Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:531/14.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:INSTITUTO DA REVERSÃO NO ÂMBITO DO PROCESSO DA EXECUÇÃO FISCAL
REGIME NORMATIVO DA DECISÃO DE REVERSÃO
ARGUMENTOS DEDUZIDOS EM SEDE DE DIREITO DE AUDIÇÃO
Sumário:i. O instituto da reversão e produz no processo de execução fiscal uma modificação subjetiva da instância, que opera pelo chamamento do revertido (alguém que não é o devedor que figura no título) à execução, a fim de ocupar nela a posição passiva de executado.
ii. A audiência prévia em sede de reversão da execução, tem carater de obrigatoriedade (artigo 23.º n.º 4 da LGT), pelo que, a sua falta, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr. artigo 135, do CPA em vigor à data dos factos).
iii. Tendo o revertido, exercido o direito de audiência prévia, face à intenção do órgão de execução fiscal de, contra ele, reverter a execução e tendo no âmbito desse exercício apresentado um documento e requerido prova testemunhal, impõe-se à entidade administrativa a ponderasse dos argumentos invocados e bem assim a apreciação da utilidade que os referidos meios de prova poderiam apresentar para o procedimento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

J..., melhor identificado nos autos, veio deduzir OPOSIÇÃO à execução fiscal nº 3263..., originariamente instaurada contra “Sociedade J..., SA”.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 06 de novembro de 2018, julgou procedente a oposição.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I - Recorre-se do segmento decisório da sentença proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que considera que o oponente pretende que seja declarada a sua ilegitimidade por preterição de formalidade essencial contra o revertido na qualidade de devedor subsidiário da devedora principal.

II - Mais concretamente vejamos que o que o oponente pretende é que seja declarada a sua ilegitimidade, em sede de oposição à execução fiscal.

III - A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo julgou do seguinte modo: decidiu o douto Tribunal a procedência da oposição por preterição de formalidade em sede de direito de audição, absolvendo-se o oponente da instância.

Concluiu ainda o Tribunal que face a ter ocorrido a preterição de formalidade essencial, ficava por conhecer qualquer outro fundamento de oposição.

IV - A consequência de tal decisão foi a declaração de ilegitimidade do oponente em sede de execução.

V - Ora, não nos podemos conformar com a decisão recorrida porquanto sob errada apreciação da prova existente, sobretudo documental e que a partir daí fez, salvo melhor entendimento e com o devido respeito, uma errada apreciação de direito dos factos.

VI - O oponente consta como identificado na qualidade de responsável subsidiário, e foi notificado para, querendo, exercer o direito de audição, conforme n° 4 daquele art° 23° da LGT e art° 60° também da LGT.

VII - O oponente foi citado no processo de execução fiscal, alegando em síntese que foi preterida formalidade, nos termos e para os efeitos dos art°s 23° n° 4 e 60° da LGT e ainda que é parte ilegítima na execução.

VIII - Estamos perante um acto de cariz administrativo, pelo que quanto ao fim da formalidade legal, a audição consiste na observação do direito consagrado no n.° 5 do artigo 267.° da CRP que determina que o processamento da actividade administrativa deve garantir a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe digam respeito.

Como refere a decisão recorrida "com efeito, dispõe o art° 23°, n.°4 da LGT que «a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação». (negrito nosso)

IX - Portanto, como acima melhor explanámos, face ao fim visado por tal formalidade - direito de audição, o despacho decisório a proferir nessa sede, não constituirá caso julgado senão perante a caducidade do exercício de qualquer meio de defesa legalmente previsto em sede de citação.

X - E o facto é que o oponente foi posteriormente citado e veio em sede judicial, evocar o fundamento de preterição de formalidade em sede de audição prévia.

Ou seja, como agora se pode concluir o contribuinte não esgotou os seus meios de defesa perante a Administração relativamente ao acto em crise e aos fins visados por esse acto.

XI - Como refere Jorge Lopes de Sousa em anotação ao art.° 37.° do CPPT, por si anotado e comentado - o Tribunal Constitucional no acórdão n.° 245/99 entendeu que a norma do n.° 2 do art.° 31.° do LPTA (equivalente ao n.° 2 do art.° 37.° do CPTT, ao fazer recair sobre o interessado o ónus de requerer, no prazo de um mês, a notificação da fundamentação em falta no acto, como meio de deferir o início do prazo de recurso contencioso, não viola qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente o art.° 268.° n.° 3, da Constituição da República, por ela não dispensar "a Administração de notificar integralmente o acto administrativo ao respectivo interessado, apenas prevenindo a hipótese de tal não ter sido feito, manda contar o prazo para o recurso contencioso da data em que o interessado tomar, efectivamente, conhecimento da fundamentação do acto”.

XII - Ainda a propósito, veja-se o acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, proferido no processo n.° 332/2005 aflora que não obstante, em muitos casos, a decisão a ser tomada sem observação do direito de audição não poderia deixar de ser idêntica àquela que seria tomada perante os factos apontados pelo contribuinte nessa sede.

XIII - Assim, e não obstante melhor entendimento, decorre do enquadramento legal ser devida a aplicação do princípio do aproveitamento dos atos praticados no processo, impondo-se concluir que, face aos argumentos apresentados neste caso concreto, face aos fundamentos de oposição, qualquer outra démarche em sede de exercício do direito de audição nada acrescentaria que possibilitasse a procedência da interposta acção.

XIV - Como se pode ainda colher no CPPT anotado e comentado em nota n.° 11 ao art.° 37.°, entende Jorge Lopes de Sousa: "A faculdade prevista no n.° 1 do art.° 37.°, poderá ser utilizada em relação à citação para processo de execução fiscal, se estiver presente uma situação enquadrável na alínea h) do n.° 1 do art.° 204.° deste Código, em que a lei autorize a discussão da legalidade concreta da liquidação da dívida exequenda por não estar legalmente assegurado meio de impugnação contenciosa daquela ou se se tratar de caso em que em que seja admissível impugnação judicial a contar da efectivação da citação, como sucede com os responsáveis subsidiários (art.° 22.° ,n.° 4 da LGT).”

XV - Por outro lado, como podemos epilogar, tendo o oponente alegado a sua ilegitimidade, importa desde já adiantar que a decisão do órgão de execução fiscal não poderia ter sido diversa da que aqui se encontra em crise.

Como resulta dos autos, a gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no seio do comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas e compreendem tantas quantas abranjam a capacidade da sociedade (objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos - tal como tem vindo a ser entendimento da jurisprudência.

Ora o oponente aceitou ser gerente de facto e de direito da sociedade, na medida em que admitiu preencher o lugar de responsável nos quadros da direcção da empresa, por tal ser essencial à prossecução do objecto da sociedade, à qual seria imprescindível um elemento com certificado de capacidade profissional. Deu até o seu nome à sociedade.

XVI - Ora, assim o declarar, na aparência de um direito, seria lograr os credores, inclusivé o Estado que se veria defraudado no erário público.

XVII - Pelo que, nos termos supra expostos a sentença recorrida não se pode manter na ordem jurídica face às consequências que extraiu dos factos ou do enquadramento legal seguido, pelo contrario deveria ter procedido a um juízo de prognose póstuma.

XVIII - Em consequência deve o despacho em crise manter-se e produzir os devidos efeitos na esfera jurídica do oponente.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«1. Citado para o exercício do seu direito de audição no procedimento de reversão da dívida fiscal, o Oponente apresentou resposta escrita, aí tendo alegado factos novos e juntou prova documental e testemunhal desses factos, em estrito cumprimento dos ónus de alegação e de prova.
2.
As provas então apresentadas pelo Oponente não foram tidas em conta na elaboração do acto administrativo que determinou a reversão da dívida fiscal contra o mesmo.
3.
A audição do Revertido em processo fiscal constitui uma formalidade essencial.
4.
A alegação de que existem outros meios de defesa graciosos e contenciosos justifica e que basta haver notificação do contribuinte para exercer o direito de audição para se considerar cumprida essa formalidade não é admissível.
5.
Se o acto administrativo em causa é uma decisão de reversão de dívida fiscal, essa decisão não pode ser emitida sem antes ouvir um contribuinte cumpridor e prevenir assim um injusto ataque ao património do mesmo em frontal violação de um direito fundamental com consagração no n.° 7 do art.° 267.° da Constituição da República Portuguesa.
6.
Está em causa, sim, a preterição de uma formalidade essencial.
7.
O Oponente alegou na sua resposta escrita em sede do exercício do direito de audição que nunca exerceu a gerência de facto e informou o órgão de execução fiscal que a gerência de facto fora exercida pelo Sr. J....
8.
Os factos "novos" que o mesmo alegou nunca foram sequer apreciados em sede de procedimento de reversão fiscal.
9.
O douto tribunal a quo apenas procedeu à aplicação do direito ao caso concreto e nunca poderia ter feito um juízo de prognose póstuma a partir do momento em que verificou existir uma omissão de uma formalidade essencial que inquina o acto administrativo.
10.
O órgão de execução fiscal extraiu consequências dos factos constantes da prova documental que não podia extrair, tendo considerado que tais factos correspondem ao exercício da gerência, e, pura e simplesmente, determinam a aplicação do instituto da responsabilidade subsidiária e consequente reversão da dívida fiscal contra o devedor subsidiário.
11.
Inexiste a presunção legal da gerência de facto a partir da qualidade de gerente de direito.
12.
Está claro, assim, que nunca foram demonstrados os pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente nos termos do disposto na al. b) do .° 1 do art.° 24.° da LGT, nos quais o órgão de execução fiscal fundamentou a sua decisão de reversão fiscal.
13.
A gerência de facto tinha de ter sido alegada e demonstrada pela Autoridade Tributária, sobre quem recai o respetivo ónus nos termos do n.° 1 do art.° 74.° da LGT.
14.
Não tendo a mesma sido provada, não pode afirmar-se a responsabilidade do Oponente tal como configurada na al. b) do n.° 2 do art.° 24.° da LGT.
15.
O que implica que o sentido da decisão judicial fosse o de considerar não verificada a legitimidade do Oponente.
16.
Assim, atenta a essencialidade da formalidade de audição prévia, nunca poderia ter sido outro o teor da decisão do tribunal a quo.
17.
Consequentemente, deve a referida sentença manter-se e produzir os seus efeitos na ordem jurídica, sendo absolvido o Opoente nos termos da al. b) do n.° 1 do art.° 204.° do CPPT e do n.° 2 do art.° 74.° da LGT.»

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do pedido.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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2 – OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e, consequentemente, o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação em apreço, emerge das conclusões formuladas pela Fazenda Pública, que a questão que nos vem dirigida assenta em saber se a sentença recorrida padece de erro na apreciação da prova e errada apreciação do direito ao decidir pela verificação da preterição de formalidade essencial consubstanciada na falta de apreciação dos argumentos e elementos probatórios apresentados em sede de direito de audição.

3 – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«A) Do Registo da Conservatória do registo Comercial da sociedade denominada J..., SA, cujo objecto social era o transporte rodoviário de mercadorias, constam, nomeadamente, os seguintes averbamentos (fls 11 a 14, dos autos):
(...).
Foram de obrigar/Órgãos sociais
Foram de obrigar: pela assinatura de dois administradores; do administrador único, com capacidade profissional.
Estrutura da administração: Administrador '+único, ou conselho composto por três membros, devendo um deles ter capacidade profissional.
(...).
Órgão(s) Designado(s)
Administrador Único
J..., designado em 2005/12/28
(...).
Av. 2 AP 36/20100203 11:59:57 UTC - Cessação de Funções de Membro(s) do(s) Órgão(s) Social(ais) (online)
Administrador Único
Nome/Firma: J...
(...)
Causa: renúncia
Data: 2009.12.30 (recebida pela sociedade).
(...).

B) Em 29-02-2012 a sociedade identificada em A) foi declarada insolvente no processo n° 1561/11.4TYLSB;

C) Conforme consta do recibo de vendimento do mês de Julho de 2009 J... (oponente) tinha a categoria de Administrador recebendo o vencimento mensal de €1.250,00 (fls 10, dos autos);

D) Conforme consta do recibo do vencimento referente ao mês de Abril de 2010, o oponente, tinha a categoria de Gestor de Tráfego, recebendo o vencimento mensal de €1.250,00 (fls 9, dos autos);

E) Contra a sociedade identificada no ponto anterior foi instaurado o processo de execução fiscal n° 3263..., para cobrança de dívidas de IVA do ano de 2009;

F) Notificado, o oponente, para audição prévia veio exercê-lo, invocando que cessou funções de administrador da devedora originária em 30-12-2009, tendo efectuado a comunicação da sua renúncia ao cargo em 18-12-2009 e não obstante ter sido administrador até 30-12-2009, nunca exerceu a administração efectiva da sociedade, não devendo ser responsabilizado pelas dívidas fiscais em execução;

G) No requerimento para audição prévia o oponente juntou um documento e requereu a produção da prova testemunhal;

H) Em 18-02-2012 foi prolatada informação, com o seguinte conteúdo 8fls 20, dos autos):
Faço hoje juntada do requerimento recepcionado em 10-12-2012, do Sr. J... (...) exercendo o direito de audição prévia na reversão da sociedade J..., SA - em Liquidação (...).
A decisão de reversão foi impulsionado por um novo sistema informático automático que analisa determinados factores relevantes e inicia todo o processo tendente à reversão dos responsáveis subsidiários conforme notificação por mail da DSGCT datado de 2012-10-29.
Neste caso em concreto a dita sociedade encontra-se insolvente desde 29-022012 junto do Tribunal do Comércio de Lisboa, P° 1561/11.4TYLSB, 2° juízo, tendo sido enviadas cópias de todos os PEF para juntar aos autos.
Do projecto de reversão constam:
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art 23° n° 2 da LGT).
Fundamentos de emissão central
Insuficiência de bens da devedora da devedora originária (art 23°/2 e 3 da LGT): decorrentes de situação líquida negativa (SNL) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255° e/ou 399° do CSC.
O requerimento está articulado e começa, no ponto 3, por informar que cessou funções de administrador da executada em 30-12-2009, tendo comunicado a sua renúncia em 18-12-2009. Afirma ainda nos pontos 5, 6, 7, 8 e 9 que apesar de ter sido administrador de direito nunca exerceu a administração efectiva.
Nos pontos 10 e 11 informa que a devedora originária foi declarada insolvente e onde o processo está a decorrer termos e procede à invocação do art° 88° do CIRE, a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas. Acaba formulando o seguinte pedido não deverá ser decretada a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário.
Alguns factos apurados após compulsados os elementos disponíveis no Serviço de Finanças relativamente ao Sr. J...:
- nos modelos 22 entregues respeitantes aos anos de 2006, 2007, 2008 (entregue em 22-10-2009) consta o possível revertido como responsável da sociedade em causa.
- existem ainda dois pedidos de pagamento em prestações (em execução fiscal) formulado por "J...", para a sociedade em causa.
No que respeita à análise por parte deste SG desta notificação automática de audição prévia para reversão, tendo em atenção dos elementos que de momento se dispõe, verifica-se que a sociedade encontra-se em processo de insolvência ainda pendente no Tribunal de Comércio de Lisboa.
A informação constante do mail enviado pela DSGCT indicativa explicitamente a urgência da efectivação da reversão antes de serem os processos avocados em tribunal.
Neste sentido, independentemente das alegações produzidas na audição, sobre a imperfeição com que foi feita a dita reversão, só após o terminus do processo de insolvência se poderá avançar com a possibilidade de reversão, analisando sempre os pressupostos contidos na LGT, CPPT e nos ofícios circulados referidos.

I) Em 18-02-2012 foi proferido DESPACHO do Chefe do Serviço de Finanças, com o seguinte conteúdo:
Face aos elementos recolhidos e que serviram de base à informação supra, verifica-se que a gerência foi exercida (de facto e de direito) de 2006 a 2008, pelo requerente então responsável pela sociedade. A preparação da reversão e respectiva notificação obedeceu às disposições transmitidas pelo ofício circulado 60.091 de 27-07-2012. Qualquer outra análise sobre o assunto só será efectuada após o términus da insolvência, sem prejuízo de eventual adopção de medidas cautelares.

J) Pelo ofício de 10-01-2014 o oponente foi citado;

K) Em 12-02-2014 deu entrada a oposição;

L) Na sociedade identificada em A) o oponente era o Chefe de Tráfego, sendo quem distribuía o serviço (inquirição da testemunha);

M) O oponente tinha a capacidade profissional, nos termos do DL n° 257/2007, de 16/07;

N) Quem resolvia os problemas da empresa e a quem se tinha de pedir dinheiro dos pagamentos era ao Sr. F... (inquirição da testemunha).

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos levados ao probatório e na inquirição da testemunha.

Da inquirição da testemunha F... resultou o seguinte:

O Sr. J... trabalhava na empresa J..., com sede em Lisboa, tinha como funções chefe de tráfego. Não o conheci como patrão. Quando as coisas não andavam bem na empresa eu falava com o Sr. J... e ele falava que tinha de falar com o chefe que era o Sr. F.... Era com o Sr. F... que tinha de resolver os problemas, pedir dinheiro, problemas que ainda hoje tenho alguns, tenho cerca de quarenta e tal mil euros para receber. Esteve muitas vezes nas instalações da empresa, com escritórios em Telheiras, para falar com o Sr. F.... O Sr. J... estava numa sala com outros trabalhadores e o Sr. F... tinha um gabinete à parte. O Sr. F... era o homem do dinheiro, o que fazia os pagamentos. O chefe de tráfego era quem distribuía o serviço. Chamava chefe ao Sr. F.... Quem tinha capacidade profissional era o Sr. J... que estava a dar capacidade profissional à empresa J.... Para se dar capacidade profissional a uma empresa de transporte de mercadorias por conta de outrem tem de ser gerente. Soube que o Sr. F... não tinha capacidade profissional quando as coisas ficaram mal.»

De direito

Em sede de aplicação de direito a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a oposição por considerar verificada a preterição de formalidade essencial da audição prévia (reversão) e absolveu o oponente da instância.

Para assim decidir, considerou o Mmo. Juiz a quo, relativamente à decisão de reverter a divida exequenda contra o oponente que «… não há qualquer justificação para que fosse tomada uma decisão final sem ouvir a prova oferecida ou sequer dar qualquer explicação para a falta de pronúncia, esse procedimento "que, é, pois, manifestamente ilegal porque desrespeitador da lei e dos direitos de defesa do revertido».

Inconformada a Fazenda Publica vem invocar “… errada apreciação da prova existente, sobretudo documental e que a partir daí fez, salvo melhor entendimento e com o devido respeito, uma errada apreciação de direito dos factos.” – concl. V

Considera que “… face ao fim visado por tal formalidade - direito de audição, o despacho decisório a proferir nessa sede, não constituirá caso julgado senão perante a caducidade do exercício de qualquer meio de defesa legalmente previsto em sede de citação.” – concl. IX

Por seu lado o recorrido, começou por arguir na petição inicial que “[A]ao decidir-se pela reversão da divida para o responsável subsidiário sem tomar em consideração a prova apresentada pelo contribuinte, o Chefe do Serviço de Finanças não apreciou os factos novos carreados para os autos o que determinou a preterição de uma formalidade legal que inquina a decisão proferida.”

Dito isto e antes de encetarmos a apreciação da situação em recurso importa recordar que, conforme supra deixamos autonomizado, a questão a apreciar é a de saber se a sentença recorrida errou ao decidir pela verificação da preterição de formalidade essencial consubstanciada na falta de apreciação dos argumentos e elementos probatórios apresentados em sede de direito de audição.

Vejamos.

Para aquilatar a questão que nos vem colocada importa chamar á colação os parâmetros em que se molda o instituto da reversão no âmbito do processo de execução fiscal, para o que, por facilidade, convocamos por transcrição o que se disse no acórdão deste Tribunal (TCAS) proferido em 25/05/2017 no proc. n.º 4/16.1BEBJA, que detalhadamente e ele se refere e diz assim:

“(…)
O instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título. O legislador só consagrou o instituto da reversão na execução fiscal, como alteração subjectiva da instância executiva, para possibilitar que, por essa via, se cobrem, no mesmo processo executivo, as dívidas de impostos, mesmo de quem não ocupa, inicialmente, a posição passiva na execução, por não figurar no título executivo. O que se justifica em atenção à natureza da dívida e aos interesses colectivos em jogo (o legislador concebeu a execução fiscal como um meio mais expedito e célere do que a execução comum, visando a cobrança coerciva das dívidas fiscais), e à certeza e liquidez destas dívidas, atributos que não adornam, necessariamente, as dívidas não tributárias (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/2/2002, rec.25037; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/6/2011, proc.4505/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5370/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.179 e 180).
(…)” - O negrito é nosso.

Ora, o chamamento do revertido à ação executiva encontra-se regulado na Lei Geral Tributária (LGT) no regime da responsabilidade subsidiária (artigos 23.º e 24.º) devendo ser precedido de audição prévia do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão da reversão, por força do estatuído no artigo 23.º n.º 4 do diploma citado, sendo que quanto à declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão a norma impõe ainda que sejam incluídos na citação.

A exigência de audiência prévia nesta sede, tem carater de obrigatoriedade, pelo que, a sua falta, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada conforme se previa no artigo 35.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), em vigor á data dos factos.

Entende-se assim, o especial cuidado que deve revestir o chamamento o revertido à execução, já que, verificados que sejam os requisitos legais, este, vai responder, na primeira pessoa, por dividas de outrem.

A este respeito escreveu-se no acórdão do STA proferido em 09/01/2019 com o n.º 01790/14.9BELRS0670/18 o seguinte:

“(…)
5.1. De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
(…)”

Clarificada que está a importância para o revertido do instituto da reversão, é para nós óbvio, e percebe-se a importância de que se reveste a necessidade de ponderação e cuidado de que se deve socorrer o órgão de execução fiscal ao fazer uso de tal instrumento.

Como vimos essa ponderação foi legalmente acautelada em vários diplomas legais, aqui relevando, por constituir lei especial, o n.º 4 do referido artigo 23.º da LGT que nos impõe expressamente que “[A]a reversão, mesmo nos casos em que exista presunção de culpa, é precedida da audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seu pressupostos e extensão a incluir na citação”, isto é, a lei exige, declaradamente, que seja concedida ao responsável subsidiário a possibilidade de se pronunciar sobre o acto administrativo da reversão antes do mesmo ser proferido, o que, dizemos nós, corresponde à concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito, direito este, que encontra consagração no artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Com efeito, consagra o texto constitucional na norma citada que o processamento da catividade administrativa: “… assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.”

A lei ordinária, concretizou esta garantia de participação dos administrados nas decisões que lhes dizem respeito, inicialmente no artigo 100.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Dec. Lei n.º 442/91, de 15/11, em vigor à data dos factos (1), a qual foi expressamente transposta para o procedimento e processo tributário com a aprovação da Lei Geral Tributária (LGT) (2) - artigo 60.º - e mais depois no CPPT (3) – artigo 45.º.

Concluímos em suma que o instituto da reversão se encontra abarreirado e o eventual revertido protegido pela garantia da participação na decisão, ou seja pelo direito de audição prévia, através do qual a entidade administrativa dá a conhecer ao potencial revertido, o projeto de decisão de contra si reverter a execução, devendo este, através da fundamentação do cato de reversão, ficar a conhecer as razões de facto e de direito que subjazem à decisão do órgão de execução fiscal ficando, deste modo, em condições de a poder impugnar por erro nos pressupostos ou qualquer outro vício.

Ora, conforme foi referido no acórdão deste TCAS proferido 25/05/2017 no processo n.º 4/16.1BEBJA e, amplamente entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais: “… o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc. 1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).

A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo, então em vigor; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437).”. – fim de citação

Dito isto, regressemos à situação que nos ocupa damos conta que OEF cumpriu as regras da notificação a que estava obrigado (ponto F) do probatório), o oponente não o nega, porém a situação controversa coloca-se quanto ao despacho de reversão.

Com efeito, tendo, o oponente reagido, desfavoravelmente perante a intenção de contra si ser revertida a divida exequenda, esta veio a concretizar-se, sem que o autor do ato (o OEF), tenha emitido qualquer pronuncia quanto aos argumentos, por si, esgrimidos. (ponto G) do probatório)


De facto, resulta da matéria assente no probatório, que nem a informação que sustentou o despacho de reversão nem mesmo o próprio despacho, se pronunciam quanto aos argumentos nem quanto à necessidade ou desnecessidade de inquirição das testemunhas arroladas, limitando-se a informação a elencar os argumentos deduzidos e o pedido, justificando a sua não apreciação pela urgência na efetivação da reversão, face ao processo de insolvência da sociedade devedora originária, pedinte no tribunal de Comércio de Lisboa.

Neste sentido diz-se na informação que antecede o despacho de reversão:
No que respeita à análise por parte deste SG desta notificação automática de audição prévia para reversão, tendo em atenção dos elementos que de momento se dispõe, verifica-se que a sociedade encontra-se em processo de insolvência ainda pendente no Tribunal de Comércio de Lisboa.
A informação constante do mail enviado pela DSGCT indicativa explicitamente a urgência da efectivação da reversão antes de serem os processos avocados em tribunal.
Neste sentido, independentemente das alegações produzidas na audição, sobre a imperfeição com que foi feita a dita reversão, só após o terminus do processo de insolvência se poderá avançar com a possibilidade de reversão, analisando sempre os pressupostos contidos na LGT, CPPT e nos ofícios circulados referidos.” – cfr. ponto H) do probatório

Por seu lado o despacho proferido sobre o requerimento apresentado pelo revertido no exercício do seu direito de audição enunciado no ponto I) do probatório, nada acrescenta ou esclarece para além do já referido na informação, tendo-se quedado com a conclusão de que “… a gerência foi exercida (de facto e de direito) de 2006 a 2008, pelo requerente então responsável pela sociedade. A preparação da reversão e respectiva notificação obedeceu às disposições transmitidas pelo ofício circulado 60.091 de 27-07-2012. Qualquer outra análise sobre o assunto só será efectuada após o términus da insolvência, sem prejuízo de eventual adopção de medidas cautelares.”. - (ponto I) do probatório).

Aqui chegados, parece-nos poder concluir do que se deixa dito, que quer a informação fundamentada quer a decisão de reversão foram praticadas face à urgência decorrente da situação de eventual decisão de insolvência da sociedade devedora e bem assim de, consequentemente, os processos poderem avocados em tribunal, relegando-se expressamente qualquer outra análise sobre o assunto para após o términus da insolvência, descartando os argumentos apresentados pelo interessado.

Não podemos, como é obvio, acompanhar este entendimento, desde logo porque carece de absoluta proteção legal, e depois porque viola de forma grosseira o regime da reversão supra descrito.

Termos em que tendo o revertido, exercido o direito de audiência prévia, face à intenção do órgão de execução fiscal de, contra ele, reverter a execução e tendo no âmbito desse exercício apresentado um documento e requerido prova testemunhal, impunha-se à entidade administrativa a ponderasse dos argumentos invocados e bem assim a apreciação da utilidade que os referidos meios de prova poderiam apresentar para o procedimento.

Neste ponto acolhemos o que se deixou dito no acórdão do STA proferido em 19/04/2017 no processo n.º 01114/16, também enunciado na sentença recorrida, de que “[O]o direito de audição não é uma mera perda de tempo no procedimento tributário. É uma preciosa oportunidade para a Administração Tributária, que prossegue apenas interesses de legalidade estrita, avaliar as situações concretas, tão cedo quanto possível de molde a garantir que cobra eficazmente tudo o que é devido e apenas o que é devido, seguindo um processo justo, equitativo e eficiente. Não serve apenas para que o revertido lance no papel algumas desculpas mas para que se demonstre que responderá por dívidas que ele podia e devia ter conseguido pagar por recurso aos bens da originária devedora se eficazmente administrados, como é dever de qualquer gerente. Não há qualquer justificação neste processo para tomar uma decisão final sem ouvir a prova oferecida, nem foi dada qualquer explicação para esse procedimento que, é, pois, manifestamente ilegal porque desrespeitador da lei e dos direitos de defesa do revertido.”

E como ali, concluímos que a sentença recorrida que assim entendeu fez uma adequada interpretação e aplicação da lei aos factos, e que o despacho que determinou o prosseguimento dos autos para reversão padece de vício de forma, por preterição de formalidade essencial, nos termos enunciados no n.º 7 do artigo 60.º da LGT, uma vez, que não emitiu pronúncia sobre os argumentos e elementos de prova aduzidos pelo revertido em sede de direito de audição.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 25 de março de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol]


Hélia Gameiro Silva
(com assinatura eletrónica)

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(1) Hoje artigo 80.º do novo CPA aprovado pelo artigo 1.º do Dec.Lei n.º 4/2015 de 07/01, em vigor na ordem jurídica desde 07/04/2015 (90 dias após a publicação) – artigo 9.º do mesmo DL.
(2) Aprovada pelo Dec. Lei n.º 398/98, de 17/12
(3) Aprovado pelo Dec-Lei n.º 433/99 de 26/10