Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1997/14.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO;
EXECUÇÃO FISCAL;
REVERSÃO;
CULPA DO GERENTE;
NULIDADE.
Sumário:I – Nos termos do preceituado na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

F..., deduziu oposição à execução fiscal nº 3..., instaurada originariamente contra a D... – Supermercados, Lda, para cobrança coerciva de €505.760,66.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 18 de Julho de 2019, julgou improcedente a oposição.

Não concordando com a sentença, F... veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:

«1. Verifica-se a causa de nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, que ocorre quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”

2. Isto porque, por um lado, ao mesmo tempo que concluía pelo indeferimento da oposição, a sentença usava na fundamentação um trecho (não identificado como alheio) de que resultava necessariamente a procedência dessa oposição; por outro lado, porque ao mesmo tempo que subsumia a situação dos autos na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, o regime material que invocava era o da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT; e por outro lado, ainda, invocava um despacho com data anterior ao despacho de reversão para afirmar que este estava fundamentado por remissão – quando bastaria lê-lo para ver que não estava.

3. Verifica-se também violação do caso julgado, na medida em que no processo 1797/14.6BELRS já foi proferida decisão, entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e causa de pedir, que considerou procedente a oposição.

4. O que foi evidente para o Ministério Público e para o Ilustre Magistrado (do mesmo tribunal a quo) que anteriormente se pronunciaram sobre os mesmos exactos argumentos da AT quanto à regularidade da reversão contra o ora Recorrente, foi indiferente para o Ministério Público e para a Ilustre Magistrada signatária da decisão recorrida. Isso, porém, é o que – para preservar a imagem da Justiça – o ordenamento jurídico pretende impedir com as figuras do caso julgado e da litispendência.

5. Tomada que foi uma decisão judicial (em 28 de Fevereiro de 2018, no processo 1797/14.6BELRS, cuja cópia vai em anexo) quanto à mesma questão jurídica que constitui o cerne dos presentes autos (saber se o ora Recorrente tinha sido devidamente citado da reversão contra si operada por ser gerente de direito e de facto da sociedade devedora originária), não pode a parte vencida nessa decisão pretender obter uma decisão diferente.

6. Independentemente das contradições entre a fundamentação e a decisão, e da violação do caso julgado material, importa apreciar a forma como o despacho de reversão deu cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária: “A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.”

7. Ora, como a mera leitura do seu teor demonstra, tal citação foi totalmente omissa na imputação – sequer por remissão – de qualquer culpa do ora Recorrente.

8. O que, no caso dos autos, se torna ainda mais grave porquanto as notificações das dívidas à sociedade que se pretendem fazer reverter contra o ora Recorrente só foram comunicadas ao seu sucessor na condução dos destinos dessa sociedade (e não a esta), sendo que tal novo gerente e sócio não manteve com ele quaisquer contactos após essa transferência de responsabilidades.

Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Excias suprirão, se pede que seja:

a) revogada a decisão impugnada, por padecer de nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a decisão; ou quando assim não entenda,

b) revogada a decisão impugnada, por violação do caso julgado material, confirmando-se a anterior jurisprudência do Tribunal Tributário de Lisboa sobre a mesma exacta questão em causa nos presentes autos (saber se, considerando o ónus incidente sobre a AT, o ora Recorrente pode ser considerado regularmente citado); ou quando assim não entenda,

c) revogada a decisão impugnada no que diz respeito ao julgamento de facto e de direito quanto à fundamentação do despacho de reversão, e ainda no que diz respeito à regularidade da citação desse despacho, omisso quanto aos requisitos legalmente impostos (gerência de facto e imputação de culpa ao ora Recorrente pela insuficiência patrimonial da devedora originária para o pagamento dos montantes reclamados pela AT nos presentes autos, assim se fazendo Justiça!»


*

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ªSub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Da certidão de registo permanente constante do Registo Comercial da sociedade D... – Supermercados, Lda, junta ao PEF, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, consta, nomeadamente como sócios, F..., L... e I... Portugal – Sociedade de Investimento de desenvolvimento e Investimento, SA, com quotas de €82.302,00, €16.460,00 e €10.974,00, respectivamente;

B) Da mesma certidão consta ainda, com interesse para a decisão da causa, que desde a constituição da sociedade identificada em A), registada pela AP 05/19980116, foi nomeado gerente F... até à alteração do contrato social registada pela AP 201/20120320, sendo a forma de obrigar com a assinatura de qualquer um dos gerentes;

C) Na certidão de registo permanente da sociedade consta como sede a Rua N..., 2680-074 Camarate;

D) O exercício de facto da gerência da sociedade foi exercido pelo oponente (facto aceite por confissão);

E) A sociedade identificada em A) foi sujeita a inspecção tributária em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201000347 aos exercícios de 2007 e 2008, tendo sido efectuado o relatório de conclusões em 7 de Outubro de 2013, nele constando com relevância para a decisão da causa:

(…).


«Imagem no original»


(…).

F) As liquidações foram notificadas para a morada sita na Rua …, nº 50, 1800-237 Lisboa, pertencente a E..., registado como gerente pela Ap 201/20120320 (liquidações juntas com as contestações e registo comercial da sociedade);

G) Contra a sociedade identificada em A) foram instaurados os processos de execução fiscal nº 349..., por dívida de IRC de 2007, por dívida de IRC do ano de 2008 e 349..., por dívida de INA de 2007 e 2008, 3492…, para cobrança do montante total de €505.760,66 (PEF apenso);

H) No âmbito do processo de execução fiscal n° 349... e apensos foi prestada a seguinte informação:

"Em face das diligências processuais que antecedem, nomeadamente o relatório de inspecção da Direcção de Finanças de setúbal, OI201000347 e o facto de não serem conhecidos bens penhoráveis à executada D... - Supermercados, Lda, NIPC 5..., com última sede na R N..., 2680-074 Camarate.

Não havendo bens da devedora originária, ora executada, que respondam pelo pagamento da dívida, estão pois verificadas as condições previstas nos termos do n° 2 do art° 153° do CPPT, para o chamamento à execução, dos responsáveis subsidiários, de acordo com a legislação em vigor no momento do exercício do seu cargo e no momento da constituição da responsabilidade, revertendo, assim, contra eles a execução.

Existem dois momentos relevantes para a constituição da responsabilidade subsidiária, a saber, o momento da formação do acto tributário, que está na origem da dívida e o momento da obrigação de pagamento, pelo que, considerando o(a) período(a) aqui em causa, temos como enquadramento legal(is):

1. Relativamente ao facto tributário

Verifica-se que o facto tributário ocorreu já na vigência da LGT, assim nos termos da al a) do n° 1 do art° 24°, os gerentes e administradores serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas da sociedade, mediante prova de culpa a efectivar pela Administração Tributária. Como se encontra exposto e provado no relatório de inspecção, acima identificado, enquadram-se nesta alínea os gerentes de facto F... (...) e M... (...).

2. Relativamente à obrigação de pagamento ocorreu já na vigência da LGT, assim nos termos da al a) do n° 1 do art° 24°, os gerentes e administradores que exerçam ainda que somente de facto, funções de gestão em pessoas colectivas ou equiparadas, serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período do exercício do cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

De acordo com os elementos atrás indicados e os constantes da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial competente, a executada teve os seguintes gerentes:


«Imagem no original»


I) Em 15-05-2014 foi proferido o seguinte despacho:

O presente processo executivo corre termos, pelas importâncias a seguir descriminadas e relativas aos períodos que se seguem:


Em face da informação que antecede e considerando os momento de constituição da responsabilidade subsidiária, ao conjugar estes com a legislação então vigente temos que são (solidariamente) responsáveis pelo pagamento das seguintes importâncias:

F..., NIF 11..., responde pelo pagamento de €289.136,98 

R…, NIF 21…, responde pelo pagamento de €289.136,98

E..., NIF 24…, responde pelo pagamento €289.136,98.


J) Em 15-05-2014 foi proferido despacho para audição (reversão) pelo Chefe do SF no qual consta, nomeadamente:


K) Em 15-05-2014 o oponente foi notificado para audição prévia (reversão, onde consta, nomeadamente:


«Imagem no original»


L) Em 24-07-2014 foi proferido despacho de reversão, onde consta:

Face às diligências de fls 6 e estando concretizada a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s) prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra F... (...).



«Imagem no original»


M) O oponente foi citado em 04-08-2014, que se dá por reproduzido para toos os efeitos legais, onde consta, nomeadamente (fls 18 a 20, do PEF):


N) A oposição deu entrada em 28-08-2014.


A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados e, bem assim como, na posição das partes.



*

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões das alegações de recurso verifica-se que o Recorrente assaca à sentença recorrida nulidade nos termos previstos na alínea c) do artigo 615º do CPC, violação do caso julgado e erro de julgamento quanto à fundamentação do despacho de reversão e da regularidade da citação.

Cumpre apreciar e decidir.

Comecemos por apreciar a invocada nulidade prevista na alínea c) do artigo 615º do CPC, que a proceder implica o não conhecimento do demais invocado, sendo que o Recorrente fundamenta a sua alegação, nos termos sintetizados nas conclusões 1) e 2), do seguinte modo:

“1. Verifica-se a causa de nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, que ocorre quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”

2. Isto porque, por um lado, ao mesmo tempo que concluía pelo indeferimento da oposição, a sentença usava na fundamentação um trecho (não identificado como alheio) de que resultava necessariamente a procedência dessa oposição; por outro lado, porque ao mesmo tempo que subsumia a situação dos autos na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, o regime material que invocava era o da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT; e por outro lado, ainda, invocava um despacho com data anterior ao despacho de reversão para afirmar que este estava fundamentado por remissão – quando bastaria lê-lo para ver que não estava.”

Enquadremos a questão de modo a que melhor se compreenda o que está em causa.

Nos presentes autos de oposição à execução fiscal foi proferido despacho de reversão contra o ora Recorrente, nos termos previstos na alínea a) do artigo 24º da LGT.

Como é sabido, operada a reversão ao abrigo da supra referia norma, cabe à Fazenda Pública, na qualidade de exequente, a prova da culpa do gerente na insuficiência do património da devedora originária para satisfação das dívidas tributárias.

Dispõe o artigo 615º do CPC, no que aqui interessa:
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
      a) Não contenha a assinatura do juiz;

      b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

      c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;(…)”

Atentemos no que se escreveu no Acórdão do STJ de 22/01/2019, proferido no âmbito do processo nº19/14.4:

“o Código Processo Civil enumera, imperativamente, no nº. 1, do seu artº. 615º, (…) as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).(…)”

A questão da nulidade da sentença recorrida, nos termos em que vem colocada pelo Recorrente, respeita ao segmento da mesma em que apreciou a culpa do Oponente, e, consequentemente, ao decisório, uma vez que vem invocada a contradição entre a fundamentação e a decisão.

Vejamos, então.

Analisada a sentença verificamos que começou por enquadrar as normas jurídicas que entendeu serem aplicáveis ao caso dos autos, convocando a alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT, já que concluiu que a reversão contra o Oponente, ora Recorrente, foi efectuada ao abrigo daquele normativo (alínea a)).

Em seguida, analisando o regime decorrente da referida norma, afirmou, e bem, que, por se tratar da alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT, o ónus da prova da culpa do Oponente na insuficiência do património da devedora originária, corre por conta da Fazenda Pública.

Sucede que, mais à frente, a sentença afirma (sem que se consiga entender a razão de ser de tal afirmação) que não obstante o ónus que sore si recaía, a AT não logrou demonstrar que foi por culpa da oponente que a devedora originária se tornou patrimonialmente insuficiente para proceder ao pagamento da dívida exequenda. E faz referência a uma sentença recorrida que teria andado mal ao julgar improcedente a pretensão da recorrente quanto à ilegitimidade.

Não se consegue compreender o discurso da sentença.

Porém, posteriormente, acaba por concluir que há nos autos prova no sentido de que a falta de pagamento da dívida era imputável ao oponente. E que, não tendo este logrado provar que não foi por culpa sua que não foram efectuados os referidos pagamentos, não tendo gerido a sociedade com a diligência de um bonus pater familiae, pelo que teria que ser responsabilizado pelas dívidas exequendas, acabando por concluir pela improcedência da oposição.

Ora, todo o discurso da sentença é contraditório, obscuro e ambíguo.

Começa por entender que o ónus da prova é da AT, concluindo que não tinha esta logrado provar a culpa do gerente. Depois, vem dizer o contrário, que tal ónus cabe ao Oponente. Mais considerando que existiam provas nos autos de que a falta de pagamento das dívidas exequendas é imputável ao oponente.

Não se descortina em qual das fundamentações se baseou a sentença para a decisão, sendo que uma levava à procedência da oposição (por incumprimento da AT do ónus da prova da culpa) e a outra à improcedência (por incumprimento do Oponente do ónus da prova da ausência de culpa).

Perante o quadro descrito entendemos ser de proceder a invocada nulidade da sentença, por se encontrar verificado o circunstancialismo previsto na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC.

Assim sendo e considerando que a AT arrolou testemunhas, devem os autos baixar ao TT de Lisboa para inquirição das testemunhas arroladas e demais tramitação subsequente, nomeadamente a prolação de nova sentença.




III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, dando provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao TT de Lisboa, para devida instrução e posterior decisão.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Comunicações necessárias.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2021


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)