Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2942/12.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
NATUREZA COMPENSATÓRIA
Sumário:I - O artigo 2° do CIRS que define os rendimentos do trabalho, tem de ser interpretado a esta luz, como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função.

II - As ajudas de custo são, em regra e até pela sua natureza, compensações pelos gastos suportados pelo trabalhador em favor da sua entidade patronal. Se isto é assim, apenas se justificará a sua tributação quando tais despesas extravasem esse objetivo que lhes está subjacente e constituam uma vantagem económica/ financeira do funcionário.

III - Portanto, se as importâncias pagas ao trabalhador se limitam a compensá-lo, então não há aí qualquer rendimento a considerar.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………………………, contra a liquidação adicional de IRS que lhe foi efetuada relativamente ao ano de 2008, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, consequentemente, anulou a liquidação n.º ……………………… de 04.08.2012, com as demais consequências legais.

b. Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo, assim, violado a norma prevista no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRS.

c. A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou que os abonos atribuídos à impugnante representam efetivamente ajudas de custo e, consequentemente, julgou ilegal a liquidação adicional de IRS relativa ao mesmo por erro nos pressupostos de facto e de direto.

d. Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento.

e. A caraterística essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação do trabalho.

f. Como é salientado na sentença proferida, não existe uma legislação específica para a matéria de ajudas de custo atribuídas aos trabalhadores do setor privado, tendo vindo a ser aplicado o regime para as deslocações ao serviço dos trabalhadores da função pública regulado pelo Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, (deslocações em serviço no território nacional) e o Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho (deslocações ao estrangeiro).

g. E prevê o artigo 12.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei 106/98 de 24 de abril, que «O abono de ajudas de custo não pode ter lugar para além de 90 dias seguidos de deslocação.» (sublinhado nosso)

h. Apesar deste limite não se aplicar diretamente às relações jurídicolaborais de direito privado, deve ser entendido como um indicador e um ponto de partida na interpretação do conceito de ajudas de custo.

i. Isto é, resulta daqui que a atribuição do abono de ajudas de custo pressupõe a realização de despesas excecionais resultantes de uma efetiva e pontual deslocação dos trabalhadores do seu local habitual de trabalho ao qual deverão regressar e onde deverão permanecer assim que a deslocação terminar.

j. Ora, exige-se, assim, que tenha ocorrido uma efetiva deslocação do local habitual de trabalho, pelo que importa saber qual é o local habitual de trabalho.

k. Um dos pressupostos legais de atribuição de ajudas de custo é que a deslocação seja ocasional, o que não foi o que sucedeu in casu, pois dos recibos das ajudas de custo resulta que foram pagas ajudas de custo todos os dias do ano, incluindo feriados e fins-de-semana, isto é, 366 dias do ano (facto que deverá ser acrescentado ao s factos dados como provados).

l. Resulta do facto 18 que a Impugnante não trabalhou aos fins-de semana, no entanto recebeu ajudas de custo nesses dias, daqui se retira que as ajudas de custo pagas não tinham caráter excecional uma vez que o pagamento era feito exatamente nos mesmos termos em que era efetuado o pagamento da retribuição (todos os dias do ano).

m. Da análise aos recibos das ajudas de custo resulta claro que a ora Impugnante não trabalhou um único dia do ano de 2008 no escritório da sede da empresa no Carregado, pelo que não podemos concluir que o local habitual de trabalho era no Carregado e que as ajudas de custo pagas se deveram a deslocações pontuais e temporárias a Espanha.

n. Na verdade, resulta de toda a prova produzida nos autos que o local habitual de trabalho era em Espanha. Aliás, o próprio tribunal a quo concluiu que houve uma mudança do local de trabalho (página 21 da sentença).

o. Pelo que não existiu assim “deslocação” ao serviço da entidade empregadora para efeitos do pagamento de ajudas de custo porque a trabalhadora passou a ter como local habitual de trabalho as referidas cidades em Espanha.

p. Sendo o local de trabalho em Espanha (inicialmente em Algeciras, depois em Las Palmas e por fim em Bilbao) e aí o custo de vida ser alegadamente mais elevado do que em Portugal, estava na disponibilidade das partes, no âmbito da liberdade contratual, fixar um salário adequado à situação que a impugnante ia encontrar no seu local de trabalho.

q. Sendo que, esta verba negociável sempre reuniria as caraterísticas de remuneração, e por isso sujeita a IRS.

r. Assim, considerando ainda que a verba relativa às ajudas de custo é de montante elevado, excedendo em muito a própria remuneração declarada, tem carácter regular e periódico, configura uma verdadeira remuneração, sujeita, por isso, a tributação em de sede de Categoria A.

s. Contrariamente ao que foi decidido pelo tribunal a quo, entende a Fazenda Pública que por um lado, a situação concreta da trabalhadora não era suficiente para que auferisse ajudas de custo, como ficou supra demonstrado e por outro, as características inerentes a estes montantes reconduzem a pagamentos com natureza remuneratória sujeitos a tributação, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRS.

t. Assim, não se verifica qualquer erro de facto nos pressupostos na atuação da Administração Tributária pelo que deveria o tribunal a quo ter decidido pela legalidade da liquidação ora em causa.

u. Pelo exposto, a douta sentença ao decidir pela ilegalidade da liquidação de IRS violou a norma prevista no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRS.

v. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação de IRS.

w. Assim, deverá ser dado provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por acórdão que decida pela improcedência da Impugnação Judicial

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


*

As contra-alegações apresentadas terminam com as seguintes conclusões:

1) Por economia e comodidade de exposição e de confronto a presente resposta seguirá as conclusões da Recorrente, e tentar-se-á ser tão breve quanto o conteúdo das conclusões o permita. Por isso que, sem explanações inúteis, se entra directamente na matéria do recurso.

2) Com a presente apelação a Apelante apenas têm em vista alterar a verdade dos factos, absolutamente provados em sede de audiência discussão e julgamento, não aceitando assim esta Douta Sentença que decretou a anulação do acto impugnado, considerando a acção interposta pela ora Recorrida totalmente procedente por provada, que aliás, estamos certos, que este Venerando Tribunal não deixará de confirmar.

3) Nas conclusões da motivação do recurso, a Apelante alega em síntese que os valores auferidos não se integram no conceito de ajudas de custo, tendo feito uma errónea interpretação do artigo 2.º do CIRE. Ora salvo melhor opinião, nenhuma razão assiste à ora Apelante, sendo certo que muito bem andou o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” quando proferiu a supra referida Sentença.

4) Pelo que, e por uma questão de relembrar o recorrente da matéria provada constante dos autos, desde já se passa a elencar a matéria dada como provada no presente processo, e que indubitavelmente levaria a sentença proferida: 4) No ano de 2008, a sociedade «M …………………, Lda.» viu-se obrigada a efetuar obras fora do território nacional devido a uma dívida de cerca de 200 mil euros de uma empresa no mercado nacional; 5) Através de conhecimento de um dos gerentes da empresa com conhecimento de industria naval em Espanha a sociedade entrou em obras de navios neste país; 6) A impugnante entrou para a sociedade M ………………..Lda. sem contrato, entrou logo para os quadros da empresa; (Cf. depoimento unanime das testemunhas); 7) Em 2008 a empresa teve várias obras, uma grande obra num navio fábrica de gás, em Algeciras, onde fez deslocar cerca de 100 trabalhadores, entre decapadores, soldadores, pintores e montadores de andaimes, plataforma americana em Las Palmas e em navio em Bilbau; 8) A sede da empresa era no Carregado em Portugal, mas em face das obras em Espanha tinham um escritório em Algeciras com computadores e impressoras e também um armazém onde era guardado o material de segurança, capacetes, máscaras, luvas, botas de biqueira de aço, fatos de macaco para os trabalhadores que andavam nas obras; 9) Os trabalhos administrativos e os trabalhos extra que era necessário fazer, relatórios, preparar trabalhos e fixar os valores apoio às obras apoio logístico fazia reuniões com os clientes e angariava clientes e todo o trabalho administrativo nos Estaleiros onde a empresa estava a trabalhar era feito pela Impugnante sobre as instruções da V ………………….. e toda a papelada das obras que tinha de vir para sede em Portugal para depois fazerem os pagamentos dos vencimentos dos relatórios dos “briefings” que este necessitava ter. 10) A impugnante fazia o apoio logístico e administrativo à obra e de tudo o que se relacionava com os trabalhadores, nomeadamente quando havia problemas de saúde, fazia a assistência de os levar à clinica se necessário; 11) A deslocação dos trabalhadores para as obras em Espanha era efetuada em autocarros, a partir da Garagem de Sete Rios em Lisboa, a custo da empresa que adquiria os respetivos bilhetes ; 12) A deslocação dos trabalhadores para as obras a decorrer no estrangeiro era efetuada através de transportes públicos locais; 13) O Alojamento dos trabalhadores era apalavrado pela entidade patronal na cidade ou localidade mais perto da obra resultado de uma sondagem previamente efetuada em pensões, residenciais e apartamentos; 14) A deslocação dos trabalhadores da «M ………………….. Lda.» para Espanha era efetuada consoante o andamento da obra, - estava na fase de decapagem ou na fase da pintura por exemplo; 15) O gasto diário de um trabalhador deslocado em Espanha, em comida, transporte e alojamento, orçava entre 80 e 100 euros; 16) A Ajuda De Custo era atribuída a cada trabalhador no principio de cada mês para poderem fazer face aos gastos que tinham diariamente; 17) No ano de 2008, a Impugnante esteve em Algeciras, Las Palmas e depois em Bilbau não chegou a vir a Portugal em face das necessidades dos assuntos acordados com as empresas Donas das Obras, viajava diretamente de um lado para o outro, por vezes de avião; 18) No ano de 2008, a Impugnante não trabalhou aos fins de semana e não teve oportunidade de gozar férias; (Cf. depoimento de V …………………. e V …………………….; 19) Nos meses de dezembro tinha forçosamente de concluir, em termos administrativos, todo o trabalho efetuado em todas as obras para fechar a faturação para não haver passagem de valores para o ano seguinte, determinação dos clientes o que obrigava a ir a todas as obras o que por vezes tinha de haver mais colegas da empresa que iam de Portugal para ajudar e ao mesmo tempo fazer os orçamentos para o ano seguinte; 20) A Impugnante chegou a alugar um carro, a expensas suas, para poder efetuar o trabalho que lhe estava atribuído; 21) O alojamento e a alimentação no verão são mais dispendiosos e os trabalhadores para fazer face a essa situação tinham uma ajuda de custo um pouco maior; 22) A impugnante ficou alojada numa residencial em Algeciras e em Las Palmas no “H……………………..”, que era reservado mês a mês.

5) Ora tendo em atenção a matéria de facto provada e a legislação em vigor resulta do art. 2.° n.° 3 al. e) e 6 do CIRS, que não se consideram rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo recebidas pelos trabalhadores dependentes, em serviço da entidade patronal, na parte em que estas não excedam os limites legais, considerando-se como tais os anualmente fixados para os servidores do Estado.

6) As ajudas de custo são pagas para fazer face a despesas de alojamento, alimentação e deslocação das pessoas, quando estas se encontrem, temporariamente, deslocados por conta da entidade empregadora e/ou contratadora, com vista a realizar as suas funções de serviço.

7) Ora conjugadas estas circunstâncias não se retira que no ano de 2008 (pelo contrário ficou provado o contrário) a impugnante não se tenha deslocado ao serviço da entidade pagadora, sendo certo que a existência de controle documental interno por parte da empresa justificativo das declarações prestadas nos boletins de ajudas de custo pelo trabalhador à empresa, tão só pode significar que tenha efectivamente havido deslocações, como de facto ocorreu.

8) Assim em face deste quadro factológico, é de concluir que a Administração Tributária não coligiu os elementos mínimos, isto é, indícios sérios e objectivos, reveladores de uma probabilidade elevada de que as ajudas de custo pagas à Impugnante no ano 2008 não corresponderam à mera reposição ou reembolso de despesas incorridas por esta ao serviço e a favor da sua entidade patronal, por motivos de deslocações, ou de que foram ultrapassados os limites legais quantitativos previstos no Código do IRS.

9) Diga-se ainda, que, estando os montantes pagos à impugnante contabilizados na escrita da entidade patronal como sendo relativos a ajudas de custo, competia à Fazenda, posto que alterou os rendimentos que aquele declarou para IRS, provar que os quantitativos em causa se reportam a complemento de remuneração e não a despesas feitas pela impugnante ao serviço e por conta da entidade patronal.

10) É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que as ajudas de custo representam uma compensação ou reembolso pelas despesas que o trabalhador é obrigado a suportar por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço da entidade patronal, não existindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho prestado.

11) Mais se refira que a eventual inexistência de elementos de prova que permitam concluir, à AT no exercício do seu poder - dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, por parte dos contribuintes, pela realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, será suficiente para que englobe os respectivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.

12) A forma mais directa de se proceder a tal demonstração é, como temos, por evidente, através da prova documental, designadamente, através dos respectivos boletins de itinerário o que ocorreu, falhando assim a AT na demonstração do que pretendia.

13) Como resulta do estatuído pelo art. 2.º n.º 3 al. d) CIRS, nenhum tecto se coloca ao valor que pode ser auferido a título de ajudas de custo, para além da ultrapassagem dos montantes legais do mesmo tipo de prestação prevista para os servidores do Estado, sendo que, mesmo nesta última hipótese, o efeito não é desqualificar as ajudas de custo, mas sim, mantendo esta mesma condição, tributar a importância correspondente ao excesso.

14) Em segundo lugar, a AT não está dispensada de, casuisticamente, afirmar e comprovar tal ocorrência, em ordem a lograr o cumprimento do ónus da prova da ausência de qualquer fim compensatório de abonos feitos com o pretexto de custear despesas com estadia, alimentação e deslocação.

15) Por último cumpre referir que com interesse para a matéria da presente impugnação, cabe ainda notar que apesar do regime aplicável em relação às ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro ser o D.L. nº 192/05, de 26-07, nada obsta a que a parte geral do D.L. 106/98, de 24-04 ( que rege sobre as ajudas de custo em território nacional - arts. 3º a 14º - e que remete para diploma próprio o abono por ajudas de custo por deslocações ao e no estrangeiro - art. 15º ) se aplique ao caso em apreço.

16) Ora arts. 1.º e 2.º que definem o âmbito de aplicação pessoal e definem o domicílio necessário para efeitos de ajudas de custo. A não ser assim só se poderia sindicar, desde logo pela AT, estas ajudas na parte que excedesse os limites legais, mesmo que o trabalhador sempre tivesse residência no local de trabalho e desde que entre este e o seu empregador se convencionasse que a remuneração paga o fosse a título de ajudas de custo.

17) A partir daqui, tem de entender-se que existiu deslocação do domicílio necessário, na medida em que a impugnante foi contratado para exercer funções no escritório da empresa pagadora e deslocou-se em 2008 para Espanha, para aí trabalhar ao serviço da M …………….., Lda.

18) Não deixa, assim, de haver deslocação do domicílio necessário a partir do momento em que a impugnante vai trabalhar para Espanha na medida em que o seu domicílio necessário era a área correspondente à sede da empresa, isto é, nos escritórios desta no Carregado.

19) Assim, porque o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação, compete à AT e porque, no vertente caso, da matéria de facto provada nem resulta provada a falta de finalidade compensatória do referido montante nem, por outro lado, que o mesmo exceda os limites consagrados até pelo contrário resulta por confissão da AT que tais montantes não excedem os limites previstos, não pode esse mesmo montante configurar-se como um rendimento de trabalho dependente, tributável em sede de IRS.

20) Decorre, pois, do que se vem de referir, que, no caso, a AT não fez a indispensável demonstração de que as quantias que estão na base da impugnada liquidação, foi pagos a título remuneratório, falecendo, por isso, o pressuposto essencial à realização daqueles actos tributários.

21) Note-se como refere, e bem, a Douta sentença ora recorrida “No caso em apreço, resulta provado que, em face da realização das obras existentes em Espanha por parte da sua entidade patronal, a impugnante foi deslocada para os locais onde aquelas se realizaram para dar, não só, o apoio logístico e administrativo necessário à realização dos trabalhos em curso, como também a assistência, numa primeira fase, em relação ao alojamento, transporte e auxílio em cuidados médicos aos trabalhadores que não tinham familiaridade com o país e com a língua. Neste conspecto, e como resulta do probatório os abonos auferidos pela impugnante a título de ajudas de custo, foram na sua totalidade, por deslocação do seu local de trabalho contratado para o estrangeiro. (…)”

22) Mais referindo igualmente a Douta sentença que, entendimento este que se perfilha m absoluto que “(…) A sede da empresa situa-se no Carregado, em território nacional, mas em face da dimensão das obras referidas a sociedade dispunha de um escritório de apoio, em Algeciras, com computadores e impressoras e também um armazém onde era guardado o material de segurança, capacetes, máscaras, luvas, botas de biqueira de aço, fatos de macaco para os trabalhadores que andavam nas obras. Os trabalhos administrativos e os todos os trabalhos extra que era necessário fazer, relatórios, orçamentos, preparar trabalhos e fixar valores, apoio logístico às obras, reuniões com os clientes, angariação de novos clientes e todo o trabalho administrativo nos Estaleiros onde a empresa estava a trabalhar e toda a papelada das obras que tinha de vir para sede em Portugal para depois fazerem os pagamentos dos vencimentos dos trabalhadores, era feito pela Impugnante sob as instruções do diretor das obras V ……………………….

23) “Devido ao volume de trabalho e da necessidade do constante apoio às obras, a Impugnante no ano de 2008 não teve oportunidade de regressar a Portugal, tendo trabalhado todo o ano em Espanha nas localidades de Algeciras, Las Palmas e Bilbau. Para fazer face à sua deslocação permanente a sociedade atribuiu à impugnante uma ajuda de custo diária, conforme resulta dos mapas de ajudas de custo para além do respetivo recibo de vencimento, onde foi igualmente recebido o subsídio de almoço. (Cf.fls. 63 a 73 e 43 a 57 do PA). Na realidade, tendo em conta que a sociedade não pagou para a sua deslocação no ano 2008 qualquer valor para alojamento, alimentação e transporte era a impugnante que, através do abono da ajuda de custo, e do seu vencimento que teve que suportar essas despesas e da forma como bem entendeu, uma vez que não tinha a obrigatoriedade, tal como os demais trabalhadores, de ficar alojada ou tomar as refeições nos locais indicados pela entidade patronal no estudo prévio. (…)”

24) “(…) Nesta conformidade, provado que está que a impugnante foi contratada para os quadros da empresa para exercer as suas funções na sede da mesma, sita no Carregado, tendo sido deslocada para exercer funções conexas fora do seu local de trabalho, mais propriamente em Espanha, podemos concluir que houve mudança do local de trabalho contratualmente previsto ou deslocações por força da prestação ocasional do trabalho fora do local habitual.

25) Torna assim hialino, aprofundando o recorte conceptual da questão que o que verdadeiramente releva no caso vertente é que a impugnante prestou serviços à sua entidade patronal, sediada em Portugal, nas citadas obras sitas em Espanha, isto é, que se encontrava deslocada do seu local de trabalho sendo uma funcionária efetiva e a exercer a atividade profissional de secretária administrativa em várias obras, nomeadamente em Algeciras, Las Palmas e Bilbau. (…)”…“(…) Neste conspecto mostra-se forçoso concluir que as prestações auferidas pela Impugnante a título de ajudas de custo foram auferidas para compensação das despesas referidas e por essa razão não integram a respetiva retribuição ou remuneração de trabalho, não constituindo igualmente um complemento desta. (…)”

26) Acrescentando a Douta sentença que “(…) Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, e os mapas de ajudas de custo designarem “Despesas de Representação”, embora com o título de «Serviço efetuado com direito a Ajudas de Custo» o que evidencia é que as despesas foram efetuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, não vindo alegado nos autos que tais abonos excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação, em sede deste imposto. (…)”

27) Face ao exposto (matéria de direito e matéria de facto), verificamos, claramente, que face à matéria dada como provada, outra solução jurídica não poderia ser dada. De facto, como resulta claro da própria sentença ora recorrida, a A. Provou sem margem para dúvidas que as quantias que recebeu são de facto e de direito ajudas de custo. Assim sendo e por tudo o atrás descrito, resta senão concluir conforme sentença doutamente proferida.

28) Pelo exposto, resulta claro, que o entendimento da Apelante é totalmente desprovido de fundamento, pois a Douta Sentença recorrida valorizou e considerou devidamente toda a prova oferecida nos autos e decidiu em conformidade com a mesma.

29) A sentença recorrida, pelos motivos atrás invocados é a única possível para a questão em apreço, pois cumpre e respeita todos os requisitos impostos por lei, e processo civil.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE INTEGRALMENTE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA. ASSIM FARÃO V. EX.ª COMO SEMPRE E MAIS UMA VEZ JUSTIÇA!


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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos, vêm os autos à conferência para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

-De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Com relevância para a decisão a proferir dos presentes autos, julgo provados os seguintes factos:

1.

A Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção tributária na sequencia da ação de inspeção efetuada à contabilidade da sociedade «M …………………………., Lda.» através da Ordem de serviço OI……………….., por exercer funções administrativas de empregada de escritório nesta empresa; (Cf., Doc.1 junto com a PI)

2.

No âmbito dessa ação de Inspeção foram efetuadas correções aos montantes recebidos pela impugnante a título de Ajudas de Custo com o seguinte teor:

«(…)

«Texto no original»

(…)

«Texto no original»

(Cf., fls. 6 a 14 do PA)

3.

Em consequência das referidas correções foi efetuada uma liquidação adicional n.º …………………….. de 04.08.2012 aos rendimentos da impugnante com valor de imposto a pagar de €17.004,49, incluindo juros compensatórios, no montante de €1.835,64, conforme nota de compensação n.º ……………………..;

(Cf., Doc. 1 e 2 juntos com a PI)

4.

No ano de 2008, a sociedade «M ……………………………, Lda.» viu-se obrigada a efetuar obras fora do território nacional devido a uma dívida de cerca de 200 mil euros de uma empresa no mercado nacional; (Cf. depoimento de V…………………. e V ………………….)

5.

Através de conhecimento de um dos gerentes da empresa com conhecimento de industria naval em Espanha a sociedade entrou em obras de navios neste país; (Cf. depoimento unanime das testemunhas)

6.

A impugnante entrou para a sociedade M …………, Lda. sem contrato, entrou logo para os quadros da empresa; (Cf. depoimento unanime das testemunhas)

7.

Em 2008 a empresa teve várias obras, uma grande obra num navio fábrica de gás, em Algeciras, onde fez deslocar cerca de 100 trabalhadores, entre decapadores, soldadores, pintores e montadores de andaimes, plataforma americana em Las Palmas e em navio em Bilbau; (Cf. depoimento unanime das testemunhas)

8.

A sede da empresa era no Carregado em Portugal, mas em face das obras em Espanha tinham um escritório em Algeciras com computadores e impressoras e também um armazém onde era guardado o material de segurança, capacetes, máscaras, luvas, botas de biqueira de aço, fatos de macaco para os trabalhadores que andavam nas obras; (Cf. depoimento unanime das testemunhas)

9.

Os trabalhos administrativos e os trabalhos extra que era necessário fazer, relatórios, preparar trabalhos e fixar os valores apoio às obras apoio logístico fazia reuniões com os clientes e angariava clientes e todo o trabalho administrativo nos Estaleiros onde a empresa estava a trabalhar era feito pela Impugnante sobre as instruções da V…………………… e toda a papelada das obras que tinha de vir para sede em Portugal para depois fazerem os pagamentos dos vencimentos dos relatórios dos “briefings” que este necessitava ter. (Cf. depoimento unanime das testemunhas)

10.

A impugnante fazia o apoio logístico e administrativo à obra e de tudo o que se relacionava com os trabalhadores, nomeadamente quando havia problemas de saúde, fazia a assistência de os levar à clinica se necessário; (Cf. depoimento unanime das testemunhas)

11.

A deslocação dos trabalhadores para as obras em Espanha era efetuada em autocarros, a partir da Garagem de Sete Rios em Lisboa, a custo da empresa que adquiria os respetivos bilhetes ; (Cf. depoimento de V ………………..e V ……………………..)

12.

A deslocação dos trabalhadores para as obras a decorrer no estrangeiro era efetuada através de transportes públicos locais; (Cf. depoimento de V ………………..e V ……………………..)

13.

O Alojamento dos trabalhadores era apalavrado pela entidade patronal na cidade ou localidade mais perto da obra resultado de uma sondagem previamente efetuada em pensões, residenciais e apartamentos; (Cf. depoimento inânime das testemunhas)

14.

A deslocação dos trabalhadores da «M………., Lda.» para Espanha era efetuada consoante o andamento da obra, - estava na fase de decapagem ou na fase da pintura por exemplo; (Cf. depoimento de V………………… .

15.

O gasto diário de um trabalhador deslocado em Espanha, em comida, transporte e alojamento, orçava entre 80 e 100 euros; (Cf. depoimento de V ……………)

16.

A Ajuda De Custo era atribuída a cada trabalhador no principio de cada mês para poderem fazer face aos gastos que tinham diariamente; (Cf. depoimento unanime das testemunhas)

17.

No ano de 2008, a Impugnante esteve em Algeciras, Las Palmas e depois em Bilbau não chegou a vir a Portugal em face das necessidades dos assuntos acordados com as empresas Donas das Obras, viajava diretamente de um lado para o outro, por vezes de avião; (Cf. depoimento unanime das testemunhas)

18.

No ano de 2008, a Impugnante não trabalhou aos fins de semana e não teve oportunidade de gozar férias; (Cf. depoimento de V……………………e V …………………….)

19.

Nos meses de dezembro tinha forçosamente de concluir, em termos administrativos, todo o trabalho efetuado em todas as obras para fechar a faturação para não haver passagem de valores para o ano seguinte, determinação dos clientes o que obrigava a ir a todas as obras o que por vezes tinha de haver mais colegas da empresa que iam de Portugal para ajudar e ao mesmo tempo fazer os orçamentos para o ano seguinte; (Cf. depoimento unanime das testemunhas)

20.

A Impugnante chegou a alugar um carro, a expensas suas, para poder efetuar o trabalho que lhe estava atribuído; (Cf. depoimento de V ………………………)

21.

O alojamento e a alimentação no verão são mais dispendiosos e os trabalhadores para fazer face a essa situação tinham uma ajuda de custo um pouco maior; (Cf. depoimento de V …………………..)

22.

A impugnante ficou alojada numa residencial em Algeciras e em Las Palmas no “Hotel …….”, que era reservado mês a mês; (Cf. depoimento de V ……………..)

III.II - Factos não Provados.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão a proferir.

Motivação.

A matéria de facto, constante das alíneas do probatório foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas, para as folhas dos processos onde se encontram, bem como nos esclarecimentos efetuados ao tribunal pelas testemunhas arroladas pela impugnante.

Relativamente aos factos dados como provados nos pontos 5. a 21. Resultam dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante, V…………………… Diretor de Obra, Â ……………………… administrativo e V …………………… administrativo que entraram, tal como a Impugnante, diretamente para os quadros da empresa. Confirmaram que a empresa “M………………Lda.” teve, em 2008 grandes obras em Espanha, nomeadamente em Algeciras num navio fábrica de gás, numa plataforma de petróleo americana em Las Palmas e outra num navio num estaleiro de Bilbau. Mais confirmaram que a impugnante era administrativa e esteve deslocada em Espanha todo o ano de 2008 sem ter férias. O seu trabalho consistia em dar apoio logístico às obras, fazia reuniões com os clientes e angariava novos clientes e todo o trabalho administrativo nos Estaleiros onde a empresa estava a trabalhar. Fazia o apoio à obra e de tudo o que se relacionava com os trabalhadores nomeadamente quando havia problemas de saúde, fazia a assistência de os levar à clínica quando necessário. As ajudas de Custo que auferiam eram para suportar os gastos em relação ao alojamento, alimentação e transportes.

Os depoimentos mostram-se isentos, credíveis tendo as testemunhas inquiridas respondido sem hesitações às questões colocadas o que revelou terem conhecimento direto dos factos a que foram inquiridas o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade.


*

- De direito

A questão que está em apreciação no presente recurso é a de se saber se a importância paga à Recorrida, A………………., no ano de 2008, a título de ajudas de custo, deve ou não ser considerada como rendimento de trabalho dependente, nos termos do disposto no artigo 2º, nº3, alínea d) do CIRS, tal como entendeu a Administração Tributária (AT) e, como tal, se deve ser tributada em IRS.

A sentença recorrida, em resposta a esta questão, veio a dar razão à Impugnante, ora Recorrida, considerando, além do mais e após fazer o devido enquadramento legal da questão, que:

“(…) No caso em apreço, a entidade patronal evidenciou os abonos a título de ajuda de custo em recibo separado do recibo do respetivo vencimento e subsídio de almoço.

Os serviços de inspeção tributária (SIT) na análise efetuada pode se retira do ponto 3., do probatório dão uma perceção global da atividade da sociedade «M ……………….. Lda.», tendo constatado que esta sociedade executava obras em Espanha (na sua maioria) em França e Holanda.

Porém, em face da análise à contabilidade da sociedade, entidade patronal da Impugnante, impunha-se verificar se efetivamente, no exercício económico de 2008, haviam sido realizadas as obras em Algeciras, Las Palmas e Bilbau, o que não resulta do relatório inspetivo.

Por outro lado, também não resulta do relatório inspetivo (RIT), que os SIT, ao abrigo do princípio da legalidade e do inquisitório, tenham envidado esforços em averiguar se os trabalhadores que estiveram deslocados, uma vez a materialidade das referidas obras não foi colocada em causa.

Resulta sim do RIT, sem mais, a caraterização dos abonos contabilizados pela sociedade, relativamente à Impugnante, para efeitos de IRS não aceitando os valores contabilizados como ajudas de custo.

Ou seja, os SIT consideraram desde logo que tais abonos não revestiam caráter compensatório, mas sim remuneratório e, por conseguinte, sujeitos a IRS.

Em seu abono, referem que por não foi detetada qualquer evidencia documental de trabalho que justifique o recebimento, durante todos os dias do ano de valores diários e de forma regular a título de ajudas de custo.

Mais alegam que se trata de uma funcionária com a categoria profissional de secretaria do setor administrativo e que não existiu um único dia no decorrer do ano 2008 em que se verifique ter trabalhado no escritório da sede, não tendo sido apresentado quaisquer elementos de prova que sirva de suporte à sua pretensão, sendo que o ónus da prova cabe à impugnante, nos termos do n.º 1 do art.74º da LGT.

Ora, fazendo apelo aos factos provados, no ano de 2008, a Impugnante era empregada administrativa dos quadros da sociedade «M………………… Lda.» que tinha a sua sede no Carregado, conselho de Alenquer.

Esta sociedade de atividade de metalomecânica, por razões internas e por conhecimentos de um dos seus gerentes conseguiu angariar, durante ano 2008, obras em Espanha.

Essas obras situaram-se em Algeciras num navio fábrica de gás, numa plataforma de petróleo americana em Las Palmas e outra obra nos estaleiros de Bilbau, factos não contestados pela Fazenda Publica.

Para realizar as referidas obras, a sociedade “M………………. Lda.”, fez deslocar os trabalhadores que entendeu necessários para cada fase das mesmas tendo, para o efeito, atribuído um abono a título de ajudas de custo diário, no sentido de custear as despesas que os mesmos teriam no decurso da obra relativamente a alojamento, alimentação e transportes, factos não contestados pela Fazenda Pública.

O valor do abono referente às ajudas de custo, era calculado pelo responsável da «M ………………….. Lda.» relativamente às obras a realizar, por análise prévia, facto que não consta do RIT, nomeadamente terem os SIT, indagado junto dos seus responsáveis.

Informaram as testemunhas ao tribunal que para cada obra era efetuado um estudo prévio em relação ao alojamento, designadamente o seu custo diário em pensões, residenciais e apartamentos nas imediações dos locais onde se realizaram as obras.

O mesmo acontecia relativamente à alimentação pela análise do custo medio de uma refeição nos mesmos locais. E, quanto ao transporte, tinha a ver com distancia que os trabalhadores tinham de percorrer para chegar aos locais das obras.

Desse estudo prévio resultava um custo médio que era atribuído aos trabalhadores para fazerem face às despesas que tinham quando estavam deslocados do seu local de trabalho contratado nas obras no estrangeiro.

Conforme de alcança do probatório, no ano de 2008, a sociedade fez deslocar cerca de 100 trabalhadores para a obra de Algeciras, entre decapadores, soldadores, pintores e montadores de andaimes.

Para os outras duas obras os trabalhadores necessários para a execução das mesmas dentro das mesmas especialidades.

A sede da empresa situa-se no Carregado, em território nacional, mas em face da dimensão das obras referidas a sociedade dispunha de um escritório de apoio, em Algeciras, com computadores e impressoras e também um armazém onde era guardado o material de segurança, capacetes, máscaras, luvas, botas de biqueira de aço, fatos de macaco para os trabalhadores que andavam nas obras.

Os trabalhos administrativos e os todos os trabalhos extra que era necessário fazer, relatórios, orçamentos, preparar trabalhos e fixar valores, apoio logístico às obras, reuniões com os clientes, angariação de novos clientes e todo o trabalho administrativo nos Estaleiros onde a empresa estava a trabalhar e toda a papelada das obras que tinha de vir para sede em Portugal para depois fazerem os pagamentos dos vencimentos dos trabalhadores, era feito pela Impugnante sob as instruções do diretor das obras V ………………………… .

Devido ao volume de trabalho e da necessidade do constante apoio às obras, a Impugnante no ano de 2008 não teve oportunidade de regressar a Portugal, tendo trabalhado todo o ano em Espanha nas localidades de Algeciras, Las Palmas e Bilbau.

Para fazer face à sua deslocação permanente a sociedade atribuiu à impugnante uma ajuda de custo diária, conforme resulta dos mapas de ajudas de custo para além do respetivo recibo de vencimento, onde foi igualmente recebido o subsídio de almoço. (Cf.fls. 63 a 73 e 43 a 57 do PA)

Na realidade, tendo em conta que a sociedade não pagou para a sua deslocação no ano 2008 qualquer valor para alojamento, alimentação e transporte era a impugnante que, através do abono da ajuda de custo, e do seu vencimento que teve que suportar essas despesas e da forma como bem entendeu, uma vez que não tinha a obrigatoriedade, tal como os demais trabalhadores, de ficar alojada ou tomar as refeições nos locais indicados pela entidade patronal no estudo prévio.

Com efeito e como supra referido, o montante da ajuda de custo atribuída aos trabalhadores, nos quais se incluía a impugnante, resultava de uma análise de custos diários, relativamente aos trabalhadores deslocados, em função dos locais onde se localizavam as obras, quanto a restaurantes, transportes necessários para chegar às obras, bem como o alojamento a nível de residenciais, pensões ou apartamentos.

Os locais de alojamento eram previamente acordados pela sociedade e depois os trabalhadores de posse da ajuda de custo podiam escolher outros locais onde essa despesa fosse menos dispendiosa. Assim era igualmente quanto aos transportes ou alimentação.

Mais afirmaram as testemunhas que a razão pela qual o mapa de ajudas de custo relativo ao mês de dezembro ter um valor de ajuda de custo superior aos restantes meses do ano foi por imposição dos clientes donos adas obras.

Nesse sentido, a faturação de todas as obras tinha de ser efetuada até ao fim do ano, razão pela qual a impugnante e outros funcionários da sociedade tinham de se deslocar propositadamente a todas as obras nesse mês, por forma a conseguir efetuar esse trabalho e ainda reunir com as empresas donas das obras para efetuar os orçamentos para o ano seguinte.

Quanto ao mapa do mês de agosto ser igualmente superior aos restantes tinha a ver, segundo confirmaram as testemunhas, com as férias de verão e a deslocação dos turistas que ocupavam os locais de alojamento a preços mais elevados.

E nos locais onde se encontravam alojados os trabalhadores, os proprietários desses estabelecimentos referiam, desde logo, que nos meses de agosto e dezembro não podiam continuar hospedados, uma vez que queriam aumentar os preços.

Se não quisessem pagar mais teriam de ir para outros alojamentos, em zonas mais distantes das obras, o que fazia aumentar o preço do transporte.

A alimentação nesses meses também encarecia, porque são meses onde existem mais turistas nas zonas de praia e os restaurantes aumentam os preços.

Nesta conformidade, provado que está que a impugnante foi contratada para os quadros da empresa para exercer as suas funções na sede da mesma, sita no Carregado, tendo sido deslocada para exercer funções conexas fora do seu local de trabalho, mais propriamente em Espanha, podemos concluir que houve mudança do local de trabalho contratualmente previsto ou deslocações por força da prestação ocasional do trabalho fora do local habitual.

Torna assim hialino, aprofundando o recorte conceptual da questão que o que verdadeiramente releva no caso vertente é que a impugnante prestou serviços à sua entidade patronal, sediada em Portugal, nas citadas obras sitas em Espanha, isto é, que se encontrava deslocada do seu local de trabalho sendo uma funcionária efetiva e a exercer a atividade profissional de secretária administrativa em várias obras, nomeadamente em Algeciras, Las Palmas e Bilbau.

Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, e os mapas de ajudas de custo designarem “Despesas de Representação”, embora com o título de «Serviço efetuado com direito a Ajudas de Custo» o que evidencia é que as despesas foram efetuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, não vindo alegado nos autos que tais abonos excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação, em sede deste imposto.

Neste conspecto mostra-se forçoso concluir que as prestações auferidas pela Impugnante a título de ajudas de custo foram auferidas para compensação das despesas referidas e por essa razão não integram a respetiva retribuição ou remuneração de trabalho, não constituindo igualmente um complemento desta.

Neste conspecto, tendo em conta o estabelecido na norma da al. d) do n.º 3 do art.2º do CIRS, e verificando-se que os abonos atribuídos à impugnante representam efetivamente ajudas de custo, a liquidação adicional de IRS relativa ao mesmo ano afigura-se ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direto, não podendo assim manter-se na ordem jurídica devendo ser anulada o que se fará no dispositivo da sentença”.

A Fazenda Pública, ora Recorrente, discorda do assim decidido, sustentando, em síntese e no essencial, “que a atribuição do abono de ajudas de custo pressupõe a realização de despesas excecionais resultantes de uma efetiva e pontual deslocação dos trabalhadores do seu local habitual de trabalho ao qual deverão regressar e onde deverão permanecer assim que a deslocação terminar”, pelo que se exige “uma efetiva deslocação do local habitual de trabalho”. Prossegue a Recorrente referindo que “da análise aos recibos das ajudas de custo resulta claro que a ora Impugnante não trabalhou um único dia do ano de 2008 no escritório da sede da empresa no Carregado, pelo que não podemos concluir que o local habitual de trabalho era no Carregado e que as ajudas de custo pagas se deveram a deslocações pontuais e temporárias a Espanha”. Para a Recorrente, “o local habitual de trabalho era em Espanha”. Evidencia e conclui a Recorrente dizendo que “a verba relativa às ajudas de custo é de montante elevado, excedendo em muito a própria remuneração declarada, tem carácter regular e periódico, configura uma verdadeira remuneração, sujeita, por isso, a tributação em de sede de Categoria A”.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer sobre a questão que nos vem colocada.

Em primeiro lugar importa esclarecer que a correcção aqui em causa tem o seu fundamento legal, atenta a data de ocorrência dos factos (2008), no artigo 2º, nº 3, alínea d), do CIRS, preceito que dispunha nos seguintes termos:

“3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

(…)

d) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”.

Como se disse já no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 8/11/06, no recurso nº 01082/04, “Na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efectivos possam ser presumidos.

Por isso, o artigo 2° do CIRS que define os rendimentos do trabalho, tem de ser interpretado a esta luz, como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função.

É certo, porém, que sob a capa da atribuição de "compensações" deste tipo podem, por vezes, estar a esconder-se atribuições de verdadeiras remunerações, o que justifica que se estabeleçam limites a essas atribuições patrimoniais …”

Quer as ajudas de custo (quer os montantes recebidos pela utilização de viatura própria ao serviço da entidade patronal), são, em regra e até pela sua natureza, compensações pelos gastos suportados pelo trabalhador em favor da sua entidade patronal. Se isto é assim, como é, apenas se justificará a sua tributação quando tais despesas extravasem esse objectivo que lhes está subjacente e constituam, na realidade, uma vantagem económica/ financeira do funcionário. Portanto, se as importâncias pagas ao trabalhador se limitam a compensá-lo, então não há aí qualquer rendimento a considerar.

Uma síntese feliz sobre a matéria em análise encontramo-la no acórdão do TCA Norte, proferido em 10/11/16, no processo nº 00764/13.1 BEPNF, no qual se deixou dito, além do mais, o seguinte:

“A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.

Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.

A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.

Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.

Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim. – cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 00237/06.9BEBRG”.

Isto dito, pode afirmar-se, desde já, que no relatório que constitui a base fundamentadora da correção efetuada, a Administração Tributária não ensaiou uma referência sequer à ultrapassagem dos já apontados limites legais, nem à não observância dos pressupostos de atribuição destas importâncias aos servidores do Estado. Quanto a este aspeto, não parece restarem dúvidas.

Por conseguinte, à falta de referência aos apontados limites legais ou aos pressupostos de atribuição destas importâncias aos servidores do Estado, pode dizer-se que a AT não fez a melhor aplicação da lei.

Este TCA recentemente apreciou um recurso interposto por um outro trabalhador da mesma empresa, com funções idênticas às da ora Recorrida e que, no ano de 2008, esteve deslocado em Espanha; trata-se do acórdão proferido em 30/09/20, no processo 2965/12.0 BELRS. Aliás, a fundamentação subjacente aos atos de liquidação contestados (num e noutro processo) é muito idêntica, mostrando-se respetivos RIT similares. Estando nós de acordo com o que ali foi decidido, passaremos a adotar, transcrevendo, tal fundamentação ali seguida. Em tal acórdão escreveu-se:

“Como entende a sentença recorrida e tem decidido de forma pacífica a Jurisprudência, é à Administração Tributária que compete demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, que ocorreram situações susceptíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2.° do Código do IRS.

O que se compreende, na medida em que se afasta da declaração apresentada pelos Contribuintes, que recai o ónus de demonstrar a verificação dos requisitos que lhe permitem alterar o rendimento colectável declarado, ou seja, que os montantes recebidos pelos Contribuintes da sua entidade patronal a título de ajudas de custo não reuniam as características essenciais das ajudas de custo ( cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que reflecte uma regra geral do direito civil - artigo 342.º do Código Civil).

Isto é, cabe à Administração Tributária dar satisfação ao ónus que lhe incumbe de «[a]pontar elementos factuais demonstrativos ou seriamente indiciantes de que os abonos recebidos (pelo Impugnante, aqui recorrente) não tinham qualquer fim compensatório.» (entre muitos outros, vide: Acórdão do STA de 22.05.2013, proferido no recurso n.º 0146/13, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/).

(…)

Com efeito, o recorrido alegou e provou que 2008, prestou serviço à sua entidade patronal « M …………..» fora do seu local habitual de trabalho. E alegou e provou também que a sua entidade patronal, à semelhança do que fazia com os seus empregados, lhe pagava as despesas realizadas por causa da deslocação (alojamento, alimentação e transporte).

Adiante-se, ainda que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.

Sendo assim, o argumento avançado pela recorrente no que respeita à «parca» existência de documentos (internos) comprovativos está votada ao insucesso uma vez que não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no artigo 72.º da LGT e 115.º do CPPT. E, o certo é que a Administração Tributária não provou, minimamente, a inexistência de deslocações ou das despesas contabilizadas ou, sequer, que estas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar nem que o montante atribuído a título de ajudas de custo, em virtude das deslocações efectuadas pelo recorrido, constitui uma duplicação de pagamentos com a mesma causa.

Por outro lado, não é seguramente a categoria profissional de "Secretário”, que afasta a natureza compensatória das ajudas de custo, sendo, aliás, um argumento absolutamente ineficiente para esses fins.

Com efeito, não logrou a Administração Tributaria provar que o montante atribuído a título de ajudas de custo, em virtude das deslocações efectuadas pelo recorrido, constitui uma duplicação de pagamentos com a mesma causa.

Em suma, os elementos factuais que suportam e fundamentam a alteração do rendimento colectável declarado não são suficientemente sólidos e aptos a demonstrar que os montantes recebidos a título de ajudas de custo não reuniam as características essenciais destas.

E visto que era à Administração Tributária que competia apontar os elementos factuais demonstrativos de que as verbas em causa não tinham fim compensatório, impunha-se-lhe que, na falta de elementos consistentes e na dúvida sobre a existência de deslocações, se abstivesse de efectuar a liquidação.

(…)”.

Como a jurisprudência tem assinalado insistentemente, não é possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como tendo natureza remuneratória, desde logo atendendo à circunstância de o preceito em apreço se assumir como uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou de exclusão de tributação de IRS (artigo 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS).

Se bem percebemos o alcance das alegações de recurso e, nessa medida, o ataque à sentença, centra-se o mesmo na circunstância de a Impugnante ter trabalhado todo o ano de 2008 em Espanha e não em Portugal, o que afastaria a ideia de deslocação pontual do trabalhador, característica essa inerente às ajudas de custo.

A Recorrente não tem razão.

Comece-se por esclarecer que essa argumentação não consta do RIT que é, como se sabe, a base fundamentadora da liquidação adicional, não sendo aceitável qualquer tentativa de fundamentar a posteriori os atos tributários de liquidação.

Sempre se dirá, porém, que os factos provados que resultam da sentença vão no sentido de a Impugnante, juntamente com outros trabalhadores, ter-se deslocado para Espanha, em 2008, para acorrer a necessidades pontuais de trabalho da sua entidade patronal. Seja como for – repete-se – trata-se de uma argumentação jamais avançada em sede inspetiva.

O RIT e a correção aí proposta assenta – isso sim - no modo de atribuição das quantias em causa, ou seja, enquanto valor periódico e regular, indicador de que essa quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem trabalhasse deslocado no estrangeiro.

“Contudo, o facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.

Como já antes ficou dito, caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão” – acórdão citado do TCA Norte, de 10/11/16.

O que verdadeiramente releva no caso vertente é que a impugnante prestou serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obras sitas em Espanha, isto é, que se encontrava deslocada do seu local de trabalho.

Portanto, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.

Também não se desconsidera que a AT evidencia a circunstância de o valor das “ajudas de custo” superar o montante da respectiva remuneração, como sendo um elemento indiciador da natureza remuneratória (não compensatória) dos valores recebidos. Este facto, por si só, pouco diz.

Com efeito, aceite que era, pela Administração Tributária, a efectividade das deslocações feitas pela Recorrida, as quais, segundo as regras da experiência comum, implicam despesas, incumbia aos competentes serviços demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que o apontado abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal.

Ora - repete-se - nada disso foi feito, não tendo a AT demonstrado, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar.

Impunha-se, pois, como sucedeu, a anulação da liquidação adicional impugnada de IRS, o que, pelas razões supra expostas, aqui se mantém.

Por conseguinte, sem necessidade de maiores considerações, conclui-se pelo não provimento do recurso, mantendo-se o decidido quanto à ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional de IRS.

Improcedem, assim, na totalidade, as conclusões da alegação do recurso.


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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 11/11/21


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Maria Cardoso)

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(Jorge Cortês)