Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06732/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/31/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
EXERCÍCIO DE ADMINISTRAÇÃO/GERÊNCIA ATRAVÉS DE PROCURAÇÃO.
UTILIZAÇÃO DE PRESUNÇÃO JUDICIAL BASEADA NAS REGRAS DA EXPERIÊNCIA. ARTº.351, DO C.CIVIL.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.8, Nº.1, DO R.G.I.T.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.

2. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.

3. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.

4. Ao abrigo de qualquer dos regimes examinados é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.

5. A jurisprudência e doutrina, com a qual concordamos, tem vindo a ser uniforme no sentido de que, na situação existente nos presentes autos (presença de procuração passada a favor de terceiro), deve entender-se que o administrador ou gerente exerceu a gerência de facto, mesmo que não tenha tido qualquer intervenção pessoal na vida da empresa, para além de nomeação de um procurador para o substituir.

6. Levando em consideração que o opoente era o único gerente da empresa e que a sua assinatura obrigava a mesma, legítimo será presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência - artº.351, do C.Civil) o exercício continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade.

7. O regime de responsabilidade subsidiária previsto no artº.8, nº.1, do R.G.I.T., reveste natureza civil e não padece de qualquer inconstitucionalidade, conforme jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, a qual subscrevemos.

8. Ao abrigo do mencionado regime, em qualquer das alíneas do preceito (als.a) e b), do nº.1, do artº.8, do R.G.I.T.), não existe responsabilidade sem que o não pagamento da multa ou coima seja imputável ao responsável subsidiário, por lhe ser imputável a génese da insuficiência global do património da pessoa colectiva ou a concreta falta de pagamento. Também em ambos os casos, a imputabilidade da falta de pagamento não se presume, não sendo à pessoa que exerce a administração/gerência que cabe o ónus da prova da insuficiência do património ou da falta de pagamento não lhe ser imputável. Tal ónus cabe à Fazenda Pública.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Beja, exarada a fls.113 a 141 do presente processo, através do qual julgou procedente a oposição pelo recorrido, Paulo ………………, intentada visando a execução fiscal nº………………. e apensos, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Sines, contra este revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A., dos anos de 2008 e 2009, e Coimas Fiscais de 2010, no montante total de € 165.729,72.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.160 a 172 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-É unânime o entendimento da jurisprudência quanto à responsabilidade subsidiária do gerente de direito que outorga procuração a terceiro para o exercício da gerência facto de uma sociedade, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante;
2-De outro modo, qualquer gerente de direito se poderia eximir, por acto voluntário e unilateral, à sua responsabilidade, mediante a outorga de procuração a terceiro para o exercício das funções de administração ou gerência;
3-São considerados gerentes de facto e consequentemente responsáveis tributários subsidiários, aqueles que, sendo gerentes de direito, outorguem procuração a terceiro para a exercício da gerência de facto;
4-Sendo a gerência de direito do oponente indiscutível e, não se tendo verificado a renúncia ao cargo, tudo se passa como se fosse o próprio a realizar os actos para cuja prática o mandato foi outorgado, até porque, legalmente, a sociedade não poderia funcionar sem a sua intervenção;
5-O próprio oponente afirma na petição inicial (artigo 20.º) que assinou documentação relacionada com a sociedade, designadamente Segurança Social e IEFP, ou seja, praticou no exercício temporal aqui relevante actos que consubstanciam o exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária;
6-De modo que, deve operar a presunção de culpa funcional ínsita no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T.;
7-O oponente não cumpriu diligentemente com os seus deveres de gerência, ao conformar-se com a actuação de um terceiro, seu mandatário, que se veio a revelar negligente, face ao incumprimento das dívidas fiscais;
8-Ainda que o oponente não tenha assumindo ele próprio a gerência de facto da sociedade, mas intermediando essa função em terceiro, através de procuração, é responsável pelo destino da sociedade e por todos os actos de gestão e administração da mesma, pois de outra forma, estaria a eximir-se a um dever que lhe foi atribuído, em exclusivo, aquando da sua designação pela assembleia-geral da sociedade;
9-Assim, não tendo o oponente enquanto gerente único daquela sociedade, logrado fazer prova de que o incumprimento das dívidas ora em apreço não são da sua responsabilidade, deve concluir-se, num juízo de normalidade, que não usou da diligência de um “bonus pater familiae”, e, assim, que não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia;
10-No que concerne à reversão das dívidas relativas a coimas, cabe-nos referir que a mesma foi efectuada nos termos do disposto no artº.8, do R.G.I.T.;
11-A Administração Fiscal está vinculada ao cumprimento da legalidade, não lhe sendo possível afastar a aplicação de qualquer norma legal, por eventual inconstitucionalidade, enquanto essa inconstitucionalidade não for declarada com força obrigatória geral, por quem tem essa competência, ou seja, o Tribunal Constitucional (TC);
12-O Plenário do Tribunal Constitucional decidiu, no Acórdão nº.437/11, de 3 de Outubro, não julgar inconstitucional a norma do artº.8, nº.1, do R.G.I.T., quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora;
13-Os autos revelam que os procedimentos de gerência do oponente nos períodos em causa, são susceptíveis de censura, e que nas circunstâncias concretas podia e devia ter agido diversamente, pelo que em relação às contraordenações tem também de prevalecer a responsabilidade subsidiária do oponente;
14-Nada há a censurar na reversão subjudice, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica do oponente;
15-O oponente exerceu uma gerência efectiva ou de facto que se traduziu na prática de actos de gestão ou disposição em nome e no interesse da sociedade susceptíveis de impossibilitar o pagamento dos créditos em execução;
16-O oponente é responsável pelo pagamento da dívida e deve ser considerado parte legítima na presente execução, mantendo-se o despacho que contra ele decretou a reversão;
17-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vossas Excelências se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a oposição improcedente por provada a legitimidade do oponente, tudo com as devidas legais consequências.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.188 a 192 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.194 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.118 a 125 dos autos):
1-Em 2010/11/12, no Serviço de Finanças de Sines, foi autuado o processo de execução fiscal (PEF) nº……….., contra “C….. - Empresa ……………., Lda.”, com sede na Zona Industrial Ligeira II, Lote …….., Sines (cfr.capa do processo de execução fiscal apenso);
2-Tem por base:
a)Certidão de dívida nº.2010/5000484, emitida em 2010/11/11, que atesta que “C…… - Empresa ……………, Lda.”, é devedora de € 3.590,89, dos quais € 3.539,89 de coima e € 51,00 de encargos, com pagamento voluntário até 2010/11/02, acrescido de juros de mora contados a partir de 2010/11/03, sobre € 51,00 (cfr.documento junto a fls.2 do processo de execução fiscal apenso);
b)O PEF nº…………….., foi instaurado no Serviço de Finanças de Sines contra “C………- Empresa ……………, Lda.”, com sede na Zona Industrial Ligeira II, Lote……., Sines, por dívidas coimas e encargos (cfr.documento junto a fls.25 do processo de execução fiscal apenso);
c)O PEF nº………………., foi instaurado no Serviço de Sines contra C……… - Empresa ………………, Lda., com sede na Zona Industrial Ligeira II, Lote 2……….., Sines, por dívidas coimas e encargos (cfr.documento junto a fls.25 do processo de execução fiscal apenso);
d)O PEF nº…………, foi instaurado no Serviço de Sines contra “C……. - Empresa de ……….., Lda.”, com sede na Zona Industrial Ligeira II, Lote ……., Sines, por dívidas de I.V.A., do período de 2008/01/01 a 2008/12/31, no montante de € 13.078,11, com data limite de pagamento voluntário de 2010/10/21 (cfr.documento junto a fls.25 do processo de execução fiscal apenso);
e)O PEF nº…………, foi instaurado no Serviço de Sines contra “C……..- Empresa de ……………., Lda.”, com sede na Zona Industrial Ligeira II, Lote ……., Sines, por dívidas coimas e encargos (cfr.documento junto a fls.25 do processo de execução fiscal apenso);
f)O PEF nº…………., foi instaurado no Serviço de Sines contra “C……… - Empresa de ………….., Lda.”, com sede na Zona Industrial Ligeira II, Lote………, Sines, por dívidas de I.V.A., do período de 2009/01/01 a 2009/12/31, no montante de € 148.518,72, com data limite de pagamento voluntário de 2010/11/04 (cfr.documento junto a fls.25 do processo de execução fiscal apenso);
3-Em 2010/12/27, por despacho do Chefe de Finanças foi ordenada a preparação do processo para reversão contra o oponente (cfr.documento junto a fls.13 do processo de execução fiscal apenso);
4-Na mesma data foi enviado ofício normalizado de notificação audição-prévia (Reversão) (cfr.documento junto a fls.17 do processo de execução fiscal apenso);
5-Por despacho de 2010/12/30, constante de fls.19 do processo de execução fiscal apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a execução fiscal foi revertida contra o oponente; deste despacho, com interesse para a decisão, transcreve-se:

a. (...);

b. Fundamentos da reversão:

c. Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [artigo 24/1. b) LGT];

d. Identificação da dívida em cobrança coerciva

i. (…)
ii. Total da quantia exequenda € 165.729,72;
iii. (…)

e. (...);
6-Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2011/01/11, foi enviado ao oponente ofício normalizado Citação (Reversão) (cfr.documentos juntos a fls.21 a 24 do processo de execução fiscal apenso);
7-Em 2011/02/07, no serviço de Finanças de Sines, deu entrada a presente oposição (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.6 dos presentes autos);
8-Segundo o pacto social, Carlos ………………, é sócio da sociedade “C………. - Empresa ………….., Lda.” (cfr.documento junto a fls.4 a 6 do processo de execução fiscal apenso);
9-Carlos ……………. foi gerente da sociedade desde a fundação e até à renúncia em 2007/11/23 (cfr.documentos juntos a fls.4 a 7 do processo de execução fiscal apenso);
10-Na mesma assembleia-geral da sociedade, realizada em 2007/11/23, o oponente foi nomeado gerente (cfr.documento junto a fls.7 do processo de execução fiscal apenso);
11-Em 2007/12/12, constituiu bastante procurador da sociedade Carlos …………….., através de procuração constante de fls.12 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, concedendo poderes para: cobrar e receber todas as quantias valores e rendimentos, certos ou eventuais, vencidos ou a vencer, que lhe pertençam ou venham a pertencer, seja qual for a sua proveniência, designadamente capitais depositados ou emprestados, rendas, dividendos ou juros; para movimentar contas bancárias, fazendo depósitos e levantamentos e sacando cheques, designadamente gestão de cheques pré-datados; conceder avales, aceitar letras, sacar letras, assinar livranças assim como pedir garantias bancárias, para aceitar e despedir pessoal, ao serviço da sociedade mandante; para usar ou desistir do direito de preferência que lhe pertença em contratos; para contratar e transigir a respeito de qualquer negócio ou assunto em que a sociedade mandante seja interessada; para comprar e arrematar bens imóveis, em praça pública ou particularmente, assinar contratos de leasing e de aluguer de longa duração ou de factoring, para vender, trocar ou de qualquer forma alienar bens móveis, que pertençam à sociedade mandante; liquidar contas com devedores e credores, fixar saldos, fazer e aceitar cessões de crédito; para a representar junto das Câmaras Municipais e aí requerer quaisquer actos ou pedidos, designadamente representando a sociedade em escrituras de alteração ou constituição de direitos de superfície, nos termos e condições que entender, assim como o representar junto de quaisquer outras repartições ou serviços públicos, em todos os assuntos em que seja interessada; para requerer todos e quaisquer registos prediais, provisório ou definitivo, inclusivamente averbamentos e cancelamentos, fazendo declarações complementares, apresentando títulos e documentos e recebendo-os, para nas repartições de Finanças fazer requerimentos, para reclamar contra o lançamento de colectas indevidas e as importâncias destas, para receber custas de parte em quaisquer processos, levantando e recebendo cheques, precatórios cheques de qualquer quantia exequenda; para outorgar escrituras nos termos e com as cláusulas que entender, passar recibos, dar quitação, assinando todos os contratos e demais documentos públicos ou particulares necessários para a cabal e perfeita realização do presente mandato; representar a sociedade junto da Segurança Social e aí efectuar quaisquer acordos de pagamento ou confissão de dívida, representar a sociedade junto da Inspecção-geral de Trabalho e aí apresentar reclamações ou impugnações ou tratar de quaisquer assuntos relacionados com a sociedade mandante; Mais lhe confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os especiais para confessar, desistir e transigir, devendo substabelecer os mesmos em pessoa habilitada sempre que haja necessidade de recorrer a juízo (cfr.documento junto a fls.12 dos presentes autos);
12-Por despacho de 2010/12/30, constante de fls.22 do PEF, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a execução fiscal foi revertida contra Carlos …………….; deste despacho, transcreve-se:

a. (...);
b. Fundamentos da reversão:
c. Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [artigo 24/1.b) LGT];
d. Identificação da dívida em cobrança coerciva

i. (…)
ii. Total da quantia exequenda €165.729,72;
iii. (…)

e. (…)
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão não se provaram outros factos…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas ouvidas que os confirmaram…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
13-A partir de 23/11/2007, o opoente e ora recorrido, Paulo ………….., com o n.i.f. 219 881 448, passou a ser o único gerente da sociedade executada originária, “C………. - Empresa ……………, L.da.”, no âmbito do processo de execução fiscal nº……………. e apensos, o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Sines (cfr.documentos juntos a fls.4 a 7 e 11 do processo de execução fiscal apenso);
14-A procuração identificada no nº.11 supra do probatório foi passada pelo opoente e ora recorrido, enquanto gerente e em nome e representação da sociedade executada originária (cfr.documentos juntos a fls.12 e 13 dos presentes autos);
15-Em 1/2/2008, o opoente/recorrido apresentou junto dos serviços da A. Fiscal declaração de alterações de actividade da sociedade executada originária, na qual, além do mais, se identifica como único gerente da mesma empresa, declaração esta assinada por Paulo ………………… como representante legal do sujeito passivo (cfr. documentos juntos a fls.8 a 10 do processo de execução fiscal apenso);
16-No âmbito do processo de execução fiscal nº………….. e apensos foram revertidas contra o opoente/recorrido dívidas de I.V.A., dos anos de 2008 e 2009, cujo termo final do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 21/10/2010 e 4/11/2010, respectivamente, e Coimas Fiscais incidentes sobre o período de tributação de 2010 e cujo prazo de pagamento voluntário ocorreu durante o mês de Novembro do mesmo ano, tudo no montante total de € 165.729,72 (cfr.documentos juntos a fls.13 e 14 do processo de execução fiscal apenso).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em consequência do que determinou a extinção da execução contra o oponente.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o apelante, em síntese, que é unânime o entendimento da jurisprudência quanto à responsabilidade subsidiária do gerente de direito que outorga procuração a terceiro para o exercício da gerência facto de uma sociedade, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante. Que são considerados gerentes de facto e consequentemente responsáveis tributários subsidiários, aqueles que, sendo gerentes de direito, outorguem procuração a terceiro para a exercício da gerência de facto. Sendo a gerência de direito do oponente indiscutível e, não se tendo verificado a renúncia ao cargo, tudo se passa como se fosse o próprio a realizar os actos para cuja prática o mandato foi outorgado, até porque, legalmente, a sociedade não poderia funcionar sem a sua intervenção. Que deve operar a presunção de culpa funcional ínsita no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T. Que não tendo o oponente, enquanto gerente único daquela sociedade, logrado fazer prova de que o incumprimento das dívidas ora em apreço não são da sua responsabilidade, deve concluir-se, num juízo de normalidade, que não usou da diligência de um “bonus pater familiae”, e, assim, que não conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre ele impendia. No que concerne à reversão das dívidas relativas a coimas, cabe-nos referir que a mesma foi efectuada nos termos do disposto no artº.8, do R.G.I.T. Que o Plenário do Tribunal Constitucional decidiu, no Acórdão nº.437/11, de 3 de Outubro, não julgar inconstitucional a norma do artº.8, nº.1, do R.G.I.T., quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora. Que os autos revelam que os procedimentos de gerência do oponente nos períodos em causa são susceptíveis de censura e que nas circunstâncias concretas podia, e devia, ter agido diversamente, pelo que em relação às contraordenações tem também de prevalecer a responsabilidade subsidiária do oponente. Que em consequência deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a oposição improcedente por provada a legitimidade do oponente (cfr.conclusões 1 a 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente e ora recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração os períodos temporais a que respeitam as liquidações de I.V.A. que constituem o débito exequendo revertido (cfr.nº.16 do probatório), exceptuando as dívidas de coimas fiscais (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C. P. C. Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C. P. Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C. P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L. G. Tributária, o qual igualmente é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12).
“In casu”, a sentença recorrida conclui pela procedência da oposição, considerando que a reversão foi efectuada ao abrigo da alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T., certamente por lapso, atenta a factualidade provada (cfr.nº.5 do probatório). Por outro lado, igualmente decide a sentença recorrida que não ficou provado o efectivo exercício da gerência por parte do opoente, atenta a procuração passada a favor de terceiro.
Pelo contrário, o apelante pugna pela revogação da decisão recorrida, defendendo que é unânime o entendimento da jurisprudência quanto à responsabilidade subsidiária do gerente de direito que outorga procuração a terceiro para o exercício da gerência facto de uma sociedade, porque os actos praticados pelo mandatário se reflectem na esfera jurídica do mandante. E que deve operar a presunção de culpa funcional ínsita no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T.
Quanto às dívidas de impostos revertidas contra o opoente no âmbito do processo de execução fiscal nº.2259-2010/101476.5 e apensos (dívidas de I.V.A., dos anos de 2008 e 2009, cujo termo final do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 21/10/2010 e 4/11/2010, respectivamente), somos forçados a dar razão ao recorrente.
Expliquemos porquê.
Não se olvida que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13).
Analisando, agora, a matéria de facto provada e aditada ao probatório (cfr.nºs.14 e 15 da factualidade provada), deve constatar-se que foi produzida prova da gerência de facto por parte do opoente. Assim é, porquanto, da factualidade provada se retira que o opoente praticou actos de representação (cfr.passagem de procuração a favor de terceiro; entrega de declaração junto da A. Fiscal), da sociedade “C…….. - Empresa ……………….. L.da.”, fazendo apelo à distinção doutrinária mencionada supra.
A juntar ao acabado de mencionar, dois outros vectores se sublinham e que corroboram no mesmo sentido:
1-A jurisprudência e doutrina, com a qual concordamos, tem vindo a ser uniforme no sentido de que, na situação existente nos presentes autos (presença de procuração passada a favor de terceiro), deve entender-se que o administrador ou gerente exerceu a gerência de facto, mesmo que não tenha tido qualquer intervenção pessoal na vida da empresa, para além de nomeação de um procurador para o substituir (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/1995, rec.18448; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/2/1997, rec.20946; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/7/1997, rec.21502; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/5/1998, rec.19698; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 21/5/2013, proc.6620/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.473);
2-Por outro lado, levando em consideração que o opoente era o único gerente da empresa e que a sua assinatura obrigava a mesma, legítimo será presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência - artº.351, do C.Civil) o exercício continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13).
Aqui chegados, deve concluir-se que, no caso concreto, a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/3/2009, rec.709/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12).
Haverá, agora, que saber em qual das alíneas do artº.24, nº.1, da L.G.T., se enquadra o exame da eventual responsabilidade do opoente face ao pagamento da dívida exequenda de I.V.A. revertida (cfr.nº.16 do probatório).
“In casu”, o regime no qual se funda a sua responsabilidade pela dívida social é o previsto na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L.G.Tributária, desde logo porque exercia funções de gerência da sociedade “C………… - Empresa ………….., L.da.” nas datas (21/10/2010 e 4/11/2010 - cfr.nº.2 do probatório) em que ocorreu o termo final de pagamento das dívidas tributárias de I.V.A. que constituem objecto do processo de execução fiscal nº.2259-2010/101476.5 e apensos, pelo que, o ónus da prova inverte-se contra si, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas em causa.
Analisando a matéria de facto provada e aditada ao probatório, deve reconhecer-se que o opoente/recorrido não produziu prova que permita concluir que não teve culpa no acto de não pagamento da dívida exequenda (e não na insuficiência do património social com vista ao pagamento da dívida exequenda, vector este que antes se enquadra na alínea a), do preceito em causa).
Não pode, pois, considerar-se que o oponente tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda de I.V.A. que sobre si impendia. Não fazendo tal prova, deve considerar-se procedente este fundamento do recurso e, consequentemente, julgar parte legítima para a execução fiscal nº………………… e apensos o opoente/recorrido quanto a tais dívidas, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário.
Passemos ao exame da eventual responsabilidade subsidiária do opoente/recorrido pelo pagamento das dívidas de coimas respeitantes a infracções incidentes sobre o período de tributação de 2010 e cujo prazo de pagamento voluntário ocorreu durante o mês de Novembro do mesmo ano (cfr.nº.16 da matéria de facto provada).
No que se refere à responsabilidade subsidiária pelo pagamento das dívidas de coimas, a eventual responsabilidade do oponente e ora recorrido deve ser analisada à luz do artº.8, nº.1, do R.G.I.T., atento o período de tributação que originou a aplicação das coimas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.100 e seg.).
Desde logo, se dirá que o regime de responsabilidade subsidiária previsto no citado artº.8, nº.1, do R.G.I.T., reveste natureza civil e não padece de qualquer inconstitucionalidade, conforme jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, a qual subscrevemos (cfr.ac.Tribunal Constitucional 129/2009, de 12/3/2009; ac.Tribunal Constitucional 150/2009, de 25/3/2009; ac.Tribunal Constitucional (Plenário) 437/2011, de 3/10/2011; ac.Tribunal Constitucional 249/2012, de 22/5/2012; Germano Marques da Silva, Responsabilidade subsidiária dos gestores por coimas aplicadas a pessoas colectivas, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano II, 2009, nº.3, pág.297 e seg.).
Ao abrigo do mencionado regime, em qualquer das alíneas do preceito (als.a) e b), do nº.1, do artº.8, do R.G.I.T.), não existe responsabilidade sem que o não pagamento da multa ou coima seja imputável ao responsável subsidiário, por lhe ser imputável a génese da insuficiência global do património da pessoa colectiva ou a concreta falta de pagamento. Também em ambos os casos, a imputabilidade da falta de pagamento não se presume, não sendo à pessoa que exerce a administração/gerência que cabe o ónus da prova da insuficiência do património ou da falta de pagamento não lhe ser imputável. Tal ónus cabe à Fazenda Pública (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/1/2005, proc.304/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.3337/09; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.101).
“In casu”, da análise da matéria de facto provada conclui-se que em momento algum dos autos logrou a A. Fiscal provar a culpabilidade do oponente/recorrido na insuficiência patrimonial da pessoa colectiva, ónus este que especialmente lhe incumbia, pelo que, quanto a estas dívidas de coimas (no montante total de € 4.132,89), deve considerar-se improcedente este fundamento do recurso e, em consequência, julgar-se parte ilegítima o opoente Paulo Alexandre Simão dos Santos no âmbito da execução fiscal nº.2259-2010/101476.5 e apensos.

Atento o relatado, julga-se parcialmente procedente o recurso sob apreciação, na parte relativa à responsabilidade subsidiária e consequente legitimidade do opoente/recorrido no âmbito do processo de execução fiscal nº…………… e apensos, no que diz respeito às dívidas de tributos no montante de € 161.596,83, relativas a I.V.A. de 2008 e 2009, nesta parte se revogando a sentença recorrida. Já quanto à responsabilidade subsidiária do opoente/recorrido pelo pagamento das dívidas de coimas no montante de € 4.132,89, julga-se parcialmente improcedente o recurso e parte ilegítima o recorrido no âmbito do identificado processo de execução fiscal, em consequência do que se deve julgar procedente a oposição nesta parte, embora com base nesta fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição e parte legítima o opoente Paulo ……………….. no âmbito da execução fiscal nº………….. e apensos, no que respeita às dívidas de tributos no montante de € 161.596,83, relativas a I.V.A. de 2008 e 2009.
JULGAR PARCIALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO e, nessa medida, considerar procedente a oposição, embora com a fundamentação expressa supra, e parte ilegítima o opoente Paulo …………………… no âmbito da execução fiscal nº. ………………… e apensos, no que respeita às dívidas de coimas no montante de € 4.132,89.
X
Condena-se a Fazenda Pública em custas na proporção do decaimento, em ambas as instâncias.
Condena-se o opoente/recorrido em custas na 1ª. Instância e na proporção do decaimento.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 31 de Outubro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)