Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1296/20.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE OPOSIÇÃO. REJEIÇÃO LIMINAR
Sumário:1. O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional (art.º 103/1 da LGT).
2. Os prazos para a prática de actos no processo judicial contam-se nos termos do Cód. de Processo Civil (art.º 20/2 do CPPT e 138.º do CPC).
3. Em regra, nos processos não urgentes que corressem termos nos tribunais administrativos e fiscais, ficaram suspensos desde 9 de Março de 2020 todos os prazos para a prática de actos processuais que devessem ser praticados pelas partes no âmbito desses processos.
4. A alteração introduzida pela Lei n.º 16/2020, de 29-5, na Lei n.º 1-A/2020 entrou em vigor no dia 3 de Junho de 2020, implicando a revogação da suspensão de prazos desde então - nessa data os prazos para a prática dos actos retomaram a sua contagem.
5. Tendo a oponente e recorrente sido citada em 5-3-2020, o prazo de 30 dias para apresentar a oposição, que se iniciou em 6-3-2020 (inclusive) e se suspendeu em 9-3-2020, não correu até à cessação da situação excepcional, o que significa que retomou a sua contagem naquela data de 3-6-2020 (inclusive), completando-se em 29-06-2020.
6. Tendo a P.I. sido apresentada em 3-8-2020, é manifestamente extemporânea, fundamento de rejeição liminar da oposição (art.º 209/1, alínea a), do CPPT).
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


L. M. P. S. R. recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que na verificação da excepção peremptória da caducidade do direito de deduzir oposição, rejeitou liminarmente a oposição à execução fiscal contra si instaurada para cobrança de dívidas ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pesca, I.P., no valor de 15.018,52 euros.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«
UM: É competente, para decidir o presente recurso, em razão da hierarquia, o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do artigo 280º, nº 1, do CPPT, uma vez que a decisão de que se recorre não é uma decisão de mérito.
DOIS: A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 20º, nº 2, 191º, nº 6, 207º, nº 1, e 208, nº 1, do CPPT, no artigo 103º da LGT, no artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, e no artigo 5º da Lei nº 16/2020, de 29 de Maio.
TRÊS: Não obstante a Opoente tenha sido citada, através da sua caixa postal electrónica, por notificação datada de 5 de Março de 2020, sempre a citação apenas se consideraria efectuada no 5º dia posterior à disponibilização da citação na sua caixa postal electrónica, nos termos do artigo 191º, nº 6, do CPPT.
QUATRO: Face ao disposto no artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, o prazo constante do artigo 191º, nº 6, do Código de Procedimento e Processo Tributário ficou suspenso a partir de 9 de Março de 2020.
CINCO: Apenas após o envio da petição inicial pelo órgão da execução fiscal ao tribunal de 1ª instância competente é que se inicia, verdadeiramente, uma fase judicial, não tendo havido qualquer intervenção de um órgão jurisdicional até esse momento.
SEIS: No presente caso, apenas poderemos considerar que estaremos perante um processo judicial e, por consequência, perante prazos judiciais, quando o processo se encontra em juízo, no tribunal de primeira instância competente, e nunca em altura anterior, pelo que teremos de considerar que estamos perante um prazo administrativo e não judicial.
SETE: Conforme referido supra, à data da produção de efeitos do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março de 2020 (9 de Março de 2020), ainda se encontrava a decorrer o prazo previsto no artigo 191º, nº 6, do Código de Procedimento e Processo Tributário, para que a Opoente se considerasse citada, sendo esse o prazo que ficou suspenso na sequência da produção de efeitos do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março.
OITO: A ora Opoente apenas se poderia considerar citada no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da Lei nº 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor a 3 de Junho de 2020, pelo que o prazo de 30 dias para apresentar a oposição à execução fiscal só teve o seu início a 3 de Julho de 2020, tendo a oposição à execução fiscal sido apresentada 30 dias depois, a 3 de Agosto de 2020.
NOVE: Terá, pois, de se concluir pela tempestividade da oposição à execução fiscal.

Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que admita a oposição à execução fiscal deduzida, prosseguindo o processo os seus termos até final, com o qual se fará
JUSTIÇA!».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso, com fundamentos que são de acolher inteiramente.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão a dirimir reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela caducidade do direito de deduzir oposição.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Dá-se por reproduzido o teor da decisão recorrida, com destaque para a seguinte passagem:
«
De acordo com o disposto no artigo 203.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, a oposição à execução deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal.
O prazo para deduzir oposição é um prazo judicial, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 20.º do CPPT, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal (cf. n.º 1 do artigo 103.º da LGT).
Pelo que, corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cf. artigo 138.º do CPC, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 139.º e 245.º do CPC, se for caso disso).
O período de férias judiciais é definido no 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), nos termos do qual “as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto”.
No caso vertente, as partes convergem em que a Oponente foi citada a 5 de Março de 2020 e resulta dos autos que a p. i. da presente oposição foi enviada via correio postal registado a 3 de Agosto de 2020.
Considerando que, no âmbito da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, os prazos para a prática de actos processuais estiveram suspensos entre o dia 9 de Março de 2020 e o dia 2 de Junho de 2020 (cf. artigos 7.º, n.º 1 e 10.º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, artigos 5.º, n.º 1 e 6.º, desta Lei e artigo 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que revogou aquele artigo 7.º e entrou em vigor no dia 3 de Junho de 2020), chega-se à conclusão que a presente oposição é, efectivamente, intempestiva, porque foi deduzida para além do referido prazo de 30 dias, que terminaria a 29 de Junho de 2020 (segunda-feira), o que determina a verificação da excepção peremptória da caducidade do direito de deduzir oposição, com a consequente rejeição liminar da oposição deduzida (cf. artigo 209.º, n.º 1, alínea a) do CPPT), o que se decide.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O presente recurso vem interposto da sentença que rejeitou liminarmente a oposição à execução fiscal no entendimento de que foi deduzida fora de prazo e julgou verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de deduzir oposição.

Com o assim decidido não se conforma a recorrente imputando-lhe erro de julgamento por violação do disposto nos artigos 20/2, 191/6, 207/1 e 208/1 do CPPT; 103.º da LGT; 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio.

A recorrente insurge-se contra o decidido por entender que apenas após o envio da petição inicial pelo órgão da execução fiscal ao tribunal de 1.ª instância competente é que se inicia, verdadeiramente, uma fase judicial, não tendo havido qualquer intervenção de um órgão jurisdicional até esse momento no presente caso, apenas poderemos considerar que estaremos perante um processo judicial e, por consequência, perante prazos judiciais, quando o processo se encontra em juízo, no tribunal de 1.ª instância competente, e nunca numa altura anterior, pelo que teremos de considerar que estamos perante um prazo administrativo e não judicial. A oponente, ora recorrente, apenas se poderia considerar citada no vigésimo dia posterior à entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor a 3 de Junho de 2020, pelo que o prazo de 30 dias para apresentar oposição só teve o seu início a 3 de Julho de 2020, tendo a oposição à execução fiscal sido apresentada, precisamente, 30 dias depois, a 3 de Agosto de 2020.

Salvo o devido respeito, não acompanhamos a interpretação normativa da recorrente.

Decorre da alínea a) do n.º 1 do art.º 203.º do CPPT que a oposição pode ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora.

Por outro lado, dispõe o n.º 1 do art.º 103.º da LGT que «O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional».
Determina ainda o CPPT no seu art.º 20.º, n.º 2 que «Os prazos para a prática de atos no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil».

Assim, o prazo para a dedução da oposição à execução, que é o acto processual através do qual o executado pode reagir contra a pretensão executiva do credor tributário, tem natureza processual e é um prazo judicial atenta a natureza judicial do processo executivo.

Como referem Diogo Leite Campos e Outros, “LGT Anotada e Comentada”, 4.ª ed. 2012, a pág.890, “O n.º1 do preceito [103.º] revela uma opção clara do legislador pela natureza do processo de execução fiscal como processo judicial, como processo que decorre debaixo de um apertado controlo de legalidade do tribunal e em que a intervenção da administração tributária está conformada como de simples participação na realização do seu escopo judicial”.

Dispõe o art.º 138.º do CPC, aplicável ex vi do art.º 20/2 do CPPT:
«Artigo 138.º
Regra da continuidade dos prazos
1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
4 - Os prazos para a propositura de ações previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores».

Sendo a regra a da continuidade do prazo, haverá, no caso, que atender à suspensão do prazo determinada pela situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-Cov-2, conforme bem considerou a sentença recorrida. Assim,

A recorrente foi citada no processo executivo em 5 de Março de 2020.

A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março – que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação - no seu art.º 2.º determinou que o conteúdo do dl n.º 10-A/2020, de 13 de Março, constituía sua parte integrante e no seu art.º 10.º estipulou a sua produção de efeitos à data da produção de efeitos daquele outro diploma.

O que significa que a Lei n.º 1-A/2020 produziu efeitos em 9/3/2020 – vd. o art.º 37 do aludido decreto-lei.

Como aduzido no e-book publicado pelo CEJ «Estado de Emergência – Covid 19 – Implicações na Justiça», pág. 296: «De todo o modo, a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, que alterou quer a Lei n.º 1- A/2020 quer o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, veio explicitamente estabelecer, a título de norma interpretativa, que o artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020 (...) como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março». No mesmo sentido a 2ª edição do dito e-book, pág. 328.

No que concerne à redacção introduzida no art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, há que ter em consideração como data de início de produção de efeitos desta nova redacção o dia 9 de Março de 2020, no que respeita aos processos não urgentes, como é o caso do processo dos autos (cf. artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020 que dispõe: «O artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de março de 2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes e do disposto no seu n.º 12, que só produzem efeitos na data da entrada em vigor da presente lei.».)

Assim sendo, por regra, ficaram suspensos desde 9 de Março de 2020 todos os prazos para a prática de actos processuais que devessem ser praticados pelas partes no âmbito dos processos que corressem termos em tribunais administrativos e fiscais, suspensão que se manteria até à cessação da situação excepcional, a determinar por decreto-lei - conforme n.ºs 1 e 2 do art.º 7 da Lei n.º 1-A/2020. [1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.]

No caso dos autos, não se concretizando uma situação de excepção à regra geral e tendo a oponente, ora recorrente, sido citada por via electrónica em 05/03/2020, o prazo para deduzir oposição que se iniciaria a partir do 5.º dia posterior àquela data, não se iniciou por virtude da suspensão dos prazos processuais em 09/03/2020, isto é, viu o início da sua contagem protelado até à cessação da dita situação excepcional.
Sucede que o art.º 8 da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, revogou o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

Tal alteração da Lei n.º 1-A/2020 entrou em vigor no dia 3 de Junho (art.º 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio), e implicou a revogação da suspensão de prazos que decorria do mencionado art.º 7.º, bem como as regras de realização de diligências previstas no mesmo artigo.

Previu-se, então – art.º 6.º-A da Lei n.º 1-A/2020, aditado pela Lei n.º 16/2020 - um regime processual excepcional e transitório, a vigorar no decurso da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica.

Certo é que a revogação do art.º 7.º redundou no levantamento da suspensão dos prazos para a prática de actos processuais e procedimentais e que entrando a Lei n.º 16/2020 em vigor no dia 3 de Junho, nessa data os prazos para a prática daqueles actos retomaram a sua contagem a partir do ponto em que haviam ficado suspensos.

No caso que nos ocupa tal significa que o prazo para a oponente deduzir oposição (o prazo de 30 dias), que se iniciaria no 5.º dia seguinte ao da citação por via electrónica, ou seja, em 10/03/2020, apenas teve o seu início em 03/06/2020, o que significa que o prazo de 30 dias para deduzir oposição se completou no dia 03/07/2020.


Assim, considerando-se a oposição apresentada em 03 de Agosto seguinte, manifestamente o foi fora do prazo legal.

O apelado art.º 5.º da Lei 16/2020, não tem aplicação ao caso dos autos, posto que trata de prazos administrativos, mas como vimos, o processo executivo, em que ocorreu a citação, tem natureza judicial, como decorre do art.º 103/1 da LGT.

A intempestiva apresentação da oposição é fundamento expresso de rejeição liminar da P.I. – art.º 209.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.

A sentença não incorreu no apontado erro de julgamento, sendo de confirmar e negar provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta decisão recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha