Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1496/09.0 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:12/06/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL;
DÍVIDA DE UM DOS CÔNJUGES.
Sumário:I - De acordo com o art. 14º, nº 5 do EBF, a concessão de benefício fiscal cessa na situação de dívida do sujeito passivo, e se a dívida não foi objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível.
II - Se a dívida é da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, não se aplica o disposto na alínea a) do nº 5 do art. 14º do EBF quando o outro cônjuge (que detém benefício fiscal de natureza pessoal – deficiência fiscalmente relevante) não tem qualquer responsabilidade pelo pagamento daquela dívida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

A AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a Acção Administrativa Especial apresentada por J…e em consequência anulou o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Chamusca proferido em 19/03/2009 que determinou a cessação do benefício fiscal de invalidez fiscalmente relevante nos termos do art. 14º, nº 5 do EBF.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:






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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Exmº. Magistrado do Ministério Público teve vista nos autos.

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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente importa decidir se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao ter anulado o despacho que determinou a cessação do benefício fiscal de invalidez fiscalmente relevante que o Recorrido detinha, face a dívidas da sua cônjuge.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:


III.1 De facto:
Com base nos documentos juntos aos autos e na posição assumida pelas Partes, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 9/6/2005, o Ministério de Saúde Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo emitiu o “Atestado de Incapacidade Multiuso” em nome de J…, constante de fls. 29 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual atesta: “Discriminação da deficiência: motora (95%), Grau de desvalorização da deficiência: “95%”.

2. Em 15/3/2007, o Autor juntamente com o seu cônjuge apresentou a declaração de IRS, modelo 3, relativa ao ano de 2006, constante de fls. 20 a 23 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual consta o anexo H relativo a benefícios fiscais, considerados na liquidação de IRS daquele ano (cf. nota de liquidação a fls. 24 dos autos).

3. Em 13/3/2008, o Autor juntamente com o seu cônjuge apresentou a declaração de IRS, modelo 3, relativa ao ano de 2007, constante de fls. 25 a 27 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual consta o anexo H relativo a benefícios fiscais, considerados na liquidação de IRS daquele ano (cf. nota de liquidação a fls. 28 dos autos).

4. Em 14/04/2009, o Autor juntamente com o seu cônjuge apresentou a declaração de IRS, modelo 3, relativa ao ano de 2008, constante de fls. 32 a 37 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual consta o anexo H relativo a benefícios fiscais (cf. nota de liquidação a fls. 37 dos autos).

5. Em 22/05/2009, o Autor foi notificado da intenção da Administração Fiscal de determinar a cessação dos benefícios fiscais pela existência de dividas reportadas a 31/12/2008, nos termos no oficio n.º 000123736, constante de fls.30 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta os seguinte:
“ (…)
(…)”

6. Em 1/6/2009, o Autor pronunciou-se em sede de audição prévia, sobre o cancelamento do benefício fiscal, nos termos constantes de fls. 1 a 7 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, pronuncia na qual pugna pela manutenção do benefício fiscal.

7. Em 19/3/2009, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Chamusca proferiu o despacho constante de fls. 17 a 18 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta o seguinte:
(…)
Analisando:
d) As dívidas referem-se a coimas, IVA, IRS e IRC dos anos de 2003 a 2008, por reversão da firma C…, S.A contra o cônjuge de Sr. J…por ter exercido a gerência daquela empresa e não serem conhecidos bens suficientes para o pagamento das dívidas fiscais.
e) A responsabilidade do cônjuge decorre dos art.º 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) e 8.º, n.º 1 do Regime Jurídico das Infracções Tributárias (RGIT), nos Processos de Execução Fiscal (PEF) n.º 1996200701006681 e apensos.
f) O cônjuge do requerente foi citado na qualidade de responsável subsidiário em 7/11/2008, e dentro dos prazos legais não requereu o pagamento (a pronto ou prestações), nem apresentou impugnação das liquidações ou Oposições às Execuções, pelo que se consolidou o despacho de reversão e citação de 21/8/2008 e 25/6/2008.
(…)
h) A questão da comunicabilidade das dívidas não se coloca nesta situação, porque não lhe está a ser exigido o seu pagamento.
i) Quanto à questão da citação do cônjuge a que se refere o art.º 220.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), ela só poderá acontecer caso seja feita a penhora de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, o que até à presente data ainda não aconteceu.
(…)
j) O que está em causa é o cumprimento dos art.º 14.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e 14.º, alíneas a) b) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
(…)
k) Ora, sendo a tributação feita pela globalidade dos rendimentos, a responsabilidade do imposto que possa ser devidos não é repartida, mas sim imputada na totalidade a cada um dos cônjuges, tal como os benefícios aproveitam à totalidade do rendimento e não apenas àquele que se apresente como titular desse beneficio.
l) Assim, verificando-se que um dos s.p. do agregado familiar tinha em 31/12/2008, dívidas em execução que não foram objecto de Reclamação graciosa, Impugnação ou Oposição com prestação de garantia idónea mantenho o despacho de cancelamento dos benefícios fiscais ao agregado familiar do Sr. J…, conforme art. 12.º, n.º 5 do EBF.
(…)”

8. Em 2/6/2009, o Serviço de Finanças de Chamusca emitiu o ofício n.º 125627, com o assunto: “Decisão pela cessação na sequência do exercício do direito de audição prévia” constante de fls. 16 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido do qual consta “cessação do efeito do benefício de deficiência fiscalmente relevante – isenção de rendimentos da categoria A”.

9. Em 24/7/2009, foi emitida a liquidação de IRS n.º 4004788881, relativa ao ano de 2008, constante de fls. 37 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.

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Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.”.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal a quo julgou a presente acção administrativa especial procedente tendo considerado que o despacho proferido em 19/03/2009 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Chamusca ao determinar a cessação do benefício fiscal por deficiência fiscalmente relevante do ora Recorrido padecia de ilegalidade porquanto “(…) Resulta da matéria de facto provada que o Autor possui um atestado de incapacidade multiuso, com uma discriminação de deficiência motora de 95%, e que pelo menos desde o ano de 2007, que apresenta a declaração anual de IRS, juntamente com o seu cônjuge, na qualidade de casados.
Nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 2 do CIRS: “Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção”.
Estando em causa dívidas de impostos incidentes sobre determinados bens, quer sobre actividades lucrativas, são da responsabilidade de ambos os cônjuges, a responsabilidade pelo seu pagamento, podendo qualquer deles praticar todos os actos relativos à situação tributária do agregado familiar e aos bens e interesses do outro cônjuge, nos termos do art. 16° da LGT.
No Artigo 1691.º, al. d) Código Civil, o legislador estabelece que são comuns as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio.
Porém, respeitando as dívidas exequendas a dívidas de IVA, IRC, IRS e coimas, da sociedade originária devedora C… que foram objecto de reversão contra a cônjuge do Autor (cf. pontos n.º 5 e n.º 7 dos factos provados), tais dívidas não são da responsabilidade de ambos os cônjuges, antes dívidas da responsabilidade exclusiva do cônjuge mulher, porque respeitantes a indemnizações por facto imputável a cada um dos cônjuges (cf. a alínea b) do artigo 1692.º do Código Civil e JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, II volume, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, pp. 450/451 – nota 3 ao artigo 220.º do CPPT).
Neste sentido, ver o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 16/11/2011, no processo no n.º 0518/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual se decide:
“(…) As dívidas que reverteram para um dos cônjuges, como responsável subsidiário por dívidas de sociedade originariamente devedora, não são da responsabilidade de ambos, porque respeitantes a indemnizações por facto imputável a cada um dos cônjuges (cf. a alínea b) do artigo 1692.º do Código Civil).
(…)”
O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 9/5/2012, no processo no n.º 0224/12, disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual se decide:
As dívidas tributárias que um dos cônjuges seja chamado a pagar por força da sua responsabilidade subsidiária enquanto gerente da sociedade devedora, são da sua exclusiva responsabilidade, porque respeitantes a indemnizações por facto imputável a cada um dos cônjuges (alínea b) do artigo 1692.º do C. Civil).
(…)
Não tendo o gerente da sociedade a qualidade de comerciante, atento o facto de o autor dos concretos actos de comércio ser a sociedade e não o respectivo gerente, não pode responsabilizar-se o seu cônjuge à luz da alínea d) do artigo 1691.º do C. Civil.
(…)
Tais dívidas também não são comunicáveis à luz da alínea c) do artigo 1691.º do C. Civil, por ser patente que não emergem de uma actividade de administração dos bens do casal. Para além disso, e sabido que, em princípio, o proveito comum do casal não se presume, sempre teria o credor, para responsabilizar ambos os cônjuges pelo pagamento da dívida ao abrigo dessa alínea, de articular factos demonstrativos da existência do proveito comum.
(…)”
Nos termos do artigo 13.º, n.º 7 do CIRS as pessoas que compõe um agregado familiar não podem ser consideradas sujeitos passivos autónomos, valendo como relevante a situação familiar dos sujeitos passivos no último dia do ano a que o imposto respeite.
Contudo, o benefício fiscal concedido por posse de deficiência, é um benefício fiscal de natureza individual por referência à condição do individuo, seu beneficiário.
Atente-se ainda, ao disposto no artigo 12.º, n.º 5, alínea a) do Estatuto dos Benefícios Fiscais supra, transcrito «O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, e das contribuições relativas ao sistema da segurança social e se mantiver a situação de incumprimento» ou seja, tal falta de pagamento tem que efectivamente ser imputável ao sujeito passivo que usufrui do benefício fiscal, o que não é caso face à incomunicabilidade da divida.
Pelo que se conclui, que o acto impugnado é ilegal por falta de fundamento legal para a cessação do beneficio fiscal concedido ao Autor, por inexistência de incumprimento das suas obrigações fiscais, não estando reunido o pressuposto previsto no artigo 12.º, n.º 5, alínea do EBF.”.

Discordando do assim decidido veio a AT alegar no presente recurso jurisdicional que a sentença padece de erro de julgamento na medida em que o Recorrido e a sua esposa apesentaram a declaração para efeitos de IRS do ano de 2008 assinalando a qualidade de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, e, nos termos da alínea a) do nº 3 do art. 13º do CIRS o seu agregado familiar é constituído por ambos os sujeitos passivos, incidindo o imposto sobre o conjunto dos rendimentos independentemente da sua titularidade (nº 1 do art. 59º do CIRS).
Defende que basta a existência de dívidas do agregado familiar, independentemente da sua titularidade, para que o benefício fiscal, que o Recorrido detém em sede de IRS, fique comprometido.

Mais alega que o entendimento vertido na sentença recorrida viola o princípio da igualdade.

Vejamos então.

A Recorrente insurge-se com a interpretação e aplicação do disposto no art. 14º, nº 5 do EBF e art. 13º, nº 2 do CIRS constante da sentença recorrida, defendendo que o IRS abrange a totalidade dos rendimentos auferidos pelos membros do agregado familiar, e tendo sido apresentada declaração de rendimentos conjunta, são ambos sujeitos passivos de imposto que incide sobre o conjunto dos rendimentos, independentemente da sua titularidade.

Mais alega que não obstante as dívidas serem contraídas apenas por um membro do casal, basta a existência de dívidas do agregado familiar, independentemente da sua titularidade, para o benefício fiscal ficar comprometido.

Finaliza acrescentando que, não obstante tratar-se de um benefício individualizado, face a uma declaração conjunta, a colecta é una, logo, as deduções à colecta não se podem repartir.

No caso em apreço resultou provado que foi emitido em nome do Recorrido um atestado de incapacidade multiuso com um grau de deficiência motora de 95%, tendo sido apresentadas, em conjunto com a sua cônjuge, as declarações de rendimentos para efeitos de IRS dos anos de 2006, 2007 e 2008 acompanhadas do anexo H referente a benefícios fiscais (cfr. pontos 1 a 4 do probatório).

Posteriormente o Recorrido foi notificado do projecto de decisão de cessação do benefício fiscal decorrente de deficiência fiscalmente relevante – isenção de rendimentos da categoria A, face à existência de dívidas da sua cônjuge (cfr. ponto 5 do probatório).

Após o exercício do direito de audição, no qual defendeu a manutenção do benefício fiscal, foi proferido o despacho de cessação do benefício fiscal nos termos do art. 14º, nº 5, alíneas a) e b) do EBF e art. 13º, nº 2 do CIRS cujo teor consta do ponto 7 do probatório.

Resultou ainda provado que as dívidas em questão decorrem de reversão da execução fiscal contra a cônjuge do Recorrido na qualidade de responsável subsidiária da sociedade C…, S.A de coimas, IVA, IRS e IRC dos anos de 2003 a 2008, não tendo as mesmas sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição (como consta do teor do despacho de cessação do benefício fiscal).

Importa desde já salientar que a doutrina e a jurisprudência têm entendido de forma pacífica que, “as dívidas que um dos cônjuges seja chamado a pagar por força de responsabilidade tributária subsidiária é da sua exclusiva responsabilidade e não da responsabilidade de ambos os cônjuges, porque respeitantes a indemnizações por facto imputável a cada um dos cônjuges, recaindo unicamente sobre o gerente e não também sobre o seu cônjuge (alínea b) do artigo 1692.º do Código Civil) (Cfr. entre outros, os Acórdãos proferidos pelo STA em 18/02/1998, no Proc. n.º 021438, em 21/6/2000, no Proc. nº 22.164, em 31/1/2001, no Proc. nº 023428, em 5/12/2001, no Proc. nº 021438 (Pleno) e de 16/11/2011, no Proc. n.º 0518/11 e JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, II volume, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, pp. 450/451 – nota 3 ao artigo 220.º do CPPT.).
Tratando-se de dívidas tributárias contraídas pela sociedade em função e por motivo da sua própria actividade comercial, e não contraídas pela C… no exercício de actividade comercial própria, nunca a dívida poderia ser considerada como comunicável à luz da alínea d) do artigo 1691.º do C.Civil (A alínea d) do artigo 1691.º estabelece que responsabilizam ambos os cônjuges «As dívidas contraídas por qualquer um dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens».). A executada C … não detém, pelo facto de ser gerente, a qualidade de comerciante, e só se estivéssemos em presença de dívidas contraídas no exercício de actividade comercial desenvolvida pela própria durante o período de tempo em que se encontrava casada com o oponente (caso em que se presumia que as dívidas haviam sido contraídas em proveito comum do casal) é que se podia imputar a responsabilidade pelo pagamento dessas dívidas a ambos os cônjuges.
(…)
Mas ainda que se pudesse tentar agora justificar essa comunicabilidade à luz da alínea c) do art.º 1691.º do C.Civil (A alínea c) do artigo 1691.º estabelece que responsabilizam ambos os cônjuges «As dívidas contraídas na constância do património pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração.».), seria necessário que estivesse demonstrado que a dívida fora contraída no exercício de função ou actividade administradora dos bens do casal, em proveito comum e nos limites dos seus poderes de administração, sendo que o exercício dessa actividade se encontra legalmente reportada à administração dos bens ou património comum que o cônjuge esteja incumbido de desenvolver, e não ao exercício do cargo de administrador/gerente de uma pessoa colectiva – como é uma sociedade comercial – da qual o gerente (ou o casal) pode nem deter qualquer participação social.
Ora, face à origem e natureza da dívida exequenda, é patente que não está em causa uma dívida emergente de actividade administradora dos bens do casal. Para além disso, e sabido que, em princípio, o proveito comum do casal não se presume (cfr. nº 3 do art.º 1691.º), sempre teria o credor, para responsabilizar ambos os cônjuges pelo pagamento da dívida ao abrigo da alínea c) do artigo 1691.º, de articular factos demonstrativos da existência do proveito comum, o que não aconteceu.”. (Cfr. Acórdão do STA de 09/05/2012 – proc 0224/12 igualmente citado na sentença recorrida).

Fica assim assente que as dívidas da cônjuge do Recorrido são da sua exclusiva responsabilidade e não da responsabilidade de ambos os cônjuges, não sendo essas dívidas comunicáveis nos termos do art. 1691º, alínea c) do Código Civil.

Na verdade, a responsabilidade pelo pagamento da dívida é imputada à cônjuge mulher, sendo que sobre o Recorrido não existe a obrigação de pagamento da dívida em causa ou de suportar patrimonialmente as consequências do seu não pagamento (nesse sentido veja-se o Ac. do TCA Sul de 24/06/2021 – proc. 3008/06.9BELSB).

Importa ainda tomar em consideração o disposto no art. 13º, nº 2 do CIRS ao consagrar (na redação ao tempo) que “Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção

Como se afirma no Ac. do STA de 13/11/2013 - proc. 215/12 “o IRS incide sobre o conjunto dos rendimentos das pessoas que compõem o agregado familiar, considerando-se sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção (art. 13º nº 2 CIRS), sendo este agregado constituído pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes (art.13º nº 3 CIRS)
Competindo a direcção da família a ambos os cônjuges (art. 1671º nº 2 CCivil) e existindo agregado familiar deve ser apresentada um única declaração pelos dois cônjuges ou por um deles, se o outro for incapaz ou ausente (art. 59º nº 1 CIRS). E, no caso de ocorrer separação de facto, cada um dos cônjuges pode apresentar uma declaração autónoma dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo (art. 59º nº 2 CIRS)
Nos termos do artº 21º nº 1 da LGT salvo disposição legal em contrário, quando os pressupostos do facto tributário se verificarem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária.”.

Para efeitos de IRS é igualmente pacífico o entendimento de que ambos os cônjuges são solidariamente responsáveis pelas dívidas daquele imposto, independentemente de quem auferiu o rendimento tributado.

Na verdade “Antes da alteração do Código do IRS operada pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12 – em que vigorava o regime imperativo da tributação conjunta ou cumulada do agregado familiar para cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens – o imposto incidia necessariamente sobre o conjunto dos rendimentos das pessoas que constituíssem o agregado familiar (regra de incidência objectiva), considerando-se como sujeitos passivos ambos os cônjuges (regra de incidência subjectiva), os quais não podiam ser considerados sujeitos passivos autónomos (art. 13º, nº 6 do CIRS).
III - O que significa que a família assente no casamento se encontrava configurada pelo legislador como unidade económica ou unidade fiscal para efeitos de IRS.” (cfr. Acórdão do STA de 06/09/2017- proc. 950/17).

A questão a resolver nos presente autos prende-se com as consequências da existência de dívidas apenas da responsabilidade da esposa do Recorrido, resultantes de reversão de execução fiscal, e a sua repercussão na concessão do benefício fiscal do seu marido, de natureza pessoal, decorrente da sua situação de invalidez de 95%, com consequências na liquidação de IRS do ano de 2008.

Nos termos do n.º 1 do artigo 2° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1/7) “consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.

E o n.º 2 do artigo 2 do EBF consagra ainda que “são benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta (...)“.

Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o art°.12, n°.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 30.10.2012, rec. 05913/12.

Como decorre do n.º 5 do artigo 14.º do EBF “no caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações:
a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento;
b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível”.

Mais consagra o seu n.º 6 que “verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior, o benefícios automáticos não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos.”

Tal como acima foi referido, o Recorrido não incorreu em qualquer situação irregular relativamente às suas obrigações tributárias de pagamento, pelo que o segmento da alínea a) do nº 5 do art. 14º do EBF não se mostra preenchido.

Finalmente alega a Recorrente que a interpretação vertida na sentença recorrida viola o princípio da igualdade.

Recorde-se que “I- o princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global.
II - Trata-se, aqui, de um princípio de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais.” (cfr. Ac. do STA de 23/085/2002 – proc. 0716/02)

Pese embora a Recorrente não tenha densificado em que termos considera que ocorreu a violação do principio da igualdade por parte do Tribunal a quo, sempre se dirá que, a decisão proferida assentou na aplicação, ao caso concreto, das disposições legalmente consagradas, pelo que, não podemos afirmar que a solução dada ao litígio violou o princípio da igualdade.

Em face do exposto entendemos que a decisão proferida pelo tribunal a quo não merece qualquer reparo, sendo de negar provimento ao recurso.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente
Lisboa, 6 de Dezembro de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto