Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:747/19.8BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS: LITÍGIOS RELATIVOS À VENDA EXECUTIVA FISCAL.
DILIGÊNCIAS DE DESOCUPAÇÃO DO PRÉDIO VENDIDO.
ALTERAÇÕES E MODIFICAÇÕES DA DESCRIÇÃO MATRICIAL.
Sumário:I ) Insere-se no âmbito da competência material dos Tribunais Tributários, a apreciação dos litígios relativos a desocupação do prédio vendido em execução fiscal, face ao uso da força pública para o efeito, nos casos em que se invoca que o mesmo constitui habitação própria do executado.

II) Nos mesmos termos, os litígios relativos a quaisquer incorrecções relativas a inscrição matricial do prédio vendido , nomeadamente quanto às modificações da sua composição e da sua descrição , podendo reclamar das matrizes prediais, demandando os Tribunais Tributários , como forma de garantir o acesso às vias judiciais adequadas a ver apreciada a sua pretensão quanto aos litígios compreendidos no âmbito da jurisdição administrativa-fiscal ( cfr artº 4º, do ETAF).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório

A….. vem deduzir recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que declarou o TAF de Loulé materialmente incompetente para conhecer dos pedidos formulados pelo Reclamante, aqui Recorrente, i.e.: a revogação do despacho que determinou a diligência de arrombamento e concretização da efetiva desocupação do prédio misto sito em Vale da Rosa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º ….., ocorrido no âmbito do processo de execução fiscal n.º ….. (e apensos), do Serviço de Finanças de Faro; a atualização da área devidamente correta do prédio vendido; a desanexação da parcela em causa e a declaração de propriedade do Reclamante por usucapião. Mais, aquela sentença, determinou a absolvição da Fazenda Pública da instância como sua consequência.

Para o efeito, o Reclamante, aqui recorrente, apresentou as seguintes conclusões:

“A) Ao invés do doutamente decidido, o tribunal recorrido é materialmente competente para julgar o litígio sub iudice, tendo em conta a relação material controvertida, configurada pelo reclamante/recorrente na causa de pedir e os pedidos formulados.

B) O presente processo teve origem numa Reclamação, apresentada pelo ora recorrente, ao órgão de execução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 276º do CPPT.

C) Reclamação esta que tem por objeto o despacho em que se designa data para diligência de arrombamento e concretização de desocupação do imóvel objeto do litígio. “próximo dia 27 de Novembro do corrente de 2020, pelas 10.00 horas, para diligência de arrombamento e concretização efetiva desocupação do imóvel, tendo em vista a entrega do bem ao adquirente, do prédio misto sito em Vale da Rosa, descrito na Conservatória do Registo Predial competente (Faro) sob o nº …..da freguesia de Estoi.”

D) No dia 21 de Outubro de 2019, o ora reclamante deslocou-se ao Serviço de Repartição de Finanças de Faro, para entrega de cópia das chaves do urbano conforme termo de recebimento junto aos autos.

C)Com a entrega das chaves deu o reclamante todo o imóvel objeto da venda totalmente desocupado.

D)No dia 8 de Novembro de 2019, o reclamante/recorrente declarou nos autos, que os seus pais, no início dos anos 80 adquiriram verbalmente ao senhor L….. e mulher uma parcela de terreno com área aproximada de 400m2, para servir de desafogo á casa de habitação destes (hoje artigo ….. anterior artigo ….. e …..).Compra nunca foi reduzida a escrito, tendo os seus alienantes, L….. e mulher, já falecido.

E)Foi neste bocado de terreno que os pais do ora reclamante/recorrente, começaram a praticar pequena agricultura de subsistência (batatas, couves, favas, griséus, entre outros), tendo também lá plantado um limoeiro, laranjeiras, tangerineiras etc., e, construíram na mesma parcela galinheiros e uma pocilga.

F)Tendo sido construído igualmente na primeira metade da década de oitenta do século passado, uma edificação que servia de armazém, com cerca de 60m2, o qual faz ligação interior com a casa do forno, que faz parte do urbano supra mencionado atual artigo ….., da freguesia Conceição e Estoi, que constitui residência do seu pai irmão e cunhada.

G)Embora não conste do auto de recebimento, surgiram só no dia 11 de Julho de 2019, divergência relativamente á área e aos limites do prédio vendido. Em que,

H)O adquirente pela primeira vez alvitrou, que a referida parcela fazia parte integrante do prédio por si adquirido, com todas as edificações.

I) O reclamante, opôs-se de imediato a tal pretensão tendo dito e defendido que a referida parcela não fazia parte integrante do prédio rústico, uma vez que os seus pais tinham adquirido o mesmo no início dos anos 80 ao L….. e mulher.

J)E que ele quando adquiriu o dito prédio (artigo …..secção AP) já essa parcela não era de fato e de direito parte integrante no mesmo. Embora

K)Ao proceder à desocupação do prédio vendido, o reclamante procedeu à delimitação da referida parcela tendo colocado uma rede a delimitar a parcela do prédio adquirido pelo adquirente.

L)O adquirente recusa-se conforme se verifica no auto de verificação datado de 23 de Outubro de 2019, junto aos autos, a receber o prédio alegando que o mesmo não se encontra integralmente desocupado. Sem qualquer razão.

M) Nem a descrição registral nem dos artigos matriciais do prédio vendido, constam as construções edificadas na parcela em causa, sendo que o armazém que aparece na descrição registral do misto vendido fica contiguo à oficina (servia de apoio a esta) a poente desta e a nascente das cavalariças. E,

O) Todas estas construções juntamente com parte habitacional (estavam, ligadas / contiguas entre si) constituindo um único bloco construtivo, executado pelo reclamante/recorrente, embora não tivessem sido construídas em simultâneo. Ao passo que,

P) As construções existentes na parcela aqui em discussão, foram, umas construídas, ainda pelos pais do ora reclamante, outras por este, constituindo um bloco construtivo completamente diferente e separado do outro (artigo …..). Que distam desta cerca de 15m. Situam-se a sul do prédio urbano vendido, a cerca de 15m.

Q) Entende o reclamante/recorrente, que não corresponde á verdade, pois entregou o prédio em causa objeto de venda totalmente desocupado.

R) Entende o recorrente/ reclamante, que não corresponde á verdade, pois entregou o prédio em causa objeto de venda totalmente desocupado.

S) De realçar que aquando da compra e venda por parte do executado/reclamante ao L….., artigo ….. secção AP, o prédio tinha a área de 4.790m2, conforme se pode verificar da cópia da caderneta rústica junta aos autos.

T) Posteriormente o referido prédio ….. secção AP deu origem ao artigo ….. secção AP, com área de 4.867m2 (descoberta 4335m2 e coberta 532m2) conforme cópia da certidão da conservatória do registo Predial de Faro, junto aos autos.

U) No entanto, o ora adquirente junta na repartição de Finanças um levantamento topográfico onde a área total do prédio é de 5175m2.

V) Pelo que, não pode este levantamento fazer fé nos presentes autos, por exceder em muito a área do prédio misto ora vendido, ou seja a área total de 4.867m2, que resulta da presunção registral da descrição nº ….., da Conservatória do Registo Predial De Faro, junto aos autos.

W) Mas, como resulta do supra exposto até esta presunção registral não corresponde á verdade uma vez que nela se encontra inserida a parcela em causa. Sendo que, as descrições dos prédios registados nas conservatórias, embora criem presunção de titularidade delas constantes, por vezes não asseguram a sua conformidade á realidade

X) O reclamante / recorrente entregou e bem, o prédio misto á repartição de Finanças de Faro, livre e devoluto de pessoas e bens, objeto da venda.

Y)O adquirente reclama que parte do prédio não se encontra desocupado, o que com devido respeito não corresponde á verdade.

Z) E, é nessa parte do prédio que o adquirente reclama, que se encontra o falado armazém, o qual constitui atual residência do reclamante e de sua mulher desde que, desocuparam o prédio vendido e que não faz parte do prédio vendido e nem consta no anúncio/edital do prédio vendido.

Por outro lado,

AA) O despacho da administração reclamado designou o dia 27 de Novembro de 2019, para diligência de arrombamento e concretização efetiva da desocupação com auxílio das forças policiais.

BB) Alicerça o órgão de execução fiscal a sua posição em documentos cadastrais, matriciais que não constituem prova cabal. Pois, no caso de desacordo dos proprietários confinantes face aos delimites dos prédios não tem força probatória plena, valem apenas para efeitos fiscais.

CC) Relativamente á utilização do recurso ao auxílio das forças policiais, dado estar em causa a atual precária habitação do recorrente e sua mulher, o mesmo salvo melhor opinião, carece de prévio despacho judicial nesse sentido. Pois,

DD) Ao não fazê-lo em nossa modesta opinião o douto despacho, viola, nomeadamente, o artigo 34º nº 2 da CRP e o artigo 757 nº 4 do CPC, aplicado ex. vide artigo 2 aliena e) do CPPT.

EE) Isto é, quando para concretizar a entrega haja necessidade de arrombamento de portas de local que seja utilizado como habitação, não se poderá dispensar a intervenção do tribunal, por força do disposto no artigo 34º nº 2 do CRP. Na verdade, por força do nº 2 do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa “ entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei.”

FF) Veja-se nesse sentido, acórdãos do STA de 20/11/201 e da TAC do Sul de 18/09/2014, processos números 0631/10 e 07035/13 respetivamente.

GG) No mesmo sentido, veja-se doutrina Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Tributário, Anotado e Comentado, Volume IV, 6º Edição, 2011, Áreas Editora, pag. 151.

HH) Tendo em conta o disposto nas normas legais supra citadas e perante a factualidade alegada pelo reclamante/recorrente, o órgão de execução fiscal deveria ter solicitado ao tribunal despacho judicial prévio, para o auxílio das autoridades polícias, para arrombamento das portas da casa de habitação do executado o que com devido respeito não se verificou.

II) Não devendo assim o órgão de execução fiscal proceder á diligência agendada, em virtude de a parcela em causa não fazer parte do prédio vendido e na mesma estar instalada a atual habitação do reclamante/recorrente e sua esposa.

JJ) Requerendo assim o ora reclamante/recorrente que seja dado sem efeito o douto despacho. E que seja retirada/ desanexada a parcela em causa do prédio vendido em virtude a mesma não fazer parte integrante do citado prédio e seja ordenada a atualização matricial e registral do prédio vendido dado que o ora reclamante adquiriu a mesma parcela por efeito da usucapião.

KK) Requer o reclamante ora recorrente, na sua reclamação que configura, in casu, uma petição inicial que: a) seja revogado o dito despacho reclamado, dado que o reclamante entregou a totalidade do prédio vendido ao adquirente; b) seja atualizada a área devidamente correta do imóvel vendido; c) seja, a parcela em causa (400m2) desanexada do prédio vendido; d) seja, esta parcela desanexada, declarada propriedade do reclamante, por usucapião. E,

LL) Subsidiariamente, quando e se falecer algum dos pedidos supra ou todos eles, seja a reclamação suspensa até apuramento da factualidade controvertida.

MM) Recebida a reclamação, o órgão de execução fiscal, remeteu a mesma para o douto tribunal recorrido. Tendo dado origem ao processo sub iudice. O qual,

NN) Foi tramitado, tendo-se procedido a inquirição de testemunhas com prestação de prova, nomeadamente, audição de testemunhas, tal como consta da respetiva ata de fls… dos autos.

OO) No final da audição das testemunhas pelo Meritíssimo Juiz, foi proferido douto despacho a notificar as partes para as alegações por escrito, no prazo de 15 dias a partir da junção de documentos de cada uma das partes, tendo tais documentos sido juntos (cadernetas prediais atualizadas).

PP) Tendo sido tempestivamente apresentadas alegações escritas.

QQ) Pela douta sentença ora recorrida, veio o tribunal ad quo declarara-se materialmente incompetente para conhecer dos pedidos formulados pelo reclamante ora recorrente. E, em consequência, determinou a absolvição da Fazenda Pública da instância.

RR) Ao decidir como o fez, andou mal o douto tribunal recorrido, salvo melhor opinião e o devido respeito. Na verdade,

SS) Tendo em conta, as conclusões insertas na reclamação (petição inicial) do ora recorrente e o supra alegado, o litigio sub iudice emerge de uma relação jurídico administrativa turbulenta entre a administração fiscal e o ora recorrente. A qual, tem por base remota a venda executiva do imóvel do executado/ recorrente, feita em leilão eletrónico. E,

TT) Por base imediata o despacho da autoridade administrativa consubstanciado no arrombamento e concretização efetiva da desocupação do imóvel.

UU) Como supra se alega e está provado no processo, o imóvel vendido, aquando da notificação do despacho referido no artigo imediatamente anterior, já havia sido entregue pela entrega das chaves pelo ora recorrente á administração fiscal. Mas,

VV) Faltava a efetiva desocupação do imóvel. Dado que, o adquirente (contrainteressado nos presentes autos) se recusou a recebê-las pelo fato de não reconhecer que os 400m2 em questão não são parte integrante do imóvel vendido. Por outro lado,

WW) O despacho reclamado solicita o recurso ao auxílio das forças policiais para proceder ao arrombamento e entrega do bem. Pelo que, como supra se alega, em nossa modesta opinião, o despacho da autoridade administrativa, viola, nomeadamente o artigo 34º nº 2 da CRP e o artigo 757º nº 4 do CPC, aplicado ex. vi, do artigo 2º alínea e) do CPPT.

Na verdade,

XX) Tanto a norma processual civil, como a norma constitucional referidas no artigo imediatamente anterior estipulam que para a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade, só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei.

YY) No caso em apreço, o despacho reclamado não dispunha de ordem judicial para proceder á entrada do domicílio do ora recorrente e sua mulher (arrombamento). Pelo que, a douta sentença deverá ser revogada por duas ordens de razões:

A)

ZZ) Dispõe o artigo 4 do ETAF no nº 1 alínea a) o seguinte:

1.Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscais decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.

AAA) Nos termos do presente artigo dúvidas não restam que o tribunal é materialmente competente para apreciar a reclamação apresentada pelo ora recorrente.

BBB) Por outro lado, o artigo 1º, nº. 1, do ETAF preceitua que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”

CCC) No entanto no que concerne à ordem administrativa, dispõe-se no artigo 212º, nº. 3, CRP que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais”.

DDD) Resulta, assim, e desde logo, de tais comandos que o critério para aferir da competência dos tribunais administrativos deve ser o da natureza da relação jurídica concreta subjacente ao litígio, devendo essa relação jurídica assumir a natureza administrativa e o litígio que lhe subjaz situar-se no âmbito da previsão do artigo 4º do ETAF.

EEE) Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, pois, a existência de uma relação jurídica administrativa.

FFF) Não se mostrando fácil, a concretização de tal conceito, poder-se-á, todavia, definir a relação jurídica administrativa como aquela que, “por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração” (cfr. Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, 2001, pág. 518).

Por outro lado,

GGG) Dispõe o artigo 2º alínea j) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “A todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter: j) A condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto.

HHH) E, o artigo 4 nº 1 e 2 alínea e) do citado código menciona:

1-É permitida a cumulação de pedidos sempre que:

a) A causa de pedir seja a mesma e única ou os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nomeadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material; b) Sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

2- É designadamente possível cumular: e) O pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um ato administrativo com o pedido de reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva;

III) Dúvidas não restam que o tribunal recorrido é competente em razão da matéria para apreciar e julgar o objeto da presente reclamação ao contrário do alegado na douta sentença de que ora se recorre que menciona que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé materialmente incompetente para conhecer dos pedidos formulados pelo reclamante, ora recorrente.

JJJ) Pelas razão supra expostas o despacho reclamado emana de uma autoridade administrativa no sentido de compelir o ora recorrente a praticar um ato de desocupação do imóvel que já tinha sido entregue.

KKK) Assim não vê como é que o douto tribunal recorrido se declara incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos formulados pelo recorrente. Pedidos esses supram expostos.

B)

LLL) O douto tribunal, ao proferir sentença de absolvição da instância da fazenda pública por se declarar incompetente em razão da matéria, não se pronunciou o mesmo sobre o pedido de revogação do douto despacho, quando o mesmo constitui indubitavelmente matéria que deve ser apreciada e julgada por este tribunal, existindo omissão de pronúncia sobre este pedido, devendo declara-se a douta sentença nula.

MMM) Por outro lado, o pedido de desanexação da parcela de 400m2, do prédio em causa é uma questão ligada sem qualquer margem de dúvida ao pedido de revogação do douto despacho. Pois,

NNN) O recorrente utilizou e bem a sua argumentação e os seus pedidos em virtude de existir uma conexão entre eles.

Por outro lado,

OOO) O artigo 15º do CPTA no nº 1 menciona “que quando o conhecimento do objeto da ação dependa, no todo ou em parte de decisão de uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.”

PPP) Tendo o ora recorrente feito pedido subsidiário na reclamação para em caso, de não acolhimento dos pedidos principais, suspender a diligência até apuramento da factualidade controvertida (400m2).

QQQ) Nesse sentido o douto tribunal também não se pronunciou, existindo igualmente omissão de pronúncia.

RRR) O que leva a que a douta sentença de que ora se recorre seja nula, por violação do disposto no artigo 4 nº 1 alínea a) e artigo 15 nº 1 do ETAF bem como do artigo 2º alínea j) e o artigo 4 nº 1 alínea a)e 2 alínea e) do CPTA.

SSS) A douta sentença recorrida violou igualmente por falta de pronúncia o disposto no artigo 34º nº 2 da CRP e o artigo 757º nº 4 do CPC, aplicado ex vi, do artigo 2º alínea e) do CPPT, ao não se ter pronunciado sobre o auxilio da força policial, carecida de autorização judicial, que foi requerida pela administração fiscal tal como consta do despacho reclamado, tornado a douta sentença nula.

Termos em que com o douto suprimento de V. Exas. Colendos Juízes Conselheiros, deve a douta decisão recorrida ser revogada por douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Recurso, em que declare o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, materialmente competente para conhecer dos pedidos formulados pelo reclamante/recorrente e em consequência mandar baixar o processo para apreciação das questões suscitadas na Reclamação apresentada pelo ora recorrente. Ou, ou caso assim não entenda, requer-se que o Venerando Tribunal de Recurso profira acórdão no sentido de ordenar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie e em consequência mandar baixar o processo para o Tribunal administrativo de Loulé Só assim se deliberando se fará a Habitual Justiça!

O Contra-Interessado M….. apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

“a) A decisão recorrida não merece crítica.

b) A factualidade, direito e petitório invocados pelo reclamante na reclamação dos autos constitui uma verdadeira acção de reivindicação/demarcação de um prédio rústico.

c) Tais acções, ainda que o reclamante lhes atribua a veste de uma reclamação tributária, não estão, ao abrigo do art.º 4.º do ETAF, submetidas à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

d) Não padece, por isso, de qualquer vício nem erro a excepção de incompetência material invocada pelo Tribunal “A Quo” na sentença que proferiu.

e) À cautela, carece também de razão o reclamante nas questões que submeteu à apreciação do Tribunal “A Quo”.

f) O Reclamante contestou a extensão da penhora que a Fazenda Pública realizou sobre o prédio misto melhor identificado nos autos, argumentando, sem razão, que uma parcela de terreno com a área de 400 m2 não era parte integrante desse mesmo prédio na data da penhora, porque lhe foi doada pelos pais no início dos anos 90.

g) Tal penhora, com todas as suas características, nomeadamente a sua extensão, foi realizada no ano de 2012, num momento em que, sem qualquer dúvida, os limites do referido prédio misto estavam perfeitamente definidos pelas declarações de confrontações exaradas nas suas matrizes urbana e rústica, na sua descrição predial e nas plantas que constituem o Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica.

h) Independentemente da forma como os referidos 400,00 m2 foram adquiridos pelo reclamante, a verdade é que no momento da penhora tal parcela com 400,00m2 integrava o prédio que foi mais tarde vendido ao Contra-interessado, e estava perfeitamente harmonizada registralmente e matricialmente como sendo parte de tal prédio e propriedade do reclamante.

i) Caducou há muito o direito de reclamar do acto da referida penhora, nomeadamente de reclamar que parte uma parte do prédio penhorado não fazia parte integrante do mesmo, pois deveria o ora Reclamante ter deduzido tal reclamação, ao abrigo e nos termos do art.º 277.º, n.º 1, do CPPT, nos 10 dias seguintes à notificação que lhe foi feita da referida penhora.

j) A prova documental, prova testemunhal e declarações de parte e depoimento de parte, juntas aos autos são em sentido contrário à versão dos factos apresentada pelo reclamante.

k) O reclamante não invoca que tal parcela de terreno de 400,00 m2 não lhe pertencia na data em que o seu prédio foi penhorado, mas sim que tal parcela, sendo sua, era um prédio distinto do prédio penhorado.

l) O comum cidadão não tem o poder de, por si só, criar por sua alta recreação, novos prédios.

m) Tal parcela, fosse de quem fosse, tinha de ser parte integrante de um prédio já existente.

n) Tendo o reclamante confessado que havia adquirido tal parcela por doação de seus pais, e não lhe sendo conhecido outro prédio naquele local, então a referida parcela só poderia pertencer ao prédio que já era do reclamante, e que foi vendido ao CI.

o) Assim, é certo que tal parcela de 400, 00 m2 originalmente já fazia parte do prédio que foi penhorado ao reclamante, quer porque o próprio reclamante o confessou, quer porque todas as testemunhas por si arroladas foram peremptórias em admitir que desde inícios dos anos 90 que tal parcela já fazia parte do prédio do reclamante.

p) No ano de 2012, quando o referido prédio foi penhorado pela Fazenda Pública, tal parcela de terreno com 400,00 m2 era parte integrante do mesmo, o que só pode levar à improcedência da reclamação.

q) Aliás, em vários processos de actualização matricial e cadastral do prédio dos autos, bem como processos de obras, e que em todos o próprio reclamante declarou, muito antes de realizada a penhora dos autos, perante a Fazenda Pública e a Câmara Municipal de Faro que era o legítimo proprietário daquele prédio e que o mesmo tinha a configuração e área idêntica à actual, com os mencionados 400,00m2.

r) Assim, ainda que se considere que os Tribunais Fiscais têm jurisidição para resolver o lítigio invocado na reclamação dos autos, deverá ser declarada improcedente, por não provada, e ordenado o prosseguimento da diligência de entrega do imóvel, com os limites que lhe são conhecidos nas matrizes cadastrais.

Não padece a sentença recorrida dos vícios que lhe são imputados pelo recorrente, com o que se deve manter a douta sentença e ser ordenada a prossecução do procedimento de entrega do imóvel.

A douta sentença em crise não merece, pois, censura.

Porém, Vossas Excelências bem julgarão.”

A entidade recorrida não apresentou contra-alegações.

*

Tendo o recurso sido interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, o colendo STA, por decisão sumária datada de 22 de abril de 2021, julgou procedente a exceção de incompetência absoluta em razão da hierarquia, mais indicando como competente para tanto a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, para a qual, a final, ordenou a remessa do processo.

*

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto Parecer no qual refere que:

“A usucapião constitui um modo de aquisição originária, uma forma de constituição de direitos reais e sendo um direito subjetivo não está demonstrada qualquer interação com o Estado no exercício de jus imperii . Não se demonstra uma missão política e social e/ou o exercício da acção coerciva do Estado.

Pelo que o TAF de LOULÉ não tem poder jurisdicional para intervir .

Quanto aos pedidos conexos :

1 revogado o despacho reclamado;

2 ser actualizada a área devidamente correcta do prédio vendido;

3 ser desanexada a parcela em causa;

Carecem assim de fundamentação legal .

Salvo melhor decisão obviamente .

Inexistindo novos argumentos ou questões a apreciar , concluimos que a mui douta DECISÃO deverá manter-se na Ordem jurídica .

*

Pelo exposto sinteticamente aliás tomamos posição no sentido de que O RECURSO NÃO MERECERÁ PROVIMENTO.”

*

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

*

Foi a seguinte a fundamentação da decisão recorrida sobre a alegada incompetência material do TAF de Loulé:

“A determinação da competência do tribunal em razão da matéria é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer matéria, sendo questão de conhecimento oficioso, pelo que passaremos, desde já, a apreciar a competência material do Tribunal Administrativo para a apreciação e decisão do presente litígio [cfr. os artigos 96.º e 97.º n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

Nos termos do disposto no artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”

Em anotação a este preceito (então artigo 214.º da Lei Fundamental), Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, página 815) afirmam que estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais). “Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) As acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público; (2) As relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal.”

Dispõe, por sua vez, o artigo 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Da conjugação dos preceitos legais referidos, extrai-se a regra geral da competência residual dos Tribunais judiciais, ou seja, a mesma estará excluída se a competência para julgar a causa estiver atribuída a outra jurisdição, nomeadamente, aos Tribunais administrativos e fiscais, por ser a que importa ao caso sub judice.

Como escreve Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Volume II, página 20, “as regras determinativas da competência estão orientadas no sentido da obtenção da idoneidade do julgamento, isto é, a competência está funcionalmente ligada à determinação do tribunal mais adequado para apreciar a causa.

No seguimento da norma constitucional citada supra, dispõe o artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro -, que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”.

O artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro, passou a dispor no seu n.º 1 da seguinte forma: “1 – Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; c) Fiscalização da legalidade de actos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública; d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos; e) Validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes; f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo; g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo acções de regresso; h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público; i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime; j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal; k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas; l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias; m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal; n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de actos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração; o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.”.

É entendimento pacífico na nossa jurisprudência de que o pressuposto processual da competência em razão da matéria afere-se em função dos termos em que a acção é proposta, tanto na vertente objectiva – definida pelo pedido e pela causa de pedir -, como na vertente subjectiva, respeitante às partes, devendo partir-se do teor da pretensão deduzida pelo Autor e dos fundamentos em que assenta – cfr. entre outros, o acórdão do Tribunal de Conflitos, de 19 de Dezembro de 2012, processo n.º 20/12, disponível em www.dgsi.pt.

Atenta a petição inicial apresentada, facilmente se conclui que o Reclamante sustenta causas de pedir relacionadas com a delimitação e propriedade de uma determinada faixa de terreno, que defende ter sido adquirida por usucapião, e que considera não integrante do prédio vendido em sede de execução fiscal, cuja entrega alega que já concretizou, desocupando o mesmo.

Concretizando, a final, a título de pedido, que deve ser actualizada a área devidamente correcta do prédio vendido, ser desanexada a parcela em causa e declarada a sua, dele Reclamante, propriedade por usucapião.

Dúvidas não restam, assim, que em causa sem encontra um litígio em que estará em causa o eventual reconhecimento do direito de propriedade do Reclamante [e as consequências materiais e/ou jurídicas, desse reconhecimento, como a desanexação e actualização de área), com a invocação de causas ligadas, desde logo, ao pedido de aquisição originária de tal direito, por via do instituto da usucapião.

O reconhecimento do direito de propriedade tal como está configurado pelo Reclamante não se enquadra em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nem sequer na sua alínea o) – (alínea residual) -, pois a questão a dirimir não configura um litígio emergente de relação jurídico-administrativa.

Destarte, uma acção visando afirmar o direito de propriedade sobre uma determinada realidade, e a conformação dessa mesma realidade, é uma acção real, cuja competência é dos Tribunais comuns.

E não do presente Tribunal, por não integrar a reserva de competência deste, nos termos legais referidos.

Incompetência que se estende, tout court, à apreciação do despacho reclamado, que assentaria em apreciação de causas de pedir integrantes do pedido formulado – cfr. o acórdão do Tribunal de Conflitos, de 1 de Junho de 2017, processo n.º 2/16, disponível em www.dgsi.pt.

Assim, pelo supra exposto, o presente Tribunal Administrativo e Fiscal não é o tribunal materialmente competente para apreciar e decidir o pedido formulado na reclamação.

Sendo a incompetência material uma incompetência absoluta do Tribunal (cfr. o citado artigo 97.º do Código de Processo Civil), traduz uma excepção dilatória [cfr. o artigo 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil], conducente à absolvição da Fazenda Pública da instância [cfr. o artigo 278.º, n.º 1, alínea a), e artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil].”

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Cumpre assim conhecer da alegada omissão de pronúncia invocada pela recorrente, em razão da reclamação deduzida do acto que determinou o arrombamento do prédio vendido judicialmente em sede executiva, com base na respectiva causa de pedir enquanto sustentada na necessária autorização judicial de auxilio da força policial para o efeito e assim submetida a questão à apreciação do tribunal recorrido , assim como da questão da titularidade do bem vendido nos autos, do direito à mencionada parcela de terreno, e bem assim o direito de definição das ditas extremas e rectificação dos elementos registais pretendida pelo recorrente, e a emissão de declaração de propriedade do Reclamante sobre tal parcela, a desanexação da parcela de que seria titular e por último a pretensão de alteração da matriz da respectiva inscrição por motivo de modificação das áreas de um prédio.

Ora, tal pretensa omissão de julgamento de mérito da referida pretensão formulada nos autos de reclamação do acto do órgão de execução fiscal contra a decisão assim determinada e ora controvertida, foi decidida pelo Tribunal A Quo como se tratando de um caso de não conhecimento da questão por inadmissibilidade do conhecimento do mesmo em razão da falta de pressupostos processuais relativos à competência do T.T. em razão da matéria para o efeito, tendo absolvido o R. da instância, pelo que tal apenas poderá constituir fundamento de recurso em razão da violação da lei processual, o que será objecto de apreciação em sede de erro de direito quanto aos litígios submetidos ao Processo Judicial tributário.

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Vejamos então,

A competência dos tribunais como pressuposto processual que é, afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor.

Quanto ao conceito de questão fiscal o Supremo Tribunal Administrativo, em Plenário no âmbito do recurso nº 0937/03, datado de 29 de outubro de 2003, já decidiu que: “por questões fiscais deve entender-se tanto as resultantes de imposições autoritárias que postulem aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária, em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como também das que as dispensem ou isentem, ou, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, em suma, ao regime legal dos tributos”.

E bem assim o entendimento doutrinado por Jorge Lopes de Sousa “[a] repartição da competência entre os tribunais fiscais e os tribunais administrativos para o conhecimento das acções de impugnação de actos administrativos faz-se tendo em atenção o objecto do acto impugnado: se o acto é respeitante a uma questão fiscal serão competentes os tribunais tributários; se o acto impugnado respeita a uma questão que não tem aquela natureza, serão competentes os tribunais administrativos (…)

A jurisprudência do STA tem-se pronunciado frequentemente sobre o conceito de questão fiscal, para efeitos da delimitação de competência entre tribunais fiscais e tribunais administrativos.

Nessa jurisprudência desenham-se, em linhas gerais, duas teses essenciais:

- numa delas, está-se perante uma questão fiscal «toda a que emerge de resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do ente respectivo», admitindo-se, por vezes a sua extensão ao «conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas»;

- noutra linha, entende-se, mais amplamente, que é «questão fiscal a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública.

Destas duas teses, a segunda é a que está mais em sintonia com a razão de ser da repartição de competência em razão da matéria entre os vários tipos de tribunais, que assenta, essencialmente, em procurar incrementar a melhoria da qualidade das decisões judiciais, que se crê ser um corolário natural da especialização.

Por isso, valendo esta razão de ser da repartição de competência sempre que esteja em causa a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo e a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública, deverá adoptar-se esta segunda tese.

In casu, atentando no pedido e nas causas de pedir, encontramo-nos perante um litígio emergente de uma decisão prolatada pelo órgão da execução fiscal que designou uma data para a realização da diligência de arrombamento, cujas causas de pedir concatenadas com a preterição de formalidades essenciais, mormente, despacho prévio do Juiz (alegadas nos artigos 60.º a 67.º da p.i.) são, inexoravelmente da competência dos Tribunais Tributários.

No atinente ao pedido de retificação e inscrição na matriz o mesmo também se insere na alçada dos tribunais tributários, porquanto para dirimir essa questão têm de ser convocadas normas de direito fiscal substantivo. É certo que o meio processual pode não ser o adequado para dirimir a pretensão, mas essa questão já não contende com a ora colocada e que concatena-se , exclusivamente, com a incompetência. Com efeito, pode traduzir questões a jusante relacionadas com a idoneidade do meio processual, mas que pressupõe a montante a ultrapassagem da questão da competência material.

Neste âmbito, vide designadamente Acórdãos deste TCA, proferidos nos processos nºs 1054/18.9, de 28.02.2019, e 09718/16, de 25.07.2016.

Quantos aos demais pedidos e causas de pedir os mesmos não se inserem no âmbito da lide tributária, por resultar evidente a sua incompetência material para apreciar da questão da titularidade do bem vendido nos autos, porquanto a mesma pressupõe a prévia instauração de acção de reivindicação que tivesse por objecto os bens a vender na execução, assim como o direito à mencionada parcela de terreno , assim como o direito de definição das ditas extremas e rectificação dos elementos registais pretendida pelo recorrente ( através de competente processo de justificação notarial.

Assim como o pretendido reconhecimento do direito sobre a dita parcela de terreno em causa;

A emissão de declaração de propriedade do Reclamante, que não podem ser determinadas pelos T.T. sendo matéria da competência material dos tribunais comuns, como bastamente se refere na sentença sub Júdice e que aqui se subscreve. Vd. Artºs 839º a 841º, todos do CPC–cfr nesse sentido Ilte Conselheiro J. Lopes de Sousa, in “CPPT Anotado”, 4ª ed. 2003, pags 1022.

Já quanto à desanexação da parcela de terreno de que seria titular, tal matéria não se insere nas competências dos T.T.

Assim sendo, improcede tal erro de julgamento nessa parte em razão da inexistência de uma relação jus-administrativa e fiscal que se inclua nas normas aplicáveis do ETAF definidoras das referidas competências materiais dos Tribunais Administrativos e Fiscais para dirimir as ditas questões de titularidade do bem vendido, do direito à parcela de terreno, definição das extremas e rectificação dos elementos registais, assim como do direito da sua desanexação do terreno em causa, ao contrário do que se verifica com o pedido de alteração da matriz da respectiva inscrição por motivo de modificação das áreas de um prédio, nos termos do artº 13º do CIMI , assim como da reclamação das matrizes ( vd artº 130º, nº 3, e respectivo procedimento vertido nos artºs 132º e 133º, do mesmo código), o que em qualquer caso consistem em garantias dos contribuintes no procedimento tributário, o que não obsta que das decisões das mesmas caiba o meio processual adequado a fazer valer jurisdicionalmente o direito à tutela efectiva do interesse legalmente protegido, no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais que se constituam em tal procedimento ( cfr alínea a), do nº1, do artº 4º, do ETAF)- vd no mesmo sentido e por remissão do artº 129º do CIMI, quanto às garantias previstas na LGT e CPPT .

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Nos termos expostos constata-se um erro de direito nas ditas normas processuais aplicáveis, sendo o Tribunal A Quo parcialmente e materialmente competente para a causa quanto às referidas atribuições em matéria fiscal, sendo incompetente quanto às demais questões postas.

Pelo exposto entende-se que se impõe nos autos a revogação parcial da decisão que não conheceu do mérito da acção por verificação da referida excepção dilatória de incompetência do tribunal tributário para o efeito e absolveu a F.P da instância, pelo que se determina a baixa dos autos à 1º instância para que proceda a apreciação do processo quanto a tais pretensões , se a tal nada mais obstar, decisão a que se procede na parte dispositiva do presente Acórdão.

Dispositivo

Nos termos expostos concede-se parcial provimento ao recurso deduzido, sendo revogada parcialmente a decisão proferida pelo Tribunal a Quo, declarando o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé materialmente competente para conhecer dos pedidos formulados pelo recorrente quanto à predita inscrição matricial de alegadas modificações à composição do prédio e respectiva descrição de tais factos matriciais, assim como da decisão de arrombamento do acesso ao prédio controvertido, e consequentemente mandar baixar o processo para apreciação das questões jurídico administrativas-fiscais suscitadas na Reclamação apresentada pelo ora recorrente, excepto nas questões que se entendeu o T.T. como incompetente para a acção conforme supra mencionado.

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Custas pelo recorrido nesta instância, que apresentou contra –alegações – cfr nº 2, do artº 7º, do R.C.P..

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Notifique.

[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires ].