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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:165/04.2BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DEFICIT INSTRUTÓRIO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CADUCIDADE DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I- A sanação de deficiências prevista no preceito legal 37.º do CPPT, aplica-se aos casos em que o próprio ato contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respetiva notificação, não podendo extrair-se do não uso dessa faculdade quaisquer consequências quanto à validade ou invalidade do ato notificado.
II- Padece de deficit instrutório a decisão recorrida que julga improcedente a falta de fundamentação dos atos tributários e a caducidade do direito à liquidação, sem ter indagado, fixado e ponderado na decisão recorrida a factualidade atinente para o efeito, pese embora a sua relevância para a descoberta da verdade material.
III- Desconhecendo-se o teor dos atos de liquidação, mormente, se existe alguma remissão para algum documento, ato, procedimento ou relatório inspetivo, e desconhecendo-se, outrossim, o teor dos ofícios de notificação, sendo controversa a questão da validade da notificação dos atos tributários impugnados, deparamo-nos, inequivocamente, com deficit de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.
IV- Tendo sido julgado improcedente o pedido da Impugnante, ora Recorrida, com visível deficit instrutório, impõe-se a anulação oficiosa da decisão recorrida, de molde a permitir que, no Tribunal a quo, sejam efetivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos factos apontados como deficitariamente instruídos, e demais diligências que se afigurem pertinentes para percecionar, de forma rigorosa e fidedigna a realidade dos factos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

B....., LDA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes ao ano de 1997, e respetivos Juros Compensatórios (JC), no valor global de €178.987,65.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I-Do artigo 60.° da LGT, com a redacção em vigor à data dos factos, resulta(va) que o direito de audição havia de ser concedido em cada uma das fases elencadas nas várias alíneas do seu n.° 1, ou seja, estabelecia-se de forma clara e precisa a concretização em lei ordinária do comando constitucional vertido no artigo 267.°, n.° 5 da CRP.

II-Pelo que, assim sendo, impunha-se que fosse facultada aos contribuintes, in casu à aqui Recorrente, a possibilidade de exercer o direito de audição antes de cada uma daquelas situações.

III-Não é pelo simples facto de o legislador atribuir a uma lei natureza interpretativa em relação a outra que tal deva ou possa ser aceite de forma acrítica pelo intérprete, para que uma lei possa ser tida como interpretativa ela tem de ter vindo colocar cobro a uma controvérsia ou, pelo menos, forte incerteza sobre a interpretação de determinada regra jurídica.

IV-Ora no presente caso tal não ocorria uma vez que já se tinha vindo a sedimentar uma sólida e reiterada jurisprudência de tribunais superiores no sentido de que era necessária a concessão do direito de audição em todas as fases referidas no n.° 1 do artigo 60.° da LGT.

V. Pelo que a intervenção do legislador nada teve de realmente interpretativo a não ser o nomen juris atribuído.

VI. A isto acresce que no entender da recorrente as leis interpretativas nem são admissíveis em direito tributário, pois que sempre tal teria como consequência uma aplicação retroactiva da lei fiscal o que hoje se tem por assente ser vedado pelo artigo 103.°, n.° 3, da CRP, especialmente quando, como é o caso, estão em causa garantias dos contribuintes.

VII. Pelo que ao assim ser, como a Recorrente entende que o é, a interpretação e aplicação in casu do artigo 60.°, n ° 3, da LGT com um putativo efeito interpretativo que lhe foi dado pelo artigo 13.° da Lei n.° 16 - A/2002, de 31.5 se afigura violadora do artigo 103.°, n.° 3 da CRP, pelo que a sua aplicação deve ser recusada pelos tribunais, ou seja, tal interpretação é materialmente inconstitucional por violação do princípio da irretroactividade.

VIII. A Recorrente invocou igualmente que a notificação da liquidação que lhe foi efectuada é nula, isto uma vez que viola o comando do artigo 88.°, n.° 4, do CIVA, e porquanto a notificação efectuada não contém os novos elementos ou factos através dos quais chegaram ao conhecimento da DGCI.

IX. Ora sendo a notificação nula é a mesma insusceptível de produzir quaisquer efeitos e entre esses se encontra a interrupção do prazo de caducidade que assim sendo não ocorreu.

X. Essa é, aliás, a sanção que decorre para a nulidade nos termos do artigo 134.° do CPA pelo que ocorreu efectivamente a caducidade do direito à liquidação.

XI. Todos os actos tributários terão de ser fundamentados querendo tal dizer que a conclusão da acção inspectiva carece de ser devidamente fundamentada mas também 0             acto de liquidação o terá de ser, isto uma vez que se tratam de actos que, ainda que integrados numa mesma cadeia, são autónomos e sendo-o cada um deles careceria de uma fundamentação própria.

XII. Ora no presente caso o acto de liquidação notificado ao referir como fundamentação de suporte “Outros motivos” manifestamente não cumpre com um mínimo de fundamentação exigível, sendo certo que tal acto de liquidação nem sequer remete para o relatório de inspecção.

XIII. Sendo certo que nos termos do artigo 35.°, n.° 8, da LGT os juros compensatórios se integram na própria dívida de imposto menos verdade não será que, nos termos do n° 1      do mesmo normativo, os ditos juros dependem de um comportamento culposo imputável à Recorrente que retardou a liquidação do imposto. 

XIV. Ora como a responsabilidade objectiva não existe no presente caso nem a mesma se presume deveria ter sido fundamentada, que não foi, a razão de ser de tais juros e não apenas serem os mesmos lançados na notificação da liquidação efectuada pelo que padece a liquidação de juros de falta de fundamentação sólida que a sustente.

XV. O CIVA tem de ser lido em articulação com a 6a Directiva uma vez que, como é sabido, apesar de o IVA ser um imposto nacional é o mesmo de matriz comunitária e sendo certo que o artigo 2.°, n.° 1, c), do CIVA parece impor a entrega do IVA indevidamente mencionado na factura pelo respectivo emitente tal solução da legislação nacional não passa no crivo da sua conformidade com o Direito Comunitário derivado, e teria de passar.

XVI. Isto desde logo porque estaria a ocorrer um verdadeiro enriquecimento sem causa do Estado Português ao receber um imposto a que não tinha direito o que não é lícito como já decidiu o TJCE nos arestos supra citados.

XVII.           Porquanto violador do artigo 28°, n. 2, da Sexta Directiva 77/388.

XVIII. A Sentença recorrida obliterou, ainda, em absoluto, que, por força do disposto no art. 6 o, n.° 7, al. a), do CIVA, a operação em causa não estava sujeita a IVA em Portugal, mas sim a IVA em França, uma vez que os serviços prestados pela Recorrente à W..... SARL, com sede em França (ver ponto 7. Dos factos provados), dizem respeito a serviços de isolamento prestados pela Recorrente àquela sociedade num imóvel situado em França.

XIX. Concomitantemente, tais serviços estiveram sujeitos a IVA em França, onde existe regime semelhante ao constante do art. 6.°, n 0 8, al. a), do CIVA, que tributa as prestações de serviços relacionadas com um imóvel sito no território nacional, facto que motivou, aliás, a Recorrente a mencionar nas suas facturas o IVA devido em França e que entregou ao fisco Francês.

XX. Assim, o IVA declarado nas facturas em causa não podia ter sido, nem em concreto foi, deduzido pela sociedade que o suportou - a ‘W.....  SARL’ -, na medida em que esta sociedade não era sujeito passivo de IVA em Portugal.

XXI. Mais, tal mesmíssimo IVA foi já entregue pela Recorrente ao Estado Francês.

XXII. Afigurando-se, ademais, que sendo o IVA devido pela Recorrente em França - pois, à data dos factos, inexistia a figura do reverse charge -, nem sequer estamos perante uma situação de IVA indevidamente mencionado nas facturas em causa, subsumível no art. 2.°, n.° 1, al. c), do CIVA. 

XXIII. Considerou que por faltarem alguns dos elementos previstos no artigo 35.° do CIVA aos elementos de suporte o IVA não seria dedutível nos termos do artigo 19.° do CIVA.

XXIV. Mas tal não é certeiro atenta a jurisprudência do TJCE supra citada em último lugar.

XXV. Pelo que, por tudo quanto vem de se alegar, violou a sentença os artigos 103.°, n.° 3, e 8.°, n.° 4, da CRP, 60.°, 77.° e 35.°, n.° 8, da LGT, 6.°, n.° 7, al. a), e 88.°, n.° 4, do CIVA, 134.° do CPA, 22.°, n.° 3, e 28.°, n.° 2, da Sexta Directiva IVA, não se podendo assim manter, antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento à pretensão da Recorrente, anulando- se a liquidação impugnada.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR DECISÃO QUE DÊ PROVIMENTO À PRETENSÃO DA RECORRENTE, ANULANDO A LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA.


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A Recorrida devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:

1) O ora Impugnante está enquadrada para efeitos do Iva no Regime normal mensal, (folhas 16 do processo administrativo);

2) A sua actividade baseia-se em obras de isolamento, com o código CAE 45320 (cf. fls. 16 do processo administrativo);

3) Os serviços de inspecção tributária procederam à análise da contabilidade da impugnante, através da ordem de serviço n.º ....., com despacho de 07/05/2001 tendo procedido a correcções de Iva de 1997, no montante de imposto em falta no valor de €240.630,11 e juros compensatórios no montante de € 154.628,66 (cf. fls. 70, Vol. I do processo administrativo);

4) O impugnante exerceu o direito de audição em 06/12/2001,

5) O impugnante deduziu Iva no montante de 50.150$00, €250,15, relativo a honorários e serviços especializados, referente a advogados, através de documentos internos não tendo apresentado os respectivos recibos (cf. fls. 80, Vol. I do processo administrativo);

6) Em consequência do mencionado na alínea anterior, os serviços de inspecção procedeu às correcções no valor de 50.150$00, €250,15 referentes aos períodos de Janeiro/1997 no montante de 9.350$00 €50,88, Abril/1997 no valor de 10.200$00 € 131,50, Julho/1997 no montante de 10.200$00 €131,50, Novembro/1997 no montante de 10.200$00 €131,50 e Dezembro/1997 no montante de 10.200$00 €31,50 (cf. fls. 80, Vol. I do processo administrativo);

7) O impugnante liquidou mas não entregou Iva à taxa de 20,6% referente às facturas emitidas à sociedade “W.....  SARL”, com sede em França, relativas a prestações de serviços isentas de Iva, apesar de não ter feito referência ao art.º 14.º do CIVA, ascendendo ao montante de24.494.685$00 (cf. fls. 81, Vol. I do processo administrativo).

1. As facturas mencionadas na alínea anterior são:

 

9. Em face do mencionado na alínea anterior, os serviços de inspecção procederam ao apuramento do Iva no valor total de 24.494.685$00, €122.178,97 referente aos períodos de Agosto/97 o valor de 4.900.606$00 24.444,12, Outubro/1997 no valor de 4.671.703$00 € 22.302,36 Novembro/1997 no montante de 6.077.878$00 € 30.316,33 e Dezembro/1997 no valor de 8.844.498$00 € 44.116,17 (cf. fls. 82, Vol. I do processo administrativo);

10. No âmbito do direito de audição em sede de inspecção, o impugnante declarou, que quanto aos honorários/serviços especializados, os documentos contabilizados n.º 2095 de Novembro/97 e 2287 de Dez/97, relativos às fotocópias dos cheques n.º ..... do Banco Comercial Português e ..... do Banco Pinto Sotto Mayor, dizem respeito a pagamentos efectuados ao Dr. N....., (anexo 9 fl. 334, 337 e 338 conjugado com fl. 82º do Processo administrativo)

11. As fotocópias dos duplicados dos recibos n.º 0883973 e 0883977, apresentadas pelo impugnante foram emitidos pelo Dr. R....., não tendo sido aceite o valor de €598,56, 120.000$00, relativos a honorários. (cf. fls. 89, Vol. I do processo administrativo);

12. Quanto aos honorários no valor de 175.000$00, € 872,90, (295.000$00 € 1.471,45 – 120.000$00 € 598,56), a impugnante apresentou fotocópias dos duplicados dos recibos n.º 0473373, 0473430 e 0540559, que (cf. fls. 89, Vol. I do processo administrativo);

13. Em consequência das correcções supra, foi preenchida a nota de apuramento Mod. 382, quantificado o valor de imposto devido e os respectivos juros compensatórios, período a período (fl. 69 frente e verso do anexo vol. I do processo administrativo);

14. Em consequência foram emitidas as liquidações controvertidas e referidas a fl. 41 dos autos;

15. As liquidações foram notificadas em 22/03/02;

16. Em 20/06/2002 o impugnante deduziu reclamação graciosa, que foi parcialmente deferida, quanto ao valor de € 4.053,63 e ao valor de € 2.032,99 relativamente a juros compensatórios (cf. fls. 976, Vol. IV do processo administrativo).


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Na decisão recorrida consta como factualidade não provada o seguinte:

“Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, referentes ao ano de 1997, e respetivos JC.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto face aos factos apurados, incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ao ter decidido pela inexistência dos vícios arguidos, mormente, falta de fundamentação dos atos tributários e caducidade do direito à liquidação.

Apreciando.

A Recorrente imputa, desde logo, erro de julgamento de direito por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito relativamente à notificação do ato de liquidação, mormente, nulidade face aos elementos que a mesma tem de contemplar e consequências daí dimanantes para efeitos da caducidade do direito à liquidação, a qual reitera, e bem assim falta de fundamentação dos atos de liquidação impugnados.

No concernente à falta de fundamentação dos atos tributários, sustenta que todos os atos tributários terão de ser fundamentados, mormente, os atos de liquidação os quais, não obstante, estarem integrados numa cadeia, são autónomos, carecendo, por conseguinte, de uma fundamentação própria.

Relevando, neste particular, que o ato de liquidação se limita a evidenciar a menção “Outros motivos”, o que, manifestamente, não cumpre com um mínimo de fundamentação exigível, quando, de resto, nem tão-pouco remete para o Relatório de Inspeção Tributária.

Mais aduz, que a notificação da liquidação que lhe foi efetuada é nula, donde insuscetível de produzir quaisquer efeitos, o que obsta, per se, a interrupção do prazo de caducidade, donde à sua concreta verificação.

Ora, atentando nas alegações de recurso e no decidido pelo Tribunal a quo, e tendo presente o probatório dos presentes autos, ajuizamos que não nos encontramos munidos de todos os elementos que permitam decidir as questões sub judice, por padecerem as mesmas de deficit instrutório.

Expliquemos porque, assim, o entendemos.

Comecemos pela questão da falta de fundamentação dos atos impugnados.

A Recorrente na sua p.i., aduz, desde logo, que as liquidações não continham a respetiva fundamentação, “[b]astando-se com a menção de “outros motivos”, na liquidação do imposto e na expressão genérica “atraso a liquidação ou entrega do imposto por facto imputável ao sujeito passivo” no caso dos juros compensatórios.”

Sustentando o Tribunal a quo que: “[n]ão padece da falta de fundamentação formal a liquidação adicional de IVA, quando a fundamentação constante do relatório da inspecção tributária, permite ao contribuinte apreender, de forma clara, suficiente e congruente, a motivação por que tal liquidação teve lugar”.

Relevando, outrossim, que no caso vertente “[o] impugnante foi notificado do projecto relatório tendo-se pronunciado sobre ele quando exerceu o seu direito de audição, pelo que quando o projecto foi emitido continha toda a fundamentação.”

Ademais, enfatiza que “[q]uando foi notificado da liquidação supra, poderia suprir tal falta, requerendo uma certidão nos termos do artº 37.º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, não o fazendo, tal vício a existir, foi sanado.”

Vejamos, então.

A fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontrava-se previsto no artigo 82.º do CPT, sob a epígrafe “fundamentação dos atos tributários”, o qual preceituava:

“A fundamentação dos atos tributários conterá, ainda que de forma sucinta, as disposições legais aplicadas, bem como a qualificação e quantificação dos factos e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto”.

Na LGT, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” [1].

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente[2].

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto[3]”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09)[4]” (destaques nossos).

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

Do probatório quanto aos atos de liquidação de IVA e respetivos atos de liquidação de JC, especificamente quanto ao seu teor, encontramos apenas a menção no ponto 14:

“14. Em consequência foram emitidas as liquidações controvertidas e referidas a fls. 41 dos autos;

Ora, da redação da aludida factualidade não se extrai o teor das aludidas liquidações, sendo que é curial para análise do aludido vício formal conhecer o seu teor integral para aquilatar da suficiência das menções neles contidas, para efeitos de densificação casuística do dever de fundamentação.

É certo que o Tribunal ad quem, ao abrigo do artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, tem plenos poderes para alterar, seja por complementação, ou por supressão, o probatório, porém só pode fazê-lo, naturalmente, quando esteja munido de todos os elementos documentais atinentes para o efeito, o que não sucede, de todo, no caso vertente.

E isto porque, dos autos e bem assim do processo administrativo tributário, não constam os aludidos atos de liquidação de IVA e respetivos JC, apenas uma listagem-fls. 41 dos autos, que corresponde à informação do artigo 111.º do CPPT, indicada no ponto 14 do probatório a que fizemos alusão- com a enumeração dos atos de liquidação, e com a mera indicação do seu número e valor do imposto.

Ora, como é bom de ver, os suportes documentais que se coadunam com os atos de liquidação de IVA e respetivos JC são fundamentais para apreciação do erro de julgamento que é assacado ao vício formal da falta de fundamentação, porquanto só aquilatando do seu teor integral se consegue aferir se os mesmos estão suficientemente fundamentados ou não.

Até porque, só dessa forma se consegue atestar se existe alguma remissão para qualquer documento ou fundamentação já remetida, mormente, para efeitos do Relatório de Inspeção Tributária, sendo que essa realidade é expressamente alegada pela Recorrente, carecendo, por isso, de ser devidamente escalpelizada. Noutra formulação, é fundamental indagar-se se foi estabelecida qualquer ligação ou conexão, mormente, ao Relatório de Inspeção, ou a qualquer outra decisão ou procedimento.

Neste particular, vide o Acórdão do STA, proferido no processo nº 0399/13, de 24 de abril de 2019:

“O vício formal de falta de fundamentação a ocorrer contende com a validade do acto tributário. A obrigação de fundamentar o acto de liquidação dando a conhecer aos respectivos destinatários, de forma expressa e acessível, os motivos - fundamentos factuais e as razões legais - por que se decide de determinado modo e não de outro mais não é que a concretização da obrigação geral de fundamentação dos actos administrativos, imposta pelos artigos 268º nº3 Constituição da República Portuguesa, 135º CPA e 77.º da Lei Geral Tributária.

Quando a decisão administrativa enuncia explicitamente as razões ou motivos que conduziram a entidade administrativa à prática do acto revela a ponderação do interesse público, e permite que o administrado percorra o processo mental que conduziu à decisão, para que, esclarecidamente, a ela adira ou contra ela possa reagir através dos meios legais ao seu dispor. (…)

Não está em causa apenas uma notificação deficiente, incompleta ou obscura do acto de liquidação que não sendo dele invalidante apenas contenderia com a sua eficácia. O que o Tribunal recorrido julgou provado como acto de liquidação é o que consta daquele doc. 1 junto com a petição inicial o que revela ser um acto de liquidação que não estabelece qualquer ligação nem ao relatório de inspecção nem a qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação sendo, por isso, manifesta a falta de fundamentação do acto de liquidação que pouco mais informação contém que o montante a pagar.” (destaques e sublinhados nossos).

É certo que o Tribunal a quo, releva, outrossim, que tal vício estaria sanado porquanto não foi requerida a competente certidão de fundamentos, ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, porém sem razão.

Com efeito, o convocado artigo 37.º do CPPT cuja epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente”, reporta-se, tão-só, à notificação dos atos, visando regulamentar as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos atos notificados, porquanto com base nesse normativo apenas se podem suprir as deficiências da notificação mas não do ato notificado[5].

Por conseguinte, a sanação de deficiências prevista no preceito legal 37.º do CPPT, aplica-se aos casos em que o próprio ato contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respetiva notificação, não podendo, por isso, e inversamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, extrair-se do não uso da faculdade prevista no n.° 1 do artigo 37.° do CPPT quaisquer consequências quanto à validade ou invalidade do ato notificado[6].

Com efeito, não se pode assumir a prova de uma realidade sem se ter o respetivo suporte documental que traduza a realidade integral dos factos. Ademais, atenta a configuração do vício e a concreta causa de pedir constante no articulado inicial afigura-se que tais factos são vitais para dirimir o aludido vício, o qual não pode ser decidido sem que se realize a competente instrução.

In fine, e neste particular, convoque-se o doutrinado em recente Aresto do STA, proferido no processo nº 01752/16.1, datado de 16 de setembro de 2020, relativamente a deficit instrutório no âmbito de questão atinente à falta de fundamentação dos atos tributários e consequente anulação oficiosa da decisão, segundo o qual: “[e]ntendemos ser, no mínimo, preciso o apuramento e concretização de factos, constantes dos documentos dados por, integralmente, reproduzidos (e/ou outros), relacionados com as questões, levantadas por impugnante e impugnada, ou seja, segundo a abordagem de cada uma, em torno da fundamentação (ou falta dela) dos atos tributários de liquidação (IS e juros compensatórios), visados pela corrente impugnação judicial.”

Igual extrapolação se terá de realizar para o vício atinente à caducidade do direito à liquidação.

Note-se que a Recorrente, na sua p.i. e, ora, reiterado nas suas alegações de recurso convoca expressamente a nulidade da notificação -que não a sua mera ineficácia- sublinhando, neste e para este efeito, que “[s]endo a notificação nula é a mesma insusceptível de produzir efeitos e entre esses se encontra a interrupção do prazo de caducidade que assim não ocorreu.”

Ora, face às aludidas alegações e inexistindo nos autos, por um lado, os atos tributários impugnados, e por outro lado, os ofícios de notificação, tal inviabiliza o conhecimento dos aludidos vícios porquanto dependentes do exame dessa realidade fática[7].

Neste particular, convoque-se o Aresto do STA, proferido no processo nº 01528/08, de 30 de outubro de 2019, o qual doutrina, citando o Acórdão desse mesmo Tribunal, prolatado a 4 de outubro de 2017, proferido no processo com o n.º 660/15, que:

“[o] termo liquidação na LGT é empregue com um duplo sentido: o de procedimento e o de acto administrativo que culmina o procedimento e quer num sentido quer noutro a sua função consiste em fixar o “an e o quantum” da obrigação tributária e exigi-la ao obrigado tributário

A liquidação contém, assim, uma manifestação unilateral, da Administração Tributária sobre o montante da prestação que fixa de modo exacto indicando para tanto ao obrigado tributário o prazo e o órgão onde efectuar o pagamento, bem como os meios de defesa quer administrativos quer contenciosos que pode utilizar.

E só com a notificação válida do acto da liquidação é que se pode considerar totalmente encerrado o procedimento de liquidação.

[…]

Neste entendimento há que convir que embora quer conceptualmente quer materialmente distintos o acto administrativo da liquidação e o acto que o notifica, a notificação não deixa de integrar o procedimento de liquidação e embora não seja pressuposto da legalidade do acto da liquidação na medida em que a notificação é sempre um acto posterior é contudo pressuposto da sua eficácia donde o prazo de caducidade continuar a correr enquanto não ocorrer a notificação válida do acto que o interrompa.

E dado que neste caso e em todo o direito público a notificação adquire a relevância de princípio essencial no procedimento administrativo, como direito e garantia dos administrados ex vi do disposto no artigo 268.º do CRP, o artigo 45.º da LGT explicitando essa relevância e exigência constitucional, integrando a exigência de notificação da liquidação no prazo de caducidade do direito à liquidação faz decorrer a interrupção do prazo da caducidade do direito de liquidar pela AT não do momento em que pratica o acto de liquidação mas do momento da sua notificação ao sujeito passivo desse acto.

E decorrido o prazo de caducidade da liquidação sem que a sua notificação válida tenha ocorrido tal acto ainda que praticado dentro do prazo não deixa por força do artigo 45.º da LGT de estar ferido de ilegalidade”. (destaques e sublinhados nossos).

Assim, face ao supra aludido sendo controversa a questão da validade da notificação dos atos tributários impugnados, tendo sido, como visto, convocada a sua nulidade, tal pode, sendo caso disso, repercutir-se na questão da caducidade do direito de liquidar, donde, foi prematuro julgar inverificada a caducidade sem que os autos fornecessem todos os elementos de facto suficientes à pronúncia sobre essa questão.

Ora, atento o aludido deficit, resulta perentória a necessidade de realização de diligências instrutórias, mormente, a junção aos autos dos atos de liquidação de IVA e respetivos JC, e de todos os elementos para os quais, sendo caso disso, os mesmos remetem e bem assim dos respetivos ofícios de notificação, porquanto só dessa forma se pode aferir, com idoneidade e de forma fidedigna, da existência ou não dos evidenciados vícios.

Assim, face a todo o exposto, afigurando-se tais factos vitais para apreciar os invocados vícios e não contemplando os autos todos os elementos para decidir essas questões, deparamo-nos, inequivocamente, com deficit de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.

Assim, a factualidade pertinente para análise dos vícios atinentes à falta de fundamentação dos atos tributários e bem assim da caducidade do direito à liquidação, não foi, devidamente, indagada, fixada e ponderada na decisão recorrida, pese embora a sua relevância nos termos acabados de enunciar. Consequentemente, padece de deficit instrutório a sentença que decide as evidenciadas questões sem que dos autos constem elementos que permitam decidir os aludidos vícios[8].

Destarte, o Tribunal a quo julgou improcedente o pedido da Recorrente com visível deficit instrutório, impondo-se, por isso, anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º do CPC, a decisão recorrida, de molde a permitir que, no Tribunal a quo, sejam efetivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos factos apontados como deficitariamente instruídos, e demais diligências que se afigurem pertinentes para percecionar, de forma rigorosa e fidedigna a realidade dos factos.

Assim, impõe-se, então, a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que, após instrução e ampliação do probatório fixado nos termos suprarreferidos, decida dos aludidos vícios.

Como tal, resulta prejudicada a apreciação dos demais fundamentos.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova e diligências instrutórias, conforme acima se indica.

Registe. Notifique.

Sem custas.


Lisboa, 28 de janeiro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
[2] neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
[3] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[4] Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012
[5] Vide neste sentido, designadamente, Acórdãos, do STA, processo nº 0155/07, de 06.06.2007, TCAN, processo nº 00447/09, de 23.01.2020, TCAS, processo nº 08954/15, de 29.06.2016.
[6] Vide Aresto do STA, proferido no processo nº 0736/12, de 21.11.2012.
[7] Vide, Acórdão do STA, proferido no processo nº 021487, datado de 24.02.2011.
[8] Vide, designadamente, Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 00982/04, de 01.06.2017.