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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05810/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/11/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IMPOSTO AUTOMÓVEL.
DEC.LEI 264/93, DE 30/7.
REGIME DOS BENEFÍCIOS FISCAIS.
REGIME DE INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS QUE CONSAGRAM BENEFÍCIOS FISCAIS.
CONCEITO DE RESIDÊNCIA HABITUAL.
REQUISITOS DA ISENÇÃO DE IMPOSTO AUTOMÓVEL. ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. O Imposto Automóvel (I.A.), criado pelo dec.lei 405/87, de 31/12, em substituição do imposto sobre a venda de veículos automóveis (I.V.V.A.), pode considerar-se um tributo sobre o consumo de natureza específica, monofásica e variável em função da cilindrada, incidente, além do mais, sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros, novos ou usados.

2. O dec.lei 264/93, de 30/7, consagrava o regime de admissão temporária de veículos automóveis ligeiros para uso privado matriculados no espaço comunitário, bem como o regime de isenção fiscal a conceder por ocasião de uma transferência de residência habitual de um residente num Estado membro das C.E. para Portugal.

3. O artº.12, do dec.lei 264/93, de 30/7, consagrava um benefício fiscal consubstanciado na isenção de imposto automóvel derivada da introdução no consumo de veículos automóveis propriedade de particulares, legalmente habilitados à respectiva condução, que transfiram a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal.

4. De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr.artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7).

5. Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

6. As normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr.artº.9, do E.B.F.).

7. O conceito de residência habitual (o qual coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (cfr.artº.82, do C.Civil). Igualmente a lei fiscal faz coincidir o conceito de residência habitual com o conceito de domicílio fiscal, no que se refere às pessoas singulares (cfr.artº.19, nº.1, al.a), da L.G.T.).

8. De acordo com o regime consagrado nos artºs.13, 14 e 16, do dec.lei 264/93, de 30/7, a isenção de imposto automóvel em causa nos presentes autos depende da verificação dos seguintes requisitos:
a-Que o particular em causa transfira a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal (sendo irrelevante a nacionalidade do mesmo);
b-Que o veículo automóvel em causa tenha sido adquirido no Estado membro de proveniência de acordo com as condições gerais de tributação no respectivo mercado interno;
c-Que o veículo automóvel em causa tenha sido propriedade do interessado no Estado membro de proveniência durante, pelo menos, seis meses antes da transferência da residência para Portugal, contados a partir da data de emissão do título de registo de propriedade;
d-Que o particular em causa comprove que o período de residência normal noutro Estado membro da Comunidade foi igual ou superior a 185 dias por ano civil;
e-Que o pedido de benefício fiscal seja apresentado nas alfândegas, o mais tardar doze meses após a transferência de residência, devendo o mesmo ser instruído com os documentos previstos no artº.16, do dec.lei 264/93, de 30/7.

9. É ao interessado que incumbe o ónus da prova dos requisitos mencionados, atento o disposto no artº.74, nº.1, da L.G.T.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.146 a 153 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente acção administrativa especial, em consequência do que anulou o despacho de indeferimento de pedido de benefício fiscal, relativo a veículo automóvel e deduzido ao abrigo do dec.lei 264/93, de 30/07.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.157 a 164 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Não houve uma valoração da declaração da vontade expressa da autora, em que declara, de forma inequívoca, perante a Administração Tributária e perante os Serviços de Identificação Civil, que é residente em Portugal, desde 2005;
2-Até porque, a autora declara perante várias entidades que reside em Portugal:
a)Quando efectua a candidatura à Universidade de Coimbra;
b)Ou efectua a matrícula no Curso de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Coimbra;
c)Mas também, quando a interessada efectua o bilhete de identidade em 15/12/2005;
d)E especificamente, efectua a declaração de mod. 3 do I.R.S. referente ao ano de 2005;
e)Ou mesmo, quando, continuou matriculada na faculdade, assistindo às aulas;
3-Como residente, retirou benefícios em sede de quociente conjugal e I.R.S. (2005);
4-Frequência da licenciatura em Ciências Farmacêuticas, tendo efectuado 15 exames, que reflectem a permanência em território nacional, uma vez que é necessário uma presença mínima obrigatória de 2/3 das aulas práticas laboratoriais;
5-Todos estes factos, aliados ao estabelecimento de vínculos pessoais advindos do matrimónio contraído em 30/07/2005 e à manutenção da matrícula na faculdade, permitem concluir que a residência da autora em território nacional já se verificava desde 2005;
6-Pelo que, existindo contradição entre os elementos constantes do processo e sendo estes inconciliáveis, e no entendimento do R.P.F., continuam a impossibilitar que seja dado provimento ao pedido de isenção do Imposto Automóvel ao abrigo do dec.lei 264/93, de 30/7;
7-Refere-nos o nº.1, do artº.14, do dec.lei 264/93, de 30/7: “A isenção fiscal será concedida desde que o beneficiário do regime comprove que o período de residência normal noutro Estado membro da Comunidade foi igual ou superior a 185 dias por ano civil.”;
8-O ónus estabelecido no artigo mencionado no ponto supra, não foi consumado pela autora, não existem elementos que consubstanciem a permanência de facto, noutro Estado Membro da Comunidade, antes o contrário;
9-Sendo convicção desta Autoridade Tributária e Aduaneira, por tudo quanto foi explanado, que a autora residia em território nacional antes de ter adquirido o veículo em questão (09/01/2006) e requerido o cancelamento da residência na Alemanha (23/10/2006), pelo que, não tendo direito à isenção do Imposto Automóvel (I.A.), face ao não preenchimento dos requisitos estabelecidos no Capítulo II, do dec.lei 264/93, de 30/7, leva a que o R.P.F. recorra da sentença;
10-TERMOS EM QUE DEVE SER REVOGADA A DOUTA DECISÃO MANTENDO-SE O ACTO DE INDEFERIMENTO DA ISENÇÃO DE IMPOSTO AUTOMÓVEL EM CAUSA, OBJECTO DO PRESENTE RECURSO.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal não se pronunciou sobre o mérito do recurso (cfr.fls.176 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.179 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.148 a 151 dos autos):
1-A impugnante casou em 31 de Julho de 2005 (cfr.al.a) dos factos assentes, constante do despacho saneador exarado a fls.85 e 86 dos presentes autos);
2-E apresentou declaração mod.3 de I.R.S. referente ao exercício de 2005 conjuntamente com Luis …………………….. (cfr.al.b) dos factos assentes, constante do despacho saneador exarado a fls.85 e 86 dos presentes autos; documento junto a fls.18 a 24 do processo administrativo apenso);
3-No bilhete de identidade da impugnante, emitido em 15/12/2005, consta a residência no ………. (cfr.al.c) dos factos assentes, constante do despacho saneador exarado a fls.85 e 86 dos presentes autos; documento junto a fls.28 do processo administrativo apenso);
4-A Junta de Freguesia de ………… declara que a impugnante regressou a Portugal no dia 26 de Outubro de 2006 (cfr.al.d) dos factos assentes, constante do despacho saneador exarado a fls.85 e 86 dos presentes autos; documento junto a fls.31 do processo administrativo apenso);
5-A autoridade administrativa alemã declara que a impugnante residiu na Alemanha até 23/10/2006 (cfr.al.e) dos factos assentes, constante do despacho saneador exarado a fls.85 e 86 dos presentes autos; documento junto a fls.9 do processo administrativo apenso);
6-O cônjuge da impugnante declarou que após a data do casamento, em 31/07/2005, e até Outubro de 2006, a impugnante residiu na Alemanha (cfr.al.f) dos factos assentes, constante do despacho saneador exarado a fls.85 e 86 dos presentes autos; documento junto a fls.43 do processo administrativo apenso);
7-A impugnante efectuou a candidatura na Faculdade de Farmácia em 30/08/2004, pelo regime de Estudantes Provenientes de Sistemas de Ensino Superior Estrangeiro, e matriculou-se em 09/11/2004 (cfr.al.g) dos factos assentes, constante do despacho saneador exarado a fls.85 e 86 dos presentes autos; documento junto a fls.51 do processo administrativo apenso);
8-A viatura …………….., foi matriculada pela primeira vez em 9/01/2006, em nome da impugnante (cfr.al.h) dos factos assentes, constante do despacho saneador exarado a fls.85 e 86 dos presentes autos; documento junto a fls.7 do processo administrativo apenso);
9-A impugnante formulou o pedido de isenção de Imposto Automóvel em 29/11/2006 (cfr.al.i) dos factos assentes, constante do despacho saneador exarado a fls.85 e 86 dos presentes autos; documento junto a fls.7 do processo administrativo apenso);
10-Entre a data da matrícula na Faculdade em 2004 e 26/10/2006, a impugnante deslocou-se várias vezes a Portugal (cfr.depoimento das testemunhas Armindo ………………. e Sérgio ………………… gravado em CD);
11-Mesmo depois do seu casamento em 2005, a impugnante continuou a viver na Alemanha, tendo aí regressado, cerca de um mês após o casamento (cfr.depoimento das testemunhas Armindo …………….. e Sérgio …………… gravado em CD);
12-Deslocando-se várias vezes a Portugal (cfr.depoimento das testemunhas Armindo ………………. e Sérgio …………….. gravado em CD);
13-E só em Outubro de 2006 passou a residir definitivamente em Portugal (cfr.depoimento das testemunhas Armindo …………… e Sérgio ……………… gravado em CD).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra, bem como no depoimento das testemunhas, Sérgio …………., empresário e amigo da família da A.; da testemunha Armindo …………, sogro da A., tendo ambos referido a situação da A., que se mantinha intermitente entre Portugal e a Alemanha, só permanecendo em Portugal, entre oito dias a um mês e que passava muito tempo na Alemanha com os pais. No tempo em que permanecia em Portugal, frequentava as aulas no ano lectivo de 2004/2005 e 2005/2006.
As duas testemunhas foram credíveis, apesar do laço de parentesco da última com a A., dado ser sogro da mesma, não só pela argumentação que se manifestou dentro de uma linha factual, mais ou menos homogénea traçada pelas mesmas e mormente a prova documental se direccionar, por vezes, em sentido diferente, nomeadamente, a declaração de residência em Portugal, feita no bilhete de identidade e na declaração mod.3 de IRS de 2005.
A compatibilização entre a declaração de residência em Portugal constante do BI e das declarações fiscais feita pela A., por um lado, e os depoimentos das testemunhas por ela arroladas que confirmam a sua residência na Alemanha até (Outubro de 2006) justifica a análise detalhada e crítica, dada a aparente contradição.
Com efeito, os depoimentos parecem «adaptar-se» convenientemente à tese que a A. alega, enquanto os documentos parecem contrariá-la. E mesmo a justificação de que após o casamento a A. continuou a viver na Alemanha em consequência de divergências matrimoniais, parece pouco razoável à luz da experiência comum, sobretudo tendo em conta que a A. continuou matriculada na faculdade assistindo a aulas prática.
Mas também é verdade que as autoridades alemãs confirmam a residência da A. na Alemanha até Outubro de 2006 e a própria Junta de Freguesia do Pombal confirma a residência efectiva em Portugal só a partir desta data.
Ora, não havendo razões para descrer nas declarações constantes destes documentos, o depoimento das testemunhas visto a esta luz ganha outra preponderância, justificando-se assim, a credibilidade que lhes foi atribuída.
As testemunhas arroladas pela Direcção - Geral das Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo, João Manuel Jesus Gomes, Director das Alfândegas e da testemunha Suzete Martinho, Verificadora Aduaneira, esta última, que procedeu às diligências inspectivas, evidenciaram um depoimento objectivo tendo mantido as conclusões que já antes haviam extraído dos documentos e das averiguações feitas ao caso em apreço…”.
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A decisão da matéria de facto em 1ª. Instância baseou-se, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, pelo que, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
14-A autora/recorrida, Lília ……………, com o n.i.f. …………….., tem naturalidade alemã (cfr.documentos juntos a fls.28 e 29 do processo administrativo apenso);
15-A autora/recorrida fixou residência no Largo do Cardal, nº.16 BA, 2º., 3100-440 Pombal, na data indicada no nº.4 do probatório (cfr.documento junto a fls.31 do processo administrativo apenso);
16-Em 9/8/2007, o Director da Alfândega de Peniche indeferiu o pedido de isenção de Imposto Automóvel identificado no nº.9 do probatório, concordando com informação prévia nesse sentido, tendo por fundamento o facto de a autora/requerente já ser residente em território nacional quando a viatura em questão foi matriculada em seu nome, no pretérito dia 9/1/2006 (cfr.despacho e informação constantes de fls.64 a 71 do processo administrativo apenso).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar procedente a acção administrativa especial deduzida e, em consequência, anular o despacho de indeferimento identificado no nº.16 do probatório e objecto do presente processo, mais devendo ser reconhecido o benefício fiscal em causa.
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O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que não houve uma valoração da declaração da vontade expressa da autora, em que declara, de forma inequívoca, perante a Administração Tributária e perante os Serviços de Identificação Civil, que é residente em Portugal, desde 2005. Que requereu o bilhete de identidade em 15/12/2005 e apresentou a declaração de mod. 3 do I.R.S. referente ao ano de 2005. Que todos estes factos, aliados ao estabelecimento de vínculos pessoais advindos do matrimónio contraído em 30/07/2005 e à manutenção da matrícula na faculdade, permitem concluir que a residência da autora em território nacional já se verificava desde 2005. Que o ónus estabelecido no nº.1, do artº.14, do dec.lei 264/93, de 30/7, não foi consumado pela autora, assim não existindo elementos que consubstanciem a permanência de facto, noutro Estado Membro da Comunidade, antes o contrário. Sendo convicção da Autoridade Tributária e Aduaneira, por tudo quanto foi explanado, que a autora residia em território nacional antes de ter adquirido o veículo em questão (09/01/2006) e requerido o cancelamento da residência na Alemanha (23/10/2006), pelo que não tem direito à isenção do Imposto Automóvel, face ao não preenchimento dos requisitos estabelecidos no Capítulo II, do dec.lei 264/93, de 30/7 (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal vício.
O imposto automóvel (I.A.), criado pelo dec.lei 405/87, de 31/12, em substituição do imposto sobre a venda de veículos automóveis (I.V.V.A.), pode considerar-se um tributo sobre o consumo de natureza específica, monofásica e variável em função da cilindrada, incidente, além do mais, sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros, novos ou usados (cfr.A. Nuno da Rocha e M. Fernanda Alves, Regime Aduaneiro e Fiscal dos Automóveis, Editora Rei dos Livros, 1993, pág.50 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Editora Rei dos Livros, I, 1996, pág.259 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.626).
O dec.lei 264/93, de 30/7, consagrava o regime de admissão temporária de veículos automóveis ligeiros para uso privado matriculados no espaço comunitário, bem como o regime de isenção fiscal a conceder por ocasião de uma transferência de residência habitual de um residente num Estado membro das C.E. para Portugal. Anteriormente, tal regime jurídico encontrava consagração no dec.lei 467/88, de 16/12 (este diploma introduziu no direito interno português o regime relativo às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de outro Estado membro das Comunidades, o qual se encontrava consignado na Directiva 83/183/CEE, do Conselho, de 28/3/1983). Actualmente, este regime consta da lei 22-A/2007, de 29/6, diploma que aprovou o Código do Imposto Sobre Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação (o artº.13, nº.1, al.i), revogou o dec.lei 264/93, de 30/7, diploma que produziu efeitos até 31/12/2007).
Concluindo, o regime aplicável ao caso “sub judice” é o previsto no citado dec.lei 264/93, de 30/7, atenta a data do pedido de isenção de Imposto Automóvel (cfr. 29/11/2006 - nº.9 do probatório).
O aludido dec.lei, no seu Capítulo II, sob o título “Isenção do Imposto a particulares por ocasião da transferência de residência”, estipula no seu artº.12, o seguinte:
Artº.12º.
(Âmbito da isenção)
“É concedida a isenção do imposto automóvel na introdução no consumo de veículos automóveis propriedade de particulares, legalmente habilitados à respectiva condução, que transfiram a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal, nos termos do disposto nos artigos seguintes.”.

A norma em causa consagrava um benefício fiscal consubstanciado na isenção de imposto automóvel derivada da introdução no consumo de veículos automóveis propriedade de particulares, legalmente habilitados à respectiva condução, que transfiram a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal.
De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr.artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7).
Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cfr.Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág.75 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, 1996, Editora Rei dos Livros, pág.323 e seg.).
É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G. Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Especificamente as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr.artº.9, do E.B.F.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Voltando ao dec.lei 264/93, de 30/7, determinava nos seus artºs.13, 14 e 16, o seguinte, no que ao caso “sub judice” interessa:
Artº.13º.
(Condicionalismos)
“1. A isenção prevista no artigo anterior só será concedida quando os veículos preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Tenham sido adquiridos no Estado membro de proveniência de acordo com as condições gerais de tributação no respectivo mercado interno e não tenham beneficiado na expedição de qualquer isenção ou reembolso de imposto sobre o valor acrescentado e/ou de impostos especiais sobre o consumo;
b) Tenham sido propriedade do interessado no Estado membro de proveniência durante, pelo menos, seis meses antes da transferência da residência para Portugal, contados a partir da data de emissão do título de registo de propriedade.” (redacção da Lei 55-B/2004, de 30/12).

Artº.14º.
(Condições relativas à residência)
“1.A isenção fiscal será concedida desde que o beneficiário do regime comprove que o período de residência normal noutro Estado membro da Comunidade foi igual ou superior a 185 dias por ano civil.
2.Não se consideram residentes noutro Estado membro os particulares que aí permaneçam para efeitos de estudos, estágios ou missões de duração determinada.”.

Artº.16º.
(Apresentação dos pedidos de isenção)
“O pedido de benefício fiscal será apresentado nas alfândegas, o mais tardar 12 meses após a transferência de residência normal, instruído com os seguintes documentos:
(…)”.

O benefício fiscal em exame é concedido, conforme consta do citado artº.12, do dec.lei 264/93, de 30/7, desde que o particular em causa transfira a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal.
Desde logo, se dirá que nos encontramos perante um corolário da liberdade de circulação de pessoas consagrada no artº.18, do Tratado C.E., o qual é inerente à qualidade de cidadão europeu (cfr.João Mota de Campos e Outro, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, 2007, Coimbra Editora, pág.554 e seg.).
No que se refere ao conceito de residência habitual (o qual coincide com o conceito de domicílio voluntário), deve o mesmo buscar-se no direito interno, consubstanciando-se como o local onde uma pessoa singular normalmente vive e de onde se ausenta, em regra, por períodos mais ou menos curtos (cfr.artº.82, do C.Civil; P.Lima e A.Varela, C. Civil Anotado, vol.I, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1982, pág.110; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição actualizada, 1989, Coimbra Editora, pág.258 e seg.).
Igualmente a lei fiscal faz coincidir o conceito de residência habitual com o conceito de domicílio fiscal, no que se refere às pessoas singulares (cfr.artº.19, nº.1, al.a), da L.G.T.).
Avançando, de acordo com o regime consagrado nos preceitos supra mencionados, a isenção de imposto automóvel em causa nos presentes autos depende da verificação dos seguintes requisitos:
1-Que o particular em causa transfira a sua residência habitual de um Estado membro da Comunidade Europeia para Portugal (sendo irrelevante a nacionalidade do mesmo);
2-Que o veículo automóvel em causa tenha sido adquirido no Estado membro de proveniência de acordo com as condições gerais de tributação no respectivo mercado interno;
3-Que o veículo automóvel em causa tenha sido propriedade do interessado no Estado membro de proveniência durante, pelo menos, seis meses antes da transferência da residência para Portugal, contados a partir da data de emissão do título de registo de propriedade;
4-Que o particular em causa comprove que o período de residência normal noutro Estado membro da Comunidade foi igual ou superior a 185 dias por ano civil;
5-Que o pedido de benefício fiscal seja apresentado nas alfândegas, o mais tardar doze meses após a transferência de residência, devendo o mesmo ser instruído com os documentos previstos no artº.16, do dec.lei 264/93, de 30/7 (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/12/2006, rec.585/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/2/2006, proc.1361/03; A. Nuno da Rocha e M. Fernanda Alves, Regime Aduaneiro e Fiscal dos Automóveis, Editora Rei dos Livros, 1993, pág.26 e seg.).
É ao interessado que incumbe o ónus da prova dos requisitos mencionados, atento o disposto no artº.74, nº.1, da L.G.T.
Volvendo à factualidade provada, deve concluir-se pela prova dos atributos a que se alude supra (cfr.nºs.4, 5, 8, 9, 13, 14 e 15 do probatório). Assim é, porquanto, logrou a A. fazer prova da transferência da sua residência habitual da Alemanha para Portugal. Da aquisição do veículo automóvel de matrícula HA-AJ 445. Que a aquisição da propriedade do veículo ocorreu em 9/01/2006, em nome da A. Que a residência habitual da A. se tem por verificada na Alemanha até 23/10/2006, país de que é natural (o que subsume o requisito indicado no nº.4 acima). Que a residência habitual em Portugal se tem por verificada a partir de 26 de Outubro de 2006. Por último, que o pedido de benefício fiscal foi apresentado em 29/11/2006.
No que, especificamente, diz respeito à data de mudança de residência da A., da Alemanha para Portugal, tal como se decide na sentença recorrida (e recorde-se que o recorrente não impugnou a matéria de facto exarada em 1ª. Instância nos termos do artº.685-B, do C.P.Civil), deve dar-se relevo aos documentos oficiais emitidos pelas autoridades alemãs e portuguesas, nos termos dos quais a residência habitual da A. na Alemanha ocorreu até Outubro de 2006, data a partir da qual fixou a mesma em Portugal (Pombal). Não havendo razões para pôr em causa as declarações constantes destes documentos, o depoimento das testemunhas, visto a esta luz, ganha outra preponderância, assim se legitimando a credibilidade que lhe foi atribuída em 1ª. Instância.
Arrematando, o despacho de indeferimento do pedido de isenção de imposto automóvel deve ser revogado, tudo conforme já decidido pela douta sentença recorrida.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso sob exame e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 11 de Dezembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)