Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05812/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/20/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:CONCURSO DE VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS.
DÍVIDAS À SEGURANÇA SOCIAL.
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO.
Sumário:1.Os créditos por contribuições à Segurança Social a cargo das entidades patronais, apenas conferem privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património destas, à data da instauração do processo executivo;

2. Assim, a posterior reversão da execução contra o responsável subsidiário pelo pagamento de tal dívida e à penhora de bem imóvel deste, não lhe pode ser aplicada a norma do art.º 11.º do Dec-Lei n.º 103/80, e nem a lei lhe confere qualquer outra garantia real ou privilégio imobiliário para tais créditos virem a ser graduados pelo produto da venda deste imóvel.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Instituto da Segurança Social, IP, identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que lhe não reconheceu e nem graduou os créditos por si reclamados, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) Não foram reconhecidos os créditos reclamados pelo ISS, I.P., com o fundamento que o bem imóvel penhorado pertence ao sócio gerente da executada, pelo que, os créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social - Centro Distrital de Beja, relativos a contribuições para a Segurança Social da sociedade não gozam de privilégio imobiliário.
B) Estamos perante uma execução fiscal pelo que é aplicável o regime jurídico contido no CPPT, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/99, 26 de Outubro.
C) Nos termos do n.º 2 do artigo 153° do CPPT, são chamados à execução os responsáveis subsidiários desde que verificada a inexistência de bens penhoráveis do devedor ou da fundada insuficiência.
C) Prevê o artigo 159° do CPPT, que, no caso de substituição tributária e na falta ou insuficiência de bens do devedor, a execução reverterá contra os responsáveis subsidiários.
E) No âmbito do regime jurídico vigente - lei Geral Tributária e CPPT - a responsabilidade dos administradores ou gerentes define-se em relação ao período de exercício da respetiva administração ou gerência.
F) O Decreto-lei n.º 42/2001, 9 de Fevereiro, conferiu à Segurança Social os meios processuais para efetivar a responsabilidade subsidiária dos gerentes das sociedades comerciais, determina em que em tudo o que não estiver regulado neste diploma será aplicada a legislação especifica da Segurança Social, a lei Geral Tributária e o CPPT.
G) As contribuições obrigatórias para a Segurança Social a cargo das entidades patronais, constituem verdadeiros impostos, sendo de aplicar quanto ao regime da responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes pelo seu pagamento, o regime estabelecido no CPPT (v. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Março de 2011, disponível em http://tca.vlex.pt/vid/258312674), em tudo o que não estiver previsto no Decreto-lei 42/2001 e na legislação específica da Segurança Social.
H) Os créditos relativos a contribuições para a Segurança Social gozam de privilégio imobiliário geral, conforme o disposto atualmente no artigo 205° do CRC, devendo ser graduados como dispõe o artigo 748° do Código Civil.
I) O referido privilégio é conferido por lei, pelo que só pode estar em causa a graduação do crédito assim qualificado designadamente face a outras garantias constituídas sobre o mesmo bem, mas nunca a qualificação do crédito como privilegiado, pelo que não se entende a decisão, contida na sentença a quo, no sentido que os créditos relativos a contribuições para a Segurança Social da sociedade "não gozam, aqui, de privilégio imobiliário".
J) Incorreu a Meritíssima Juiz "a quo” em erro notório, ao decidir não graduar os créditos da Segurança Social por dívida de contribuições e juros, não considerando os mesmos como privilegiados, uma vez que, o bem penhorado é propriedade do sócio gerente da executada.
K) Contudo, a natureza de créditos privilegiados relativamente aos créditos da Segurança Social, mantêm-se uma vez que, o bem penhorado responde pelo pagamento de tais créditos.
L) Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no Processo n.º 0041842 "...proferido despacho em processo de execução fiscal... de reversão dessa execução contra os sócios gerentes da sociedade executada, por dívidas à Segurança Social, em posterior execução para pagamento de quantia certa ..., na Reclamação de Créditos mantêm-se a natureza dos créditos privilegiados quanto a tais créditos da Segurança Social.
TERMOS NOS QUAIS DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, E CONSEQUENTEMENTE:
I. Revogada a decisão recorrida, na parte em que não reconhece os créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Distrital de Beja, decidindo-se nos termos das conclusões apresentadas.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por as contribuições para a Segurança Social, na parte relativa à entidade patronal, constituírem verdadeiros impostos, pelo que os bens do devedor subsidiário respondem pelo pagamento das dívidas nos mesmos termos que os do devedor originário.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se as dívidas por contribuições à Segurança Social a cargo da entidade patronal, gozam de privilégio imobiliário geral sobre o bem imóvel do responsável subsidiário, penhorado e vendido.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) O processo de execução fiscal nº …………………, foi autuado em 2003.11.06, no Serviço de Finanças de ………., contra P………….. - Actividades ………….. e ……………………., Lda., por dívidas de IRC do exercício de 1999;
B) Por despacho de 2007.11.07, a execução fiscal foi revertida contra António ……………………… (cf. fls. 37 do PEF junto);
C) Em 2007.11.20, foi penhorado 1/2 do prédio urbano, inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de S. João Batista sob o artigo …………º, descrito na Conservatória do Registo Predial de …………. sob o nº ………………. (inscrita a penhora através da ap. 26 de 2007.11.23);
D) E, em 2007.11.21, foi penhorado o direito que António ……………. detém na herança aberta por óbito de Maria ……………….., relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de S. João Batista sob o artigo ………..º, descrito na Conservatória do Registo Predial de …………. sob o nº ………………………. (inscrita a penhora através da ap. 23 de 2007.11.23);
E) Sobre este prédio incidem também os seguintes ónus ou encargos:
a. Ap. 26 de 2006.11.03 - Penhora - Data da Penhora: 2006.10.23 - Quantia Exequenda: (240,12 - Sujeito Activo: Fazenda Pública (...);
b. Ap. 23 de 2007.11.23 - Penhora - Data da Penhora: 2007.11.21 - Quantia Exequenda: (32 502,19 - Sujeito Activo: Fazenda Pública (...);
c. Ap. 24 de 2007.11.23 - Penhora - Data da Penhora: 2007.11.21 - Quantia Exequenda: (8 110,01 - Sujeito Activo: Fazenda Pública (...);
d. Ap. 25 de 2007.11.23 - Penhora - Data da Penhora: 2007.11.21- Quantia Exequenda: (63.649,42 - Sujeito Activo: Fazenda Pública (...);
e. Ap. 26 de 2007.11.23 - Penhora - Data da Penhora: 2007.11.20- Quantia Exequenda: (32.502,19 - Sujeito Activo: Fazenda Pública (...);
f. Ap. 27 de 2007.11.23 - Penhora - Data da Penhora: 2007.11.20 - Quantia Exequenda: (8.110,01 - Sujeito Activo: Fazenda Pública (...);
g. Ap. 28 de 2007.11.23 - Penhora - Data da Penhora: 2007.11.21 - Quantia Exequenda: (63.649,42 - Sujeito Activo: Fazenda Pública (...);
F) O bem penhorado já foi tomado em definitivo por Manuel António Azedo, mediante a contrapartida de (15.731,00.

b) Motivação
Os factos apurados resultam dos documentos e informações constantes do processo.


4. Para não graduar os créditos reclamados pelo ora recorrente, no presente concurso de credores, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que os créditos reclamados pelo ora recorrente não gozam de privilégio imobiliário geral sobre o bem imóvel em causa, já que este não constituía um bem existente no património da executada na data da instauração da acção executiva, antes constituindo um bem do devedor subsidiário pelo pagamento dessas dívidas, a que a lei não atribui qualquer privilégio ou outra garantia real.

Para o credor reclamante e ora recorrente, é contra esta argumentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o assim decidido em ordem à sua revogação, pugnando que a responsabilidade do devedor subsidiário pelo pagamento desta dívida também o abrange, sendo tais contribuições obrigatórias para a Segurança Social verdadeiros impostos, gozando os créditos da Segurança Social de privilégio imobiliário geral, com assento, actualmente, no art.º 205.º do CRC, mesmo sobre os bens do devedor subsidiário.

Vejamos então.
Nos termos do disposto nos art.ºs 239.º a 247.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que regula, em parte, a convocação dos credores e a verificação dos créditos, no âmbito da execução fiscal em que nos encontramos, esta admite, apenas, como credores reclamantes, aqueles credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados – cfr. n.º2 do art.º 240.º do mesmo CPPT – sendo contudo subsumível, nesta garantida real, qualquer credor que, relativamente aos bens penhorados, possua um direito de vir a ser pago pelo produto da sua venda, à frente dos credores comuns, ou seja, que possua uma garantia especial pelo cumprimento dessa obrigação, como constituem os privilégios imobiliários, nos termos do disposto nos art.ºs 623.º e segs e 743.º e segs do Código Civil, pelo que também os privilégios creditórios, como o invocado pelo ora recorrente podem ser reclamados nas execuções fiscais, por se encontrarem acobertados por tal garantia real, como constitui jurisprudência corrente (1).

A outra parte da regulamentação da convocação dos credores e da verificação dos créditos, encontra assento nas normas gerais dos art.ºs 864.º e segs do Código de Processo Civil (CPC), por expressa remissão do art.º 264.º do mesmo CPPT, sendo que também nestas normas gerais, só os credores com garantia real sobre os bens penhorados, podem reclamar e ver graduados os seus créditos, sobre o produto da venda dos mesmos.

No caso, na sentença recorrida, a M. Juiz do Tribunal “a quo”, entendeu e decidiu que os créditos reclamados pelo ora recorrente, apenas beneficiavam do privilégio imobiliário geral nas condições previstas no art.º 11.º do Dec-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, em cuja letra parece restringir tal privilégio aos bens existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, o que não era o caso dos autos, já que se tratava de um bem imóvel do devedor subsidiário, que não satisfazia assim tais condições.

Argumentação esta que o ora recorrente, directamente, não faz controverter, antes fazendo apelo ao regime da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores pelos pagamentos das dívidas relativas a tais contribuições, no âmbito dos art.ºs 22.º e segs da LGT, questão que não se encontra aqui em causa, mas sim se o mesmo recorrente dispõe, sobre tal bem imóvel penhorado e vendido, de qualquer garantia real, ou privilégio imobiliário que, como acima se fundamentou, igualmente naquela se subsume, sendo certo que tal privilégio imobiliário apenas por lei poderá ser atribuído.

E a lei, na norma do citado art.º 11.º do Dec-Lei n.º 103/80, de 9/5, apenas concede tal privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil, desta forma, não abrangendo o imóvel penhorado e vendido na presente execução fiscal (2) estas características, desde logo, por não ser pertença dessa entidade patronal originária devedora, mas sim do responsável subsidiário pelo pagamento de tal dívida, onde não havendo que confundir tal eventual responsabilidade subsidiária pelo pagamento dessas dívidas a cargo do gerente ou administrador, com a existência de tal privilégio imobiliário sobre tal bem, pelo que na falta de lei que lho atribua, nestas circunstâncias, não goza o mesmo de tal direito de ver tais créditos graduados pelo produto da venda desse bem como credor munido de garantia real, pelo que a sua pretensão não pode ser atendida.

Invoca o recorrente, na matéria da sua conclusão H), que tal invocado privilégio tem, actualmente, assento no art.º 205.º do CRC, o que não resiste à mais leve crítica, desde logo por a mesma norma do art.º 205.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pelo art.º 1.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, apresentar uma redacção semelhante à até então vigente no art.º 11.º do citado Dec-Lei n.º 103/80, onde apenas concedia tal privilégio imobiliário sobre os bens imóveis nas circunstâncias acima descritas, que não também sobre os bens imóveis existentes no património do responsável subsidiário pelo pagamento de tais dívidas, para além de que tal Código apenas se encontrava previsto para entrar em vigor em 1-1-2010, por força do art.º 6.º de tal Lei, onde também dispunha, que a revogação dos diplomas que enumera no seu art.º 5.º, entre eles o citado Dec-Lei n.º 103/80, apenas produzia efeitos desde a data da sua entrada em vigor, não podendo por isso ser aplicável à presente execução fiscal instaurada em 2003 – cfr. matéria da alínea A) do probatório da sentença recorrida – já que também lhe não foi atribuída eficácia retroactiva, pelo que nunca teria aplicação no presente concurso de verificação e graduação de créditos.


Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.


Lisboa,20 de Novembro de 2012
Eugénio Sequeira
Joaquim Condesso
Lucas Martins

(1) Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 4-5-2011 e de 14-12-2011, recursos n.ºs 725/10 e 984/11, respectivamente.
(2) Cfr. no mesmo sentido, em casos paralelos, os acórdãos do STA de 16-2-2000 e de 6-4-2005, recursos nºs 24078 e 11/05, respectivamente.