadas em alguns contratos, taxas (TAN) de cerca de 14%. Nestes casos, ao montante total do crédito é acrescido o custo total do crédito para obter o montante total imputável ao consumidor. O consumidor autoriza a instituição de crédito a transferir por sua conta e ordem, o capital mutuado para a conta bancária do fornecedor, coincidindo tal data de transferência, com a data de utilização do crédito (ponto 6 do contrato).”

Em termos de apuramento do imposto em falta, a AT adotou a seguinte metodologia: para apurar os rendimentos obtidos pela Recorrida nos anos de 2013 e 2014, utilizou os valores constantes de documentos obtidos através de circularização, com as sociedades financeiras C….., C….. e C….., obtidos na sequência do deferimento do pedido de derrogação do sigilo bancário, densificados no Anexo II, ao Relatório Inspetivo.

Após obtenção desses elementos a AT cotejou com os valores constantes do sistema e-fatura, apurando, nessa conformidade, as vendas a crédito faturadas pela empresa nesses anos e as não faturadas.

Tendo, neste concreto particular, confirmado se para cada venda, foi ou não emitida fatura e caso tenha sido, se foi pela totalidade do PVP ou apenas por parte do seu valor. Para obter o valor das vendas não faturadas foram confrontadas as faturas emitidas pelo contribuinte, constantes do sistema e-fatura (Anexo IV), com o valor das vendas a crédito (resumidas no Anexo II).

Ulteriormente, e para efeitos de concreto cômputo das omissões vendas da empresa nos anos de 2013 e 2014, aos valores das vendas (PVP) com recurso ao crédito, foram deduzidos os valores das vendas constantes do sistema e-fatura (faturadas pelo contribuinte) nos anos de 2013 e 2014 (Anexo IV), relativas a esses contratos de crédito (quando emitidas).

Como visto, os Serviços de Inspeção Tributária para efeitos de determinação das vendas omitidas consideraram sempre o preço de venda constante dos contratos de compra e venda, e nunca o valor dos pagamentos efetuados pelas entidades financeiras à Recorrente, aos quais eram deduzidos os denominados encargos financeiros.

Assim o não entendeu o Tribunal a quo, valorando a esteira de entendimento da Recorrida, porquanto tendo o CIVA adotado como montante da contraprestação um valor subjetivo coadunado com o valor, efetivamente, recebido, então o IVA não pode incidir sobre encargos financeiros não recebidos.

Vejamos, então, se a decisão recorrida merece a censura que lhe é dirigida.

Neste particular, importa convocar, desde logo, o artigo 73.º da Diretiva IVA o qual preceitua que para a generalidade das transmissões de bens e das prestações de serviços “o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações diretamente relacionadas com o preço de tais aquisições”.

No âmbito do direito interno, importa ter presente o teor do artigo 16.º do CIVA, o qual sob a epígrafe de valor tributável nas operações internas preceitua, com a redação à data aplicável, e na parte que para os autos releva o seguinte:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 10, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.(…)

5 - O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui:

a) Os impostos, direitos, taxas e outras imposições, com exceção do próprio imposto sobre o valor acrescentado;

b) As despesas acessórias debitadas, como sejam as respeitantes a comissões, embalagem, transporte, seguros e publicidade efetuadas por conta do cliente;

c) As subvenções diretamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.

6 - Do valor tributável referido no número anterior são excluídos:

a) Os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações;

b) Os descontos, abatimentos e bónus concedidos;

c) As quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatário dos serviços, registadas pelo sujeito passivo em contas de terceiros apropriadas.”

Do teor dos citados normativos resulta que o IVA pretende onerar o gasto real na aquisição de bens e serviços, enquanto expressão, desde logo, do princípio da capacidade contributiva, logo qualquer abatimento ou dedução ao preço deve ser expurgada do valor tributável.

Com efeito, como doutrina Sérgio Vasques[12] “[a] definição que assim se faz do valor tributável para efeitos de IVA de imediato deixa ver que o imposto incide em princípio sobre o valor efectivo da contrapartida que aos bens e serviços corresponda. O imposto visa onerar a força económica do adquirente, aquela que se manifesta através do gasto efectivo que ele faz, pelo que o IVA incide por regra sobre o valor efectivo do que se pague pelos bens e serviços e só excepcionalmente sobre valores estimados ou presumidos. A própria noção de contrapartida subjacente ao imposto (…), apela em si mesma ao valor acordado pelas partes, um valor subjectivo, rejeitando por princípio a tributação em função de um qualquer valor objectivo, reconstruído através do cálculo económico ou dos padrões gerais de mercado.” (sublinhado nosso).

Sublinhando, ainda o citado autor, que na generalidade das situações “[o] valor tributável corresponde ao preço dos bens e serviços, quem quer que o pague, quando quer que seja pago e como quer que seja pago[13]. (sublinhado nosso).

Ainda neste concreto particular e a propósito dos ajustamentos a realizar, quer de sinal positivo, quer de sinal negativo, e chamando à colação os normativos 78.º e 79.º da Diretiva IVA é expendido que “O IVA incide sobre o valor efectivo das operações tributáveis, pretendendo onerar o gasto real feito com a aquisição das operações tributáveis, pretendendo onerar o gasto real feito com a aquisição de bens e serviços, pelo que toda a redução do preço de que o adquirente beneficie deve ser expurgada do valor tributável, deva-se essa redução de preço à realização de pagamento antecipado ou a qualquer outro motivo. Em suma, o preço alvo almejado pelo operador económico é irrelevante, só relevando o preço real[14].”(sublinhado nosso).

Como expendido no Acórdão do TJUE C-126/88, Boots Company, a propósito do cálculo da matéria coletável “[s]egundo a alínea a) do n.° 1 do artigo 11.°, parte A, da sexta directiva, a matéria colectável no território do país é constituída, para as transmissões de bens, por tudo o que constitua a contrapartida que o fornecedor recebeu ou deva receber da parte do adquirente.”

Declarando, in fine, que: “A alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretada no sentido de que a expressão «os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente... no momento em que a operação se realiza» se aplica à diferença entre o preço de venda normal a retalho dos artigos fornecidos e a quantia em dinheiro efectivamente recebida pelo retalhista por esses artigos, quando este aceita do cliente um cupão que lhe foi dado pelo retalhista aquando de uma compra anterior efectuada ao preço de venda normal a retalho[15].”

Com efeito, o TJUE tem entendido, a propósito, designadamente, de campanhas promocionais realizadas com vales de desconto ou cupões, que apenas devem ser incluídas no valor tributável as quantias efetivamente recebidas pelo sujeito passivo e não os valores nominativos constantes dos vales utilizados/rebatidos pelos clientes, relativamente aos quais não foi recebida qualquer contraprestação [16], ou foi recebido um pagamento inferior ao valor nominal do vale, caso em que deve prevalecer a consideração do montante realmente recebido pelo fornecedor pela venda do vale e não o valor facial[17].

Patrícia Noiret Cunha[18], neste particular elucida que “A contraprestação foi definida pelo TJ no acórdão batatas holandesas como devendo ser real e efectiva, susceptível de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva”. Densificando, depois que “[a] apreciação da contraprestação tem um cariz subjectivo, na medida em que é necessário partir dos dados reais da operação em causa, analisando o valor efectivamente recebido em cada operação individualmente considerada. A necessidade de avaliação subjectiva foi afirmada nos acórdãos batatas holandesas e Hong Kong.”

Ora, face ao supra aludido conclui-se que o valor tributável é constituído por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado, tendo, naturalmente, de existir um vínculo direto entre o serviço prestado e o valor recebido para que uma prestação de serviços seja tributável[19], sendo que essa contrapartida, como visto, é um valor subjetivo, uma vez que a matéria coletável é a contrapartida efetivamente recebida e não um valor calculado segundo critérios objetivos.

Tecidos os considerandos supra expendidos, e aplicando-o ao recorte fático dos autos não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido no erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, porquanto o mesmo adotou, conforme de forma clara e bem fundamentada explicitou na decisão recorrida, o cômputo de acordo com o valor subjetivo.

De relevar, ab initio, que contrariamente ao expendido pela Recorrente o Tribunal a quo não desvirtuou as diversas realidades contratuais existentes bastando, desde logo, relevar que na fundamentação de direito faz expressa alusão aos diferentes contratos estabelecidos e às diferenças estabelecidas entre contratos com TAN de 0,00% e taxa superior a 0,00%.

Com efeito, o que fez foi atentando à realidade contratual subjacente, mormente, à circunstância de que o preço/contrapartida ser pago pela sociedade financeira e não pelo consumidor final, valorar e computar o preço, efetivamente, recebido em ordem a tributar o preço real, em nada traduzindo tal esteira de entendimento, uma confusão conceptual com o gasto em sede de IRC e à natureza dos encargos dos clientes, conforme evidenciou em D).

Em nada relevando, neste e para este efeito, o aduzido em G) e H), por se concatenar com uma mera nomenclatura, sendo que a realidade fática tem de ser analisada numa perspetiva de conjunto, concretamente da realidade contratual, com o valor, efetivamente, pago, por forma a aquilatar-se o aduzido preço real, donde o valor da contraprestação e competente valor tributável.

Conforme é expendido na decisão recorrida e cujo entendimento validamos por consubstanciar a realidade contemplada no probatório e as diretrizes de atuação das entidades intervenientes, existe “[u]ma primeira relação comercial/contratual, entre a Impugnante e o cliente, de onde resulta a fixação do preço de venda a prestações, o número de prestações e o montante de cada prestação, cláusulas que são coincidentes com as estabelecidas entre a sociedade financeira e o cliente, estas, já no âmbito de uma segunda relação comercial/contratual.

Por último, a terceira relação comercial/contratual entre a Impugnante e a sociedade financeira, onde esta última informa a Impugnante do valor do crédito concedido ao cliente, dos valores retidos a título “despesas/serviços” e correspondentes “impostos – imposto do selo”, e do valor transferido para a conta bancária da Impugnante, que corresponde ao valor do crédito concedido, deduzido da retenção das despesas e impostos.”

Pelo que, como é bom de ver, não logra provimento a asserção de partiu de um exemplo singular para extrapolar para todos os demais contratos celebrados e para todos os operadores financeiro envolvidos, aliás basta uma leitura atenta da decisão recorrida para verificar que a mesma individualizou cada uma das situações contratuais densificando as respetivas particularidades a ele atinentes e depois concluiu pela existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

De relevar, outrossim, que não assiste razão à Recorrente no evidenciado em 13), e N), isto porque conforme resulta do probatório, mormente, ponto 19)-não impugnado- as sociedades financeiras não procediam ao reembolso do valor contratualizado na primeira relação contratual estabelecida entre o vendedor e o comprador, porquanto o valor transferido para a conta bancária da Recorrente, corresponde ao valor do crédito concedido, deduzido dos encargos financeiros melhor elencados nesse ponto. Pelo que, tais ajustamentos negativos deveriam ter sido levados em consideração como fez o Tribunal a quo.

Não se percecionando, igualmente, o evidenciado em 30), quando confrontado com o Anexo II ao Relatório de Inspeção Tributária, contemplado no ponto 17) do probatório, porquanto nele é evidenciado que tendo a Recorrente faturado o valor de €1.088,03, foi computado como “vendas não faturadas” €343,57, donde base tributável em falta €279,33, e IVA em falta de €64,25.

Com efeito, e no sentido ajuizado na decisão recorrida, e tomando por base esse mesmo contrato celebrado com o cliente J….., com o NIF ….., infere-se que o valor da venda foi de €884,58, acrescido de IVA no montante de € 203,45, perfazendo o total de € 1.088,03. O valor do crédito concedido ao cliente foi, efetivamente, de €1.431,60, sendo que a sociedade financeira debitou encargos a cargo do cliente, no montante de €343,58, transferindo para a Recorrente o valor de €1.088,02. Ora, como é bom de ver, foi precisamente o valor da fatura emitida ao cliente.

Donde, assiste razão ao juízo firmado pelo Tribunal a quo no sentido de que “[o] cliente adquire o bem à Recorrente pelo preço de € 1.088,03, com IVA incluído, pagando pelo negócio, por via do recurso ao crédito, o montante total de € 1.431,60, que engloba o valor do bem adquirido (capital: € 1.088,03), acrescido do valor dos serviços (incluindo o respetivo imposto do selo) prestados pela sociedade financeira (€ 343,58).”

Note-se que, tal é o que se encontra plasmado no Relatório de Inspeção Tributária do qual se extrata que “O consumidor autoriza a entrega direta do montante mutuado ao fornecedor dos bens ou serviços (ponto 6.1 do contrato), ficando o mesmo obrigado ao reembolso do montante do crédito, acrescido de despesas e juros, à sociedade financeira (ponto 7 do contrato).”

De resto, e a corroborar o supra exposto, importa ter presente o clausulado nos contratos outorgados entre a Recorrida e o cliente, mormente, cláusula segunda, e bem, assim, a ratio subjacente à outorga dos mesmos, concretamente, garantir o bom pagamento do produto vendido, daí constar da Cláusula Primeira que a Impugnante “vende ao comprador a prestações e com reserva de propriedade”: a prestações porque o cliente vai recorrer ao crédito, através de um contrato celebrado com uma sociedade financeira; com reserva de propriedade, para garantir que a Impugnante fica com o bem em caso de incumprimento do cliente” validando-se, nessa medida, o asseverado na decisão recorrida.

E por assim ser, as aludidas correções concatenadas com os “encargos financeiros”, são ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, conduzindo à anulação das respetivas liquidações, nessa exata medida.

Assim, face a todo o exposto, e fazendo um cômputo particular, entenda-se por cada sociedade financeira envolvida, anui-se com o ajuizado pelo Tribunal a quo, pelo que resulta que no atinente à sociedade C….. que foi indevidamente liquidado IVA, no ano de 2013, no montante de €5.955,34 (encargos financeiros: € 31.848,12/1,23 = € 25.892,78 x 23% = € 5.955,34). E no que respeita ao ano de 2014, foi indevidamente liquidado IVA o montante de €4.432,96 (encargos financeiros: € 23.706,68/1,23 = € 19.273,72 x 23% = € 4.432,96).

No concernente à sociedade C….., relativamente ao ano de 2013, foi ilegalmente considerado na base tributável de IVA, o montante de € 169.542,93 (€ 208.537,81/1,23), correspondendo a imposto ilegalmente liquidado no montante de € 38.994,87 (€ 208.537,81/1,23 = € 169.542,93 x 23%), e quanto ao ano de 2014, foi ilegalmente considerado na base tributável de IVA, o montante de € 87.951,98 (€ 108.180,94/1,23), correspondendo a imposto ilegalmente liquidado no montante de € 20.228,96 (€ 108.180,94/1,23 = € 87.951,98 x 23%).

Por último, no atinente à sociedade C….., no respeitante ao ano de 2013, foi ilegalmente liquidado o IVA de € 11.820,37 (€ 63.213,28/1,23 = € 51.392,91 x 23%), e no ano de 2014, foi ilegalmente liquidado o IVA de €5.760,04 (€ 30.803,71/1,23 = € 25.043,67 x 23%), acrescido do IVA ilegalmente liquidado nas faturas emitidas, no montante de € 951,39.

Destarte, as liquidações impugnadas devem ser anuladas nessa exata medida, concretamente, €56.770,58 (2013) e de €31.373,35 (2014), acrescidos dos competentes juros compensatórios.

E por assim ser, tendo a decisão recorrida decidido nesse sentido, nenhuma censura merece a mesma, improcedendo, na íntegra, todos os argumentos aduzidos pela Recorrente DRFP, razão pela qual a sentença visada se mantém na ordem jurídica nos exatos termos decididos.


***

Uma nota final quanto à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, constante no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

A DRFP sustenta que atento o valor do processo e tendo feito um ajustado uso da instância, que em matéria de cálculo da taxa de justiça por si devida, seja determinada a aplicação do artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Apreciando.

No Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014[20]: resulta claramente que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

Mais importa reter que, pese embora o citado normativo aluda apenas a dispensa, deve ser interpretado no sentido de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o valor de 275.000,00 Eur. consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade[21].

Ora, tendo presente os considerandos supra aludidos, ajuíza-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos da Tabela I.B., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante, se entender que, face à complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos e à atuação das partes, dispensar o pagamento de 75% do remanescente da taxa de justiça.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-Ordenar o desentranhamento e restituição à Recorrente “I….., lda” dos documentos juntos a fls. 1354 a 1359 dos autos.

 -NEGAR PROVIMENTO a ambos os Recursos, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela I….., lda pelo incidente reportado à junção indevida de documentos em sede de instância recursória, fixando-se, a taxa de justiça em 1 UC.

Custas pela I….., lda e pelo DRFP, na respetiva proporção do decaimento que se fixa em 72% e 28%, respetivamente, com a dispensa do pagamento de 75% do remanescente da taxa de justiça.

Registe. Notifique.


Lisboa, 24 de junho de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

____________________
[1] Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 07915/14, de 08 de junho de 2017.
[2] Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.
[3] Cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 312/17.4 BEBJA, de 25.01.2018; Vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230.
[4] In Acórdão do STJ, prolatado no âmbito do processo nº 1130/18.8 FNC.L1.S1 de 06.11.2019
[5] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
[6] Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015,  1060/07.
[7] Vide, designadamente, Acórdão do STJ datado de 19/02/2015, proferido no processo nº 299/05.06TBMGD.P2.S1.
[8] Conforme doutrina o Ac. STJ. de 03/03/2016, no processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S.
[9] Vide neste sentido, designadamente, Acórdãos TJUE Mahagében e Dávid, C 80/11 e C 142/11; Bonik, C 285/11; e Petroma Transports C 271/12, e demais jurisprudência aí citada, todos disponíveis em http://curia.europa.eu
[10] Para o efeito, atente-se, designadamente, nos Acórdãos Dankowski, C 438/09; Tóth, C 324/11; Petroma, C-271/12, Senatex, C‑518/14, Paper Consult, C‑101/16, e jurisprudência aí referida disponíveis em http://curia.europa.eu.
[11] Vide, designadamente, o já citado Aresto Paper Consult, C‑101/16.
[12] O Imposto Sobre o Valor Acrescentado-Almedina, Reimpressão, fevereiro 2020, pp.281 e 282.
[13] Ob. Cit., p.283.
[14] Ob. Cit, 287.
[15] Esta temática veio ainda a ser discutida e clarificada pelo TJUE, designadamente, nos Acórdãos relativos aos processos C-566/07, C-489/09 e C-588/10.
[16] Conforme enunciado no Aresto supra citado.
[17] Vide Acórdão do TJUE, C-288/94- Argos, de 24.10.1996.
[18] Anotações ao CIVA e RITI, Instituto Superior de Gestão:2004:pp.256 e 257.
[19] Proc.º C-89/81-Hong Kong Trade Development Council : “(...) que as operações tributáveis pressupõem, no âmbito do sistema do IVA, a existência de uma transacção entre as partes com a estipulação de um preço ou de um contravalor. Daí o Tribunal de Justiça deduziu que, quando a actividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida directa, não existe matéria colectável não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA.”
[20] integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[21] Vide, designadamente, Aresto do STA, proferido no processo nº 0798/15, de 18.10.2017.