Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08165/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/08/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
ARTº.20, Nº.1, DO C.I.V.A. PRESSUPOSTOS LEGAIS DO DIREITO À DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO DE I.V.A. EM SEDE DE ACTOS PREPARATÓRIOS DA ACTIVIDADE DO SUJEITO PASSIVO.
Sumário:1. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
2. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
3. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
4. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
5. Nos termos do artº.20, nº.1, do C.I.V.A., só é dedutível o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados e que sejam pertinentes aos fins próprios da actividade do sujeito passivo. Não se destinando as aquisições a fins empresariais, não poderá o sujeito passivo proceder à respectiva dedução de acordo com o citado preceito.
6. O TJUE tem vindo a considerar que constituindo a actividade económica uma série de actos consecutivos, os actos preparatórios efectuados por um sujeito passivo que antecedem a fase operativa da mesma actividade deverão ser qualificados como conferindo direito à dedução, logo, também eles qualificados como actividade económica. No entanto, esta dedutibilidade está condicionada à existência de uma intenção de exercer a visada actividade económica, determinada por elementos objectivos e assente num procedimento de boa fé por parte do sujeito passivo.
7. A jurisprudência comunitária releva a existência de uma relação directa e imediata entre os bens e serviços adquiridos e uma ou várias operações projectadas com direito à dedução (de fornecimento de bens ou de prestação de serviços listados no artº.20, nº.1, do C.I.V.A.), a qual é, em regra, indispensável para que o direito à dedução do I.V.A. incorrido nos bens e serviços adquiridos seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão desse direito. Mais se admitindo o direito à dedução, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo. Assim, na ausência de um nexo "operação a operação" o direito à dedução subsiste se se verificar uma ligação, directa e imediata, com o conjunto da actividade económica desenvolvida, na medida em que esta confira tal direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.151 a 167 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pelo recorrido, "………………………………………., S.A.", tendo por objecto acto de indeferimento de pedido de reembolso de I.V.A. e a liquidação adicional de I.V.A. e respectivos juros compensatórios, relativos ao segundo trimestre de 2009 e no valor total de € 20.793,67.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.180 a 186 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A presente impugnação refere-se ao indeferimento do pedido de reembolso do IVA, assim como a respectiva liquidação adicional;
2-A douta sentença julgou a impugnação procedente, anulando o acto de indeferimento do pedido de reembolso do IVA relativo ao 2° trimestre de 2009, bem como a liquidação adicional, decisão com a qual a FP não se conforma, pelas seguintes razões;
3-O pedido de reembolso, solicitado na DP de 0906T, foi analisado em acção inspectiva de âmbito parcial relativa àquele trimestre e imposto;
4-Verificou-se, no entanto, que a recorrida não havia efectuado qualquer operação activa, nem possuía estrutura capaz de as realizar, pelo que não tem direito à dedução do IVA no valor de € 20.548,22, tendo sido efectuadas as respectivas correcções de natureza meramente aritmética;
5-A recorrida declarou o início de actividade em 1/01/2002, tendo-se registado pelo exercício da actividade de "Aldeamentos Turísticos com Restaurantes", sendo o objecto social a exploração, administração e gestão de aldeamentos turísticos, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim;
6-No entanto, nunca chegou a realizar qualquer operação activa nem tão pouco qualquer acto preparatório em seu nome;
7-Situação que se manteve até à data da audiência de inquirição de testemunhas, a qual se realizou em 2013, mais de 11 anos decorridos desde a data de início formal de actividade;
8-O sujeito passivo informou que, desde 2002, aguardava o desenrolar do empreendimento denominado por "A………………………………………..", cuja promoção está a cargo da empresa A………………………………………….., Ld.ª;
9-E ainda, que o IVA deduzido diz respeito a custos associados com a aquisição de serviços de âmbito de engenharia, arquitectura e consultoria jurídica e tributária, por forma a implementar as infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento da actividade societária;
10-Invocou a existência de um acordo não reduzido a escrito, segundo o qual cabia à sociedade-mãe A……………………………………, Ld.ª promover os licenciamentos necessários à instalação do empreendimento e ao desenvolvimento da actividade das sociedades participadas;
11-Da prova testemunhal não foi possível compreender a forma como os custos associados seriam repartidos. Não ficou provado o critério da sua repartição, nem a sua necessidade;
12-A sociedade dominante suportou os custos dos licenciamentos necessários à construção e exploração do empreendimento, mas imputou os mesmos, através da emissão de facturas suas, das quais consta IVA liquidado, às sociedades-filhas, como bem entendeu, imputação esta que originou pedidos de reembolso em todas as sociedades do grupo;
13-Também não ficou provado por que motivo a actividade nunca chegou a ser exercida, se foi ou não por facto a si imputável;
14-Não demonstrou, igualmente, a eventual intenção de vir a exercer a actividade;
15-Nos termos do disposto no art.20 n°1 do CIVA, só confere direito à dedução o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos ou utilizados pelo sujeito passivo para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
16-O que implica a necessidade de uma relação directa e imediata com as operações sujeitas a imposto a jusante, princípio subjacente ao funcionamento do IVA;
17-Salienta-se em suma que: a recorrida não exerceu a actividade para a qual foi criada; não praticou actos preparatórios da mesma; não possuía estrutura que o possibilitasse; o reembolso resulta de facturas emitidas directamente pela sociedade dominante; desconhece-se os termos do acordo entre as sociedades do grupo; desconhece-se o critério e a necessidade de repartição destas despesas pelas participadas; desconhece-se a razão pela qual a actividade nunca chegou a ser exercida, decorridos mais de 11 anos, nem, tão pouco, se a mesma foi imputável à recorrida; não ficou demonstrada a intenção de a vir a exercer;
18-As circunstâncias concretas e os factos supra descritos não foram devidamente valorados pela douta sentença recorrida, tendo incorrido em erro de julgamento e violado o já referido art.20 n°1 do CIVA;
19-Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha o indeferimento do pedido de reembolso de IVA e a respectiva liquidação, de acordo com o alegado só assim se fazendo JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.197 e 198 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.154 a 158 dos autos - numeração nossa):
1-A impugnante iniciou a atividade em 1/01/2002, encontrando-se coletada pela atividade de "Aldeamentos Turísticos com Restaurante" - CAE 55117 - e tendo como objeto social a exploração, administração e gestão de aldeamentos turísticos compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (cfr.por acordo);
2-A impugnante é uma sociedade participada pela sociedade "A…………………………, Lda." (cfr.por acordo e prova testemunhal);
3-Entre a impugnante e a sociedade "A……………………………………, Lda." existia um acordo, nos termos do qual, uma vez reunidas todas as condições que permitam a efetiva exploração do empreendimento turístico, designadamente no que respeita aos licenciamentos necessários à construção e desenvolvimento da atividade, esta procederá à transmissão do aldeamento junto das margens do Rio Guadiana, para a impugnante (cfr.prova testemunhal);
4-O acordo que antecede não se encontra reduzido a escrito (cfr.por confissão);
5-A impugnante tem aproveitado os meios técnicos, os recursos humanos e serviços contratados pela sociedade "A…………………………………………………, Lda." para promover os atos preparatórios da sua atividade, assumindo os encargos inerentes na parte que proporcionalmente lhe cabe, em relação ao empreendimento que virá a explorar (cfr.prova testemunhal);
6-Para além das faturas emitidas pela "A……………………, Lda.", referentes à utilização pela impugnante dos meios técnicos, humanos e serviços daquela, existiam faturas de outros prestadores de serviços emitidas diretamente à impugnante, designadamente os respeitantes aos serviços do ROC (cfr.prova testemunhal);
7-Na declaração de IVA do segundo trimestre de 2009, a impugnante apurou reembolso de imposto no valor de € 20.548,22 (cfr.por acordo; documento junto a fls.40 a 44 dos presentes autos);
8-Na sequência do requerimento que antecede a impugnante foi objeto de uma ação inspetiva por parte dos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Faro, a coberto da ordem de serviço n°…………………….., de 11/08/2009 (cfr.documento junto a fls.26 dos presentes autos);
9-Em 14/08/2009, 28/09/2009 e 1/10/2009, no âmbito do procedimento de inspeção identificado no nº.8, a impugnante foi notificada para prestar informações e fornecer aos serviços de inspeção diversos documentos (cfr.documentos juntos a fls.26, 30, 31 e 33 dos presentes autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos);
10-Em 24/09/2009, 6/10/2009 e 15/10/2009 a impugnante respondeu nos termos constantes dos documentos juntos a fls.27 a 29, 32, 34 e 35 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
11-Por ofício n°……………, de 10/11/2009, a impugnante foi notificada do "Projeto de Correções do Relatório de Inspeção" para, querendo, exercer o direito de audição prévia, encontrando-se as correções propostas fundamentadas no seguintes termos:
"(...)
O Sujeito Passivo (S.P.) iniciou a actividade em 1 de Janeiro de 2002, estando registado pelo exercício da actividade de ''Aldeamentos Turísticos com Restaurantes", CAE 55117, sendo o objecto social a exploração, administração e gestão de aldeamentos turísticos, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
O S.P. solicitou o reembolso na declaração periódica de IVA do segundo trimestre de 2009, no montante de € 20.548,22, sendo este o primeiro reembolso solicitado pelo S.P.
Pela análise a todas as declarações periódicas enviadas pelo S.P. verificou-se que o mesmo até a presente data só teve operações passivas, não tendo ainda registado qualquer operação activa.
Questionado o S.P. sobre a actividade exercida, este informou que desde o ano de 2002 a sociedade aguarda o desenrolar do empreendimento denominado por "A………………………. ", cuja promoção esta a cargo da empresa A………………………………., Lda, que logo que estejam reunidos os pressupostos necessários esta última procederá à transmissão do empreendimento na parte respeitante ao aldeamento ……………... Village.
Sendo que o IVA deduzido diz respeito a custos associados com a aquisição de serviços no âmbito de engenharia arquitectura e consultoria jurídica e tributária por forma a implementar as infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento da actividade societária.
Nos termos do artigo 20° do CIVA, só conferem direito a dedução o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos ou utilizados pelo sujeito passivo para a utilização de transmissões de bens e prestações de serviço sujeitas a imposto e dele não isento, até este momento o S.P. não efectuou qualquer operação activa, nem possui neste momento estrutura capaz para realizar operações activas.
Assim o S.P. não tem direito a dedução no montante de € 20.548,22 nos termos do artigo 20° do CIVA.
(...)"
(cfr.documento junto a fls.36 a 38 dos presentes autos);
12-Em 27/11/2009 a impugnante exerceu o direito de audição prévia (cfr.documento junto a fls.39 dos presentes autos);
13-Por ofício nº………, de 10/12/2009, a impugnante foi notificada das "correções resultantes da ação de inspeção" constantes do Relatório Final, sancionado superiormente por despacho de 7/12/2009, o qual reproduz os "fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável" constantes do projeto de relatório e se pronuncia sobre os argumentos do direito de audição prévia nos termos que se extraem:
"(...)
Não basta estar registado para o exercício de uma actividade de exploração hoteleira e entregar as respectivas declarações periódicas, é necessário e determinante que o S.P., pelo menos, comprove a intenção de exercer a dita actividade.
De facto, só por si, a inexistência de operações activas não constitui fundamento para a indedutibilidade do IVA, mas é fundamental que o IVA suportado nas aquisições as venha a gerar.
O S.P. argumenta que visa a exploração de parte do empreendimento turístico denominado "A………………………………………….. ", não tendo nenhum documento que o comprove, mas que numa fase preliminar, que já dura há sete anos e meio, necessitou de diversos serviços técnicos de engenharia arquitectura e consultoria jurídica e tributária.
A administração fiscal nada contrapõe contra a dedutibilidade do imposto suportado nas actividades preparatórias do exercício da actividade, mas na situação em apreço estas ditas actividades já duram desde 2002, não possuindo neste momento o S.P. nenhuma estrutura capaz de realizar operações activas, nem possui qualquer contrato que comprove que as irá produzir no futuro próximo.
Face ao descrito o exercício deste direito de audição não veio acrescentar factos novos ao processo que possam alterar as conclusões anteriormente tomadas.
(...).
(cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.40 a 44 dos presentes autos);
14-Liquidações impugnadas - em 23/12/2009 foi emitida a liquidação adicional de IVA n°……………….., relativa ao segundo trimestre de 2009, no montante de € 20.548,22, e liquidação n°…………….., relativa aos respetivos juros compensatórios no montante de € 245,45, ambas com data limite de pagamento em 28/02/2010 (cfr.documentos juntos a fls.45 e 46 dos presentes autos);
15-Até 21/01/2010, a impugnante só teve operações passivas (cfr.por acordo);
16-A presente impugnação judicial foi apresentada em 21/01/2010 (cfr.data de registo do correio constante de fls.47 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão do mérito da causa e que importe dar como provados ou não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…O julgamento de facto assentou nos documentos referidos em cada uma das alíneas, que não foram impugnados pelas partes, bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados no que respeita aos factos provados por acordo.
No que tange aos factos provados com base na prova testemunhal, foi determinante na formação da convicção do Tribunal o depoimento de Hélder …………., Revisor Oficial de Contas (ROC) da Impugnante e das demais sociedades anónimas do grupo, que afirmou peremptoriamente não ter qualquer dúvida sobre a existência do acordo existente entre a Impugnante e a sua participante "A……………………………, Lda.", acerca da transmissão do aldeamento turístico, após obtenção de todos os licenciamentos necessários à construção e exploração do mesmo, apenas desconhecendo se o mesmo se encontrava, ou não, escrito. Mais explicitou, de modo absolutamente convicto e objetivo, que foi a "A…………………….., Lda.", enquanto sociedade dominante do grupo (empresa mãe), quem assumiu a promoção do empreendimento nas suas diversas valências, atenta a existência de infra-estruturas comuns, procurando obviar à complexidade que resultaria de numerosos intervenientes nos diversos processos de licenciamento com as entidades públicas competentes para o efeito, debitando, a posteriori, a cada uma das cinco empresas do grupo, os custos inerentes à atividade de promoção na parte proporcional aos interesses de cada uma, atenta a valência que viriam a explorar no futuro…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
17-No ano de 2009 a sociedade impugnante, "G……………………………………., S.A.", com o n.i.p.c. …………………, era sujeito passivo de I.V.A., enquadrado no regime normal e trimestral (cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.40 a 44 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, mais anulando o acto de indeferimento do pedido de reembolso do I.V.A. relativo ao 2º. Trimestre de 2009, bem como a liquidação adicional de I.V.A. desse mesmo período e a liquidação dos respectivos juros compensatórios (cfr.nºs.13 e 14 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que o I.V.A. deduzido diz respeito a custos relativos à aquisição de serviços de engenharia, arquitectura e consultoria jurídica e tributária, por forma a implementar as infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento da actividade societária da impugnante. Que da prova testemunhal produzida não foi possível compreender a forma como os custos associados seriam repartidos, tal como não ficou provado o critério da sua repartição, nem a sua necessidade. Que nos termos do disposto no artº.20, nº.1, do C.I.V.A., só confere direito à dedução o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos ou utilizados pelo sujeito passivo para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. O que implica a necessidade de uma relação directa e imediata com as operações sujeitas a imposto a jusante, princípio subjacente ao funcionamento do I.V.A. Que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento e violou o já referido artº.20, nº.1, do C.I.V.A. (cfr.conclusões 1 a 18 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seg.).
Voltando ao caso concreto, na inspecção realizada à sociedade impugnante/recorrida derivada do pedido de reembolso relativo ao segundo trimestre de 2009, a A. Fiscal concluiu que a dedução de I.V.A. em causa não era enquadrável no artº.20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., visto que o sujeito passivo ainda não efectuou qualquer operação activa, nem possui estrutura capaz para realizar tais operações.
Pelo contrário, o Tribunal "a quo" conclui que o facto de a sociedade impugnante não ter registo de quaisquer operações activas, ou sequer, uma estrutura que lhe permita concretizá-las, não pode, de modo algum, obstar ao direito à dedução, até porque, esse direito existe desde que se mostrem reunidos todos os legais pressupostos objectivos e subjectivos consagrados para o efeito, independentemente de o sujeito passivo poder, inclusivamente, por motivos alheios à sua vontade, nunca vir a praticar operações activas. Mais constatando que não tendo sido questionados pela A. Fiscal nenhum dos pressupostos legais de dedução do imposto, para além da relação imediata entre os serviços adquiridos e os actos preparatórios da actividade que se propôs desenvolver, falece o fundamento aduzido pela Fazenda Pública para indeferir o pedido de reembolso de I.V.A. em causa nos presentes autos e, bem assim, para liquidar adicionalmente o I.V.A. nesse montante.
Vejamos quem tem razão.
Passemos, portanto, ao exame do alegado erro de julgamento de direito derivado da desacertada interpretação e aplicação do artº.20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., na versão em vigor no ano 2009 (a aplicável ao caso “sub judice” - cfr.artº.12, do C.Civil):
ARTIGO 20º.
(Operações que conferem o direito à dedução)
1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a)Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
(…)
No examinado artº.20, do C.I.V.A., consagram-se limitações ao direito à dedução, ao determinar-se que apenas pode ser deduzido o I.V.A. que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização dos seus fins próprios (v.g.objecto social). Se relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto. Por outras palavras, com este normativo pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante. Especificamente a al.a), do nº.1, dá direito a dedução o I.V.A. suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto. Trata-se, portanto, de “inputs” para fins empresariais, operando-se através do mecanismo da dedução do imposto a transferência obrigatória para a frente do tributo pago a montante (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5173/11; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.511; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.159).
Revertendo ao caso dos autos, é manifesto que não estão reunidos os requisitos do direito à dedução de imposto (I.V.A.) por parte da sociedade impugnante/recorrida, dado que os serviços adquiridos pela mesma não chegaram a ser utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante, visto que, pelo menos até 21/01/2010, a sociedade "G………………………………………………, S.A." só teve operações passivas (cfr.nº.15 do probatório). Portanto, face à aquisição de tais serviços a sociedade impugnante/recorrida comportou-se como um consumidor final, pelo que não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto que, alegadamente, suportou a montante (e, por consequência, pedir o reembolso do mesmo).
Apesar disso, a impugnante alega que tais prestações de serviços se devem enquadrar na execução de actividades preparatórias do exercício efectivo do objecto social (actividade económica) do sujeito passivo, no que é corroborada pela decisão recorrida.
Também aqui, não podemos concordar com tal perspectiva.
O direito à dedução não pode, em princípio, ser limitado, ressalvadas as excepções previstas na citada Sexta Directiva I.V.A., e exerce-se imediatamente em relação à totalidade do imposto que incidiu sobre as operações efetuadas a montante (cfr.ac.do TJUE de 29/10/2009, Proc.C-29/08, SKF), tal direito igualmente abrangendo as actividades preparatórias.
Mais se dirá que o TJUE tem vindo a considerar que constituindo a actividade económica uma série de acto consecutivos, os actos preparatórios efectuados por um sujeito passivo que antecedem a fase operativa da mesma actividade deverão ser qualificados como conferindo direito à dedução, logo, também eles qualificados como actividade económica. No entanto, esta dedutibilidade está condicionada à existência de uma intenção de exercer a visada actividade económica, determinada por elementos objectivos e assente num procedimento de boa fé por parte do sujeito passivo (cfr.ac.do TJCE de 29/2/1996, Proc.C-110/94, Caso INZO; ac.do TJCE de 15/1/1998, Proc.C-37/95, Caso Ghent Coal).
Por último, refira-se também que a jurisprudência comunitária releva a existência de uma relação directa e imediata entre os bens e serviços adquiridos e uma ou várias operações projectadas com direito à dedução (de fornecimento de bens ou de prestação de serviços listados no artº.20, nº.1, do C.I.V.A.), a qual é, em regra, indispensável para que o direito à dedução do I.V.A. incorrido nos bens e serviços adquiridos seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão desse direito (cfr.ac. do TJCE de 22/02/2001, Proc. C-408/98, Abbey National; ac. do TJCE de 26/05/2005, Proc. C-465/03, Kretztechnik). Mais se admitindo o direito à dedução, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo (cfr.ac.do TJUE de 29/10/2009, Proc.C-29/08, SKF). Assim, na ausência de um nexo "operação a operação" o direito à dedução subsiste se se verificar uma ligação, directa e imediata, com o conjunto da actividade económica desenvolvida, na medida em que esta confira tal direito (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.250 e seg.; Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.15, Almedina, 2014, pág.91 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, para além do aludido supra (face à alegada aquisição de tais serviços a sociedade impugnante/recorrida comportou-se como um consumidor final), sempre se deverá vincar a falta de prova da relação directa e imediata, pelo menos, com o conjunto da actividade económica por si desenvolvida, visto que não era nenhuma até 21/01/2010 (cfr.nº.15 do probatório). Por outro lado, também não pode concluir-se, no caso concreto, pela existência de elementos objectivos que determinem a intenção de exercício da actividade económica identificada no nº.1 do probatório, por parte da mesma sociedade.
Por tudo o que deixámos dito, o recurso merece provimento e, em consequência, revoga-se a decisão do Tribunal “a quo”, a qual padece do vício que lhe é imputado pelo recorrente, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, MAIS JULGANDO IMPROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO QUE ORIGINOU O PRESENTE PROCESSO.
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Condena-se o recorrido em custas, sem prejuízo da dispensa de pagamento da taxa de justiça devida em recurso.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 8 de Janeiro de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto) (voto a decisão)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)