Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03884/10
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/20/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IRC.
BENEFÍCIOS FISCAIS.
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO.
Sumário:I) Em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária ou da definição de tipos legais de crimes fiscais (ou outros), domina o princípio da legalidade que se traduz no brocado”nullum tributum sine lege”, o que significa que é a lei que tem de definir os pressupostos da concessão dos benefícios fiscais, sendo irrelevante o que as entidades administrativas entendam nessa matéria.

II) Em função do texto legal - art. 32º do EBF, na redacção da Lei n° 10-B/96 e mesmo da aludida Circular nº 9/92, emerge a ideia de que não se tratou de se estender o benefício para além de um período de cinco anos mas sim, ao clarificar a contagem de período, “acabar com cotações diversas das acções consoante a sua fase de privatização” (texto final da Circular), ou seja, pretendia-se com a alteração do termo inicial do benefício, atribuir-lhe carácter objectivo: bastava saber a que privatização se referia ao título e qual a data em que o referido processo terminara, tendo que se averiguar a data da aquisição pelo titular e há quanto tempo ele o detinha.

III) Um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

IV) Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
“Banco ……………., S.A.”, identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 18-12-2009, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com o indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de IRC nº ……………, referente ao exercício de 1998.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 162-181 ) nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
1ª) O artigo 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais estabelecia um benefício fiscal consistente na dedução, ao rendimento tributável, de 50% dos dividendos recebidos de acções adquiridas em processos de privatização;
2ª) O referido benefício seria válido durante os “cinco primeiros exercícios encerrados após a (...) data de finalização do processo de privatização”;
3ª) A norma em causa suscitou, sempre, dúvidas interpretativas quanto ao âmbito temporal da sua aplicação, já que, se tal beneficio só se aplicasse a partir da data do encerramento do processo de privatização, então estaríamos perante um benefício que não se saberia quando se iniciava nem se, alguma vez, se iniciava;
4ª) A Administração Fiscal veio comunicar aos contribuintes, através da Circular nº 9/92, a interpretação quanto ao período de vigência do benefício: ele inicia-se na “data do início do processo [de privatização] até decorridos os cinco primeiros exercícios encerrados após a sua data de finalização”;
5ª) Na douta sentença recorrida, afirma-se que é necessário identificar “o processo ou fase do processo de privatização a que pertenciam as acções e verificar quantos anos haviam decorrido desde a respectiva finalização, o que, por falta de tais elementos, motivou a não aceitação [pela Administração Fiscal] da dedução dos 50% dos dividendos”;
6ª) A Administração Fiscal invocou o disposto nos artigos 6º do EBF (hoje, artº 7º) e 14º da LGT, para, em face de o contribuinte não ter “indicado a data de finalização dos referidos processos de privatização” não poder ter verificado a existência de um dos pressupostos do benefício;
7ª) Ora, o invocado artº 6º do EBF, limita-se, apenas e só, a estatuir a sujeição, das pessoas a quem são concedidos benefícios, à fiscalização da Administração Fiscal para “controlo da verificação dos pressupostos”;
8ª) Da norma, decorre, assim, que a Administração Fiscal pode e deve, controlar os pressupostos, cabendo a ela indagar, investigar, se os pressupostos estão ou não presentes e, portanto, se o beneficio é, ou não, legal;
9ª) O artº 14° da LGT, também invocado pela Administração Fiscal, limita-se a estabelecer o dever de os contribuintes revelarem ou “autorizarem” a revelação à Administração Fiscal dos pressupostos dos benefícios, isto é, que não há sigilo que possa ser invocado pelos contribuintes, tendo a Administração Fiscal o poder de investigar livremente se os pressupostos dos benefícios fiscais estão ou não presentes;
10ª) O contribuinte considerou - e considera - que os pressupostos estabelecidos no artº 32° do EBF estavam reunidos tendo, assim, direito à dedução de 50% dos dividendos recebidos;
11ª) Cabia à Administração Fiscal a demonstração de que tais pressupostos não estavam cumpridos;
12ª) Sendo certo, que da contabilidade do recorrente constavam os elementos essenciais da verificação dos pressupostos: a aquisição das acções de empresas privatizadas; a data da sua aquisição; o valor dos dividendos recebidos;
13ª) Com estes dados, juntamente com os Decretos-Leis que foram determinando as diversas fases de privatização das empresas em causa, conclui-se, rápida e facilmente, pela presença dos pressupostos do benefício;
14ª) Quanto às acções da …………….., tendo a primeira fase de privatização tido lugar em 1995 (Decreto-Lei nº 44/95 de 22/2), facilmente se conclui que, em 1998, ainda não tinham decorridos os 5 anos estabelecidos no artº 32° do EBF;
15ª) Quanto às acções da Cimpor, tendo a primeira fase da privatização tido lugar em 1994 (Decreto-Lei nº 120/94 de 10/5), facilmente se conclui que, em 1998, ainda não tinham decorridos os 5 anos estabelecidos no artº 32º do EBF;
16ª) Quanto às acções da ……., tendo a primeira fase da privatização tido lugar em 1997 (Decreto-Lei nº 253/97 de 26/9), facilmente se conclui que, em 1998, ainda não tinham decorridos os 5 anos estabelecidos no artº 32º do EBF;
17ª) Quanto às acções da ………., tendo a primeira fase da privatização tido lugar em 1997 (Decreto-Lei nº 78-A/97 de 7/4), facilmente se conclui que, em 1998, ainda não tinham decorridos os 5 anos estabelecidos no art° 32° do EBF;
18ª) Sendo certo, em qualquer caso, que cabia à Administração Fiscal a prova de que a dedução de 50% dos dividendos feita pelo recorrente era ilegal, por não preenchimento dos pressupostos;
19ª) Sendo ainda certo, que o princípio inquisitório impõe que a Administração Fiscal indagasse se os pressupostos do beneficio estavam ou não preenchidos;
20ª) A douta sentença recorrida ao considerar que era o contribuinte que tinha o dever de demonstrar a presença dos pressupostos, errou por não tomar em consideração que esse ónus cabia à Administração Fiscal e que esta, em cumprimento do princípio do inquisitório, tinha o dever de efectuar essas indagações;
21ª) A sentença recorrida ao não considerar que está demonstrado no processo as acções adquiridas e, em face da legislação que aprovou as diversas fases de privatização, que tais acções eram detidas pelo recorrente há menos de 5 anos, fez um errado julgamento da matéria de facto;
22ª) A Administração Fiscal não aceitou como custo fiscalmente relevante do recorrente despesas de representação por este suportadas;
23ª) As despesas de representação estão definidas, quanto à sua natureza, no nº 3 do artº 41° do CIRC, como “os encargos suportados com recepções, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro”;
24ª) A mesma norma define os destinatários ou beneficiários de tais despesas: “Clientes, fornecedores ou quaisquer outras pessoas ou entidades”;
25ª) Todas as despesas incorridas pelo recorrente são referentes a recepções, viagens, passeios ou espectáculos;
26ª) A Administração Fiscal considerou que o recorrente não demonstrou que tais despesas foram suportadas com clientes ou fornecedores ou quaisquer outras pessoas ou entidades, nomeadamente, por não ter apresentado despachos superiores de autorização;
27ª) Trata-se de uma exigência de tipo ou meio de prova que a lei não impõe, não exige, sendo, assim, uma mera criação da Administração Fiscal;
28ª) A douta sentença ao considerar, também, a exigência deste tipo de prova, fez um errado julgamento das exigências legais quanto à prova;
29ª) Sendo certo, que em relação a algumas dessas despesas há facturas - apresentadas no Anexo 14-A do Relatório da Inspecção - em que constam despachos de autorização de membro do Conselho de Administração do recorrente, tendo, não obstante, a Administração Fiscal não as aceite como custo fiscal;
30ª) Também a lei não impõe que se identifiquem as pessoas ou entidades com quem as despesas foram suportadas, tanto assim, que elas podem ser feitas em benefício, diz o nº 3 do artº 41° do CIRC, de “quaisquer pessoas ou entidades”;
31ª) Em qualquer caso, percorrendo-se o Anexo 14 do Relatório da Inspecção, constata-se que muitas despesas têm a expressa indicação das pessoas ou entidades com quem ou em relação a quem foram suportadas, tendo a Administração Fiscal, não obstante, não as aceite como custo fiscal;
32ª) A douta sentença recorrida ao considerar que as despesas só podem ser aceites com a indicação das pessoas ou entidades com as quais foram realizadas, interpretou erroneamente o artº 41º, nº 3 do CIRC;
33ª) A douta sentença ao aceitar a decisão da Administração Fiscal de não aceitação como custo de despesas, elencados no Anexo 14 do Relatório da Inspecção, em que estão indicadas as pessoas ou entidades com quem foram suportadas, fez um errado julgamento dos factos.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida, com todas as legais consequências, como é de Justiça”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar da não aceitação do benefício fiscal estabelecido no, então em vigor, art. 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e indagar da bondade da decisão recorrida que deu guarida à desconsideração como custos fiscais das despesas de representação suportadas pela Recorrente.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1 - A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva a qual incidiu, além do mais, sobre o IRC dos exercícios de 1997 e 1998 - cfr. relatório de inspecção a fls. 41 e ss do PAT;
2 - Relativamente ao exercício de 1998, foram efectuadas, entre outras, as seguintes correcções (cfr. relatório de inspecção a fls. 41 e ss do PAT):
- 50% do rendimento de acções adquiridas no âmbito de privatizações; e
- despesas de representação, no valor de 59.302.613$00;
3 - Relativamente à correcção respeitante ao rendimento de acções adquiridas no âmbito de privatizações, pode ler-se no relatório de inspecção o seguinte:
“(…)
III.2.1.3.1.1. 50% do rendimento de acções adquiridas no âmbito das privatizações (art.º 32º, do EBF) O banco deduziu, na linha 47 do Q06 do anexo 22-A da declaração, mod. 22, a importância de 255.168.933$00, relativa a 50% dos dividendos de acções da B…….., C……., E……. e Portugal …………, adquiridas na sequência do processo de privatização, nos termos do art.º 32º do EBF.
Importa, no entanto, referir que, o benefício consagrado no citado art.º 32º apenas poderá ser aproveitado nos cinco exercícios encerrados após a data de finalização do processo de privatização. Não tendo o banco indicado a data de finalização dos referidos processos de privatização, não nos foi possível cumprir o preceituado no art.º 60, do EBF e no art.º 14°, da Lei Geral Tributária, isto é, não se pôde verificar se um dos pressupostos do beneficio fiscal aproveitado pelo banco, nomeadamente o que se refere ao período temporal do beneficio, nos termos do art.º 32º do EBF, havia sido cumprido pelo que corrigimos, a favor da Administração Fiscal, a importância acima referida”.
4 - Relativamente à correcção respeitante às despesas de representação, no valor de 59.302.613$00, pode ler-se no relatório de inspecção o seguinte:
“(…)
III.2.1.6. Despesas de Representação
Afim de se validarem os valores contabilizados a título de despesas de representação procedeu-se a uma verificação, por amostragem, dos documentos justificativos daqueles custos.
Da análise exaustiva aos referidos elementos constatou-se que, na sua maioria, não reúnem as condições estabelecidas no nº 3 do art.º 41º do CIRC e necessárias para serem classificadas como despesas de representação, ou seja, não estão de molde a que se conclua que as despesas em causa foram suportadas, em representação do banco, com clientes ou fornecedores ou quaisquer outras pessoas ou entidades. Com efeito não nos foram apresentados quaisquer despachos superiores de autorização para que as mesmas se realizassem para esse fim, nem se identifica as entidades com quem as despesas em apreço foram suportadas. O anexo 14 A apresenta alguns exemplos dos documentos encontrados.
Por outro lado, como não consubstanciam custos ou perdas comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para a manutenção de fonte produtora conforme estipulado no art.º 23° do CIRC, as mesmas não serão aceites fiscalmente.
Desta forma vai-se proceder à respectiva correcção, conforme anexo 14, no montante de 59.302.613$00.
De salientar que o sujeito passivo tinha acrescido ao lucro tributável, no Q06L33 da declaração de rendimentos mod. 22, os 20% do saldo da conta 74123 - “FST - despesas de representação conforme estipulado na alínea g) do nº 1 do art.º 41º do CIRC, pelo que, ao montante total das nossas correcções foi necessário deduzir esse valor”.
5 - A ora impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia ao relatório final de inspecção, o que fez, tendo a administração emitido a seguinte pronúncia sobre o mesmo, no que respeita às duas correcções antes mencionadas (cfr. relatório de inspecção junto ao PAT):
“IX. Direito de audição
Tendo o sujeito passivo exercido o seu direito de audição por via escrita, conforme consta no anexo 26, considerou-se não ser de lhe assistir razão na argumentação apresentada relativamente às três correcções que lhe foram efectuadas, das quais discorda, porquanto:
1. No que respeita à correcção efectuada nos exercícios de 1997/98 no montante de 138.308.430$00 e 255. 168. 933$00, respectivamente, relativa a 50% dos dividendos de acções adquiridas na sequência do processo de privatização que o sujeito passivo deduziu no Q06 do anexo 22-A da declaração, mod. 22, vem aquele referir apenas a alteração sofrida posteriormente a estes exercícios, na Lei n.º 87-B/98 de 31 de Dezembro (O.E. 1999), pela redacção do artº 32° do EBF. No entanto, nos exercícios em causa, a lei é taxativa quanto ao período de vigência do benefício “... contam relativamente aos cinco primeiros exercícios encerrados após a data de finalização do processo de privatização, pelo que se mantém a correcção proposta.
2. Quanto à não aceitação como custo fiscal de Despesas de Representação, o sujeito passivo não apresenta novos elementos nem argumentação relevante, pelo que se mantém a correcção efectuada no valor de 59.302.613$00 no exercício de 1998 e de 44.235.325$00 no exercício de 1999.
(…)”;
6 - No anexo 14 junto ao relatório, composto por 55 páginas, consta a indicação detalhada dos valores não aceites como despesas de representação, relativamente ao exercício de 1998 (todos os que não são mencionados com a al. a), já que estes foram aceites) - artigos 41º, nº 1, al. g) e 23º do CIRC - sendo aí indicados os respectivos nºs dos documentos, data - de documento e de lançamento - o IVA e a descrição da despesa - cfr. fls. 87 a 141 do PAT;
7 - Tais despesas não aceites, cujas cópias dos documentos consta de fls. 142 e ss dos PAT, respeitam na sua esmagadora maioria a refeições (descritivo da factura), existindo, além das refeições, as seguintes a que corresponde à seguinte descrição: prestação de serviços de transporte aéreo internacional conforme contrato de 01.06.97 (cfr. docs. 73, 36, junto ao anexo 14), prestação de serviços de transporte aéreo internacional (cfr. docs. 56 e 72, junto ao anexo 14), visitas, recepção/visita Parmalat, comunicações telefónicas, a deslocações ao Rio de Janeiro, passes Expo 98 e almoço de baptizado (cfr. docs. 335, 2205, 19834, 68 516, 7798, 110257, 104651, 16981 e 16994, 20491, juntos ao anexo 14 do relatório);
8 - Com excepção dos documentos de fls. 150, 152, 155, 157, 161, 164, 171, 173, 185 e 220do PAT, as facturas identificam o BES (na maioria dos casos essa identificação é aposta manualmente) como adquirente dos bens/ serviços (cfr. fls. 87 a 141 do PAT);
9 - Na sequência das correcções efectuadas ao exercício de 1998, entre as quais as identificadas no ponto 2 supra, foi emitida, em 15/01/02, a liquidação adicional de IRC, nº ……………., no montante de € 1.556.306,61 (cfr. fls. 29 dos autos);
10 - Por não se conformar com a liquidação adicional emitida, em 14/03/02, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a mesma, tendo invocado, além do mais, quanto à correcção relativa a 50% do rendimento de acções adquiridas no âmbito de privatizações, a aplicação da Circular 6/92, de 30/06/92 - cfr. reclamação graciosa a fls. 2 e ss do PAT;
11 - Como decorre do projecto de decisão de indeferimento da reclamação, aí a A.F se refere à circular 6/92, de 30/06/92, seja na própria informação (pontos 19 e 20 da apreciação do pedido), seja no parecer que sobre aquela recaiu - cfr. projecto de decisão, a fls. 554 do PAT, em especial, fls. 554 e fls. 562;
12 - A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 30/09/02, do Director de Finanças de Lisboa, conforme fls. 573 e ss do PAT;
13 - Por não se conformar com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em 4/11/02, a ora impugnante recorreu hierarquicamente da mesma, tendo invocado, além do mais, quanto à correcção relativa a 50% do rendimento de acções adquiridas no âmbito de privatizações, a aplicação da Circular 6/92, de 30/06/92 - cfr. fls. requerimento de recurso junto ao PAT;
14 - O recurso hierárquico foi indeferido, por despacho de 16/01/04, do Subdirector-Geral, na sequência da proposta de indeferimento plasmada no projecto de decisão antecedente - cfr. PAT.

- Não está provada a data de finalização dos processos de privatização a que se refere o rendimento de acções corrigido.
- Tal como em sede inspectiva, e nos procedimentos de reclamação e recurso hierárquico, também em sede de impugnação judicial, estes elementos não foram indicados, nem demonstrados pela impugnante.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, e, bem assim, no PAT, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se, desde logo, analisar a questão da não aceitação do benefício fiscal estabelecido no, então em vigor, art. 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Nesta matéria, a sentença recorrida concluiu que “quer em sede inspectiva, quer agora (e, também, na reclamação e no recurso hierárquico), a impugnante não demonstrou inequivocamente qual a data de finalização do processo de privatização, elementos necessários à análise do cumprimento dos pressupostos do beneficio previsto para as acções adquiridas em processo de privatização. Assim, conclui-se pelo acerto da correcção efectuada e pela sua consequente manutenção”.

Nas suas alegações, a Recorrente aponta que o artigo 32° do Estatuto dos Benefícios Fiscais estabelecia um benefício fiscal consistente na dedução, ao rendimento tributável, de 50% dos dividendos recebidos de acções adquiridas em processos de privatização, sendo que o referido benefício seria válido durante os “cinco primeiros exercícios encerrados após a (...) data de finalização do processo de privatização” e como a norma em causa suscitou, sempre, dúvidas interpretativas quanto ao âmbito temporal da sua aplicação, já que, se tal beneficio só se aplicasse a partir da data do encerramento do processo de privatização, então estaríamos perante um benefício que não se saberia quando se iniciava nem se, alguma vez, se iniciava, a Administração Fiscal veio comunicar aos contribuintes, através da Circular nº 9/92, a interpretação quanto ao período de vigência do benefício: ele inicia-se na “data do início do processo [de privatização] até decorridos os cinco primeiros exercícios encerrados após a sua data de finalização”, verificando-se que na douta sentença recorrida, afirma-se que é necessário identificar “o processo ou fase do processo de privatização a que pertenciam as acções e verificar quantos anos haviam decorrido desde a respectiva finalização, o que, por falta de tais elementos, motivou a não aceitação [pela Administração Fiscal] da dedução dos 50% dos dividendos”.
Ora, continua a Recorrente, a Administração Fiscal invocou o disposto nos artigos 6° do EBF (hoje, art° 7°) e 14º da LGT, para, em face de o contribuinte não ter “indicado a data de finalização dos referidos processos de privatização” não poder ter verificado a existência de um dos pressupostos do benefício, sendo que o invocado artº 6° do EBF, limita-se, apenas e só, a estatuir a sujeição, das pessoas a quem são concedidos benefícios, à fiscalização da Administração Fiscal para “controlo da verificação dos pressupostos” e da norma, decorre, assim, que a Administração Fiscal pode e deve, controlar os pressupostos, cabendo a ela indagar, investigar, se os pressupostos estão ou não presentes e, portanto, se o beneficio é, ou não, legal, notando-se que o artº 14° da LGT, também invocado pela Administração Fiscal, limita-se a estabelecer o dever de os contribuintes revelarem ou “autorizarem” a revelação à Administração Fiscal dos pressupostos dos benefícios, isto é, que não há sigilo que possa ser invocado pelos contribuintes, tendo a Administração Fiscal o poder de investigar livremente se os pressupostos dos benefícios fiscais estão ou não presentes.
Ora, o contribuinte considerou - e considera - que os pressupostos estabelecidos no artº 32° do EBF estavam reunidos tendo, assim, direito à dedução de 50% dos dividendos recebidos, pelo que cabia à Administração Fiscal a demonstração de que tais pressupostos não estavam cumpridos, sendo certo, que da contabilidade do recorrente constavam os elementos essenciais da verificação dos pressupostos: a aquisição das acções de empresas privatizadas; a data da sua aquisição; o valor dos dividendos recebidos e com estes dados, juntamente com os Decretos-Leis que foram determinando as diversas fases de privatização das empresas em causa, conclui-se, rápida e facilmente, pela presença dos pressupostos do benefício.
Assim, a douta sentença recorrida ao considerar que era o contribuinte que tinha o dever de demonstrar a presença dos pressupostos, errou por não tomar em consideração que esse ónus cabia à Administração Fiscal e que esta, em cumprimento do princípio do inquisitório, tinha o dever de efectuar essas indagações a ao não considerar que está demonstrado no processo as acções adquiridas e, em face da legislação que aprovou as diversas fases de privatização, que tais acções eram detidas pelo recorrente há menos de 5 anos, fez um errado julgamento da matéria de facto.

Quanto ao julgamento da matéria de facto, importa notar que a ora recorrente não impugnou tal matéria de facto nos termos legais - cfr. art.º 685.º-B do C. Proc. Civil, pois que não cumpre o ónus especificado da concreta indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e nem os concretos meios probatórios constantes dos autos que impunham decisão diversa sobre os mesmos, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.
Quanto ao mais, consta do probatório o seguinte:
3 - Relativamente à correcção respeitante ao rendimento de acções adquiridas no âmbito de privatizações, pode ler-se no relatório de inspecção o seguinte:
“(…)
III.2.1.3.1.1. 50% do rendimento de acções adquiridas no âmbito das privatizações (art.º 32º, do EBF) O banco deduziu, na linha 47 do Q06 do anexo 22-A da declaração, mod. 22, a importância de 255.168.933$00, relativa a 50% dos dividendos de acções da B……….., C………, E….. e Portugal …………, adquiridas na sequência do processo de privatização, nos termos do art.º 32º do EBF.
Importa, no entanto, referir que, o benefício consagrado no citado art.º 32º apenas poderá ser aproveitado nos cinco exercícios encerrados após a data de finalização do processo de privatização. Não tendo o banco indicado a data de finalização dos referidos processos de privatização, não nos foi possível cumprir o preceituado no art.º 6º, do EBF e no art.º 14º, da Lei Geral Tributária, isto é, não se pôde verificar se um dos pressupostos do beneficio fiscal aproveitado pelo banco, nomeadamente o que se refere ao período temporal do beneficio, nos termos do art.º 32º do EBF, havia sido cumprido pelo que corrigimos, a favor da Administração Fiscal, a importância acima referida”.
Os benefícios fiscais podem ser definidos como os factos complexos, impeditivos do nascimento da obrigação tributária com o seu conteúdo normal, que cabem na tributação regra, com natureza excepcional e fundamento extrafiscal, traduzido na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes superiores ao da própria tributação que impedem (cfr. Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, 1991, pág.77). Daí que se possa dizer que o poder de estabelecer benefícios fiscais/poder de desagravar se firma no mesmo fundamento e assuma a mesma intensidade, o mesmo modo e a mesma forma que é exigida ao órgão político legislativo para criar a tributação regra, tal como expressamente decorre do artigo 103º nº2 da CRP, quando ali se afirma que “os impostos são criados por lei que define a incidência, as isenções, as taxas e as garantias dos contribuintes”.
Quando na lei se consagra certa realidade como susceptível de ser qualificada como um benefício fiscal, o seu regime de consagração e de funcionamento assume a mesma natureza e efeitos que a norma definidora do facto tributário. E, esse aspecto não é se somenos importância, na medida em que quer no reconhecimento do direito a benefícios, quer no lançamento de impostos, os particulares e o Estado encontram-se vinculados pela lei nos termos e no modo como podem agir.
Cabe ainda ter presente que a lei prossegue sempre um interesse público, quer quando consagra e cobra um certo imposto, como quando prescreve e actua de forma a tornar efectivo um determinado benefício fiscal. (cfr. artigos 103º e 104º da CRP e artigo 7º da LGT).
Donde pode afirmar-se que é da própria natureza dos benefícios fiscais prosseguirem fins extra-fiscais em domínios muito diversos, incluindo, por exemplo, o fomento empresarial. São, aliás, os fins extra-fiscais que prosseguem, que sempre se deverão assumir como constitucionalmente valiosos e protegidos, que justificam a derrogação ao regime de tributação-regra (cfr. o conceito de benefício fiscal constante do n.º 1 do artigo 2.º do EBF).
Como se aponta na decisão recorrida, a previsão legal de benefícios a acções adquiridas em processo de privatização foi permitida por Lei de autorização legislativa n° 8/89, de 22/4, que, no seu n° 4, admitiu o estabelecimento de um regime fiscal adequado às acções adquiridas na sequência do processo de privatizações (...) até ao limite de cinco anos, sendo que a norma que executou a autorização foi o artigo 32° do EBF que, na sua redacção inicial, previa que “os dividendos de acções adquiridas na sequência de processo de privatização contam, relativamente aos cinco exercícios encerrados após a data da aquisição apenas por 60% para fins de IRS ou de IRC”.
O Decreto-Lei nº 2/92, de 9/3, alterou a redacção do preceito passando-se a prever que o beneficio (tributação apenas por 60%) respeitava aos cinco exercícios encerrados após a data da finalização do processo de privatização, ou seja é inequívoco que o momento inicial do beneficio era, na primitiva redacção, a aquisição dos títulos, e, na segunda redacção, passa a ser a finalização do processo de privatização.

Neste contexto surge a Circular n° 9/92, onde se aponta que “Os dividendos de acções adquiridas (o que exclui incorporação de reservas) até 5 anos passados sobre a conclusão do processo de privatização contam por 60% do seu quantitativo para fins de IRS ou de IRC.”.
Neste ponto, resulta acertado o exposto na decisão recorrida quando refere que não se tratou de se estender o benefício para além de um período de cinco anos mas sim, ao clarificar a contagem de período, “acabar com cotações diversas das acções consoante a sua fase de privatização” (texto final da Circular), ou seja, pretendia-se com a alteração do termo inicial do benefício, atribuir-lhe carácter objectivo: bastava saber a que privatização se referia ao título e qual a data em que o referido processo terminara, tendo que se averiguar a data da aquisição pelo titular e há quanto tempo ele o detinha.
Com a Lei n° 30-C/92, de 28/12, foi alterado o âmbito do beneficio na medida em que passou a incluir os dividendos ainda que resultantes do aumento de capital por incorporação de reservas, mas não o período abrangido.
A Lei nº 39-B/94, de 27/12, para além de aumentar o beneficio (50% e não 60%) incluiu no texto a palavra “primeiros” (cinco exercícios encerrados após a data de finalização do processo de privatização) com o que terá pretendido, precisamente, deixar claro que o beneficio só duraria por um período de cinco anos e a Lei nº 10-B/96, de 23/3, contém uma explicitação relativamente à cumulação deste com outros benefícios (o quantitativo, líquido de outros benefícios) mas não qualquer alteração relativamente ao período de vigência do beneficio.
Tal como descreve a sentença recorrida, com a Lei n° 87-B/98, de 31/12, é que foi introduzida uma inovação importante na medida em que - embora marcando uma data como limite final de vigência deste beneficio (ano de 2002) - alargou o prazo de duração do beneficio, ao prever para o mesmo um período desde a data de início do processo até decorridos os cinco primeiros exercícios encenados após a sua data de finalização.
Avançando, diga-se que não sofre contestação o facto de, tratando-se, in casu, do no exercício de 1998, a redacção do artigo 32° do EBF aplicável é a introduzida pela Lei n° 10-B/96, a qual previa a tributação de apenas 50% do dividendos, relativamente aos cinco primeiros exercícios encenados após a data de finalização do processo de privatização.
Por outro lado, em suma em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária ou da definição de tipos legais de crimes fiscais (ou outros), domina o princípio da legalidade que se traduz no brocado”nullum tributum sine lege”, o que significa que é a lei que tem de definir os pressupostos da concessão dos benefícios fiscais, sendo irrelevante o que as entidades administrativas entendam nessa matéria.
A partir daqui, e considerando a realidade acima descrita, não pode acolher-se a tese da Recorrente no sentido de que o benefício inicia-se com o processo de privatização e dura até decorridos os cinco primeiros exercícios encerrados após a data de finalização da privatização.
Com efeitos, em função do texto legal e mesmo da aludida Circular, não existe qualquer ponto de apoio para o exposto pela Recorrente, antes emergindo como bondosa a posição assumida pela decisão recorrida quando refere que não se tratou de se estender o benefício para além de um período de cinco anos mas sim, ao clarificar a contagem de período, “acabar com cotações diversas das acções consoante a sua fase de privatização” (texto final da Circular), ou seja, pretendia-se com a alteração do termo inicial do benefício, atribuir-lhe carácter objectivo: bastava saber a que privatização se referia ao título e qual a data em que o referido processo terminara, tendo que se averiguar a data da aquisição pelo titular e há quanto tempo ele o detinha.
Ora, tal como se colhe do relatório de inspecção, a posição da AT de não aceitação da dedução, tem como pano de fundo o facto de não ter sido indicado a data de finalização dos referidos processos de privatização, o que significa que está em causa um dos elementos fundamentais relativamente ao benefício em apreço e que se prende com o momento inicial do mesmo, ligado à finalização do processo de privatização.
Nesta medida, tem de concluir-se pelo acerto da decisão recorrida, quando concluiu que, quer em sede inspectiva, quer agora (e, também, na reclamação e no recurso hierárquico), a impugnante não demonstrou inequivocamente qual a data de finalização do processo de privatização, elementos necessários à análise do cumprimento dos pressupostos do beneficio previsto para as acções adquiridas em processo de privatização.
Com efeito, estando em causa um dos elementos de que depende a afirmação do direito da ora Recorrente, a partir da altura em que a AT coloca em crise tal situação, aludindo à falta desse elemento, cabia à ora Recorrente o ónus da prova da verificação desse requisito enquanto forma de evidenciar o direito a tal benefício, nos termos do disposto no art. 74º nº 1 da LGT, o que não existe fundamento para questionar a bondade do decidido neste domínio.

A Recorrente refere depois que a Administração Fiscal não aceitou como custo fiscalmente relevante do recorrente despesas de representação por este suportadas, que estão definidas, quanto à sua natureza, no nº 3 do artº 41° do CIRC, como “os encargos suportados com recepções, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro”, sendo que a mesma norma define os destinatários ou beneficiários de tais despesas: “Clientes, fornecedores ou quaisquer outras pessoas ou entidades”.
Ora, todas as despesas incorridas pelo recorrente são referentes a recepções, viagens, passeios ou espectáculos e a Administração Fiscal considerou que o recorrente não demonstrou que tais despesas foram suportadas com clientes ou fornecedores ou quaisquer outras pessoas ou entidades, nomeadamente, por não ter apresentado despachos superiores de autorização, situação que envolve uma exigência de tipo ou meio de prova que a lei não impõe, não exige, sendo, assim, uma mera criação da Administração Fiscal, de modo que, a douta sentença ao considerar, também, a exigência deste tipo de prova, fez um errado julgamento das exigências legais quanto à prova, sendo certo, que em relação a algumas dessas despesas há facturas - apresentadas no Anexo 14-A do Relatório da Inspecção - em que constam despachos de autorização de membro do Conselho de Administração do recorrente, tendo, não obstante, a Administração Fiscal não as aceite como custo fiscal, além de que a lei não impõe que se identifiquem as pessoas ou entidades com quem as despesas foram suportadas, tanto assim, que elas podem ser feitas em benefício, diz o nº 3 do artº 41° do CIRC, de “quaisquer pessoas ou entidades” e, em qualquer caso, percorrendo-se o Anexo 14 do Relatório da Inspecção, constata-se que muitas despesas têm a expressa indicação das pessoas ou entidades com quem ou em relação a quem foram suportadas, tendo a Administração Fiscal, não obstante, não as aceite como custo fiscal, de modo que, a douta sentença recorrida ao considerar que as despesas só podem ser aceites com a indicação das pessoas ou entidades com as quais foram realizadas, interpretou erroneamente o artº 41º, nº 3 do CIRC e ao aceitar a decisão da Administração Fiscal de não aceitação como custo de despesas, elencados no Anexo 14 do Relatório da Inspecção, em que estão indicadas as pessoas ou entidades com quem foram suportadas, fez um errado julgamento dos factos.

Sobre esta situação, consta do probatório que:
4 - Relativamente à correcção respeitante às despesas de representação, no valor de 59.302.613$00, pode ler-se no relatório de inspecção o seguinte:
“(…)
III.2.1.6. Despesas de Representação
Afim de se validarem os valores contabilizados a título de despesas de representação procedeu-se a uma verificação, por amostragem, dos documentos justificativos daqueles custos.
Da análise exaustiva aos referidos elementos constatou-se que, na sua maioria, não reúnem as condições estabelecidas no nº 3 do art.º 41º do CIRC e necessárias para serem classificadas como despesas de representação, ou seja, não estão de molde a que se conclua que as despesas em causa foram suportadas, em representação do banco, com clientes ou fornecedores ou quaisquer outras pessoas ou entidades. Com efeito não nos foram apresentados quaisquer despachos superiores de autorização para que as mesmas se realizassem para esse fim, nem se identifica as entidades com quem as despesas em apreço foram suportadas. O anexo 14 A apresenta alguns exemplos dos documentos encontrados.
Por outro lado, como não consubstanciam custos ou perdas comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para a manutenção de fonte produtora conforme estipulado no art.º 23° do CIRC, as mesmas não serão aceites fiscalmente.
Desta forma vai-se proceder à respectiva correcção, conforme anexo 14, no montante de 59.302.613$00.
De salientar que o sujeito passivo tinha acrescido ao lucro tributável, no Q06L33 da declaração de rendimentos mod. 22, os 20% do saldo da conta 74123 - “FST - despesas de representação conforme estipulado na alínea g) do nº 1 do art.º 41º do CIRC, pelo que, ao montante total das nossas correcções foi necessário deduzir esse valor”.
Neste âmbito, a sentença recorrida ponderou que:
Se bem se compreende o relatório de inspecção, não vem posta em causa a idoneidade/ legalidade dos documentos que suportam tais despesas mas sim a indispensabilidade dos custos necessários para a realização de proveitos. Com efeito, o facto de existirem documentos que suportam a realização da despesa, não é suficiente para que se prove a ligação dessa com o desenvolvimento da actividade da sociedade. De resto, é nesta óptica que se entende a alusão, no relatório inspectivo, à autorização superior para a realização das despesas ou à identificação dos beneficiários, ou seja, como elementos que auxiliariam a suportar a necessidade do custo, como despesa de representação.
Ora, nos presentes autos não vem alegada, nem demonstrada, a relação entre tais despesas, entre esses custos de representação, e a actividade da impugnante e os seus proveitos. Nenhum outro elemento, para além dos próprios recibos e facturas (a maior parte das quais com a única indicação do adquirente B…….., aposta manualmente) permite estabelecer a relação entre as despesas e a actividade da impugnante (mormente no que toca aos beneficiários das mesmas) e, nessa medida, não se torna possível a conclusão de que se tratam de despesas de representação. Com efeito, fica sem se perceber a que título despesas com refeições (sem qualquer indicação adicional), incluído um baptizado, ou passes para a Expo 98, ou passagens aéreas sem identificação do beneficiário são despesas de representação da impugnante, ou seja, despesas efectuadas ao serviço do B………, no âmbito da sua actividade. …”
Deste modo, resulta claro que o presente recurso está condenado ao insucesso neste âmbito, pois que a Recorrente valoriza de forma excessiva a questão da prova das despesas, desvalorizando de forma fatal a questão da ligação, da conexão entre essas despesas e a actividade da Recorrente.
Nesta matéria cabe, desde logo, com apoio no Ac. deste Tribunal de 19-01-2011, Proc. nº 04155/10, ao que se crê inédito, referir que “no que toca à noção de “necessidade” e/ou “indispensabilidade” prevista no art.º 23º nº 1 do CIRC, - no caso tendo em consideração a redacção vigente e aplicável ao exercício de 1993 -, não deixamos de nos identificar com a jurisprudência e a doutrina, quando preenche tal conceito por reporte ao interesse societário do sujeito passivo que pretende qualificar as (determinadas) despesas como custos fiscalmente relevantes.

Em suporte desse entendimento socorremo-nos do Ac. deste Tribunal tirado no Proc. n.º 1.107/06, de 2007JUL17 e de que respigamos, por transcrição, o seguinte excerto;

«Nos termos do art. 23° nº l do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.(...).

A questão a decidir passa, portanto, pela apreciação da alegada indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, sendo que o referido art. 23º do CIRC enuncia, exemplificativamente, nas suas diversas alíneas, várias categorias concretas de encargos dedutíveis. Porém, da necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, resulta claro que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim.
Sem embargo da relevância assumida pela realidade jurídico-económica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento (cfr, o ac. do STA, de 23/9/98, AD 452/453, p. 1057) e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da AT, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito.
Ora, como se disse, o art. 23° nº 1 do CIRC dispunha que “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”.
Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, nº 396, págs. 7 a 177) e confrontando as três interpretações possíveis ali enunciadas em termos da interpretação da regra constante do art. 23º do CIRC (indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade, ou com o significado de conveniência, ou identificando-se com a noção de interesse societário) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.
A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.»

(…)

«Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.
«Neste sentido vai, também, o entendimento de António Moura Portugal (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pags. 113 e sgts.), quando sustenta que «A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário», que esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de “razoabilidade” (artigo 26° do CCI)» e que se é certo «que a “razoabilidade” está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23º), … deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. O problema é que o Fisco tem vindo a utilizar a indispensabilidade para precludir que determinados gastos, por si valorados como excessivos ou inapropriados, possam ser acolhidos pelo balanço fiscal. Talvez por isso se note na doutrina uma propensão para uma interpretação ampla do termo, recusando qualquer leitura do mesmo que pressuponha ou contemporize com juízos subjectivos do controlador público sobre a bondade da gestão empreendida (…).

A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, que se não deve imiscuir, muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Só esta concepção está de acordo com os princípios de liberdade de gestão empresarial e, ao mesmo tempo, respeita interesses específicos do direito fiscal (que estão na base da limitação expressa que é feita à dedutibilidade de certos encargos).
Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que - por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”». (1)

Para este autor, a interpretação para a indispensabilidade «deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária. Este, por sua vez, não deve ser sindicado pelo Fisco ou pelos tribunais, porque a isso obriga a liberdade de iniciativa económica. (…) uma interpretação da indispensabilidade em função do objecto social e da actividade desenvolvida pela sociedade. A identificação com a actividade comercial, industrial ou agrícola desenvolvida pelo sujeito passivo é critério suficiente. Se se quiser falar de “relação causal”, esta só pode ter lugar por via de uma ligação entre os custos e a actividade da empresa. Nunca entre os custos e os proveitos ou a manutenção da fonte produtora.».
Isto mesmo para quem, como nós, se perfila na linha dos que consideram que não basta a ocorrência de toda e qualquer despesa, desde que subsumível ao tipo de actividade exercida pelo sujeito passivo, para que, necessariamente, tenha/possa ser havida como custo fiscal relevante para efeitos do artigo em questão, considerando-a como “indispensável”, sob pena de se não vislumbrar qualquer efeito e, muito menos, útil, à letra da lei que, apesar de subsequentes alterações legislativas, desde o tempo do CCIndustrial (art.º 26.º do respectivo compêndio legal) até aos dia de hoje (art.º 23.º/1 do CIRC) sempre manteve o conceito de “indispensabilidade” como pressuposto legal à qualificação de determinada despesa como custo fiscal, mas que entendem que essa aferição se há-de processar numa relação entre o custo (despesa) e a actividade, concretamente, desenvolvida pelo sujeito passivo, assim tendo, de alguma forma, ínsita a necessidade de apreciação “a posteriori” da gestão empresarial; mas, reafirma-se, apenas enquanto pressuposto à referida aferição, em concreto, do custo à actividade societária e já não quanto à bondade e/ou oportunidade, particularmente económica, da realização dessa mesma despesa.
Nesta sequência, em função do que fica exposto, é ponto assente que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.
Assim sendo, a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (arts. 78º do CPT e 75º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.
Tal significa que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.
Ora, foi essa precisamente a conduta da AT, questionando a matéria em apreço no domínio indicado - da ligação das despesas à actividade da Recorrente, aludindo de forma clara ao art. 23º do CIRC.
Nesta sequência, lida e relida a petição inicial, é manifesto que a ora Recorrente desconsiderou este elemento, com referência à necessidade de evidenciar a indispensabilidade dos custos em apreço para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, incidindo a sua crítica sobre a apreciação da AT com referência à desconsideração desses custos, mas sem qualquer preocupação em alegar factos no sentido de vir a demonstrar a aludida indispensabilidade.
Com efeito, em termos de petição inicial, é manifesta a escassez de alegação pela positiva por parte da ora Recorrente, no sentido de demonstrar a indispensabilidade dos aludidos custos através da referência, em concreto, dos factos que estão ligados à produção dos citados custos, ficando a posição da Recorrente comprometida à partida em relação aos custos relacionados com despesas de representação por total ausência de factos que permitam enquadrar estes elementos em termos da citada indispensabilidade.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 20 de Novembro de 2012
Pedro Vergueiro
Lucas Martins
Joaquim Condesso