Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06418/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/07/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”). CONCEITO E ÂMBITO DESTA NULIDADE.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
ARTº.19, Nº.3, DO C.I.V.A.
SIMULAÇÃO ABSOLUTA E RELATIVA.
ÓNUS DA PROVA NO ÂMBITO DO ARTº.19, Nº.3, DO C.I.V.A.
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO (ARTº.58, DA L.G.T.).
PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL (ARTº.6, DO R.C.P.I.T.).
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes.
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. Deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
4. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
5. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr.artº.655, nº.1, do C.P.Civil). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
7. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário).
8. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
9. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
10. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
11. Diz-nos o artº.19, nº.3, do C.I.V.A., que não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente. Se a operação ou o preço são simulados não é admitido o direito à dedução do I.V.A. respectivo a fim de se não obter a dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo. Mais se dirá que o utilizador da factura falsa que pagou o I.V.A. ao respectivo emitente não tem direito a deduzi-lo nos termos do preceito em exame, devendo interpretar-se a expressão “operação simulada” como querendo referir-se a qualquer operação total ou parcialmente inexistente. O preceito sob exegese abarca na sua previsão, tanto as situações de simulação absoluta, de que constituem paradigma, no âmbito do I.V.A., as designadas “facturas falsas”, como as situações de simulação relativa, de que uma das variantes poderá constituir a simulação do valor da operação.
12. No âmbito do artº.19, nº.3, do C.I.V.A., a decisão correctiva tem de assentar em “indícios fundados”, não se impondo, como ónus probatório, à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, bastam indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte consagrada no artº.75, nº.1, da L.G.Tributária, de verdade e boa-fé das declarações pelo mesmo emitidas. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova.
13. Por outras palavras, conforme jurisprudência com a qual concordamos, não competirá à A. Fiscal o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, antes cabendo ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Perante a prova dos elementos indiciários que levem a concluir pela simulação das operações descritas na factura, passa a recair sobre o contribuinte a prova dos pressupostos de que depende o direito à dedução (do I.V.A. pago a montante), ou seja, da existência da transacção e sua expressão quantitativa. Nestes termos, quando o acto de liquidação do I.V.A. se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à Administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do artº.82, nº.1, do C.I.V.A., e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artº.19, do mesmo diploma.
14. O princípio do inquisitório, está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L.G.Tributária, de acordo com o qual devendo a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material. O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efectuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo.
15. O princípio da verdade material está consagrado no artº.6, do R.C.P.I.T., e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.77 a 88 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando actos de liquidação de I.V.A. e juros compensatórios, relativos aos anos de 2001 e 2002 e no montante total de € 69.392,65.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.99 a 106 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O recorrente invocou a violação do princípio da verdade material em sede de Inspeção Tributária, porquanto no seu entender não foram realizadas as diligências necessárias, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à Administração Tributária cabe defender (artº.6, do R.C.P.I.T.);
2-Mais invocou, a violação do princípio da capacidade contributiva, ordenador do nosso sistema fiscal e constitucionalmente consagrado (artº.103, nº.1, da C.R.P.), questões de que a sentença recorrida não conheceu;
3-Assim, é nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia (artº.668, nº.1, al.d), do C.P.C.);
4-Acresce que o artº.6, do Regime Complementar da Inspeção Tributária (R.C.P.I.T.), não é uma norma meramente programática, é uma regra de conduta imperativa que deve nortear a Inspeção Tributária, o que não sucedeu no caso “sub judice”;
5-Como ensinam o Prof. Diogo de Leite Campos e os Juízes Conselheiros Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artº.55, da L.G.T., a Administração Tributária deve “realizar todas as diligências necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar sejam contrários aos interesses patrimoniais que à Administração Tributária cabe defender”, in, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada... cit.;
6-Mais, a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação;
7-Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração (neste sentido, vide, o Acórdão do TCA Sul de 3 de Julho de 2012, proferido no Recurso n° 04397/10, cit.);
8-A problemática do ónus da prova só se coloca posteriormente após o esgotamento de todos os meios instrutórios ao alcance da Administração, pois o princípio do inquisitório coexistente com a disciplina do ónus da prova cruza o ordenamento tributário em momento prévio (artº.58, da L.G.T.);
9-Em sede de inspeção, nada foi feito no sentido de indagar sobre a efectiva realização das obras em causa, designadamente por deslocação ao respectivo local, conformando as suas dimensões, ou;
10-Efectuar comparações entre os preços de mercado e as facturas, verificando outros empreiteiros para quem os emitentes das facturas realizaram trabalhos, para confirmar a efectiva realização dos mesmos. E;
11-Se efectivamente as facturas não haviam sido emitidas pelos respectivos emitentes, quem o fez, e nessa medida se correspondem a trabalhos efectivamente prestados e se tinham correspondência com o volume de negócios do recorrente;
12-No que respeita à emitente sociedade diligenciar junto do RNPC ou da Conservatória do Registo Comercial, no sentido de indagar quem são os seus gerentes, recolhendo os respetivos depoimentos;
13-Nada foi feito, em frontal violação dos princípios do inquisitório e da verdade material a que a Administração Fiscal se encontra adstrita nas suas relações com os particulares;
14-Razão pela qual, as liquidações adicionais de I.V.A. em causa nos presentes autos, por decorrerem de acção inspectiva concluída em desrespeito pelas normas e princípios a que a Administração Fiscal se encontra vinculada, são ilegais impondo-se a sua anulação;
15-Assim, por todo o exposto, ao ter decidido em sentido contrário, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica;
16-O desfasamento temporal de cerca de três anos entre as datas dos factos e a da acção inspectiva, obsta a, ou pelo menos muito dificulta, um efectivo conhecimento da realidade das circunstâncias que rodeavam os emitentes das facturas, na concreta data que releva, que é a da emissão;
17-Não obstante tal dificuldade, ainda assim o procedimento inspectivo assentou apenas em elementos internos, tendo os serviços prescindindo do trabalho de campo e de diligências externas;
18-Sendo insuficiente, o facto de os emitentes das facturas não terem cumprido as suas obrigações declarativas, aliás não demonstrado por informação oficial, para justificar a falsidade das facturas emitidas;
19-A falta de semelhança entre as assinaturas de D..., não permite só por si concluir que as facturas são falsas, porquanto pelo menos algumas das facturas (as que correspondem a um dos tipos de caligrafia) sempre poderiam ser verdadeiras;
20-As declarações de António Carvalho não podem ser tomadas em conta, desde logo porque não consta no auto de declarações a identificação do autor das declarações, Bilhete de Identidade, carta de condução ou qualquer comprovativo de que quem foi ouvido foi o emitente das facturas;
21-Estes considerandos, que na despectiva da Inspeção servem “de fundamentação ao acto impugnado, designadamente que as facturas emitidas têm vindo a ser consideradas como falsas (...) porque não concretizados nunca poderiam servir de fundamento à actuação da AT” (Acórdão do TCA Sul de 07/05/02, proferido no Recurso nº.3226/00, in, www.dgsi.pt);
22-Não tendo a Administração Tributária colhido e provado indícios sérios e objectivos de que as facturas em causa não titulavam operações reais, não cabia ao recorrente a prova de que as prestações de serviços haviam sido efectivamente realizadas;
23-Assim, ao decidir em sentido contrário, também pelo ora exposto, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, não podendo permanecer na ordem jurídica;
24-Termos em que, atentos os factos e fundamentos expedidos, nos melhores de direito e com o douto suprimento V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogada a douta sentença do Tribunal “a quo” e, em consequência, anuladas as liquidações efectuadas em sede de I.V.A. dos anos de 2001 e 2002 com todas as consequências legais daí advindas.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.121 a 125 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.127 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.78 a 81 dos autos):
1-O impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização, na sequência da qual a Administração Fiscal procedeu a liquidações adicionais de I.V.A. nºs.05276235, 05276237, 05276239, 05276241, 05276243, 05276245 e 05276247, no montante de € 59.133,83 e respectivos juros compensatórios, no valor de € 10.258,82 (cfr.documentos juntos a fls.19 a 22 do processo administrativo apenso);
2-As liquidações tiveram por base o facto de não ser aceite a dedução de I.V.A. liquidado em determinadas facturas, consideradas como não titulando operações reais, e nessa medida não conferirem direito à dedução, atento o disposto no artº.19, nº.3, do C.I.V.A. (cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso);
3-O impugnante, A..., com o n.i.f. ..., encontra-se registado e enquadrado, em sede de I.V.A., no regime normal com periodicidade trimestral pelo exercício da actividade de “Construção de Edifícios”, CAE 45211, actividade que exercia desde 2/03/1999 e que cessou em 4/12/2003 (cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso);
4-No âmbito da sua actividade o impugnante utilizava pessoal por si contratado e recorria igualmente a subempreiteiros (cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso; depoimento testemunhal);
5-Os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária propuseram a desconsideração das facturas emitidas por diversos subempreiteiros, com base na seguinte fundamentação:
a)Quanto ao emitente D..., por ser dado como falecido em 15/12/1999 e as facturas terem sido emitidas em datas posteriores;
b)Quanto ao emitente B..., por este, em auto de declarações, ter negado a prestação de tais trabalhos, afirmando não ser sua a assinatura constante das facturas;
c)Quanto à emitente “C.... - Construções, Unipessoal, Lda.”, por não ter sido localizado o lugar indicado como sede da mesma (cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso);
6-Por despacho, datado de 6/09/2005, proferido pelo director de finanças adjunto, exarado no relatório dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, foram sancionadas as propostas constantes de anterior parecer, do qual constam as seguintes conclusões:
“Analisados que foram os elementos contabilísticos, foi verificado a nível de custos e designadamente na conta "Subcontratos ", o seguinte:
1.Na referida conta foram registados custos com base em facturas que indicam terem sido emitidas por A...NIF ...; B... NIF 143875485; “C.... - Construções, Unipessoal, Lda.” NIPC ....
2. Relativamente a estes S.P.s foi-nos dado verificar que o primeiro faleceu em 1999, o segundo, em auto de declarações, disse não ter efectuado qualquer trabalho para o Sr. ...s e não conhece as assinaturas apostas nas facturas; o terceiro é inexistente na base de dados da DGCI e não lhe é conhecida qualquer morada ou sede a partir da qual exerça qualquer actividade.
3. Perante esta situação, entendemos estar perante facturas falsas, que apenas foram registadas para influenciarem negativamente os Resultados da Actividade declarados. Não é de modo algum possível que o somatório dos Custos com Pessoal mais os Subcontratados, ultrapassem o valor dos Serviços Prestados realizados.
4, Nestes termos, as facturas em causa, não vão ser aceites como correspondentes a trabalhos efectivamente realizados, muito embora se aceite que o SP tenha incorrido em custos no que respeita a subcontratados.
(...)
6.IVA
Nos termos do n°3 do art.19° do CIVA, não se aceita o imposto deduzido nas facturas correspondentes aos S.P.s indicados em ponto 1 deste parecer, apurando-se assim imposto em falta a liquidar nos termos do artº.82, do CIVA, nos montantes de:
2001 - 35.232,59 €
2002 - 23.901,23 €
(cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso);
7-No âmbito da acção de fiscalização constatou-se que o impugnante recorreu no ano de 2001 aos serviços de 1 subempreiteiro, e no ano de 2002 aos serviços de 5 subempreiteiros;
8-No ano de 2001, encontram-se arquivadas 9 facturas emitidas por D..., nas quais foi liquidado I.V.A. no montante global de € 35.232,59 euros (cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso);
9-E no ano de 2002, encontram-se arquivadas 1 factura emitida por D..., na qual foi liquidado I.V.A. no montante de € 2.543,87, bem como 6 facturas emitidas por E..., nas quais foi liquidado I.V.A. no valor global de € 13.762,36, e 3 facturas emitidas pela sociedade “A.T.M.C.C. - Construções, Unipessoal, Lda.”, no valor global de € 7.600,00 (cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso);
10-Relativamente ao emitente A...os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária alegam que este não foi localizado nas moradas que constam das facturas e do cadastro e que as assinaturas apostas nas facturas diferem, no tipo de caligrafia, de umas para as outras (cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso);
11-Quanto ao E..., é referido que a correspondência que lhe foi dirigida foi devolvida com a menção “desconhecido” e “Não reclamada”, mas tendo sido localizado e contactado o mesmo negou a prestação de quaisquer serviços ao aqui impugnante e a emissão de tais facturas (cfr.relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso);
12-Já no que respeita à sociedade “C.... - Construções, Unipessoal, Lda.”, o endereço constante do cadastro é inexistente e não foi possível identificar o seu sócio, sendo certo que nunca foi apresentada qualquer declaração por este sujeito passivo (cfr. relatório de inspecção cuja cópia se encontra junta a fls.28 a 48 do processo administrativo apenso);
13-Através do “fax”, enviado a 17/01/2005, a delegação do Serviço de Estrangeiros de Faro informou o Serviço de Inspecção Tributária de Faro que constava no Sistema Integrado de Informação um indivíduo com o nome de “D...”, de nacionalidade cabo-verdiana, e dado como falecido em 15/12/1999 (cfr.documento junto a fls.152 e 153 do processo administrativo apenso).
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
“…A convicção do Tribunal fundou-se no teor dos documentos juntos ao processo, e indicados em cada um dos pontos supra e na prova testemunhal produzida nos presentes autos e melhor identificada na acta de fls.45-47.
O depoimento das testemunhas ouvidas foi muito genérico, sem que tenha concretizado factos relevantes para a decisão, para além dos acima enunciados no probatório…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude do insucesso dos fundamentos da mesma.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, desde logo, que invocou a violação do princípio da verdade material em sede de Inspeção Tributária, porquanto no seu entender não foram realizadas as diligências necessárias, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à Administração Tributária cabe defender (artº.6, do R.C.P.I.T.). Mais invocou, a violação do princípio da capacidade contributiva, ordenador do nosso sistema fiscal e constitucionalmente consagrado (artº.103, nº.1, da C.R.P.), questões de que a sentença recorrida não conheceu. Assim, é nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia nos termos do artº.668, nº.1, al.d), do C.P.C. (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso).
Examinemos se procede a nulidade da sentença suscitada pelo recorrente.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.d), do C. P. Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.660, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A. Sul, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A. Sul, 3/5/2011, proc.4629/11).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.660, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.494 e 495, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº. 133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.912 a 914).
No caso “sub judice”, o que o recorrente pretende é que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a alegada violação do princípio da verdade material em sede de Inspeção Tributária, tal como a violação do princípio da capacidade contributiva, ordenador do nosso sistema fiscal e constitucionalmente consagrado (artº.103, nº.1, da C.R.P.), dado que a A. Fiscal não verificou a capacidade contributiva do recorrente aquando da estruturação das liquidações objecto do presente processo.
Ora, para decidir como decidiu o Tribunal “a quo” considerou que a A. Fiscal demonstrou a existência de indícios fundados de que as facturas postas em causa não foram emitidas pelos respectivos sujeitos passivos e não satisfaziam as exigências legais, cumprindo o seu dever legal de fundamentação e o respectivo ónus probatório, afastando a presunção de veracidade da contabilidade do impugnante/recorrente.
Examinada a p.i. que originou o presente processo, deve concluir-se que não tem razão o recorrente, ao pugnar pela nulidade da sentença em apreciação, por omissão de pronúncia, uma vez que, ao invés do que defende, o Tribunal “a quo” pronunciou-se quanto à questão suscitada e relativa à violação do princípio da verdade material, bem como à violação do princípio da capacidade contributiva. A violação destes princípios foi alegada a propósito da regularidade da inspecção tributária e da invocada falta de fundamentação da desconsideração das facturas designadas de “falsas”. Ora, estes eram argumentos que fundamentaram a alegada falta de fundamentação da decisão da A. Fiscal em não considerar as facturas em causa, não sendo exigível e obrigatório que o Tribunal se pronuncie expressamente sobre todos os argumentos invocados e utilizados pelo impugnante e aqui recorrente e conforme mencionado acima para onde se remete. Importava sim é que o Tribunal “a quo” decidisse a questão que se consubstanciava na fundamentação da A. Fiscal ser, ou não, suficiente para legitimar os actos tributários efectuados, não que se pronuncie sobre todas as razões e argumentos apresentados.
E quanto à questão da fundamentação da actuação da A. Fiscal a sentença recorrida é profusa, conforme se deixa ver na transcrição que infra segue:

“Interessa saber se a Administração tributária fundamentou suficientemente a sua actuação, ou seja, se ao desconsiderar as facturas emitidas pelos subempreiteiros D..., E... e "AJ.M.C.C. - Construções, Unipessoal, Lda.", para efeitos de dedução do IVA nelas liquidado, recolheu indícios suficientes que ponham em causa a sua credibilidade.
Vejamos.
Nos termos do disposto no n° 1, do art° 75°, da Lei Geral Tributária (LGT), "presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”
Essa presunção de veracidade cessa, contudo, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art° 75°, n°, 2, alínea a) da LGT).
As declarações dos contribuintes e os elementos contabilísticos que as sustentam devem, pois, ser controlados pela administração tributária, que tem o dever de proceder às correcções neles evidenciados e aferir da sua correspondência com a realidade sempre que o contribuinte não forneça os elementos indispensáveis ao controlo da sua situação tributária, e proceder à liquidação oficiosa do imposto devido quando houver discrepâncias que o justifiquem.
Decorre do exposto que a declaração do contribuinte goza da presunção de veracidade desde que esteja apresentada nos termos previstos na lei e sejam fornecidos à Administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária (art° 75°, n° 2, alínea b) da LGT). À Administração tributária compete a demonstração de que tais elementos não correspondem à realidade tributária, Devendo fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que se sustenta a declaração não são verdadeiros, como decorre também do princípio da legalidade que preside ao Direito Fiscal e do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte (cfr.a propósito, o acórdão do TCA Sul, de 29.04.2004, Proc° n° 6449/02).
É, pois, à Administração tributária que cabe o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação. Com efeito, de acordo com o disposto no art° 266°, n° 2, da C.R.P., a Administração só pode agir nas condições em que a lei lho autoriza e nada poderá fazer contra a lei, tendo de ser ela a suportar a desvantagem de não ser feita prova da verificação dos pressupostos legais que lhe permitem agir com autoridade, pelo menos quando produza efeitos desfavoráveis para os particulares.
Daí que a administração tributária tenha o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar uma determinada operação que se encontre relevada na contabilidade do contribuinte, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso ordenamento jurídico), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
Todavia, não é necessário que a Administração tributária prove os pressupostos da simulação previstos no art° 240° do Código Civil (a exigência de divergência entre a declaração e a vontade negociai das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo prova suficiente a recolha de elementos indiciados que levem a concluir nesse sentido, isto é, de elementos sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais.
E esses indícios podem colher-se não só junto da escrita e contabilidade de quem arquivou e relevou contabilisticamente os documentos em causa, como colher-se junto de elementos externos a essa contabilidade, sendo que só perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando então a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas efectivamente se realizaram.
Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei haja "indícios fundados" de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva. Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto incluir operações não efectuadas.
Este último caso é aquele que correntemente se vem chamando de "facturas falsas", isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar. E, aqui, a lei não exige senão "indícios fundados", ou seja, não impõe à Administração a "prova concludente" de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles "fundados indícios". Caberá nesse caso, pois, ao contribuinte desfazer aqueles indícios apresentando prova da qual resulte que as facturas titulam os fornecimentos ou serviços delas constantes.
No caso de liquidação adicional de IVA com fundamento no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à Administração tributária apenas fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução de imposto, nos termos do art° 19° do Código do IVA.
Na verdade o art° 19°, n° 2, do CIVA (na redacção à data) só confere direito à dedução do imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes, passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo. Mas o n° 3 da mesma disposição legal consagra que não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante a factura ou documento equivalente.
Sublinhe-se ainda que "no seu esforço da procura da verdade material, não está vedado à administração tributária recorrer a provas indirectas ou a factos indiciantes dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema da prova. " (cfr. acórdão do TCA Sul, de 29.04.2004, proc° 6449/02)
Importa pois, no caso em apreço, ter em consideração, por um lado, que indícios foram recolhidos pela Administração tributária para alicerçar o seu juízo de forma a concluir ou não pela sua adequação, por outro lado, se a Impugnante logrou desfazer tais indícios, apresentando prova da qual resulte que as facturas titulam efectivamente os fornecimentos ou serviços delas constantes, assim comprovando a existência de factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução de imposto, nos termos do art° 19° do Código do IVA.
Como resultou provado, tendo em consideração o relatório dos serviços de inspecção, os indícios recolhidos pela Administração tributária dizem respeito, por um lado, à falta de localização de alguns dos sujeitos passivos emitentes das facturas (caso dos subempreiteiros A...e "C.... - Construções, Unipessoal, Lda.), por outro lado, às declarações de um dos emitentes (E...) que nega a prestação de tais serviços e a emissão das facturas.
Relativamente ao primeiro daqueles subempreiteiros, D..., a informação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que se refere ao falecimento em 1999 (cfr. ai. n) do probatório), não permite concluir que estamos perante a mesma pessoa, como bem refere o DMMP, já que é omissa sobre os elementos identificativos do indivíduo em causa (v.g. NIF, n° de B.I. ou passaporte) e não é confirmada por outros elementos objectivos. Daí que não possa concluir-se, como se exarou no despacho que sancionou as conclusões do relatório, que as facturas foram emitidas em período posterior ao falecimento do referido indivíduo.
É também invocado que o referido subempreiteiro "não foi localizado nas moradas que constam das facturas e do cadastro e que as assinaturas apostas nas facturas diferem, no tipo de caligrafia, de umas para as outras". No que se refere à localização de tal indivíduo, consta do relatório que foi apenas remetida correspondência para as moradas que constavam das facturas, correspondência que foi devolvida com a menção de "não reclamado". Contudo, tal facto não permite retirar qualquer ilação, até porque o referido sujeito passivo pode ter alterado o seu domicílio profissional.
Já no que respeita à falta de semelhança na caligrafia das assinaturas a mesma é de facto notória (a olho nu), pelo menos em dois conjuntos de facturas anexas ao relatório de inspecção, o que revela não ter sido feita com o mesmo punho e põe em causa a credibilidade das facturas, pois não se sabe qual das assinaturas é a verdadeira ou se ambas são falsas.
Por seu lado, e no que diz respeito à sociedade "A.T.M.C.C. - Construções, Unipessoal Lda. ", não foi possível recolher qualquer elemento sobre a sua actividade e sobre a identificação do seu único sócio-gerente, não só porque nunca foi apresentada qualquer declaração, como pelo facto de não terem sido localizadas tais pessoas, não existindo, inclusivamente, a morada indicada como sede, tudo pondo em causa a credibilidade de tais facturas.
Por fim, quanto às facturas emitidas por E..., as declarações que o mesmo prestou, em que não confirma a sua emissão, nem a prestação de tais serviços, são, igualmente, elementos suficientes para abalar a credibilidade das mesmas.
Tais factos, apreciados à luz das regras da experiência, fundamentam materialmente a actuação da Administração Tributária, pois baseando-se neles logrou provar o bem fundado da formação da sua convicção quanto à simulação das operações subjacentes às mencionadas facturas, passando a competir ao impugnante a demonstração que esses serviços foram, de facto, efectuados, de forma a justificar o direito à dedução do IVA.
Ora a esse respeito o impugnante não logrou fazer prova de qualquer facto. Com efeito limitou-se a arrolar testemunhas, cujos depoimentos foram demasiado genéricos e nunca concretizaram qualquer elemento sobre os serviços documentados pelas facturas. Aliás nenhuma delas tinha qualquer referência sobre os emitentes das facturas ou sobre a prestação dos serviços em concreto.
Deste modo, as correcções efectuadas pela Administração tributária não padecem do vício que lhes vem imputado, de falta de fundamentação que inquine a validade das liquidações.”.

Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia sobre qualquer questão suscitada, não ocorrendo, portanto, a respectiva nulidade e, nestes termos, julgando-se improcedente este fundamento do recurso.
Mais alega o recorrente que o desfasamento temporal de cerca de três anos entre as datas dos factos e a da acção inspectiva, obsta a, ou pelo menos muito dificulta, um efectivo conhecimento da realidade das circunstâncias que rodeavam os emitentes das facturas, na concreta data que releva, que é a da emissão. Que não obstante tal dificuldade, ainda assim o procedimento inspectivo assentou apenas em elementos internos, tendo os serviços prescindindo do trabalho de campo e de diligências externas. Que é insuficiente o facto de os emitentes das facturas não terem cumprido as suas obrigações declarativas, aliás não demonstrado por informação oficial, para justificar a falsidade das facturas emitidas. Que a falta de semelhança entre as assinaturas de D..., não permite, só por si, concluir que as facturas são falsas, porquanto pelo menos algumas das facturas (as que correspondem a um dos tipos de caligrafia) sempre poderiam ser verdadeiras. Que as declarações de António Carvalho não podem ser tomadas em conta, desde logo porque não consta no auto de declarações a identificação do autor das declarações, Bilhete de Identidade, carta de condução ou qualquer comprovativo de que quem foi ouvido foi o emitente das facturas (cfr.conclusões 16 a 20 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, a eventual existência de erro de julgamento da matéria de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul, 27/11/2012, proc.6011/12; ac.T.C.A.Sul, 20/12/2012, proc.4855/11).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios que deveriam fundamentar o alegado erro de julgamento da matéria de facto cometido pelo Tribunal “a quo”. Por outro lado, também quanto à concreta factualidade deficientemente julgada que o recorrente “chama” à colação. Tal factualidade não é minimamente concretizada face ao probatório supra exarado e constante da decisão recorrida.
Por último, sempre se deve mencionar que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul, 16/4/2013, proc.6280/12).
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
O recorrente dissente do decidido sustentando, por último e como supra se alude, que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Que o artº.6, do Regime Complementar da Inspeção Tributária (R.C.P.I.T.), não é uma norma meramente programática, é uma regra de conduta imperativa que deve nortear a Inspeção Tributária, o que não sucedeu no caso “sub judice”. Que a problemática do ónus da prova só se coloca posteriormente, após o esgotamento de todos os meios instrutórios ao alcance da Administração, pois o princípio do inquisitório coexistente com a disciplina do ónus da prova cruza o ordenamento tributário em momento prévio (artº.58, da L.G.T.). Que as liquidações adicionais de I.V.A. em causa nos presentes autos, por decorrerem de acção inspectiva concluída em desrespeito pelas normas e princípios a que a Administração Fiscal se encontra vinculada, são ilegais impondo-se a sua anulação. Que não tendo a Administração Tributária colhido e provado indícios sérios e objectivos de que as facturas em causa não titulavam operações reais, não cabia ao recorrente a prova de que as prestações de serviços haviam sido efectivamente realizadas. Que ao decidir em sentido contrário a sentença recorrida padece de erro de julgamento, não podendo permanecer na ordem jurídica (cfr.conclusões 4 a 15 e 21 a 23 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12).
Por último, dir-se-á que tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04).
Voltando ao caso concreto, na inspecção realizada ao impugnante/recorrente aos anos fiscais de 2001 e 2002, a A. Fiscal não aceitou a dedução de I.V.A. liquidado em determinadas facturas, consideradas como não titulando operações reais e, nessa medida, não conferindo direito à dedução, atento o disposto no artº.19, nº.3, do C.I.V.A. (cfr.nº.2 do probatório).
Fora das situações em que a dedução do imposto é afastada por irregularidades formais (cfr.artº.35, nº.5, do C.I.V.A.), encontram-se as situações em que, apesar da regularidade formal da factura, a realidade da operação nela descrita é posta em causa pela A. Fiscal, nomeadamente quando as considera falsas (cfr.artº.19, nº.3, do C.I.V.A.).
Diz-nos o artº.19, nº.3, do C.I.V.A., que não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente. Se a operação ou o preço são simulados não é admitido o direito à dedução do I.V.A. respectivo a fim de se não obter a dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo. Mais se dirá que o utilizador da factura falsa que pagou o I.V.A. ao respectivo emitente não tem direito a deduzi-lo nos termos do preceito em exame, devendo interpretar-se a expressão “operação simulada” como querendo referir-se a qualquer operação total ou parcialmente inexistente (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; Nuno Sá Gomes, Relevância jurídica, penal e fiscal das facturas falsas e respectivos fluxos financeiros e da sua destruição pelos contribuintes, C.T.F. nº.377, pág.7 a 22).
O preceito sob exegese abarca na sua previsão, tanto as situações de simulação absoluta, de que constituem paradigma, no âmbito do I.V.A., as designadas “facturas falsas”, como as situações de simulação relativa, de que uma das variantes poderá constituir a simulação do valor da operação.
Nestas condições, a decisão correctiva tem de assentar em “indícios fundados”, não se impondo, como ónus probatório, à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, bastam indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte consagrada no artº.75, nº.1, da L.G.Tributária, de verdade e boa-fé das declarações pelo mesmo emitidas.
Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova (cfr.Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.154).
Por outras palavras, conforme jurisprudência com a qual concordamos, não competirá à A. Fiscal o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, antes cabendo ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Perante a prova dos elementos indiciários que levem a concluir pela simulação das operações descritas na factura, passa a recair sobre o contribuinte a prova dos pressupostos de que depende o direito à dedução (do I.V.A. pago a montante), ou seja, da existência da transacção e sua expressão quantitativa. Nestes termos, quando o acto de liquidação do I.V.A. se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à Administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do artº.82, nº.1, do C.I.V.A., e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artº.19, do mesmo diploma (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 7/5/2003, rec.1026/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/1/2004, rec.1480/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/1/2007, proc.1365/06; ac.T.C.A.Norte -2ª.Secção, 28/2/2013, proc.383/08.4BEBRG).
Revertendo ao caso dos autos, concorda-se com a decisão recorrida, quando conclui que a factualidade constante do probatório, apreciada à luz das regras da experiência, fundamenta materialmente a actuação da Administração Tributária, pois baseando-se nela logrou provar o bem fundado da formação da sua convicção quanto à simulação das operações subjacentes às facturas em causa no processo, passando a competir ao impugnante a demonstração de que esses serviços foram, de facto, efectuados, de forma a justificar o direito à dedução do I.V.A. Ora, a este respeito, o impugnante/recorrente não logrou fazer prova de qualquer facto. Com efeito limitou-se a arrolar testemunhas, cujos depoimentos foram demasiado genéricos e nunca concretizaram qualquer elemento sobre os serviços documentados pelas facturas. Aliás, nenhuma delas tinha qualquer referência sobre os emitentes das facturas ou sobre a prestação dos serviços em concreto.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente vector do recurso, mais se confirmando a decisão recorrida, também neste segmento, o relativo à questão do ónus da prova no âmbito da actuação da A. Fiscal ao abrigo do artº.19, nº.3, do C.I.V.A.
Examinemos, agora, o vector do presente fundamento do recurso que tem a ver com a alegada violação, por parte da Administração Fiscal e no âmbito do procedimento tributário que originou as liquidações objecto dos presentes autos, do princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.) e do princípio da verdade material, consagrado no artº.6, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (R.C.P.I.T.).
O princípio do inquisitório, está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L. G. Tributária, de acordo com o qual devendo a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material (cfr.ac.T.C.A.Sul, 27/11/2012, proc.6011/12; Pedro Vidal Matos, O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, Coimbra Editora, 2010, pág.45 e seg.).
O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efectuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.488; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.186 e seg.).
Passemos ao exame do princípio da verdade material.
O procedimento tributário de inspecção visa, como não podia deixar de ser, como sucede em qualquer procedimento administrativo, a descoberta da verdade material.
O procedimento de inspecção, à semelhança de qualquer outro procedimento administrativo, tem de ser considerado como um instrumento que garanta e assegure o efectivo respeito pelos direitos fundamentais e garantias dos contribuintes por parte da Administração Tributária. Uma das formas de efectivar e concretizar este respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes é através do princípio da verdade material enquanto concretizador dos princípios da prossecução do interesse público e da igualdade.
Este princípio, consagrado no artº.6, do R.C.P.I.T., impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. Concluindo, o princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspectivo - a descoberta da verdade material. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº.58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 3ª. edição, Vislis Editores, 2003, pág.554; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.183 e seg.).
No caso “sub judice”, não vislumbra o Tribunal que a actuação da A. Fiscal no âmbito do procedimento inspectivo que fundamentou os actos tributários objecto do presente processo possa considerar-se violadora dos examinados princípios do inquisitório e da verdade material, violações estas que igualmente não são concretizadas pelo recorrente.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 7 de Maio de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto