Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2653/07.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS DO IVA DE 2002
PRAZO CADUCIDADE DA LIQUIDAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I. O inicio do prazo de caducidade da liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios até 31/12/2002, contava-se do momento da verificação do facto tributário, que corresponde, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do CIVA, ao momento da verificação da sua exigibilidade.

II. Os juros compensatórios do IVA, por força do disposto no n.º 8, do artigo 35.º da LGT, integram-se na própria divida de imposto a que respeitam, significando que estão sujeitos aos mesmos prazos de caducidade e prescrição.

III. O prazo limite estabelecido no artigo 40.º do CIVA respeita à apresentação da declaração relativa às operações efectuadas no exercício da actividade do sujeito passivo (cfr. artigo 29.º, alínea c) do CIVA), enquanto a exigibilidade do imposto corresponde ao momento em que o facto gerador preenche as condições legais à sua exigibilidade, de acordo com o estabelecido nos artigos 7.º e 8.º do CIVA, podendo a Administração Tributária fazer valer o seu direito, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que esse possa ser deferido (cfr. Directiva n.º 2006/112/EC, artigo 62.º).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.º Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que julgou a impugnação deduzida por L... - C... Lda procedente, quanto à liquidação de juros compensatórios de IVA, referente ao 4.º trimestre de 2002

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. Salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorrecta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei.

II. A questão que se coloca é a de saber se, relativamente aos juros compensatórios de IVA do 4.º trimestre de 2002 e não estando ainda esgotado o prazo de quatro anos, contado a partir da data em que ocorreram os respectivos factos tributários, nos termos da redacção inicial do n.º 4 do art. 45.º da LGT, quando, em 1 de Janeiro de 2003, entrou em vigor a Lei n.º 32- B/2002, é ou não aplicável àquele prazo o disposto na nova redacção dada por esta Lei àquele preceito, que reportou o temo inicial do prazo, no caso do IVA, ao ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.

III. Estando em causa os juros compensatórios do IVA do 4º trimestre de 2002, os juros compensatórios liquidados eram devidos e tornam-se exigíveis no termo do prazo de pagamento, ou seja, no dia 15 do segundo mês seguinte ao trimestre em que se verificaram as operações constantes da declaração periódica a que se refere o art. 40º do CIVA.

IV. Tornando-se exigível em 15-02-2013, o prazo de caducidade começa a contar-se a partir do início do ano seguinte, ou seja, 01-01-2004.

V. Podendo, pois, concluir-se que o prazo de caducidade do direito à liquidação de juros compensatórios de IVA respeitantes ao 4º trimestre de 2002 só terminava em 31-12-2007.

VI. Pelo que, tendo a notificação da liquidação ocorrido em 25-06-2007, não pode considerar-se caducado o direito à liquidação.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

3. A Recorrida apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«I - O recurso interposto pela RFP incide sobre sentença de 20.04.2018, proferida nos autos que correm sob o n.º 2653/07.0BELSB, da 2.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual deu provimento à impugnação judicial aí deduzida em razão de considerar procedente a ilegalidade da liquidação em crise com fundamento na sua notificação após o decurso do respectivo prazo de caducidade.

II - Considera a RFP que a liquidação em crise foi notificada à Recorrida dentro do prazo de caducidade, dado que está em causa IVA do 4º trimestre de 2002, que apenas se toria “exigível” no termo do respectivo prazo de pagamento, ou seja, no dia 15 do segundo mês seguinte ao trimestre em que se verificaram as operações constantes da declaração periódica a que se refere o artigo 40º do CIVA.

III - Com o devido respeito, considera a Recorrida que tanto a interpretação da lei como a contagem do prazo de caducidade feitas pela RFP não estão correctas, não tendo suporte nem na doutrina, nem na jurisprudência, que nos parecem pacíficas quanto a estas questões.

IV - A partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2003, o IVA passou a ser considerado, para efeitos de início de contagem do prazo de caducidade, como um imposto periódico, tendo passado a contar-se o respectivo prazo de caducidade a partir do começo do ano civil seguinte ao da verificação da exigibilidade em sede de IVA.

V - Esta mudança legislativa ocorreu por motivações de carácter prático ligadas à vastidão de operações sujeitas e não isentas praticadas por um único sujeito passivo de IVA ao longo de um mesmo ano civil: considerando o IVA como imposto periódico para efeitos de caducidade, torna-se substancialmente mais simples e fácil o cálculo deste prazo, uma vez que o mesmo se inicia sempre na mesma data (1 de Janeiro do ano seguinte), independentemente de a exigibilidade da operação sujeita e não isenta ter ocorrido no início, no meio, ou no fim do ano anterior.

VI - Ora, de acordo com o disposto nos artigos 7.º e 8.º do CIVA, a exigibilidade em sede de IVA corresponde, regra geral, ao momento da verificação do respectivo facto gerador ou da obrigação de emissão de factura ou documento equivalente, nos termos do artigo 29.º CIVA.

VII - De facto, estando em causa operações de IVA realizadas do 4º trimestre de 2002, a exigibilidade em sede de IVA corresponderá, portanto, ao momento da sua realização ou da respectiva obrigação de emissão de factura, e não ao final do prazo de entrega do imposto liquidado pela Recorrida em 15.02.2003, conforme defende a Fazenda Pública.

VIII - Neste sentido já havia decido o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé no âmbito do Processo n.º 239/08.0BELLE, em que a Recorrida – aí Oponente – deduziu oposição à execução fiscal contra si instaurada n-º 385920070... para cobrança coerciva da liquidação de juros compensatórios ora impugnada…

IX - … e bem decidiu o Tribunal a quo, concluindo que “a liquidação de juros compensatórios de IVA, respeitantes ao 4.º trimestre do ano de 2002, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA iniciava-se em 01/01/2003 (início do ano seguinte ao da exigibilidade do Imposto e terminava em 31/12/2006)”.

X - Acompanhamos, pois, a sentença recorrida, uma vez que, não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão da caducidade, o prazo para emitir e notificar a Impugnante da liquidação em crise esgotou-se em 31.12.2006, tendo esta sido notificada da mesma já para lá do respectivo prazo de caducidade.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, manter-se plenamente válida na ordem jurídica a sentença recorrida, assim fazendo V. Exas a costumada Justiça.»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi apresentado parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida fez errado julgamento na valoração da factualidade assente e de direito, ao considerar que a liquidação em crise (juros compensatórios de IVA relativos ao último trimestre de 2002) foi notificada após o respectivo prazo de caducidade.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento de facto foi feito nos seguintes termos:

«FACTOS PROVADOS

a) Em 24/01/2007, foi emitida em nome da ora Impugnante, a liquidação de juros compensatórios n.º 07005604, referente ao período 0212T de IVA (4.º trimestre de IVA, relativo ao ano de 2002), no montante de € 7.249,68 - liquidação junta a fls. 27 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

b) Da referida Liquidação consta a seguinte fundamentação:

“Juros compensatórios liquidados nos termos dos artigos 89.º do CIVA e 35.º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo.

Imposto em falta sobre o qual incidem juros:€ 46.850,78

Período a que se aplica a taxa de juros: de 2003/02/17 a 2006/11/06;

Taxa de juro aplicável ao período - a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º1 do artigo 559.º do Código Civil

Valor dos juros: € 7.249,68

DATA LIMITE DE PAGAMENTO: 2007/03/31

VALOR A PAGAR € 7.249,68” - citada liquidação.

c) Em 25/06/2007, foi J..., na qualidade de representante legal da sociedade L... Ld.ª regularmente notificado da liquidação referida em a) - ofício de fls. 16 do PA e aviso de recepção de fls. 17 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) A fundamentação da liquidação, junta ao ofício, identificado na alínea antecedente é a seguinte:

“IVA - NOTIFICAÇÕES

Fica V. Ex.ª por este meio notificado para, no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção, proceder ao pagamento voluntário das importâncias abaixo designadas, nos termos do artigo 27.º do CIVA; devendo solicitar previamente as guias de pagamento nestes serviços.

Findo o referido prazo sem que se verifique que, o pagamento foi efectuado, será extraída certidão de dívida por estes serviços, nos termos do artigo 88.º do Código de Procedimento e do Processo Tributário, para instauração de Processo Executivo.

Da liquidação efectuada poderá V. Ex.ª apresentar, no Serviço de Finanças competente, Reclamação Graciosa ou Impugnação Judicial, no prazo de 90 dias, contados a partir do 1.º dia útil posterior ao terminus do prazo para pagamento voluntário, de harmonia com o artigo 70.º e 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Liq. 07005600 - Juros Comp. 0206 T - € 1.890,50

Liq. (…)

Liq (…)

Liq. 07005604 - Juros Comp. 0212 - € 7.249,68” - citado ofício.

e) Em 11/09/2007 foi deduzida a presente Impugnação - carimbo aposto a fls. 4 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.


*

4.2

FACTOS NÃO PROVADOS:

1 - Não se provou que, a ora Impugnante tenha sido notificada da fundamentação da liquidação, conforme referida e descrita em b).


*

4.3.

Convicção do Tribunal quanto aos factos provados:

Alicerçou-se a convicção do Tribunal, na consideração dos factos provados, na análise dos documentos juntos aos autos e ao PA, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.

Quanto à regularidade da notificação, identificada em c), foi o facto dado como assente, por se encontrar o aviso de recepção assinado pelo legal representante da Impugnante.

E, considerou-se que, a fundamentação da liquidação em crise notificada à ora Impugnante é a que se encontra junto do ofício de notificação referido na alínea d) do probatório.

Efectivamente, entende o Tribunal, de acordo com a jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, que é à Administração Tributária que compete provar a realização e a regularidade da notificação das liquidações.

Ora, nos autos, foi comprovado, pela Fazenda Pública, que enviou ofício registado, com aviso de recepção, para a morada de um dos representantes legais da Impugnante a notificá-la da liquidação efectuada, aviso que se encontra devidamente assinado pelo representante legal.

Dispunha o artigo 41.º, n.º1 do CPPT, na redacção à data aplicável que, “as pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou (…)”.

Por sua vez, acrescentava o n.º2 da mesma disposição legal que, “não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade”.

Há assim uma presunção legal de que as cartas com aviso de recepção são oportunamente entregues ao destinatário, mesmo quando o aviso for assinado por terceiro, admitindo-se prova de que não feita a entrega, de acordo com o disposto nos artigos 190.º, n.º6 do CPPT e 238.º, n.º1 do Código de Processo Civil (neste sentido vide Lopes de Sousa, em “CPPT Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 2006, I. Vol, pág. 368).

De resto, o artigo 41.º do CPPT pretende determinar as pessoas em quem pode ser feita a notificação, sendo aplicáveis às notificações por carta registada, as regras relativas à perfeição das notificações, enunciadas no artigo 39.º daquele diploma.

Ora, nos autos existe um aviso de recepção, devidamente assinado, pelo que, a notificação se considera efectuada na data em que o aviso se encontra assinado e tem-se por efectuada no representante legal da sociedade.

Contudo, não se pode presumir que, da liquidação em crise, conste a fundamentação referida na alínea b) do probatório, porquanto, o que resulta da produção de prova é que, o ofício de notificação enviado ao legal representante da Impugnante é o que consta da alínea d) do probatório, no qual, foi acrescentado, à mão, a identificação das liquidações, por número e quantia em dívida, o que não sucederia se tivesse sido enviada a cópia “tout court” das liquidações efectuadas (conforme fls. 24 e segs. do PA), donde constam todos os elementos identificativos das liquidações, a saber: montante do imposto em falta sobre o qual incidem juros, período a que se aplica a taxa de juros e taxa de juro aplicável ao período.


*

2. DE DIREITO

Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, no segmento em que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de juros compensatórios referente ao 4.º trimestre de 2002.

A questão nuclear que cumpre decidir é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir, secundando acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/02/2010, prolatado no processo n.º 00742/07.0BEVIS, que transcreveu parcialmente, que se aplica ao caso dos autos o n.º 4, do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT) na redacção dada pela Lei n.º 33-B/2002, de 30 de Dezembro, e, assim, (…) estando em causa (…) a liquidação de juros compensatórios de IVA, respeitantes ao 4.º trimestre do ano de 2002, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA iniciava-se em 01/01/2003 (inicio do ano seguinte ao da exigibilidade do imposto e terminava em 31/12/2006).

Assim, uma vez que a liquidação em crise foi notificada, à ora Impugnante, apenas em 25/06/2007, já o foi após decorrido o respectivo prazo de caducidade.

A Fazenda Pública insurge-se contra o assim decidido, sustentando o imputado erro de julgamento à sentença recorrida, no essencial porque, ao contrário do que foi entendido, a nova redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002 ao n.º 4, do artigo 45.º da LGT reportou o termo inicial do prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA, ao ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, e por força do disposto no artigo 40.º do CIVA, o imposto torna-se exigível em 15/02/2003, pelo que o prazo de caducidade começa a contar-se a partir do início do ano seguinte, ou seja, 01/01/2004 e só terminava em 31/12/2007, não podendo, por isso, considerar-se caducado o direito à liquidação.

Vejamos, então, se a notificação da liquidação de juros compensatórios de IVA respeitantes ao 4.º trimestre de 2002 foi ou não notificada dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.

O artigo 45.º, n.º 4, da LGT, na sua redacção original, nos termos do Dec-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, preceituava:

«4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.»

Assim, em primeiro lugar, na determinação do momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo de caducidade é necessário apurar qual a data da produção do facto gerador, começando por distinguir se estamos perante um imposto periódico ou um imposto de obrigação única.

O IVA é considerado dogmática e doutrinalmente como imposto de obrigação única, por o imposto depender de actos ou factos isolados ou separados, uma vez que incide sobre as transmissões de bens, prestações de serviço, importações e aquisições intracomunitária de bens.

O inicio do prazo de caducidade da liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios até 31/12/2002, contava-se do momento da verificação do facto tributário, que corresponde, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do CIVA, ao momento da verificação da sua exigibilidade.

Os juros compensatórios do IVA, por força do disposto no n.º 8, do artigo 35.º da LGT, integram-se na própria divida de imposto a que respeitam, significando que estão sujeitos aos mesmos prazos de caducidade e prescrição (vide neste sentido acs. do TCAS de 24/05/2005, proc. n.º 07296/02 e de 27/10/2016, proc. n.º 09810/16, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Na situação dos autos, e tendo presente as normas legais supra citadas, os factos geradores ocorreram no 4.º trimestre do ano de 2002, pelo que o prazo de caducidade de 4 anos relativo aos juros compensatórios começou a correr por referência a essas datas.

Assim sendo, o prazo de caducidade dos juros compensatórios já se tinha iniciado quando a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com entrada em vigor em 01/01/2003 (cfr. artigo 76.º), veio dar nova redacção ao n.º 4, do artigo 45.º da LGT, estabelecendo que no caso do IVA o prazo de caducidade começa a correr no início do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.

O n.º 4, do artigo 45.º da LGT passou a ter a seguinte redacção:

«4 – O prazo de caducidade conta-se nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.»

Visto os regimes legais aplicáveis, para o conhecimento da questão que nos é colocada importa trazer à colação as normas de carácter geral relativas aos conflitos de leis no tempo, ínsitas nos artigos 12.º e 297.º do Código Civil (CC).

Acompanhamos a jurisprudência pacifica a e reiterada quer deste TCAS, quer do STA, na determinação do termo inicial do prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA do mês de Dezembro de 2002, por aplicação dos preceitos legais sobre a sucessão de leis no tempo, designadamente, o douto acórdão do TCAS de 11/02/2010, processo n.º 00742/07.0BEVIS (disponível em www.dgsi.pt/) e os acórdãos do TCAS e do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA aí citados, transcrito na sentença recorrida e em cujo discurso fundamentador se amparou para decidir.

Deste modo, estando em causa dívidas de juros compensatórios de IVA, relativos ao último trimestre de 2002, e não sendo controvertido o prazo de caducidade aplicável (4 anos), nem o disposto no n.º 4, do artigo 45.º da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, entendemos, tal como foi decidido na 1.ª instância, que o termo inicial de tal prazo se situa em 01/01/2003.

A Recorrente labora em erro sobre o momento da exigibilidade do imposto, pois, confunde exigibilidade do imposto e obrigações declarativas do sujeito passivo, não sendo, pois, aplicável o prazo estabelecido no artigo 40.º do CIVA, como pretende, ao termo inicial do prazo de caducidade da liquidação do imposto.

Na verdade, o prazo limite estabelecido no artigo 40.º do CIVA respeita à apresentação da declaração relativa às operações efectuadas no exercício da actividade do sujeito passivo (cfr. artigo 29.º, alínea c) do CIVA), enquanto a exigibilidade do imposto corresponde ao momento em que o facto gerador preenche as condições legais à sua exigibilidade, de acordo com o estabelecido nos artigos 7.º e 8.º do CIVA, podendo a Administração Tributária fazer valer o seu direito, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que esse possa ser deferido (cfr. Directiva n.º 2006/112/EC, artigo 62.º).

Em causa nos autos está a liquidação de juros compensatórios que, como se viu supra, está sujeita ao mesmo prazo de caducidade da liquidação de imposto.

Assim, a forma como a Administração Tributária calculou os juros compensatórios não é relevante para definir o termo inicial do prazo de caducidade.

Sobre esta questão já se pronunciou por inúmeras vezes o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente em acórdão de 15/05/2013, prolatado no processo n.º 0147/13, em que estava em crise a liquidação de IVA do mês de Maio de 2001, que por aderirmos ao seu discurso fundamentador e pela sua pertinência para o caso em apreço, transcrevemos a parte relevante:

«Com efeito, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal de 17/3/2011 (rec. nº 01076/09), julgando uma oposição de julgados, com um outro Acórdão do Pleno da mesma Secção (rec nº 026806B, de 7/5/2003), decidiu, tal como resulta do respectivo sumário, que «na redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não a partir da data em que o facto tributário ocorreu, mas a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto»; e que «tendo em conta que o efeito extintivo do direito à liquidação do IVA é o decurso do "inteiro" prazo de caducidade e não a ocorrência do seu "dies a quo", a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária é aplicável ao prazo em curso, atento ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil».

O Acórdão fundamenta-se no seguinte:

Entendemos pois que à determinação do termo inicial de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA relativo a Fevereiro e Junho de 2002 se aplica o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, não se consubstanciando tal aplicação numa aplicação retroactiva daquela disposição legal, pois que o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo, ao contrário do alegado (cfr. conclusão 2.ª das alegações de recurso), uma vez que o efeito extintivo do direito de liquidar apenas opera no termo do prazo e este estava ainda em curso à data da entrada em vigor da lei nova.

“Ora, na lição de BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpress., Coimbra, Almedina, 2002, p. 235), «(…) nada impede que a lei nova se aplique a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou desimpeditivos (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência”».
E continua o insigne Mestre, a páginas 242/243, «tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».

Assim, aceite o pressuposto de que não é o início do prazo de caducidade, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à liquidação do tributo por parte da administração fiscal, pressuposto que nos parece inquestionável, impõe-se a conclusão, por aplicação da regra contida na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil e no artigo 12.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, de que a nova redacção do preceito é aplicável aos caso dos autos (prazos de caducidade do IVA relativo a Fevereiro e Junho de 2002)”.

Por sua vez, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Fevereiro, de 2012, proc nº 931/11, embora chegando à mesma conclusão (aplicação imediata da lei nova), fundou-se noutra argumentação, ponderando-se para o efeito que:
“(…) as regras de validade geral sobre os conflitos de leis no tempo, constantes dos artigos 12º, 13º e 297º do Ccv, não resolvem directamente o problema da aplicação da lei nova que, sem alterar o prazo de caducidade, altera o momento inicial da sua contagem, retardando ou antecipando, relativamente ao da lei antiga, o momento a partir do qual esse prazo começa a correr.

“A jurisprudência referida e a recorrente partem da mesma regra do nº 2 do artigo 12º do CCV, chegando, porém, a posições diferentes: aquela, fundamentando-se em que «o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo», aplica a nova lei; este, considerando que «o facto que determina o início da contagem de um prazo é um evento instantâneo», aplica a lei antiga, uma vez que na data da nova lei já se tinha verificado.
“É verdade que no momento em que entrou em vigor a nova lei já tinha ocorrido o «termo inicial» do prazo de caducidade, sendo certo que a nova lei não alterou o prazo, mas apenas o momento inicial a partir do qual ele começa a correr. Ora, se esse momento já ocorreu, poderia defender-se que a lei nova não atinge factos passados e por conseguinte deveria aplicar-se a lei antiga, à luz do que se dispõe no artigo 12º.
“Mas o problema é resolvido por Baptista Machado através da aplicação
analógica da regra contida no nº 2 do artigo 297º do Ccv e não através da aplicação da parte final do nº 2 do artigo 12º.

“Na obra “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Baptista Machado resolve esta questão nos seguintes termos: «quanto a este problema defende Roubier que a lei que retarda o momento inicial da prescrição deve ser tratada como uma lei que alonga o respectivo prazo – pelo que o dito prazo se deverá contar do ponto de partida estabelecido na nova lei; e que a lei que antecipa o momento inicial da prescrição deve ser tratada como uma lei que abrevia o respectivo prazo – pelo que o prazo em questão deverá ser contado a partir da entrada em vigor da LN se, por este modo, ele vier a sofrer um encurtamento, e de acordo com a LA, a partir do momento inicial fixado por esta lei, na hipótese contrária. Cremos serem perfeitamente defensáveis, com base na analogia, estas soluções. E não valerá alegar-se, contra a solução dada à primeira hipótese, que se faz aplicação da LN a um facto passado ao retardar-se, de acordo com ela, o momento inicial da prescrição; pois que também da solução contida no nº 2 do art. 297º se poderia dizer, como vimos, que ela representa uma aplicação da LN a factos passados» (Cfr. p. 165.) (cfr. ob cit. pág. 165)”.

Por aplicação desta doutrina, também aplicável aos prazos de caducidade, a nova redacção dada ao nº 4 do artigo 45º da LGT pela Lei nº 32-B/2002 veio retardar o momento inicial do prazo de caducidade, alongando o respectivo prazo, pelo que o respectivo prazo de caducidade se deve contar do ponto de partida estabelecido na lei nova, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2002.

Assim sendo, não é necessário sequer determinar se a nova lei é ou não interpretativa, pois a LN sempre seria de aplicação imediata ao prazo em curso.» (vide ainda acs. do STA de 25/05/2009, proc. n.º 293/09, de 25/06/2009, proc. n.º 01109/08 e de 16/12/2015, proc. n.º 0773/14, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Aplicando o exposto à situação dos autos, estando em causa a liquidação de juros compensatórios do IVA, referentes ao 4.º trimestre de 2002, o prazo de caducidade de 4 anos de tal liquidação iniciou-se em 01/01/2003 (início do ano seguinte ao da exigibilidade do imposto), e terminou em 31/12/2006, tal como se concluiu na sentença recorrida, pelo que à data em que ocorreu a notificação da liquidação (25/06/2007) já tinha decorrido o prazo previsto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT.

Destarte, improcedem in totum as conclusões de recurso, não merecendo reparo a sentença recorrida.

*

Conclusões/Sumário:

I. O inicio do prazo de caducidade da liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios até 31/12/2002, contava-se do momento da verificação do facto tributário, que corresponde, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do CIVA, ao momento da verificação da sua exigibilidade.

II. Os juros compensatórios do IVA, por força do disposto no n.º 8, do artigo 35.º da LGT, integram-se na própria divida de imposto a que respeitam, significando que estão sujeitos aos mesmos prazos de caducidade e prescrição.

III. O prazo limite estabelecido no artigo 40.º do CIVA respeita à apresentação da declaração relativa às operações efectuadas no exercício da actividade do sujeito passivo (cfr. artigo 29.º, alínea c) do CIVA), enquanto a exigibilidade do imposto corresponde ao momento em que o facto gerador preenche as condições legais à sua exigibilidade, de acordo com o estabelecido nos artigos 7.º e 8.º do CIVA, podendo a Administração Tributária fazer valer o seu direito, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que esse possa ser deferido (cfr. Directiva n.º 2006/112/EC, artigo 62.º).


*

IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 24 de Junho de 2021.


*

A Relatora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)


(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Isabel Fernandes).