Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11302/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:10/09/2014
Relator:ESPERANÇA MEALHA
Descritores:RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA; PROIBIÇÃO EXECUTAR ATO; 128.º/1 CPTA
Sumário:I – O artigo 128.º/1 do CPTA proíbe a autoridade administrativa de praticar quaisquer atos de execução do ato suspendendo em data anterior à emissão de resolução fundamentada.

II – A resolução fundamentada é pressuposto prévio da prática de atos de execução do ato suspendendo, uma vez que só com a sua emissão pode a autoridade administrativa levantar a proibição legal de executar o ato, consagrada ope legis no artigo 128.º/1 do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, do Tribunal Central Administrativo Sul


I. Relatório
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI) vem interpor recurso jurisdicional do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 06.05.2014, que, no âmbito de providência cautelar de suspensão de eficácia, julgou procedente o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida e declarou a ineficácia do ato praticado a 27.04.2014, pelo qual foi proibido o acesso, da Recorrida, M……., ao curso de oficiais.
O Recorrente conclui as suas alegações como se segue:
I. A "autoridade administrativa" nomeada no artigo 128°, n° 1, do CPTA só pode ser aquela que esteja (legalmente) habilitada para ponderar se o diferimento da execução se revelará "gravemente prejudicial para o interesse público". Isto é,
II. Essa autoridade administrativa só pode ser o membro do Governo responsável;
III. A norma em apreço estipula que essa autoridade administrativa está vinculada à proibição de execução, "salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público";
IV. Significa que a lei fixa um prazo — de 15 dias — para que a autoridade administrativa ou respeite a referida proibição de execução ou emita a resolução fundamentada;
V. De acordo com todos os princípios, o exercício de um direito dentro do prazo fixado legalmente reveste-se da mesma natureza, seja ele exercido no primeiro dia do prazo, ou no último. Isto é, um direito pode ser exercido no primeiro, ou no segundo, ou no último dia do prazo, sem que se assista a qualquer degradação do seu conteúdo;
VI. Significa que a vontade manifestada aquando desse exercício do direito é a mesma: no caso, seja no primeiro dia, seja no último dia do prazo, a autoridade administrativa, se emitir a resolução fundamentada, estará a afirmar que não se sente/sentiu vinculada à proibição de execução, porque considera que "o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público";
VII. Se o exercício do direito é o mesmo seja ele exercido no primeiro dia do prazo, ou no último, então o direito ou vontade manifestado no último dia do prazo legal tem de valer desde o primeiro dia do prazo. Isto é, tem de valer como se tivesse sido emitido no primeiro dia do prazo. Sendo assim,
VIII. O douto despacho recorrido interpretou incorretamente a norma do artigo 128º, n°1, do CPTA;
IX. Acresce que a interpretação acolhida pelo douto despacho recorrido conduziria a resultados aberrantes (cf. n° 7 da alegação) que são desautorizados pelo princípio de direito contido no artigo 9°, n° 3, do Código Civil, norma que, assim, também foi violada.
A Recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:
A - O douto despacho ora recorrido, não padece de qualquer erro de interpretação do nº 1 do art. 128.° do CPTA.
B - Sem embargo de ser a autoridade administrativa, quem decide e pondera, da necessidade de invocar o interesse público, nos termos e para os efeitos do nº 1 do art. 128° do CPTA, é a partir da data da notificação, feita aos serviços do Ministério que se inicia a contagem do prazo de 15 dias, previsto na citada norma.
C - O recorrido não tem o direito mas sim o dever, se verificados os pressupostos, atuar nos termos da 2° parte do nº 1 do art. 128° do CPTA.
D - Mesmo atuando sob poderes discricionários.
E - A regra é a da proibição de iniciar ou prosseguir a execução do ato administrativo.
F - Sendo violada, ocorre a violação do n.° 3 do art. 9.° do CC.
O Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, salientando que “o princípio é o da proibição da execução de um ato administrativo na pendência da providência cautelar de suspensão de eficácia” e que “estaremos sempre perante uma execução indevida sempre que o ato seja executado sem ter sido emitida a resolução fundamentada ou cujas razões em que se fundamenta sejam julgadas improcedentes pelo tribunal” e, no demais, aderindo à interpretação do artigo 128.º do CPTA feita na decisão recorrida.
O Recorrente respondeu ao parecer, reiterando o alegado.
Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso
A questão a decidir no presente recurso – tal como delimitada pelas conclusões das alegações do Recorrente (cfr. artigo 635.º/3/4 CPC/2013 ex vi artigo 140.º CPTA, com as necessárias adaptações) – respeita à interpretação do artigo 128.º/1 do CPTA, quanto a saber se a autoridade administrativa pode, após a citação e em data anterior à emissão de resolução fundamentada, praticar atos de execução do ato suspendendo, desde que tal resolução venha a ser emitida no prazo de 15 dias aí previsto.
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III. Factos
A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
A. A autoridade requerida foi regularmente citada por carta deste tribunal expedida em 23.04.2014, por carta registada sob o n.º 1 de registo postal RJ919862143PT, com aviso de receção, constando do ofício de citação a cominação do disposto no artigo 128.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
B. No dia 24.04.2014, deu entrada nos serviços da entidade requerida a citação referida em A).
C. No dia 27.04.2014, pelas 22.00h, a requerente fez-se apresentar, acompanhada de duas testemunhas, na porta do ISCPSI, em Lisboa, para a entrada de todos os cadetes-alunos, do curso de oficiais, tendo sido o seu acesso negado e sido recusada a entrega de cópia do despacho deste tribunal de admissão liminar da presente providência.
D. No dia 28.04.2014, o sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna proferiu despacho, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 128.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com o seguinte teor: «O protelamento da execução do despacho do Senhor Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, de 2 de abril de 2014 - que, concordando com a proposta do Comando Metropolitano de ……, determinou, "nos termos do artigo 38.° do RD/PSP, (...) a suspensão de funções da Agente .../……, M......, do CM de …… e a frequentar o CFOP no ISCPSI, que se manterá até à decisão final absolutória, ainda que não transitada em julgado, ou até à decisão condenatória (artigos 38.º, n.º 1, do RD/ PSP, aprovado pela Lei n.° 7/90, de 20 de fevereiro) (...)" -, seria gravemente prejudicial para o interesse público, face ao conhecimento, por parte da Corporação, do despacho de pronúncia proferido, a 19 de dezembro de 2013, pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Criminal de Lisboa, no âmbito do processo crime com o NUIPC 00/00TDLSB. Este despacho pronunciou a Agente M…….. como autora material de três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255.°, a), e 256.°, n.º 1, a), d), e) e f), do Código Penal, e como autora material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255.°, a), e 256.°, n° 1, d), do Código Penal, sendo que a audiência de julgamento terá lugar proximamente, em .. de … de 2014, na 5.ª Vara Criminal. Num caso como este, o artigo 38.º do RD/PSP – que foi aprovado por uma Lei da Assembleia da República –, "determina a suspensão de funções e a perda de um sexto do vencimento base até à decisão final absolutória, ainda que não transitada em julgado, ou até à decisão condenatória". Por assim ser, a suspensão de funções decretada pelo Senhor Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública constitui um dever jurídico Ministério, de acordo com a norma do n.° 2 do artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, à Administração não cabe discutir a opção do legislador, a quem coube proceder à ponderação dos interesses em presença. Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 128.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, considero que a tutela do interesse público exige que se dê execução ao despacho do Senhor Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, de 2 de abril de 2014. Lisboa, 28 de abril de 2014. O Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, [assinatura]”.
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IV. Direito
No presente recurso está em causa a interpretação do artigo 128.º/1 do CPTA quanto a saber se a autoridade administrativa pode — após a citação e em data anterior à emissão de resolução fundamentada — prosseguir a execução do ato suspendendo, desde que tal resolução venha a ser emitida no prazo de 15 dias aí previsto.
Para a apreciação desta questão é relevante a seguinte sequência factual:
i. Em 24.04.2014, o MAI foi citado para a providência cautelar de suspensão de eficácia, com a cominação do disposto no artigo 128.º/1 e 2 do CPTA;
ii. Em 27.04.2014 (pelas 22h) foi praticado ato de execução do ato suspendendo, consubstanciado em negar o acesso da Recorrida ao curso de oficiais, vendando-lhe a entrada à porta do ISCPSI, em Lisboa, e recusando a entrega de cópia do despacho do tribunal a quo de admissão liminar da providência;
iii. Em 28.04.2014, o Secretário de Estado Adjuto do MAI proferiu resolução fundamentada, ao abrigo do artigo 128.º/1 CPTA, na qual se reconhecia que seria gravemente prejudicial para o interesse público, nomeadamente face ao despacho de pronúncia proferido pelo Tribunal Criminal de Lisboa, aí referido, o protelamento da execução do despacho do Diretor Nacional da PSP, que suspendeu a Recorrida (Agente ./ … M………) de funções.
Perante tal factualidade, a decisão ora recorrida julgou procedente o incidente de declaração de ineficácia que a interessada deduziu contra aquele ato de 27.04.2014 (que lhe havia negado o acesso ao curso dos oficiais), com fundamento, em síntese, na circunstância de tal ato de execução do ato suspendendo ter sido praticado antes de ter sido emitida a resolução fundamentada prevista no artigo 128.º/1 do CPTA.
O Recorrente insurge-se contra esta decisão, alegando, em síntese, que a norma do artigo 128.º/1 do CPTA tem que ser interpretada no sentido de permitir que a autoridade administrativa emita a resolução fundamentada em qualquer momento do prazo de 15 dias aí previsto e, consequentemente, no sentido de permitir a prática de atos de execução em data anterior àquela resolução, desde que esta venha a ser proferida até ao limite do referido prazo. Embora de forma imprecisa, o Recorrente alega, ainda, que apenas se pode considerar que a “autoridade administrativa” recebeu o duplicado do requerimento da providência (para efeitos da proibição de execução do ato administrativo), quando aquele seja recepcionado pelo membro do Governo competente (o que no caso não teria coincidido com a citação, uma vez que, alegadamente, o duplicado do requerimento deu entrada, em 24.04.2014, no Serviço de Relações Públicas do MAI e apenas em 28.04.2014 terá dado entrada no Serviço de Contencioso do mesmo Ministério).
Adiante-se desde já que a decisão recorrida fez uma correta interpretação do disposto no artigo 128.º/1 do CPTA e que a posição defendida pelo Recorrente não encontra acolhimento, nem na letra, nem no espírito da lei.
O mecanismo de tutela pré-cautelar previsto no artigo 128.º/1 do CPTA (que corresponde, no essencial, à “suspensão provisória” prevista no artigo 80.º da LPTA) subdivide-se em três momentos taxativamente previstos na lei: num primeiro momento, quando a “autoridade administrativa” recebe o duplicado do requerimento da providência cautelar, opera automaticamente (ope legis) a proibição de executar o ato administrativo suspendendo; num segundo momento, a entidade administrativa pode levantar essa proibição através da emissão de uma resolução fundamentada, na qual reconheça o grave prejuízo para o interesse público no deferimento da execução do ato; e num terceiro momento, o requerente da providência pode pedir ao tribunal que declare a ineficácia dos atos de execução do ato suspendendo, restabelecendo, em certa medida, a proibição de execução do ato.
No caso vertente, o ato de execução do ato suspendendo (ato de 27.04.2014, consubstanciado em negar o acesso da Recorrida ao curso de oficiais, vendando-lhe a entrada à porta do ISCPSI, em Lisboa) foi praticado antes de ter sido emitida a resolução fundamentada (datada de 28.04.2014), ou seja, foi praticado num momento em que ainda vigorava a proibição legal de execução do ato administrativo suspendendo, por força da citação da autoridade administrativa para a providência cautelar, ocorrida em 24.04.2014. Logo, o referido ato (operação material) de execução violou a proibição de execução do ato suspendendo que, nessa data, ainda vinculava a entidade administrativa.
Como expressamente se prevê no n.º 3 do artigo 128.º do CPTA, a execução tem que ser considerada indevida quanto “falte” a resolução fundamentada (cfr. artigo 128.º/3 CPTA), o que foi precisamente o que sucedeu naquele dia 27.04.2014. Note-se que a resolução fundamentada não pode funcionar como fundamentação a posteriori dos atos (ou operações materiais) de execução, mas antes é pressuposto prévio da prática de tais atos, uma vez que só com a emissão da resolução fundamentada pode a Administração levantar a proibição legal de executar o ato.
Também não colhe o argumento do Recorrente de que o prazo de 15 dias seria uma estipulação inútil caso não se adoptasse o entendimento por aquele defendido. Como é sabido, a estipulação do prazo de 15 dias assume uma perspetiva disciplinadora ou moralizadora, tendo subjacente a ideia de que “não se justifica permitir que a Administração possa protelar o exercício de uma prerrogativa que apenas faz sentido na medida em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência” (cfr. Mário Aroso de Almeida /Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007, 748).
Assim, independentemente da questão de saber se a simples emissão da resolução fundamentada é suficiente para afastar a proibição automática de execução ou se é ainda exigível que a Administração dê previamente conhecimento da mesma ao tribunal, no referido prazo de 15 dias e antes de praticar quaisquer atos de execução (v. neste sentido o Acórdão do TCA Sul, de 14.10.2010, P. 05764/09), o certo é que, após a “receção do duplicado” da providência, a autoridade administrativa fica vinculada à proibição de execução do ato, não podendo praticar quaisquer atos de execução antes de emitir a resolução fundamentada. Ou seja, o artigo 128.º/1 do CPTA proíbe a autoridade administrativa de praticar quaisquer atos de execução do ato suspendendo em data anterior à emissão de resolução fundamentada, não podendo a resolução, mesmo se emitida no referido prazo de 15 dias, funcionar como levantamento retroativo da referida proibição de execução.
Por último, resta dizer que também não assiste razão ao Recorrente quando parece defender que, não obstante a citação para a providência ter ocorrido em 24.04.2014, ter-se-ia de considerar relevante, não essa data, mas a data, posterior, em que alegadamente o membro do Governo terá tomado conhecimento do “duplicado” do requerimento inicial. A questão, tal como vem colocada, nem sequer é suscetível de alterar o decidido em 1ª instância, uma vez que o Recorrente não invocou qualquer nulidade da respetiva citação e o problema colocado é, na verdade, uma questão de organização interna do Recorrente, insuscetível de afetar a validade do ato de citação e, consequentemente, de obstar ao efeito automático de proibição de executar, previsto no artigo 128.º/1 do CPTA, para o qual, aliás, o Recorrente foi expressamente advertido no ato de citação.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 09.10.2014

(Esperança Mealha)

(Maria Helena Canelas)

(António Vasconcelos)