Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1919/10.6 BESNT
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/21/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO. NULIDADE PROCESSUAL DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL.
PRESSUPOSTOS DA CONVOLAÇÃO DA FORMA DE PROCESSO.
NÃO APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO, POR HAVER UM OBSTÁCULO A TAL CONHECIMENTO.
CONVOLAÇÃO DO PROCESSO NA FORMA DE ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
NULIDADES PROCESSUAIS.
NULIDADES PROCESSUAIS SECUNDÁRIAS. REGIME DE ARGUIÇÃO.
NÃO CHAMAMENTO AO PROCESSO DO REPRESENTANTE DA A. FISCAL ADEQUADO.
NULIDADE PROCESSUAL.
ACÇÕES ADMINISTRATIVAS ESPECIAIS.
Sumário:1. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.

2. No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).

3. A análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário).

4. A possibilidade de convolação da forma de processo pressupõe que todo o processo passe a seguir a tramitação adequada, sendo que o pedido formulado no final do articulado inicial constitui um dos elementos que se deve adequar à nova forma processual a seguir. Por outro lado, a manifesta extemporaneidade do articulado em exame também constitui óbice à convolação.

5. No que concerne aos actos proferidos em processo gracioso de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa, a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Se no acto praticado em processo desse tipo não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como seja a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou recorrente), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no artº.97, nº.2, do C.P.P.T., pois se tratará de um acto que não aprecia a dita legalidade de uma de liquidação.

6. As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil). As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.

7. Tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Mais, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição da nulidade neste último.

8. Especificamente, o não chamamento ao processo do representante da A. Fiscal adequado implicará nulidade processual de todos os actos posteriores ao articulado inicial. Será o caso da intervenção do Representante da Fazenda Pública em acções administrativas especiais, nas quais se aplicam as regras sobre processo nos tribunais administrativos (cfr.artº.97, nº.2, do C.P.P.T.).

9. No caso dos autos, a acção administrativa especial deve ser instaurada contra o Ministério das Finanças (cfr.artº.10, nº.2, do C.P.T.A.), dado que o órgão autor do acto integra a orgânica do referido Ministério, a Sub-Directora Geral dos Impostos (cfr.artº.14, nº.3, da Lei Orgânica do Ministério das Finanças - dec.lei 117/2011, de 15/12).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, deduziu salvatério tendo por objecto a sentença proferida a fls.133 a 141 do processo, pelo T.A.F. de Sintra, a qual julgou procedente a presente acção administrativa especial (inicialmente instaurada como processo de impugnação, mas, posteriormente, convolada na forma processual actual, por despacho prévio à sentença, exarado a fls.132 e 133 do processo), tendo por objecto despacho de indeferimento do recurso hierárquico, interposto da decisão de indeferimento de reclamação graciosa, apresentada com fundamento em erro na entrega de imposto superior ao devido, respeitante a retenção na fonte em sede de I.R.C.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.162 a 173 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso vem interposto contra a decisão proferida em 1ª instância por sentença de 28/10/2016, que condenou a AT ao pagamento da importância € 25.533,40 à autora a título de reembolso de imposto indevidamente entregue nos Cofres do Estado;
2-A ora recorrente pede a que sentença recorrida seja declarada nula por preterição do seu direito de defesa, com a consequente anulação de todo o processado posterior à petição inicial;
3-Subsidiariamente, caso assim não se entenda, pede vem a AT suscitar a inidoneidade da acção administrativa especial para conhecer da pretendida ilegalidade da retenção na fonte de imposto e consequente condenação da AT a restituir o imposto acrescido de juros indemnizatórios;
4-Caso assim não se entenda, subsidiariamente, a AT pede a anulação da sentença por erro de julgamento da questão de mérito, quanto aos factos e quanto ao direito;
Da nulidade da sentença por preterição do seu direito de defesa e anulação do processado posterior à petição inicial
5-A convolação dos autos na forma de processo adequada devia ter determinado a anulação de todo o processado a partir da petição inicial uma vez que a representação da administração tributária deixou de competir ao Representante da Fazenda Pública, passando a competir ao Director-Geral dos Impostos, dando assim oportunidade à apresentação da contestação pela entidade competente, o que não sucedeu no caso vertente;
6-O processo judicial de impugnação está sujeito ao regime processual contido no Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cabendo ao Representante da Fazenda Pública - que nos tribunais tributários de 1ª instância é o Director de Finanças – a competência para representar a administração tributária e, consequentemente, oferecer contestação (artigo 15.º, n° 1 do CPPT);
7-Diferentemente sucede na acção administrativa especial, sujeita ao regime processual contido no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na qual deverá ser citada, ao abrigo do disposto no artigo 81º desse diploma legal, a Entidade Demandada (Subdirector-Geral dos Impostos), que para o efeito designa um jurista para contestar a acção nos termos do art. 10º e 11º do CPTA;
8-Ora, os autos em apreço foram convolados em acção administrativa especial, com fundamento em erro quanto à forma do processo, depois de a Fazenda Pública ter sido citada da impugnação judicial e apresentado a sua contestação e depois de, em despacho saneador, o Tribunal ter julgado procedente a excepção do caso decidido e consequente caducidade do direito de acção;
9-Deste modo, a entidade demandada viu preterido o seu direito de defesa nos autos, quer porque não foi citada para contestar a petição inicial, quer ainda porque não foi notificada da decisão que sob o título de despacho saneador foi proferida a fls. 107 dos autos julgando improcedente a intempestividade da reclamação graciosa e, desta forma, conhecendo a questão de mérito da presente acção;
10-Nos termos supra expostos, deverá ser anulado todo o processado posterior à petição inicial, incluindo a sentença ora recorrida, com fundamento na sua nulidade, nos termos da alínea a) do art. 187º do CPC;
Excepção dilatória de inidoneidade do meio processual
11-Caso assim não se entenda, subsidiariamente, vem a AT suscitar a inidoneidade da acção administrativa especial para conhecer da pretendida ilegalidade da entrega de imposto retido na fonte a título definitivo e consequente condenação da AT a restituir o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios;
12-Dispõe o art. 97º, nº 1 do CPPT, que o processo judicial tributário compreende, entre outros, a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, conforme respectiva alínea a), bem como a impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, conforme respectiva alínea d);
13-Continua aquele normativo legal, na alínea p) do seu nº 1 o no seu nº 2 que relativamente aos actos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, e cuja impugnação não seja o meio processual especificamente indicado (por exemplo os actos de fixação da matéria colectável, quando não haja lugar à liquidação, cfr. art. 97º, nº 1, al. b); actos de fixação de valores patrimoniais, art. 97º, nº 1 al. f), etc), o mesmo é susceptível de recurso contencioso, regulado pelas normas do CPTA, mais concretamente, por força do disposto no art. 191º do CPTA, de acção administrativa especial, agora acção administrativa;
14-Atendendo, justamente, ao conteúdo dos actos contra os quais a ora recorrida reage, constata-se que os mesmos não se pronunciaram quanto ao mérito do pedido, ou seja, a AT não se pronunciou quanto à legalidade da retenção na fonte praticada pela ora recorrida;
15-Assim, escapa à economia do presente meio processual a possibilidade de apreciação da legalidade da retenção na fonte, a qual só pode ser sindicada através de impugnação judicial, conforme dispõe expressamente o art. 97º, nº 1, alínea a) do CPPT;
16-Quer isto dizer, justamente, que o presente meio processual é adequado apenas a sindicar a questão da intempestividade da reclamação graciosa deduzida ao abrigo do art. 132º do CPPT para efeitos de manter o acto administrativo em causa ou, pelo contrário, condenar a AT a apreciar o mérito daquele pedido por entender que o mesmo se afigura tempestivo;
17-Em síntese, a AT nada tem a opor à adequação do presente meio processual como meio de reacção idóneo contra o aludido acto de indeferimento liminar, nos termos da alínea p) do nº 1 e nº 2 do art. 97º do CPPT, uma vez que o mesmo não chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação controvertido em virtude de a intempestividade do pedido apresentado pela A. obstar a esse conhecimento;
18-Termos em que deverá a entidade demandada, na parte do pedido para anulação da autoliquidação de imposto e sua restituição acrescida de juros indemnizatórios, ser absolvida da instância, com fundamento em inidoneidade do presente meio processual;
Erro de julgamento quanto aos factos e quanto ao direito
19-Caso assim não se entenda, subsidiariamente, vem a AT pedir a revogação da sentença por erro de julgamento quanto aos factos e quanto ao direito;
20-Compulsado o teor da sentença, verifica-se que quanto à matéria de facto, concluiu o Tribunal “a quo” que “a empresa americana não obteve aquele rendimento (o que se afere pela anulação da factura e emissão da nota de crédito para anulação da mesma) (…), o que se sustenta no nº.7 do respectivo probatório;
21-Esta factualidade afigura-se de importância central para a decisão da causa, uma vez que não é indiferente que a autora tenha retido imposto sobre rendimentos pagos, com enquadramento legal no nº 4 do art. 132º do CPPT, cabendo a legitimidade para reclamar e impugnar à sociedade que sofreu a retenção e, por consequência, sofreu o prejuízo decorrente da entrega daquela importância ao Estado;
22-Ou que a Autora tenha entregue imposto que nunca chegou a reter porque o rendimento não foi pago nem era devido, com enquadramento legal no nº 1 do art. 132º do CPPT;
23-A nota de crédito não é susceptível de, por si só, atestar que o rendimento não foi pago, para o que se impunha uma prova documental ao nível da contabilidade dos intervenientes, o que não tendo ocorrido fere de insuficiência a prova quanto aos factos com interesse para a boa decisão da causa, atendendo também aos enquadramentos legais supra referidos;
24-Termos em que deverá a sentença ser revogada na entidade demandada ser absolvida do pedido por falta de prova do alegado.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal foi notificado nos termos do artº.146, nº.1, do C.P.T.A. (cfr.fls.189 dos autos), nada tendo expendido.
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.136 a 138 dos autos - numeração nossa):
1-Em Janeiro de 2006, foi recepcionada pela impugnante, “A…… . …… …, L.da.”, da parte da Division of A….. V….., Inc., a factura n.º72…., datada de 12/01/2006, no valor de 218.750 dólares americanos, para pagamento de “royalties”, referentes ao período de Janeiro a Março do ano de 2006 (cfr.documento junto a fls.5 do processo de reclamação graciosa apenso);
2-Sobre o valor da factura referida no número anterior do probatório, foi efectuada uma retenção na fonte, à taxa de 15%, no valor de 27.814,27 euros (cfr.documento junto a fls.7 do processo de reclamação graciosa apenso);
3-A 20/03/2006, o valor da retenção na fonte a que se refere no número anterior do probatório, foi entregue nos cofres do Estado (cfr.documentos juntos a fls.7, 9 e 18 do processo de reclamação graciosa apenso);
4-Em Agosto de 2006 foi recepcionada pela impugnante, da parte da mesma empresa Division of Apparel Ventures, Inc A….. V….., Inc. - a factura n.º76……, datada de 08/03/2006, no valor de 218.750 dólares americanos, para pagamento de “royalties”, referentes ao período de Janeiro a Março do ano de 2006 (cfr.documento junto a fls.11 do processo de reclamação graciosa apenso);
5-Sobre o valor da factura referida no número anterior do probatório, foi efectuada uma retenção na fonte, à taxa de 15%, no valor de 25.533,04 euros (cfr.documento junto a fls.13 do processo de reclamação graciosa apenso);
6-A 20/10/2006, o valor da retenção na fonte a que se refere o número anterior do probatório, foi entregue nos cofres do Estado (cfr.documentos juntos a fls.13, 15 e 18 do processo de reclamação graciosa apenso);
7-A 25/07/2007, a empresa Division of A….. V….., Inc emitiu a nota de crédito n.º………, no valor de 218.750 dólares americanos, para anulação de factura n.º76….., a que se refere o número quatro do probatório (cfr.documento junto a fls.17 do processo de reclamação graciosa apenso);
8-A 22/12/2008, a impugnante apresentou reclamação graciosa, na qual solicitou o reembolso de 25.533,04 euros, por retenção de imposto indevida devido a erro de duplicação de facturas sobre a mesma prestação de serviços do período de Janeiro a Março de 2006, referindo-se às facturas identificadas nos nºs.1 e 4 supra (cfr.articulado inicial junto a fls.2 e 3 do processo de reclamação graciosa apenso);
9- Por ofício n.º10…….., datado de 25/11/2009, da Divisão de Justiça Administrativa, da Direcção de Finanças de Lisboa, a impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação a que se refere o número oito do probatório, com fundamentação do seguinte teor: “(…) não havendo erro por entrega de imposto superior ao retido, não há legitimidade para ser devolvido à reclamante o valor de € 25.533,04, solicitado na presente petição (…)”
(cfr.documentos juntos a fls.28 a 33 do processo de reclamação graciosa apenso);
10-A 28/12/2009, a impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão a que refere o número anterior, com os mesmos fundamentos apresentados na reclamação graciosa (cfr.articulado inicial junto a fls.4 e 5 do processo de recurso hierárquico apenso);
11-Por ofício n.º07………, datado de 07/09/2010, foi o autor notificado da decisão final de indeferimento do recurso hierárquico, provinda da Sub-Directora Geral dos Impostos, a que se refere o número anterior do probatório, com fundamentação do seguinte teor:
“(…)
O prazo de dois anos para reclamar nos termos do n.º3 do artigo 132.º do CPPT, deve-se contar efectivamente a partir da entrega nos cofres do Estado do imposto que se reclama e não como pretende o sujeito passivo do fim do ano a que o mesmo imposto diz respeito por alusão ao seu facto gerador. Reportando-nos ao caso em referência, o sujeito passivo entregou indevidamente ao Estado o montante de imposto de 25.533,04 €, em 20.10.06. Assim sendo, o prazo de dois anos que dispunha para reclamar, começou-se a contar impreterivelmente a partir dessa data tendo terminado em 20.10.08. Tendo o sujeito passivo apresentado a sua reclamação graciosa em 22/12/2008, verifica-se estar a mesma nitidamente fora de prazo (…)”
(cfr.documentos juntos a fls.19 a 22 do processo de recurso hierárquico apenso);
12-A 07/12/2010, deu entrada no 1º. Serviço de Finanças de Cascais a petição inicial da presente acção (cfr.data aposta a fls.5 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “… Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e ao Processo Administrativo Tributário, conforme se indica em cada alínea do probatório…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
13-A presente acção, a qual foi instaurada como processo de impugnação, tem como objecto imediato a decisão de indeferimento de recurso hierárquico identificada no nº.11 supra, mais terminando o articulado inicial com os seguintes pedidos (cfr.documento junto a fls.5 a 14 do processo):
a)Que a reclamação graciosa apresentada em 22/12/2008 o foi dentro do prazo previsto no artº.132, nº.3, do C.P.P.T., assim se devendo revogar a decisão de indeferimento do recurso hierárquico;
b)Que se condene a A. Fiscal ao reembolso à autora do valor de € 25.533,04, acrescido de juros à taxa legal.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar procedente a presente acção e, em consequência, condenou a Fazenda Pública ao reconhecimento do direito ao reembolso de € 25.533,04 à autora, acrescido de juros à taxa legal, nos termos do artº.43, nº.1, da L.G.T.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante aduz, em primeiro lugar, que se verifica a excepção dilatória de inidoneidade do meio processual, na parte do pedido de anulação da autoliquidação de imposto e sua restituição acrescida de juros indemnizatórios, assim devendo ser absolvido da instância (cfr.conclusões 11 a 18 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, uma nulidade processual de conhecimento oficioso que se consubstancia no erro na forma do processo.
Dissequemos se o processo padece de tal vício.
Releve-se que a análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6862/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.5361/12; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág.344).
No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/2/2012, rec.441/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2012, proc.4704/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.5361/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.88 e seg.).
Por último, recorde-se que a possibilidade de convolação da forma de processo pressupõe que todo o processo passe a seguir a tramitação adequada, sendo que o pedido formulado no final do articulado inicial constitui um dos elementos que se deve adequar à nova forma processual a seguir. Por outro lado, a manifesta extemporaneidade do articulado em exame também constitui óbice à convolação.
Revertendo ao caso dos autos, desde logo, se deve vincar que o presente processo tem por objecto o acto de indeferimento de recurso hierárquico, devido a extemporaneidade da anterior reclamação graciosa, identificado no nº.11 do probatório, apesar de ter sido instaurado como processo de impugnação (cfr.nº.13 da matéria de facto provada).
Ora, no que concerne aos actos proferidos em processo gracioso de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa, a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Se no acto praticado em processo desse tipo não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como seja a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou recorrente), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no artº.97, nº.2, do C.P.P.T., pois se tratará de um acto que não aprecia a dita legalidade de uma de liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/05/2003, rec.305/03; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.54).
De acordo com a jurisprudência e doutrina acabadas de referir, com as quais concordamos, deviam os presentes autos ter seguido a forma de processo de acção administrativa especial, assim se verificando uma situação de erro na forma do processo, nulidade processual de conhecimento oficioso.
Conforme se constata do exame do processado em 1ª. Instância, o T.A.F. de Sintra, em despacho prévio à sentença e exarado na mesma data, já convolou o processo para a forma de acção administrativa, dado concluir que se encontravam reunidos os pressupostos para tal (cfr.despacho exarado a fls.132 e 133 dos autos).
Este Tribunal, atento tudo o acabado de expor, confirma o despacho exarado a fls.132 e 133 do processo, em consequência do que nega provimento ao presente esteio do recurso.
O recorrente discorda do decidido sustentando, igualmente e em síntese, que a convolação dos autos na forma de processo adequada devia ter determinado a anulação de todo o processado a partir da petição inicial uma vez que a representação da administração tributária deixou de competir ao Representante da Fazenda Pública, passando a competir ao Director-Geral dos Impostos, dando assim oportunidade à apresentação da contestação pela entidade competente, o que não sucedeu no caso vertente. Que deverá ser anulado todo o processado posterior à petição inicial, incluindo a sentença ora recorrida, com fundamento na sua nulidade (cfr.conclusões 5 a 10 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar a preterição de uma formalidade legal e consequente existência de uma nulidade processual no âmbito dos presentes autos.
Deslindemos se o presente processo padece de tal vício.
Abordando as nulidades processuais, dir-se-á que as mesmas consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6393/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.79).
As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
Mais, tratando-se de irregularidade anterior à decisão final, a sua arguição deve ser efectuada junto do próprio Tribunal recorrido, em consonância com o preceituado no citado artº.199, do C.P.Civil. Por outro lado, as irregularidades não qualificadas como nulidades principais ou de conhecimento oficioso (cfr.artº.98, do C.P.P.T.) ficam sanadas com o decurso do prazo em que podem ser arguidas, o que significa que tudo se passa como se elas não tivessem sido praticadas. Por último, se o interessado, além de pretender arguir a nulidade processual, quiser também interpor recurso da decisão que foi proferida, deverá cumulativamente apresentar requerimentos de arguição da nulidade e de interposição de recurso, não podendo fazer a arguição das ditas nulidades neste último (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,14/5/2013,proc.6018/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7308/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.86 e seg.).
Especificamente, o não chamamento ao processo do representante da A. Fiscal adequado implicará nulidade processual de todos os actos posteriores ao articulado inicial. Será o caso da intervenção do Representante da Fazenda Pública em acções administrativas especiais, nas quais se aplicam as regras sobre processo nos tribunais administrativos (cfr.artº.97, nº.2, do C.P.P.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 803/2018, proc. 541/14.2BELRA; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.202 e 209).
Revertendo ao caso dos autos, estamos perante acção administrativa especial que tem por objecto despacho acto de indeferimento de recurso hierárquico, devido a extemporaneidade da anterior reclamação graciosa (cfr.nºs.11 e 13 do probatório).
Ora, esta acção administrativa especial deve ser instaurada contra o Ministério das Finanças (cfr.artºs.10, nº.2, e 11, do C.P.T.A.), dado que o órgão autor do acto integra a orgânica do referido Ministério, a Sub-Directora Geral dos Impostos (cfr.artº.14, nº.3, da Lei Orgânica do Ministério das Finanças - dec.lei 117/2011, de 15/12 [1]).
Dentro do Ministério das Finanças, a Autoridade Tributária e Aduaneira é a entidade competente para o representar em Juízo (cfr.artº.14, nº.2, al.i), da Lei Orgânica do Ministério das Finanças - dec.lei 117/2011, de 15/12).
De onde se extrai, como consequência e no caso “sub judice”, que o acto de notificação da Fazenda Pública nos termos do artº.110, do C.P.P.T. (cfr.despacho e notificação constantes de fls.48 a 50 dos autos) para os termos do presente processo, enquanto impugnação judicial, ao chamar aos autos entidade distinta daquela que assegura a legitimidade passiva nos mesmos (Ministério das Finanças - Autoridade Tributária e Aduaneira), não pode ser aproveitado, na sequência da convolação dos autos em acção administrativa especial, sem preterição da proibição de indefesa em que ficaria colocada a entidade titular da relação material controvertida, pelo lado passivo da mesma.
Em face do exposto, ocorre nulidade processual, por falta de citação da verdadeira entidade demandada nos autos, o que acarreta a nulidade do processado posterior à apresentação da petição inicial (cfr.artºs.187, al.a), e 188, nº.1, al.b), do C.P.Civil), bem como a necessária citação do Ministério das Finanças, para os termos da acção e de acordo com o disposto no artº.82, do C.P.T.A.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o presente esteio do recurso (desnecessário se tornando o exame do último) e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime previsto nos artºs.10, nº.2, e 11, do C.P.T.A., “ex vi” do artº.97, nº.2, do C.P.P.T., ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, ANULANDO TODO O PROCESSADO POSTERIOR AO ARTICULADO INICIAL, mais ordenando a citação do Ministério das Finanças, para os termos da acção e de acordo com o disposto no artº.82, do C.P.T.A.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 21 de Junho de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)


[1] (redacção da Lei 89/2017, de 21/8).