Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:444/17.9BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO URBANÍSTICA;
EDIFICAÇÃO DE CONSTRUÇÃO SEM TÍTULO.
Sumário:I. A titularidade do alvará de loteamento não dispensa o processo de autorização das obras de construção, por aquele apenas se traduzir na divisão fática e jurídica de um prédio e fixar as condições da edificação e ser apenas com o deferimento do pedido no processo de construção se conceder o direito a edificar.

II. As obras de ampliação, por aumentarem a área de pavimento ou de implantação de uma edificação, ainda que se conformem com o alvará de loteamento, carecem de autorização prévia, sob pena de violação do artigo 83.º, n.º 3 do D.L. n.º 555/99, de 16/12 e a incorrência em contraordenação nos termos do artigo 98.º, n.º 1, b) e n.º 3 do citado diploma.

III. O titular do alvará de loteamento tendo definidas as condições e termos em que pode edificar, não tem constituído a seu favor qualquer direito a edificar, o qual apenas é concedido através do ato favorável proferido no processo de construção.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Ministério Público, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 16/05/2019, que nos autos de processo de contraordenação, instaurado por B……………………, Lda., na qualidade de Recorrente e em que é Recorrido, o Município de Sintra, julgou o recurso procedente, anulando a decisão, datada de 06/02/2017, de aplicação de coima, no valor de € 1.500,00, acrescida de custas, pela prática do ilícito previsto e punido no artigo 98.º, n.º 1, b) e n.º 4 do D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 04/09, por violação do artigo 83.º, n.º 3 do citado diploma.


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Formula o aqui Recorrente, Ministério Público, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“I– Recorre o Ministério Público da aliás douta sentença proferida em 16.05.2019, mediante a qual o Mmº. Juiz a quo decidiu julgar procedente o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa da Câmara Municipal de Sintra de aplicação de coima no montante de €1.500,00 e, em consequência, absolveu a arguida/recorrente.

II– À arguida é imputada a prática da contraordenação, p. e p. nos arts. 83.º, n.º 3 e 98.º, n.º 1, al. b) e nº 3, do DL n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 04/09, de 30/03, por ter realizado obras de alteração/ampliação durante a execução da obra, em desconformidade com o projeto aprovado, sem previamente apresentar o requerimento de comunicação prévia, nos termos previstos no art. 35º do RJUE.

III– Na decisão recorrida foi sufragado o entendimento, de que estando as obras de alteração em obra ao projeto aprovado no Processo n.º ………, de acordo com o Aditamento ao Alvará de loteamento n.º ..........., emitido posteriormente em 05/07/2012, não tinha que haver qualquer licenciamento prévio das referidas obras de alterações, pelo que entendeu que o comportamento da arguida não constitui o ilícito contra-ordenacional de que vinha acusada e decidiu absolver a arguida.

IV– Discordamos de tal entendimento, pois entendemos que o facto praticado pela sociedade arguida é ilícito e censurável, e preenche os elementos do tipo legal da contra-ordenação, de que vem acusada.

V– Para o preenchimento do tipo legal da contraordenação em apreço, basta ter-se verificado a realização de obras de ampliação ou de alterações à implantação das edificações, em desconformidade com o projeto aprovado, o que, no caso concreto, se verificou.

VI – Na decisão recorrida, o Mmº. Juiz a quo, confunde o processo de licenciamento de obras de construção nº…………, que aprovou o projeto de construção da moradia para o lote 28, com o Aditamento ao Alvará de Licença de Loteamento n.º ..........., onde o local em apreço se encontra abrangido, que são realidades distintas.

VII – O alvará de loteamento confere apenas autorização para o parcelamento do prédio em lotes, mas não confere direitos construtivos sobre aqueles.

VIII – Pelo que embora o Aditamento ao alvará de loteamento nº ..........., tenha alterado a área máxima de construção das caves de 100m2 para 130m2, para todos os lotes alterados, tal não significa que a recorrente estivesse dispensada de apresentar previamente um pedido de comunicação prévia das alterações efetuadas em obra, porque estas envolveram a realização de obras de ampliação (ampliação ao nível da cave de aproximadamente 45,00m2), em desconformidade com o projeto aprovado para a construção da moradia, no âmbito do processo de licenciamento n.º………...

IX– A decisão recorrida incorre, assim, em erro considerável, ao considerar que não tinha que haver qualquer licenciamento prévio das referidas alterações em obra, uma vez que estando em causa a realização de obras de ampliação, estas não são enquadráveis no n.º 1, do artigo 83º do RJUE, mas no n.º 3, do mesmo artigo, que foi efetivamente violado pela arguida, pelo que, ao contrário do decidido pelo Mmº Juiz a quo, tais obras estavam sujeitas ao procedimento de comunicação prévia.

X– A regularização posterior da situação, pelo facto de ter sido apresentado o pedido de comunicação prévia de obras de alteração/ampliação e emitido o Alvará de Utilização n.º…………, em 09/07/2014, não apaga a prática da conduta contra-ordenacional pela arguida, sendo apenas relevada na determinação da sanção a aplicar, como atenuante especial.

XI – O que foi feito na decisão administrativa impugnada, que reduziu a coima aplicada para metade, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 3 do RGCO, em função da conduta revelada pela arguida posteriormente ao levantamento do Auto de Contraordenação.

XII – Razão pela qual não restam dúvidas que a conduta da arguida preenche o tipo legal da contra-ordenação em apreço, sendo o facto ilícito e censurável, pelo que constitui contra-ordenação.

XIII – A sentença recorrida violou, assim, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 83.º, n.º 3 e 98.º, n.º 1, al. b) e nº 3, do DL n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 04/09, pelo que deve ser substituída por outra, que julgue improcedente o recurso de impugnação judicial da decisão, e em consequência, condene a sociedade arguida na coima aplicada.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso.


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A ora Recorrida, notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, em que concluiu do seguinte modo:

“A) O Tribunal a quo andou bem, desde logo porque fundou a sua convicção nos documentos constantes e carreados para os autos pela Arguida, bem como no depoimento das testemunhas.

Não valorizando o auto de notícia, uma vez que o mesmo não obedece às formalidades e requisitos de validade do mesmo, pois foi lavrado com base em informação da Topografia datada de 14/05/2013 (que não foi junta aos autos), ou seja, em factos não presenciados;

B) E não o poderia fazer, pois omite os elementos da presencialidade e da idoneidade.

Com efeito, o autuante e subscritor do auto não presenciou os factos, tendo-se apenas apoiado na informação da Topografia de 14/05/2013, conforme consta do alegado auto de notícia.

Não decorre dos factos provados constantes da decisão administrativa, que em 05-07- 2012, a Edilidade de Sintra emitiu à ora Recorrida o Alvará de Licença nº ..........., Aditamento, do qual passou a constar que para o lote 28, a área máxima de construção em cave, passa a ser de 130 m2.

C) A acusação, decisão administrativa, omite, este facto de relevo, e que consiste no Aditamento ao Alvará de Licença nº ..........., emitido em 05-07-2012, e que, era já do conhecimento da entidade autuante aquando do auto de notícia, fazendo apenas referência à área de construção de apenas 100 m2, para assim enunciar que estava em desconformidade com o Alvará de Licença, quando a área correcta, à data do auto e da decisão, era de 130m2.

D) Não só a decisão / acusação omite que a Arguida possuía o Aditamento ao Alvará de Licença nº ..........., desde 05-07-2012, habilitando-a a construir, na cave, uma área de 130 m2, como igualmente não junta os elementos exactos de medidas, no sentido de que procedeu à construção de mais 30 m2, sobre os 100 m2 no primeiro Alvará referido, em conformidade com o Alvará Aditado, mencionando, sem estar suportado em algum elemento probatório, de forma conclusiva, de que houve um aumento de área da cave, de aproximadamente 45 m2.

E) Conforme resultou do depoimento da testemunha arrolada pela Arguida, Arquitecto, O…………….., e do facto da entidade administrativa ter emitido o Alvará de utilização e ter deferido as alterações comunicadas antecipadamente, em cumprimento legal, apenas procedeu ao aumento de 30 m2.

Acresce que,

F) Não compete à Arguida provar não ter construído apenas 30 m2, sob pena de se inverter o ónus da prova, sendo de realçar que da decisão administrativa não é possível concluir da factualidade provada, que a Arguida ultrapassou os 30 m2, uma vez que refere apenas de forma vaga e conclusiva “aproximadamente” 45 m2.

Esta terminologia para além de vaga, omite o alegado Aditamento do Alvará, que permite construir em mais de 30 m2.

A decisão alude apenas, ao Alvará dos 100 m2, para daí concluir pela ilegalidade.

Mais,

G) Não compete à Arguida dissipar qualquer dúvida, uma vez que esse ónus cabe desde logo à Entidade acusatória, Entidade Administrativa, sendo certo que persistindo a dúvida, o que não é o caso, é sempre de lançar mão do Princípio in dúbio pro reo, constitucionalmente consagrado.

H) No entanto, não restam dúvidas que a arguida aumentou a área de construção de 100m2 para 130m2 apenas e de acordo com o Aditamento do Alvará de Licença ........... e cuja referência é omitida na matéria provada da acusação.

I) A decisão administrativa não imputa à Arguida ter construído os 30 m2 sem o licenciamento, o que impediria, a alteração dos factos da acusação, em nome dos princípios do acusatório, vinculação temática das acusações e pela proibição da alteração substancial dos factos, previsto no artº 359º, nº 1, do CPP, ex vi 41º do RGCO.

J) Acresce que, de acordo com o artº 83º, nº 1 e nº 3, do RJUE, é permitida a realização de alterações em obra ao projecto, mediante comunicação prévia, desde que a mesma seja realizada com antecedência para que as obras estejam concluídas antes da apresentação do requerimento a que se refere o nº 1, do artº 63º, do RJUE, dendo que, esta alteração pode ser feita por mera comunicação prévia nos termos legais, sem necessidade de licenciamento prévio daquela.

Por último,

K) As alterações estão em conformidade com a comunicação prévia e disposições legais para o efeito, sem necessidade de licenciamento.

L) A Arguida, deu cumprimento às exigências legais, uma vez que as alterações em obra estavam licenciadas pelo Aditamento ao Alvará ..........., tendo este sido omitido na decisão administrativa / acusação, pelo que inexiste qualquer ilícito contraordenacional praticado pela Arguida e, como tal, não se encontram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo.”.

Conclui, pedindo a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.


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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do disposto no artigo 416.º do CPP no sentido da procedência do recurso.

Pugna por a decisão recorrida não proceder a uma correta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e, bem assim, à sua subsunção ao direito.

Acompanha a motivação do recurso interposto, identificando insuficiências/contradições na decisão sob recurso, como no caso em que a decisão reconhece ter existido a realização de obras que não foram previamente aprovadas.

Além de que, se pronuncia pela irrelevância da definição da área exata da ampliação para o objeto da discussão dos autos.


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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao decidir não estar preenchido o tipo legal de contraordenação, prevista e punida nos artigos 83.º, n.º 3 e 98.º, n.ºs 1, b) e 3 do D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 04/09, por terem sido realizadas obras de alteração/ampliação durante a execução da obra, em desconformidade com o projeto aprovado, sem prévia comunicação prévia.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1) -A arguida, ora recorrente, B…………………, Lda, tem sede em A………………, c/v, Carcavelos, Cascais.

2)-Em 22/05/2013, o Fiscal Municipal, do Município de Sintra, lavrou o designado «auto de notícia» de fls 03, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, dando notícia de que, no local Quinta da Azenha de Cima, Rio de Mouro, Sintra, «a B………………………., Lda, (…) de acordo com a informação da Topografia datada de 14/05/2013, verifica-se um aumento da área da cave, de aproximadamente 45.00m2. OB/42/2011.

E porque tais actos e comportamento constituem violação do Artº 83º, nº 3, do DL 555/99 de 16/12, alterado pelo D.L. 177/01 de 4/6, (…), em vigor (…) e constitui assim contra-ordenação prevista e punida pelo artº 98º, nº 1, alínea b) e nº 3 do mesmo diploma legal, com uma coima graduada de €3000 até o máximo de €450.000, assim os participo, nos termos dos art°s 33º, 48º e 54º do DL nº 433/82, (…)».

3)-O mesmo Fiscal Municipal, lavrou o designado «auto de notícia» de fls 02, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que é uma duplicação do referido auto de fls 3, em formato de computorizado, do qual, consta entre o mais o seguinte ora se transcreve:

«2.1 Infracção ...........

As alterações em obra ao projecto inicialmente aprovado ou apresentado que envolvam a realização de obras de ampliação ou de alterações à implantação das edificações sem os procedimentos previstos os artigos 21º ou 35°, consoante os casos.

De acordo com a informação da Topografia datada de 14/05/2013, verifica-se um aumento da área da cave, de aproximadamente 45.00 m2. OB/42/2011.

Enquadramento Legal

Normativo Violado: N° 3 do artigo 83º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro (…).

Normativo Sancionatório: Artigo 98° nº 1 al. b) e nº 3 do Decreto-Lei n° 555/99, (…).

Regime Sancionatório Coima Mínima: 3000 € Coima Máxima: 450000 € (…)».

4) -Em 09/06/2013, os Serviços do Município de Sintra proferiram o despacho de fls 04, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na sequência do qual, remeteram à arguida, ora recorrente, a comunicação de fls 05, cujo teor se dá igualmente por integralmente reproduzido, notificando a mesma para exercer o direito de audição e defesa; e cujo A/R dos CTT «RN……………» de fls 08 consta assinado manualmente por «Pedro V (…) Costa» em 01-08-2013.

5)-Em 16/07/2015, a Autoridade Administrativa proferiu a decisão condenatória de fls 11 a 12vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pela qual condenou a arguida na coima concreta de 3.000€, e custas de 102€.

6)-Tendo sido interposto recurso de impugnação da decisão acabada de referir, para o tribunal criminal de Sintra, esse tribunal julgou nula a decisão administrativa recorrida por insuficiência da matéria de facto, pela sentença de fls 105 a 107, de 11/12/2015, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pelo que os autos foram devolvidos à AA.

7)-Na sequência, a autoridade administrativa procedeu à apreciação de fls 114 (122), a que juntou os docs de fls 115 a 121, o de fls 120 já constante de fls 95 [35/2014], cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e proferiu nova decisão, ora em questão.

8)-Em 06/02/2017, assim, a Autoridade Administrativa proferiu nova decisão condenatória de fls 135 a 137vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ora recorrida, pela qual condenou a arguida na coima concreta, especialmente atenuada, de 1.500€, e custas.

9)-Em 07/02/2017, pelo mail de fls 140 e por carta registada, com o A/R de fls 47, assinado em 10/10/2017, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a AA levou ao conhecimento da ora recorrente a decisão condenatória acabada de referir.

10) -Em 08/03/2017, a arguida ora recorrente deu entrada ao presente recurso de impugnação de fls 144 (172), cujo teor se dá por integralmente reproduzido «dirigida à Comarca de Lisboa –Oeste-Sintra», tendo, porém, a AA remetido o mesmo ao MP neste TAF de Sintra.

11) –Em 21/03/2017, a AA manteve a decisão, cfr fls 200 a 203, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12) -Em 28/03/2017, o Ministério Público [MP] deu entrada dos autos neste TAF -fls 2-3.

13) -Em 07/03/2008, a Câmara Municipal de Sintra emitiu à Arguida em presença o Alvará de licença nº ..........., de fls 29 a 42 (e 58), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual, entre o mais, consta o que ora se destaca:

«LOTE VINTE E OITO: - Com a área de 508,05 metros quadrados, destinado à construção de moradia unifamiliar isolada, com um número máximo de 2 pisos acima da cota de soleira, 1 fogo com 130,00 m2 de área máxima de implantação, 187,50 m2 de área bruta de construção, garagem em cave com 100,00 m2 destinada a estacionamento.».

14) -Em 05/07/2012, a Câmara Municipal de Sintra emitiu à Arguida em presença o Alvará de licença nº ..........., Aditamento, de fls 43 a 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual, entre o mais, consta o que ora se destaca:

«LOTE VINTE E OITO: Este lote está descrito na 2ª Conservatória do Registo predial de Sintra sob a ficha 6070/ Rio de Mouro e inscrito na Matriz sob o artigo ……… da referida Freguesia. (…) (…)

Nos lotes alterados (lotes 1 a 51) deve passar a constar:

-A área em cave passa a ser 130 m2 de área máxima de construção. (…)».

15) -Em 05/09/2013 a arguida deu entrada de requerimento de comunicação prévia de obras de alteração, durante execução de obra sob o n°……………...

16) -Em 20/05/2014, a AA em causa emitiu a certidão de admissão de comunicação prévia n° 38/2014 de fls 95 e 120 e 120vº, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a qual certifica que em 05/09/2013 deu entrada o pedido de comunicação prévia de alteração, acabado de referir, para o Lote 28, e que foi admitido.

17) -Em 09/07/2014, a AA emitiu o Alvará de Utilização nº …………, de fls 121, «com comunicação prévia nº 51/2013», cujo teor se dá por integralmente reproduzido, atestando que «(…) a utilização (…) respeita o disposto (…) bem como o Alvará de Loteamento nº ...........», para a moradia do local em apreço.

Não há outros factos que se mostrem essenciais com relevo para a presente decisão.

O tribunal fundou a sua convicção no exame crítico dos documentos acima mencionados em cada ponto, juntos aos autos, e cuja genuinidade não é impugnada nem nos deixa dúvida, alguns dos quais foram analisados e confrontados em audiência, bem como no depoimento das testemunhas, quer individualmente considerados quer considerados no seu conjunto, que se mostrou coerente e suficientemente sólido e a que adiante voltaremos.

O tribunal não fundou a sua convicção na força probatória do designado “auto de notícia”, que, em regra faria fé em juízo até prova em contrário quanto a factos presenciados pelos agentes autuantes, porque, no caso, o chamado auto de notícia não constitui um verdadeiro auto de notícia, pois, foi lavrado com base na «informação da Topografia datada de 14/05/2013» --não junta aos autos--, e não com base em factos/eventos por si presenciados. Por isso, o tribunal apenas tem em conta os designados «autos de notícia», enquanto documentos emanados de entidade pública, com a força probatória relativa dos documentos, e não com a força probatória especial dos verdadeiros autos de notícia.

Com efeito, os autos de notícia caracterizam-se por dois elementos essenciais: a presencialidade dos factos [percepção direta pelos sentidos do autuante] e a idoneidade pública do agente [autuante] que presencia, como resulta da definição dada pelo artigo 243-1, do CPP. Ora, o participante e subscritor do auto não presenciou factos/eventos, mas sim apoiou-se nos elementos da «informação da Topografia datada de 14/05/2013», como dele consta expressamente. Deve dizer-se, no entanto, que, os documentos emanados do Município juntos e que integram os autos constituem documentos oficiais e em alguns casos autênticos, e, seguramente, em qualquer caso, são atendíveis, como documentos, por força dos artigos 169, do CPP e 362 e 363, estes do CC.

O tribunal teve em conta o teor do alegado pela defesa, pela AA e pelo MP, tudo conjugado com os artigos 127, 164 e 169, 368/ss e 374, todos do CPP, 341/ss e 262/ss, estes do CC, e 32 e 41, 64, 66, 71, 72, todos do RGCO, e tem ainda em conta as regras da experiência comum, da razoabilidade, adequação, proporcionalidade, lógica e plausibilidade, e, os juízos certeza e verdade, exigíveis no Direito.

A testemunha O……………………, é Arquitecto, e depôs com coerência, espontaneidade, isenção e sem evasivas, merecendo credibilidade, revelando conhecer as obras em questão e o projeto, por ter estado ligado às mesmas, como diretor de obra, embora o projeto não fosse seu. Pronunciou-se sobre o alvará inicial, o alvará com alterações de áreas, dos vários lotes entre eles o relativo ao caso dos autos, e, que, por os municípios demorarem muitíssimo tempo a analisar os pedidos, por vezes se têm de proceder às obras de alteração, no caso, de acordo com as áreas deste 2º alvará, sem estas terem sido antes aprovadas, mormente, quando, como no caso, se pode antever que as mesmas serão aprovadas, dada a sua natureza e serem cumpridoras da lei. Realçou ainda tratar-se do contexto de 2013, como “anos da crise”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada nos termos constantes da sentença recorrida, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito ao decidir não estar preenchido o tipo legal de contraordenação, prevista e punida nos artigos 83.º, n.º 3 e 98.º, n.ºs 1, b) e 3 do D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 04/09, por terem sido realizadas obras de alteração/ampliação durante a execução da obra, em desconformidade com o projeto aprovado, sem prévia comunicação prévia

Nos termos invocados no presente recurso, vem o Recorrente assacar o erro de julgamento à sentença recorrida, incorrendo na violação, por erro de interpretação do disposto nos artigos 83.º, n.º 3 e 98.º, n.ºs 1, b) e 3, do D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 04/09.

Sustenta que à arguida, ora Recorrida, é imputada a prática da contraordenação, prevista e punida nos artigos 83.º, n.º 3 e 98.º, n.ºs 1, b) e 3 do D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 04/09, por ter realizado obras de alteração/ampliação durante a execução da obra, em desconformidade com o projeto aprovado, sem previamente apresentar o requerimento de comunicação prévia, nos termos do artigo 35.º do RJUE.

Alega que para o preenchimento do tipo legal de contraordenação basta ter-se verificado a realização de obras de ampliação ou de alterações à implantação das edificações, em desconformidade com o projeto aprovado, o que, no caso, se verificou.

Entende que o Tribunal a quo confunde o processo de licenciamento de obras de construção n.º …………, que aprovou o projeto de construção da moradia para o lote 28, com o aditamento ao alvará de licença de loteamento n.º ..........., onde o local se encontra abrangido, sendo realidades distintas.

Defende que o alvará de loteamento confere apenas autorização para o parcelamento do prédio em lotes, não confere direitos constitutivos sobre aqueles.

Nesse sentido, alega o Recorrente que o aditamento ao alvará de licença de loteamento ao alterar a área máxima de construção das caves de 100 m2 para 130 m2 para todos os lotes, não significa que a Recorrida estivesse dispensada de apresentar previamente um pedido de comunicação prévia das alterações efetuadas em obra, porque estas envolveram a realização de obras de ampliação da cave, em aproximadamente 45 m2, em desconformidade com o projeto aprovado para a construção da moradia.

Vejamos.

De imediato se impõe dizer que, considerando o julgamento da matéria de facto constante da sentença recorrida, pretende o Recorrente que o Tribunal ad quem extraia dos factos dados como provados uma interpretação diferente da que foi seguida pelo Tribunal a quo.

O que impõe, de imediato, que se analise a factualidade pertinente com vista a aferir do alegado desacerto da sentença recorrida.

Compulsando a matéria de facto dada como provada nos presentes autos – fixada pelo Tribunal a quo sem atender à ordem temporal ou cronológica dos factos –, dela se extrai os seguintes factos relevantes para a decisão a proferir:

- em 07/03/2008 a Câmara Municipal de Sintra emitiu a favor da ora Recorrida o alvará de licença de loteamento n.º ..........., definindo em relação ao lote 28, de entre o mais, que terá uma área de cave de 100,00 m2 [ponto 13) do julgamento da matéria de facto];

- em 05/07/2012 existiu um aditamento a esse alvará de loteamento, passando todos os lotes do respetivo loteamento a prever a área de cave de 130 m2, como área máxima de construção [ponto 14) do julgamento da matéria de facto];

- em 22/05/2013 o fiscal municipal da Câmara Municipal de Sintra lavrou auto de notícia em que verificou existir um aumento da área da cave de aproximadamente 45,00 m2, no âmbito do Processo ………….., enquadrando essa conduta na violação do artigo 83.º, n.º 3 do D.L. n.º 555/99, de 16/12 e na prática de uma contraordenação [ponto 2) do julgamento da matéria de facto];

- em 05/09/2013 a arguida deu entrada de requerimento de comunicação prévia de obras de alteração durante a execução da obra, no âmbito do Processo ………. [ponto 15) do julgamento da matéria de facto];

- em 09/07/2014 foi emitido o alvará de utilização n.º 236/2014, referente ao processo de construção ………….., que atesta que a utilização respeita o alvará de loteamento n.º ........... [ponto 17) do julgamento da matéria de facto].

Em face da factualidade que se dá como demonstrada de imediato se impõe dizer incorrer a sentença no erro de julgamento que se mostra invocado como fundamento do recurso, tal como sustentado pelo Recorrente.

Incorre a sentença recorrida no erro de julgamento ao considerar que o alvará de loteamento ao prever a área máxima de construção na cave de 130,00 m2 dispensa a autorização da edificação nesses termos, por o processo de licenciamento de loteamento não conferir o direito a edificar, não outorgando direitos em matéria de edificação e, consequentemente, não dispensar o processo de autorização da construção.

Por isso, se distinguem os respetivos procedimentos administrativos urbanísticos, de loteamento e de construção: o primeiro implica a divisão física e jurídica de um prédio e define as condições da respetiva edificação, o segundo autoriza a edificar segundo os parâmetros edificativos propostos pelo interessado que respeitem as prescrições fixadas no alvará de loteamento.

Daí que, existindo um alvará de loteamento em vigor e eficaz, o licenciamento ou a autorização da construção não podem deixar de com ele se conformar, desde logo quanto às respetivas as áreas edificativas, sendo apenas com o ato de deferimento no processo de construção que o interessado está autorizado a construir.

O titular do alvará de loteamento tendo definidas as condições e termos em que pode edificar, não tem constituído a seu favor qualquer direito a edificar, o qual apenas é concedido através do ato favorável proferido no processo de construção.

Sem essa autorização administrativa a edificar obtida no âmbito do processo de construção, o titular do processo de loteamento não tem o direito a edificar, incorrendo em contraordenação se o fizer.

Tal é que se verifica no caso em apreço, em que a ora Recorrida sendo titular do alvará de loteamento que prevê a área de cave de 130 m2, não estava munida do respetivo titulo autorizativo a edificar.

É por essa mesma razão que posteriormente ao ato de fiscalização camarário e à notificação do auto de notícia pela prática de contraordenação urbanística, a ora Recorrida apresentou pedido de comunicação de alterações em obra, conforme consta dos pontos 2 e 15 do julgamento da matéria de facto.

O que confirma que a ora Recorrida, não obstante ser titular do alvará de loteamento e da autorização da construção, estava ciente que carecia de pedir autorização para realizar quaisquer obras que divergissem em relação ao projeto de arquitetura apresentado no âmbito do processo de construção, pois que o fez logo após ser notificada do auto de notícia.

Na parte em que a Recorrida alterou ou ampliou o que se encontrava autorizado a construir, carecia de pedir autorização prévia camarária, ainda que se saiba, de antemão, que essas alterações, por se conformarem com as prescrições do alvará de loteamento, como no presente caso, iriam ser autorizadas.

De resto, embora se atenda ao teor do depoimento da testemunha O………………., no sentido de a Câmara Municipal de Sintra demorar muito a analisar e decidir os processos urbanísticos, com reflexos diretos na vida dos cidadãos e das empresas, tal não obsta ao cumprimento da legalidade aplicável e, consequentemente, ao preenchimento do tipo legal da contraordenação urbanística.

Acresce que essa demora da decisão administrativa sendo cada vez mais um facto juridicamente relevante no âmbito do procedimento administrativo, ao estabelecer-se nos artigos 59.º e 60.º, n.º 2 do CPA, o dever legal de celeridade a cargo da Administração, no presente caso, de acordo com a factualidade assente, a Recorrida não logrou apresentar comunicação prévia antes da realização das obras de alteração/ampliação.

Coisa diferente seria se a Recorrida tivesse apresentado pedido de autorização de alterações e depois da sua apresentação tivesse iniciado os respetivos trabalhos.

Não pode a demora dos processos urbanísticos constituir a razão para a falta de apresentação do pedido de autorização para a realização de obras, ainda que se imponha o dever de celeridade ao responsável pela direção do procedimento e aos outros órgãos intervenientes na respetiva tramitação, devendo todos providenciar por um andamento rápido e eficaz, quer recusando e evitando tudo o que for impertinente e dilatório, quer ordenando e promovendo tudo o que seja necessário a um seguimento diligente e à tomada de uma decisão dentro de prazo razoável, nos termos do artigo 59.º do CPA.

Por isso, a circunstância de a Recorrida ser titular do alvará de loteamento que prevê que a cave do edifício tenha 130 m2 e ter requerido a autorização da construção prevendo a cave com 100 m2, não pode, sem mais, edificar a cave com área superior aos 100 m2, por não ter qualquer título que o permita, tendo ao caso aplicação o disposto no artigo 83.º do D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, que prevê o regime das alterações durante a execução da obra.

Comprovando-se que a Recorrida era titular de autorização de construção, mas que edificou a cave em área superior à autorizada, incorre na violação do artigo 83.º, n.º 3, do D.L. n.º 555/99 de 16/12 e na prática de ato tipificado como contraordenação pelo artigo 98.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 do mesmo diploma.

Verifica-se por isso, o pressuposto normativo da prática do facto ilícito, traduzido na execução de obras de ampliação sem apresentação de pedido de comunicação prévia, estando essas obras dependentes desse pedido, por se tratarem de obras de ampliação da implantação da edificação.

Do mesmo modo, se verifica o elemento subjetivo, da culpa, pois embora resulte demonstrado que a ora Recorrida posteriormente à prática da infração acabou por dar cumprimento à exigência legal, tal não elimina a sua prática, nem afasta a culpa.

Assim, a regularização posterior da ilegalidade cometida pelo facto de ter sido apresentado o pedido de comunicação prévia de obras de alteração/ampliação, que veio a culminar com a emissão do Alvará de Utilização n.º 236/2014, em 09/07/2014, não apaga a prática da conduta contra-ordenacional pela Recorrida, sendo apenas relevada na determinação da sanção a aplicar, como atenuante especial.

Atenuação da sanção a aplicar que ocorreu na decisão administrativa impugnada, pois foi reduzida a coima antes aplicada para metade, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 3 do RGCO, em função da conduta revelada pela arguida posteriormente ao levantamento do auto de notícia.

Por conseguinte, o julgamento que decorre da sentença recorrida não se pode manter, incorrendo em erro quanto à interpretação e aplicação dos normativos de direito aplicáveis, por se verificarem todos os pressupostos objetivos e subjetivos da aplicação da sanção administrativa.

Nestes termos, serão de julgar provadas as conclusões do recurso, enfermando a sentença recorrida do erro de julgamento de direito que se mostra invocado, pois em face da factualidade dada como provada e da aplicação dos normativos de direito, não é possível concluir pela absolvição da Recorrida.

Em consequência, será de manter a decisão administrativa sancionatória por, com a sua conduta a ora Recorrida ter preenchido objetiva e subjetivamente o tipo legal de contraordenação, sendo o facto ilícito e censurável do ponto de vista da culpa, verificando-se todos os pressupostos legais para que se mantenha a decisão administrativa de aplicação da coima, no valor de € 1.500,00, por realização de obras de alteração, de que resultou o aumento da área de pavimento ou de implantação de uma edificação, sem a necessária apresentação de autorização prévia.

Pelo que, com base nas razões invocadas, procedem as conclusões do presente recurso, incorrendo a sentença recorrida no erro de julgamento que se mostra invocado, sendo concedido provimento do recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida, mantendo-se a decisão administrativa de aplicação da coima à Recorrida no valor de € 1.500,00, pela prática da contraordenação por violação do artigo 83.º, n.º 3 do D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 04/09, prevista e punida pelo artigo 98.º, n.º 1, b) e n.º 3, do citado diploma, por execução de obras em desacordo com o projeto aprovado.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A titularidade do alvará de loteamento não dispensa o processo de autorização das obras de construção, por aquele apenas se traduzir na divisão fática e jurídica de um prédio e fixar as condições da edificação e ser apenas com o deferimento do pedido no processo de construção se conceder o direito a edificar.

II. As obras de ampliação, por aumentarem a área de pavimento ou de implantação de uma edificação, ainda que se conformem com o alvará de loteamento, carecem de autorização prévia, sob pena de violação do artigo 83.º, n.º 3 do D.L. n.º 555/99, de 16/12 e a incorrência em contraordenação nos termos do artigo 98.º, n.º 1, b) e n.º 3 do citado diploma.

III. O titular do alvará de loteamento tendo definidas as condições e termos em que pode edificar, não tem constituído a seu favor qualquer direito a edificar, o qual apenas é concedido através do ato favorável proferido no processo de construção.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida e, em consequência, manter a decisão administrativa, de aplicação da coima à Recorrida, B…………………, Lda., no valor de € 1.500,00, pela prática de contraordenação urbanística, por violação do artigo 83.º, n.º 3 do D.L. n.º 555/99, de 16/12, em consequência da realização de obras de ampliação sem a apresentação de comunicação prévia.

Custas pela ora Recorrida, em ambas as instâncias, por ter ficado vencida.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Alda Nunes)