Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:212/16.5BEFUN
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores: INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO E PASSAGEM DE CERTIDÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE/ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I) -Como é sabido, o pedido de intimação judicial pressupõe um prévio pedido à autoridade administrativa, tendo esta o dever de o satisfazer no prazo legal e, caso o não satisfaça, fica o requerente legitimado a requerer ao tribunal que intime a autoridade administrativa a satisfazer o pedido que lhe foi apresentado.

II).- No caso posto, a pretensão do Recorrente não depende, para a sua eventual satisfação, da prática de quaisquer actos pela entidade requerida o qual, por isso mesmo, não detém competência para o seu exercício, pelo que não lhe cabe a representação em juízo das outras entidades, verificando-se a excepção da sua ilegitimidade passiva.

III).- Consequentemente, improcede o recurso mas em vez de declarar-se a inutilidade superveniente da lide, como o fez a sentença recorrida, deve declara-se a absolvição da instância da entidade requerida por ilegitimidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I- RELATÓRIO

O SMP- SINDICATO DOS PRODFESSORES DA MADEIRA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal que, no processo de intimação para prestação de informações e passagem de certidões que ali apresentou contra a Secretaria Regional de Educação da Região Autónoma da Madeira julgou a instância extinta por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido dirigido ao Director Regional da DRE e absolveu a Entidade Demandada no demais peticionado.
Na alegação o Sindicato formulou as seguintes conclusões:
«a. O A. requereu aos diretores de cada uma das oitenta escolas a tempo inteiro /Escolas Básicas do 1° Ciclo, com Pré, integradas na ER, a prestação de informação;
b. As ETTs/EB 1° ciclo/PE da RAM estão todas elas integradas na Secretaria Regional da Educação, aqui recorrida;
c. E foram todas instituídas/criadas pela dita SRE, departamento do governo regional que se ocupa da Educação na RAM, e integram a administração regional direta no sector da educação;
d. Como fazem parte da administração local e periférica da SRE e constituem seus serviços públicos, que prosseguem também as atribuições daquela;
e. As ETTs/EB 1° ciclo/PE, apesar de terem órgãos próprios, não são dotadas de personalidade jurídica diversa da RAM ou mesmo autonomia ante os órgãos centrais da SRE. - cfr. arts.1°, 2°, 10°, 12°/5 da Portaria Regional n°110/2002, de 14.8;
f. Nos processos contra as Regiões Autónomas a parte demandada é a correspondente Secretaria Regional, no caso da Educação, a cujos órgãos são imputadas a omissão da prestação da informação solicitada pelo recorrente. - cfr. arts.10°/2 e 105°/1 do CPTA;
g. Assim procedeu o A. nestes autos: endereçou os pedidos aos órgãos próprios das ETTs competentes. - cfr. arts. 12°/2 e 13° da Portaria Regional n° 110/2002;
h. E em face da omissão, demandou a secretaria regional na qual se integram as ditas referidas ETI’s e os respetivos órgãos próprios. - cfr. arts. 10°/2 e 105°/1 do CPTA;
i. Inexiste qualquer falta de pressuposto processual objetivo prévio à presente lide, mormente a falta dos requerimentos que estão nos autos;
j. A decisão recorrida infringiu os arts. 10°/2 e 105°/1 do CPTA, 576°/l e 2, 578° e 278°/l – al. e) do CPC e 1°, 2°, 10°, 12°/5 e 13° da Portaria Regional nº110/2002, de 14.8, sendo ilegal;
k. Deve ser revogada c substituída por outra que julgue por não verificada qualquer fata do indicado pressuposto processual objetivo prévio à presente lide, com as legais consequências.
Nestes termos, deve o presente recurso ser admitido e, a final, ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.
Pede que V. Exas. lho defiram.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

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2.- DA FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu com indiciariamente provada e com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:
«1. Por carta registada com aviso de recepção, enviada em 13/06/2016, o Autor solicitou aos directores de cada uma das oitenta e oito escolas ETFs/EBI/PE a prestação de informação detalhada e circunstanciada e cópias integral de documentos:
"i), sobre a concreta organização da componente curricular do 1.ºciclo (em cada uma das oitenta e oito escolas ETI’s/EBl/PE observada no corrente ano lectivo (2015/2016) e se a componente obrigatória "Expressão Plástica" foi, de facto, integrada na componente curricular ou, pelo contrário, nas actividade de enriquecimento;
ii). seja facultada cópia integral das actas das deliberações do Conselho Escolar (de cada uma das oitenta e oito ETI’s/EBI/PE) que haja deliberado sobre tal concerta organização e integração da Expressão Plástica para o ano lectivo corrente;
iii). seja facultada cópia integral das actas das deliberações do Conselho Escolar (de cada uma das oitenta e oito ETI’s/EBI/PE) que haja deliberado sobre os assuntos de natureza pedagógica que haja incidido sobre tal temática ou em que a mesma haja sido pressuposta, nomeadamente sobre os critérios de avaliação, critérios para a elaboração dos horários e sobre o processo de avaliação de desempenho dos docentes do grupo de recrutamento 140/Expressão Plástica;
iv). sobre a concreta organização da componente curricular (de cada uma das oitenta e oito ETI’s/EBI/PE) a observar para o ano lectivo 2016/2017 e se a componente obrigatória "Expressão Plástica" há-de ser integrada na componente curricular ou, pelo contrário, nas actividades de enriquecimento;
v). seja facultada cópia integral das actas das deliberações do Conselho Escolar (de cada uma das oitenta e oito ETI’s/EBl/PE) que haja deliberado sobre tal concreta organização e integração da Expressão Plástica para o ano lectivo 2016/2017;
vi). seja facultada cópia integral das actas das deliberações do Conselho Escolar (de cada uma das oitenta e oito ETI’s/EBI/PE) que haja deliberado sobre os assuntos de natureza pedagógica que haja incidido sobre tal temática ou em que a mesma haja sido pressuposta, nomeadamente sobre os critérios de avaliação, critérios para a elaboração dos horários e sobre o processo de avaliação de desempenho dos docentes do grupo de recrutamento 140/Expressão Plástica. "».
Consta ainda da sentença recorrida que «Com relevância para a decisão da causa inexistem factos a considerar não provados» e a título de fundamentação da decisão de facto diz-se que «A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considera relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito.
O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, pela análise crítica efectuada dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados».
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3- MOTIVAÇÃO DE DIREITO

Como resulta do disposto nos artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do NCPC- sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso- as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Por esse prisma, tenha-se ainda em conta que objectivam os autos que:
-SPM - SINDICATO DOS PROFESSORES DA MADEIRA requereu junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAF Funchal) a intimação da Secretaria Regional de Educação da Região Autónoma da Madeira, a prestar-lhe as informações e a passar-lhe certidões, solicitando aos directores de cada uma das oitenta e oito escolas ETI's/EBI/PE, informação detalhada e circunstanciada e cópias integrais de documentos, como identificados no Probatório da Sentença recorrida
-A Entidade Requerida foi citada e apresentou resposta informando que já tinha dado cumprimento ao pedido que lhe fora efectuado pelo requerente, pedindo o arquivamento dos autos.
-Da resposta apresentada foi o Autor/Requerente notificado tendo vindo informar o Tribunal que a resposta da Entidade Requerida se reporta apenas ao pedido efectuado pelo Autor ao Director Regional, razão por que, apenas nesta parte se verifica a invocada inutilidade da lide e que relativamente ao pedido efectuado aos directores de cada uma das oitenta e oito escolas ETT's/EBI/PE, não tendo sido prestada a informação requerida, deverá a acção prosseguir.
Apreciando e analisando os factos e aplicando o direito decidiu o tribunal a quo julgar extinta a intimação por inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de informação solicitado ao Director Regional da Direcção Regional de Educação, absolvendo este da instância quanto ao demais peticionado.
Para tanto, arrimou-se à seguinte fundamentação jurídica:
“O Autor dirigiu aos directores de cada uma das oitenta e oito escolas ETFs/EBI/PE a prestação de informação detalhada e circunstanciada e cópias integrais de documentos, tal como se encontra provado nos autos.
Ou seja, os pedidos no âmbito do direito à informação que o Autor considera não terem sido satisfeitos tiveram como destinatários as escolas ETI’s/EBI/PE e não a aqui Entidade Requerida Secretaria Regional da Educação.
Sucede que o recurso à via judicial mediante o processo de intimação pressupõe o não cumprimento pela entidade administrativa em causa do dever de informar, sendo assim exigido um pedido anterior do interessado. Só mediante a apresentação de um pedido prévio a Administração fica constituída no dever de informar.
Tal como resulta do art. 104.°, n.°1, do CPTA, é necessário existir um requerimento a suportar a pretensão, a pedir a consulta do processo, o documento ou a informação e terá que haver uma negação por parte da Administração em prestar as informações requeridas, a qual pode consubstanciar-se num acto de recusa expressa total ou parcial ou numa conduta omissiva tácita.
Será a negação ou a inércia da Administração que criará o interesse processual, interesse em agir, para a intimação.
No caso dos presentes autos a Entidade Requerida não negou qualquer pedido do Autor pela simples razão de que o Autor não formulou qualquer pedido à mesma, nem nada requereu, seja no âmbito do direito à informação procedimental ou do direito à informação não procedimental (direito de acesso aos arquivos e registos administrativos).
Assim, falta a constituição de um pressuposto processual objectivo prévio à via judicial e à utilização do processo de intimação — a formulação do pedido à Entidade Requerida coma respectiva pretensão.
Nestes termos, a falta de cumprimento pelo Autor do pedido prévio à Administração constitui uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, geradora da absolvição da instância da Entidade Requerida, cfr. art. 576.°, n.° 1e n.° 2, 578.° e 278.°, n.°1, alínea e), todos do CPC.”

Assim, o objecto do recurso, segundo as ajuizadas conclusões da alegação recursória, cinge-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento sobre a decretada inutilidade da lide com as consequências expressas na decisão recorrida.
Antecipe-se, desde já, que a decisão deverá ser confirmada, ainda que com a nuance introduzida no couto parecer da EPGA:
Na verdade e na esteira desse Parecer, também se nos afigura que ao recorrente assiste razão formal, mas não substancial.
É que, patenteia-se no probatório que a entidade requerida satisfez o pedido apresentado pelo requerente ao Director Regional de Edução, facultando-lhe as informações detalhadas e bem assim as certidões dos documentos de que dispunha, quando é também certo que o Autor/Requerente ao formular o seu pedido de informação e de passagem de certidão se dirigiu, também, aos directores de cada uma das oitenta e oito escolas ETTs/EBI/PE e, não só, à entidade requerida.
Nesse desiderato, summo rigore, deve entender-se que a entidade requerida, como alegou na sua resposta, deu satisfação ao que lhe foi solicitado.
Desse modo, como se afirmou na decisão recorrida, e bem acentua a Excelentíssima Procuradora Geral Adjunta no seu douto Parecer, a Entidade Requerida “não negou qualquer pedido ao A pela simples razão de que este formulou o seu pedido a outras autoridades e nada requereu à aqui entidade requerida, seja no âmbito do direito à informação procedimental ou do direito à informação não procedimental.
Em rigor, se à entidade requerida nada foi solicitado pelo requerente, não se entende por que razão este lhe dirige o pedido de intimação judicial e por que razão a entidade requerida até vem dizer que já satisfez o pedido que lhe foi solicitado.
Como é sabido, o pedido de intimação judicial pressupõe um prévio pedido à autoridade administrativa, tendo esta o dever de o satisfazer no prazo legal e, caso o não satisfaça, fica o requerente legitimado a requerer ao tribunal que intime a autoridade administrativa a satisfazer o pedido que lhe foi apresentado.
De resto, a decisão a proferir nos autos teria sempre o mesmo sentido e como supra referimos, como não foi dirigido à entidade requerida qualquer pedido, entendemos que em rigor devia o pedido de intimação ter sido rejeitado por não ter sido apresentado previamente, dirigido à autoridade administrativa, qualquer pedido de informação ou passagem de certidão.
Sendo assim, afigura-se-nos que melhor seria que a douta sentença recorrida tivesse rejeitado o pedido de intimação apresentado pelo requerente por faltar o pressuposto de prévio pedido dirigido à entidade requerida.
Quanto aos pedidos dirigidos a cada uma das oitenta e oito escolas ETI’s/EBI/PE, teria o requerente de dirigir contra essas autoridades o seu pedido de intimação já que foi a elas que dirigiu o seu pedido de informação e de certidão.
Sendo assim, a decisão a proferir seria no sentido da rejeição do pedido, com absolvição da instância da entidade requerida e não de declaração de inutilidade da lide devendo ser a decisão ser alterada neste segmento, mas, ainda assim sem conceder provimento ao recurso do recorrente.”
Significa, pois, que tendo em conta a já identificada causa petendi da presente acção as únicas entidades administrativas que pode reconhecer à Autora o direito a receber as informações e certidões solicitadas, são as escolas ETI’s/EBI/PE.
Com efeito, no caso que nos ocupa, a pretensão do Recorrente. não depende para a sua eventual satisfação, e contrariamente ao alegado, da prática de quaisquer actos pela entidade requerida o qual, por isso mesmo, não detém competência para o seu exercício.
Doutra banda, e como se afirma no douto parecer e na própria decisão recorrida, é insofismável que as únicas entidades administrativas que poderiam satisfazer a pretensão do Recorrente são aquelas Escolas pois, sendo em regra a competência definida por lei ou regulamento, e resultando claramente que à Ré não é atribuída qualquer competência expressa ou implícita, no que respeita às pretensões da Autora ora Recorrente que apresentou perante as referidas Escolas, não cabe à Recorrida a representação em juízo das outras entidades, verificando-se a excepção da ilegitimidade passiva da Ré.
Impõe-se então concluir em definitivo que do artigo 10° do CPTA, a legitimidade passiva no caso dos autos é atribuída as entidades sobre que recaia o dever de praticar os actos Jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos, ou, dito de outro modo, estende-se, a personalidade judiciária a quem não é detentor de personalidade jurídica.
Significa que, por norma, em sede de legitimidade, vigora o princípio da coincidência da personalidade judiciária com a personalidade jurídica, consagrado no n° 2 do artigo 5 do CPC e que encontra manifestação no n° 1 do art° 10.° CPTA pelo que a legitimidade passiva é deferida ao órgão ou autoridade com competência para praticar os actos decorrente do, ou impostos pelo reconhecimento do direito ou interesse legitimo que o autor se arroga.
Consequentemente, e tal como proposto no douto Parecer da EPGA, improcede o recurso mas em vez de declarar-se a inutilidade superveniente da lide, como o fez a sentença recorrida, deve declara-se a absolvição da instância da entidade requerida por ilegitimidade.

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3. -DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida com a fundamentação supra expressa.
Custas pelo Recorrente.

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Lisboa, 15-12-2016
(José Gomes Correia) _____________________________________

(António Vasconcelos) _____________________________________

(Pedro Marchão) _________________________________________