Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:96/22.4BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:05/20/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
PERICULUM IN MORA.
Sumário:I. São requisitos essenciais destas providências cautelares: a titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e o receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

II. Preenche o requisito do fumus boni juris a circunstância de a decisão condenatória, apesar da referência feita aos relatórios oficiais e à pronúncia do Requerente, não concretizar de modo suficiente a valoração dos elementos de prova feita, de modo a poder-se concluir qual o relatório oficial preponderante e porquê não o outro ou ambos.

III. O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.

IV. Apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida.

V. Tem que indeferir-se a providência requerida, por inexistir periculum in mora, quando os danos invocados não são graves, não se prolongando a execução da sanção por um período de tempo considerável. Ou seja, tomando por referência a concreta sanção aplicada e os danos em abstracto alegados, não se está perante uma compressão inadmissível, nem assinável, dos direitos do Requerente.

Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão

(artigo 41º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

P ………………., com os demais sinais nos autos, requereu, no âmbito de acção arbitral impugnatória que propôs no TAD, o decretamento de providência cautelar de suspensão dos efeitos da decisão de aplicação das sanções de oito dias de suspensão e de multa no valor de EUR 128,00, contidas no Comunicado Oficial nº …… da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Federação ……. (FP..) de 13.05.2022.

Juntou 11 documentos com o r.i., procuração forense e o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

O Requerente da providência veio alegar, essencialmente, que a decisão suspendenda é ilegal por falta de fundamentação, uma vez que não injuriou nem ofendeu a equipa de arbitragem, sendo os relatórios oficiais contraditórios nessa matéria. Falta de fundamentação que se verifica também pela violação do disposto no artigo 153, n.º 1, do CPA, pela adopção de fundamentos vagos, genéricos, contraditórios e insuficientes, os quais não esclarecem devidamente a respetiva motivação do acto impugnado.

Reitera que não proferiu as palavras que se lhe imputam na Ficha do Jogo.

Quanto ao periculum in mora, alega que “com a execução da pena de suspensão do Requerente, na qualidade de Presidente do Clube de Futebol "…………..", ver-se-á também impedido de exercer as respetivas funções estatutárias, por não lhe ser permitida a presença no respetivo domicílio profissional no Estádio …………., e as funções de representação no âmbito das competições e das relações oficiais com a Requerida e demais associações de futebol, sendo-lhe coartadas, para além do direito ao trabalho de dirigente desportivo, com guarida no artigo 479 da CRP, as liberdades fundamentais de expressão e de pensamento, consagradas no artigo 379, n9s 1 e 2, da CRP e, ainda, a liberdade fundamental de associação, aqui aplicável na prossecução dos respetivos fins, prevista no artigo 46, n2 2, da CRP”.




II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 19.05.2022, foram os autos remetidos a este TCA Sul, para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável em tempo útil a constituição do colégio arbitral.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

Refere o Exmo. Presidente do TAD, no despacho por si proferido, que:

1. Não tendo o signatário competência para aferir dos requisitos substantivos de admissibilidade e de procedibilidade da medida cautelar requerida, fundamentando-se o caráter urgentíssimo da medida na conservação da utilidade de providência que visa impedir os efeitos imediatos de uma decisão de suspensão por oito dias, limita-se o signatário a confirmar o óbvio, i.e., que, atentos os termos da LTAD que dispõem sobre a constituição obrigatória de formação arbitral (artigos 23.º n.º 2 e 28.º n.ºs 1 e 2), não se afigura viável a designação dos árbitros em tempo que possibilite a apreciação da pretensão cautelar pelo TAD.

2. Consequentemente, e sem prejuízo da imediata citação da FPF, remeta-se o requerimento e os documentos que o acompanham ao Excelentíssimo Desembargador Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul para os efeitos do n.º 7 do artigo 41.º da LTAD,”.

No caso sub judice entende-se como firme a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo de dar resposta útil ao que vem cautelarmente peticionado. Face aos prejuízos que o ora Requerente alega – “durante o período de 8 (oito) dias, o Requerente não poder exercer praticamente nenhuma das atividades em que se desdobra o conteúdo funcional do cargo de Presidente do Clube de Futebol "……………", designadamente em sede de representação do Clube com as federações em que correm processos de licenciamento, atualmente em curso, nem de se dirigir à comunicação social sobre o atual período, determinante para a vida do Clube” - terá que concluir-se que está preenchida a condição de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. artigo 41.º, n.º 7 da Lei do TAD).



III. Da dispensa da audição da Requerida

De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

Donde, considerando que a audição da entidade requerida, por força do prazo injuntivamente fixado neste preceito, que é de 5 dias e não pode ser legalmente encurtado, é susceptível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto neste art. 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, dispensa-se a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.

Considerando a natureza do processo, após a análise sumária dos documentos juntos, entende-se que nenhuma outra prova carece de ser produzida, sendo, portanto, a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa.



IV. Da instância

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Regularizada a instância na sequência do despacho de 4.02.2022, não existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.



V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) No dia 8.05.2022, pelas 12h00, no Campo Municipal Dr. …………., nos Açores, teve lugar o jogo n.º ……….., disputado entre as equipas do Grupo Desportivo ………….. e do Clube de Futebol "…………….", a contar para o play-off da Série 2 Grupo B —fase de subida - do Campeonato de Portugal..

b) No âmbito do referido jogo foram elaborados a Ficha de jogo e o Relatório de Ocorrências, as quais se dão por reproduzidas e constituem as cópias juntas como Docs. 2 e 3, respetivamente, pelo Senhor Árbitro principal e pelo Senhor Delegado da Requerida ao jogo.

c) Da Ficha de jogo é descrito que: «[n]o final do encontro, já com a equipa de arbitragem dentro do seu balneário, o Sr. ……………, Presidente do clube CF …………., injuriou e ofendeu o equipa de arbitragem, dizendo "Vai para o caralho", "tens 5 decisões de merda" e "és uma merda"».

d) Do Relatório de Ocorrências consta que «[alpós o final do jogo, quando a equipa visitante estava a abandonar a recinto do jogo, o seu presidente Dr. …………….., que reconheci por ser figura pública, parou em frente ao balneário da equipa de arbitragem, e dirigindo-se inequivocamente ao árbitro principal disse: "Vens de ............ para isto? 5 lances em que nos prejudicaste nitidamente, já estive a ver as imagens, é bom que as vejas também, és muito fraco, caralho". No seguimento o árbitro principal abriu a porta do balneário para ver quem se dirigia a ele daquela forma, tendo o presidente da equipa visitante afirmado "sou eu, o presidente do …………..... "».

e) Como constante do mapa de castigos foi aplicada ao Requerente uma sanção de multa, no valor de EUR 128,00 e de 8 dias de suspensão.

f) Da motivação da mesma consta:

« Texto no original»

g) O que lhe foi comunicado em “Comunicado Oficial” da Requerida em 13.05.2022.

h) Enquanto Presidente do Clube de Futebol "………..", o Requerente representa o Clube nas federações em que correm processos de licenciamento e dirige-se à comunicação social.

Nada mais vindo alegado, de facto, que respeite a este processo cautelar, nada mais importa indiciariamente provar.



V.ii. De direito

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB; idem, a decisão de 17.12.2021, proc. n.º 155/21.0BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

Certo é que o fumus boni juris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo.

No caso concreto, o Requerente alega, nos termos que melhor constam da p.i., que a sanção punitiva é ilegal. Afirma, essencialmente e no que aqui releva, que a decisão suspendenda é ilegal por falta de fundamentação, uma vez que não injuriou nem ofendeu a equipa de arbitragem, sendo os relatórios oficiais contraditórios nessa matéria. A decisão não está portanto fundamentada e adoptou fundamentos vagos, genéricos, contraditórios e insuficientes, os quais não esclarecem devidamente a respetiva motivação do acto impugnado.

Em relação ao periculum in mora, alega que a suspensão de eficácia do acto em análise é a única via de garantir a efectividade dos seus direitos subjectivos, que se encontram ameaçados por esse acto. Neste ponto sustenta que fica inibido de se exprimir publicamente de forma livre, vendo-se coarctado no exercício dos seus direitos pessoais, concretamente o direito ao trabalho, bem como as liberdades de expressão, de pensamento e de associação.

Vejamos então.

Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que estamos no domínio cautelar, por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória, não sendo, portanto, exigível uma prova total para a decisão cautelar. Essa tarefa instrutória e de produção e decisão da prova ficará reservada para a acção principal, sob pena de se desvirtuar a perfunctoriedade dos processos cautelares.

A apreciação que é feita em sede de procedimento de cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

Relativamente à verificação do pressuposto atinente à aparência do direito, os factos antes enunciados, não permitem antecipar uma decisão segura sobre o direito que vem invocado.

No entanto, há um elemento que se apresenta como incontornável: a Ficha de jogo e o Relatório de Ocorrências não se apresentam como coincidentes. E isso tem absoluta relevância para a decisão condenatória, devendo nela constar e ser apreensível, os elementos que compõem objectiva e subjectivamente o tipo contra-ordenacional em causa.

Ora, lida a decisão condenatória, apesar da referência feita a esses elementos e à pronúncia do Requerente, certo é que a valoração dos elementos de prova não vem suficientemente concretizada, de modo a poder-se concluir qual o relatório oficial preponderante e porquê não o outro ou ambos.

Assim, numa apreciação sumária, podemos perspectivar uma invalidade do acto sancionatório, com o que se pode aceitar que ocorre probabilidade da existência do direito invocado.

Donde, num juízo de prognose de summaria cognitio - que é o que aqui se impõe -, pode concluir-se pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pelo Requerente. Ou seja, a providência requerida passa o crivo do requisito do fumus boni juris.

Isto estabelecido, vejamos agora se vem demonstrado o periculum in mora.

Relembre-se que são requisitos essenciais destas providências cautelares:

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Neste capítulo, importa deixar fixados alguns considerandos.

Será em relação ao efectivo exercício da profissão que a utilidade da lide se coloca, dado que o Requerente, enquanto durar período de suspensão, não poderá executar as funções próprias de Dirigente Desportivo. Trata-se, portanto, de uma situação em que a tutela cautelar se justificará em razão da existência de lesão continuada ou repetida (cfr., a este propósito, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, p. 112-119).

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção ;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.

No caso, o que se detecta é que o periculum in mora alegado funda-se, como se disse já, na impossibilidade de o Requerente exercer efectiva e plenamente as funções de Presidente do “Belenenses”.

Mas o fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Como ensina Abrantes Geraldes: “só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.// A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado” (in Temas Da Reforma Do Processo Civil, vol. III, 1998, pp. 83 a 88).

E como a jurisprudência tem entendido, a “previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação” (cfr., i.a., o ac. do T.R.Coimbra, proc. n.º 306/15.4T8FND.C1). É que, como bem sintetiza Antunes Varela, as providências cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica” (cfr. A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 1985, p. 23).

E sabido é que os danos ou prejuízos imateriais ou morais são por natureza irreparáveis ou de difícil reparação (cfr. o ac. de 8.04.2021 do T.R. de Guimarães, proc. n.º 1053/21.3T8GMR.G1; idem, o ac. de 11.02.2021 do T.R. de Lisboa, proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2). Sendo que a privação ou limitação do exercício daqueles direitos constituem, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.

Também no que concerne à gravidade, “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida” (idem, o ac. do T.R. de Lisboa citado).

De igual modo, afirmou o STJ, no acórdão de 7.12.2017, proc. n.º 697/16.0T8VVD.G1, que “[n]o essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora. // Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).

Ora, de acordo com o probatório em conjugação com as regras da experiência, o cenário de impossibilidade do exercício efectivo e pleno das funções que o Requerente desempenha, não comportará um prejuízo grave. Estando aqui perante um caso de gravidade reduzida.

Veja-se que a sanção de suspensão é de 8 dias, que o mesmo foi notificado da mesma sanção em 13.05.2022, sanção cuja execução se iniciou já nos termos do Regulamento Disciplinar da FPF, pois que “a sanção de suspensão tem início com a notificação ao agente desportivo”. Assim sendo, mesmo admitindo a maior dilação, o seu terminus será no dia 24 de Maio (daqui a 4 dias).

Por outro lado, em reforço do que se vem de dizer, ter-se-á que atentar que o dano que resulta do acto suspendendo não se prolonga por um período de tempo considerável. O que significa que não estamos perante uma compressão assinável dos direitos do Requerente; sendo que a liberdade de expressão e o direito ao livre exercício de profissão são valores constitucionalmente consagrados (art. s 37.º e 47.º da CRP), mas não são absolutos [inversamente ao que sucedia, i.a., no proc. 34/22.4BCLSB, por nós decidido em 7.02.2022].

Por outro lado ainda, nada vem alegado e muito menos concretizado acerca da alegada imprescindibilidade da participação pessoal e directa do Requerente na sua qualidade de Presidente do “Belenenses” nos ditos processos de licenciamento em curso.

Deste modo, tudo ponderado, na situação concreta em análise e no que respeita à sanção de suspensão de funções, não pode dar-se por verificado o requisito do periculum in mora, o que determina a improcedência da providência cautelar.

Nada mais, nesta sede, cumpre, portanto, apreciar.



VI. Decisão

Nestes termos e pelo exposto decide-se:

- Julgar improcedente a presente providência cautelar, mantendo-se a decisão suspendenda que aplicou ao Requerente as sanções de oito dias de suspensão e de multa no valor de EUR 128,00, contidas no Comunicado Oficial nº …. da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da ………. …….. (F………) de 13.05.2022.

Custas da responsabilidade do Requerente.

Notifique pelo meio mais expedito; comunique ao TAD.

Lisboa, 20 de Maio de 2022

Pedro Marchão Marques

Juiz presidente