Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02905/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/23/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRS.
MAIS-VALIAS.
DOCUMENTO AUTÊNTICO.
ABUSO DE DIREITO.
Sumário:1. É devido IRS a título de mais-valias –rendimentos da categoria G – na alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, pela diferença entre o valor da aquisição e o valor da realização (venda);
2. A tributação é devida pelo negócio constante da escritura pública enquanto o mesmo não seja declarado nulo pelo tribunal competente;
3. No âmbito do direito de audição a não menção na notificação efectuada das horas em que o contribuinte poderia consultar o processo não constitui preterição de formalidade essencial, devendo entender-se no caso, que o mesmo é consultável nas horas normais de expediente do Serviço;
4. A liquidação efectuada pela AT, no uso de estritos poderes vinculados, não pode enfermar de abuso de direito ou de violação do princípio da igualdade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. V............, identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A- Da análise da vasta prova documental e testemunhal produzida, facilmente se verifica que toda a matéria fáctica dada como não provada na D.sentença de fls...pelo Mmo Senhor Juiz "a Quo",
B- deveria, contrariamente, ter sido considerada provada.
C- Atente-se para tanto também ao facto do Mmo Senhor Juiz "a Quo" referir a fls. 325 da D.sentença recorrida "...confirmaram a escritura de doação foi feita para legalizar a situação" (SIC).
D- Toda e qualquer dúvida que pudesse existir no sentido da prova cabal feita pelos Impugnantes/Recorrentes da matéria fáctica acima referida,
E- desvanece-se com uma leitura atenta da certidão do D. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no "processo civil" instaurado pelos Recorrentes para anulação da escritura de doação em causa,
F- mormente quando aí se refere que:
" . . .embora se considerem provados todos os factos impunham a declaração de nulidade da escritura de doação, tal assume-se como um direito em termos claramente ofensivos da Justiça, por isso não pode vingar como pretendido" (SIC).
G- Ou seja neste D.acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, apesar de ser reconhecido que foram provados todos os factos conducentes à aí peticionada declaração de nulidade da escritura de doação ora em causa os mesmos factos do presente processo de impugnação),
H- decidiram os Mmos Senhores Juizes, com vista a proteger única e exclusivamente os interesses de terceiros adquirentes dos imóveis entretanto ali edificados, tal como ali D. se refere,
I – “aplicar" oficiosamente o instituto do abuso de direito consagrado no Artº 334° do Cód. Civil,
J- única razão também porque indeferiram a pretensão dos aí AA. e ora Recorrentes.
K- Com tal D. decisão, os Mmos Senhores Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra não tiveram em consideração que tal pretensão dos aí AA. visava exclusivamente anular a referida escritura de doação para acautelarem os seus legítimos direitos no presente processo fiscal.
L- Deste modo, facilmente se alcança que os ora Recorrentes não adquiriram os aí mencionados prédios por doação, nem obtiveram com a sua venda quaisquer lucros tributáveis em sede de IRS - Rendimentos da Categoria G (Mais-Valias).
M- Sem conceder, sempre se dirá ainda que, "aplicando-se" também, mesmo gue oficiosamente aos presentes autos o consagrado princípio do abuso de direito,
N- evitar-se-á assim não só a inexplicável aplicação de "dois pesos e duas medidas",
O- como também a violação do consagrado princípio constitucional da igualdade de tratamento dos cidadãos perante a Justiça.
P- Ainda sem conceder, dir-se-á também que:
Conforme melhor consta dos documentos nº1 a 5 juntos à p.i. de impugnação, os quais não sofreram qualquer impugnação,
Q- a Administração Fiscal ao praticar os aí identificados "vícios de procedimento", com inteira violação do disposto no Artº 60º da L.G.T., Artº 100º e 101° do C.P.A.,
R- feriu de nulidade a decisão impugnada, o que acarreta a sua consequente anulação nos termos do disposto nos Artº 99º alínea c) e d) do C.P.T.T.
5- Deverá assim revogar-se a D.sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que julgando procedente a presente impugnação, anule a liquidação em causa sob pena de se violar o disposto nos Artº 39º e 60º da L.G.T., Artº 100º e 101° do C.P.A., Artº 334° do Cód. Civil, Artº do C.P.T.T. e Artº 668º nº 1 alínea c), 690º-A e 712° todos do C.P.C.

Termos em que não certamente pelo alegado, mas principalmente pelo alto critério de V .Exª, dando-se provado o recurso, será feita como sempre a tão costumada
JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, já que o acórdão da Relação de Coimbra recusou a declaração de nulidade, por simulação, da doação feita ao favor dos recorrentes.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


Entretanto, pelo requerimento de fls 252 e segs o ora recorrente e mulher, haviam interposto o recurso do despacho interlocutório de fls 239 e 240 dos autos, que não admitiu diversa produção de prova, recurso este dirigido ao STA, que por entretanto terem dirigido para este Tribunal o recurso interposto da decisão final, a competência para conhecer de ambos os recursos, radica-se neste Tribunal, como constitui jurisprudência corrente do STA(1)e que se segue.


Formularam para o efeito as seguintes conclusões que igualmente na íntegra se reproduzem:


A - Os impugnantes na pretendida anulação da liquidação do IRS, alegaram factos comprovativos não só de que nenhum dos prédios mencionados na escritura de doação lhes foram dados, por já desde 1970 e 1980 serem donos dos mesmos,
B- ou seja, não peticionaram a declaração de nulidade de tal escritura, mas antes alegaram factos demonstrativos da falsidade das declarações prestadas na mesma.
C - De igual modo alegaram na sua p.i. factos comprovativos de que o preço real de compra e venda dos mencionados prédios foi bastante inferior ao preço declarado na escritura de venda efectuada à identificada E...., S.A.
D – Deste modo, porque os impugnantes não peticionaram
a declaração de nulidade das identificadas escrituras, mas tão somente invocaram os factos conducentes à anulação ou redução da liquidação em causa,
E - factos estes que a serem provados mostram-se suficientes para o diferimento da peticionada pretensão dos impugnantes,
F - e porque os mesmos são susceptíveis de serem provados testemunhalmente, mormente com o depoimento prestado pelos intervenientes nas referidas escrituras, para o efeito pretendido pelos impugnantes,
G - facilmente se verifica não só a competência em razão da matéria deste Tribunal para apreciação da situação sub judice",
H – como também à necessidade de se proceder à requerida acareação e notificação da identificada E...., S.A. para junção dos cheques comprovativos do alegado pagamento de Esc. 1.000.000.000$00,
I - sob pena de se violar o disposto nos Art.º 99° do C.P.T.T., Art.º 62° do E.T.ªF e Art.º 668° nº 1, al. c) do C.P.C.

Termos em que não certamente pelo alegado, mas principalmente pelo D. suprimento de V. Exa, dando-se provimento ao recurso, será feita como sempre a tão costumada
JUSTIÇA


Pelo despacho de fls 254 foi este recurso admitido com subida diferida e no efeito meramente devolutivo.


B. A fundamentação.
2. A matéria de facto. São as seguintes as questões a decidir: Se no recurso do despacho interlocutório deve ser ordenada a produção da prova em causa; Se a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterada no sentido proposto pelo recorrente; Se os negócios jurídicos vazados em documentos autênticos devem ser tributados de acordo com o deles resultante enquanto não forem declarados nulos pelo tribunal competente; Se ocorreu algum vício invalidante no procedimento de audição; E se em tal liquidação ocorre abuso de direito ou violação do princípio da igualdade.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. Com data de 28/12/2000 foi efectuado procedimento interno de inspecção, no âmbito do qual se elaborou o projecto de correcções junto a fls. 8 cujo conteúdo se dá por reproduzido.
2. Consta daquele projecto que «Os sujeitos passivos (...omitiram na declaração referente ao exercício de 1997 os rendimentos obtidos com a alienação de direi­tos reais sobre bens imóveis (...). Por escritura pública de 1995/04/26 recebe­ram por doação de C......... e mulher, M............., 2/20 avos indivisos, dos seguintes imóveis (...). Os três primeiros pré­dios foram alienados por todos os proprietários em 1997.10.20 à empresa E.... (...)por 1.000.000.000$ (...) sendo a parte respeitante aos sujeitos passivos de 1.000.000.000$x3/20= 150.000.000$00. Valor tributável actualizado= 18.150$x1,03 = 18.695$00. A operação atrás descrita é sujeita a IRS no valor de Esc. 149.981.305$00, nos termos do art.º 10° do CIRS - Rendimentos da categoria G» (fls. 8 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
3. Os impugnantes foram notificados para exercer o direito de audição nos termos que consta de fls. 7 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido.
4. Em face do que os impugnantes requereram nova notificação, com indicação dos elementos omitidos (fls. 11 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
5. Na sequência do que foram notificados para exercer o direito de audição no ter­mos que constam de fls. 12 cujo conteúdo se dá por reproduzido.
6. Diz-se na notificação em apreço, que no prazo de 10 dias poderão exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o projecto de Correcções, que se anexa. Dizia-se ainda que optando por exercer o direito de audição por escri­to, deveriam endereçar o documento para «este Serviço», e no caso de pretende­rem pronunciar-se oralmente, deverão comparecer, dentro do mesmo prazo, «neste Serviço».
7. Em 9 de Janeiro de 2001 requereram nova notificação, com indicação de os dias, horas e local, onde o processo poderá ser consultado (fls. 16 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
8. Com data de 15/2/2001 foram os impugnantes notificados do relatório definitivo, com informação de que «da presente notificação das correcções efectuadas e dos fundamentos, não cabe qualquer reclamação ou impugnação» (fls. 17 cujo conteúdo se dá por reproduzido.
9. Com data de 27/10/1971, os declarantes C....... e J........ declararam ter comprado a Dª J........., duas propriedades denominadas respectivamente Quinta da ..... e Quinta da ......... A aquisição foi pela importância de 3200 cts tendo cada um pago na respectiva proporção, tendo C........... pago 1/5 a que cor­responde o valor de 640.000$ e V............ pago 1/20, corres­pondente ao valor de 160.000$ (fls. 23 e 24 cujo conteúdo se dá por reproduzi­do).
10. Por escritura de doação de 26/4/1995, C.......... e mulher doa­ram a V............. e outra, 3/20 avos dos imóveis ali referidos (fls. 94 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
11. No dia 20 de Outubro de 1997 foi celebrada escritura de compra e venda nos termos da qual o impugnante e outros, representados por M............... declararam vender a E......, pelo preço global de um milhão de cts. os prédios ali indicados (fls. 99 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
*
FACTOS NÃO PROVADOS.
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
- O inspector tributário Dr. M.......... referisse que nem o impugnante nem o seu advogado podiam consultar o processo;
- As mencionadas escrituras públicas de doação e venda estejam inquina­das de falsidades; por serem, falsas as operações aí descritas;
- Contrariamente ao constante da mencionada escritura publica de doação outorgada em 26.04.95 no ..º Cartório Notarial de ....., nem os ai identificados outor­gantes doadores C...... e mulher quiseram doar aos ai identificados donatários V....... e mulher, ora impugnantes, ou a donatária F............ quaisquer prédios, nem estes os quiseram aceitar por doação;
- tendo antes outorgados tal escritura com o objectivo de "legalizarem" em nome dos impugnantes o direito que estes já desde há muito possuíam de 3/20 avos indivisos sobre os ai mencionados prédios, designados por Quinta da ....... e Quinta da C......... ou C.......
- Pois que, desde 1970, data da compra dos mesmos a sua anterior proprie­tária D. J..........., os ora impugnantes são donos e legítimos pos­suidores de tais prédios. Compra esta feita aquela pelo preço global de Esc. 3.200.000$00 em regime de sociedade pelo acima identificado doador C........, J........., M.......... e D.............. na proporção de 1/5 para cada, por A......... 1/10 parte e por A............ e os ora impugnantes V.............. e mulher na pro­porção de 1/20 avos para cada.
- Razão porque cada um daqueles compradores satisfez a indicada vende­dora o pagamento do respectivo preço na proporção das suas quotas, ou seja, os com­pradores de 1/5 satisfizeram o pagamento de Esc. 640.000$00 cada, os compradores de 1/20 avos satisfizeram o pagamento de Esc. 160.000$00 cada e o comprador de um décimo satisfez o pagamento de Esc. 320.000$00
- Tendo porém a escritura publica de tal prédio sido efectuada pela vende­dora apenas a favor dos identificados compradores C............. e J............ dadas as na altura boas relações existentes entre todos
- Razão porque desde 1970 até à data da venda daqueles prédios feita em 20 Outubro 97 a identificada E...., S.A. os impugnantes amavam como seu na pro­porção de 1/20 avos aqueles prédios.
- E eram considerados e respeitados por todos como seus legítimos donos, desfrutando-os a seu bel prazer com os restantes comproprietários recebendo e pagando na proporção da sua quota os respectivos rendimentos e despesas, mormente os rendimentos resultantes dos arrendamentos das mesmas e as despesas com contribuições e sua conservação,
- Razão porque, quando em 1980 um dos comproprietários daqueles pré­dios vendeu a A................ parte dos mesmos, os ora impugnantes receberam o valor da sua quota parte correspondente na altura a 1/20 avos, tal como sucedeu em posteriores vendas de partes dos mesmos que vieram a ser feitas pelos atrás mencionados comproprietários
- Era o comproprietário C.......... quem, no período decorrido entre 1970 e 1995 em nome dos restantes comproprietários. Entre os quais, os ora impugnantes, sempre procedeu como seu administrador a contabilização dos lucros e prejuízos com a exploração daqueles prédios. Recebendo as receitas pagando as des­pesas e distribuindo pelos comproprietários os lucros e prejuízos que ao fim de cada um daqueles anos viesse a apurar
*
MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se nos seguintes meios de prova:
PROVA DOCUMENTAL.
Os meios de prova documental que serviram para a convicção do tribunal estão referidos no «probatório» com remissão para as fls. do processo onde se encontram.

PROVA TESTEMUNHAL. Quanto a este meio de prova, relevaram os depoi­mentos das testemunhas inquiridas em especial F.............. (fls. 202), uma das donatárias da escritura de doação de 25/4/1995, confirmou que a escritura de doação foi feita para legalizar a situação.
V........ confirmou o mesmo facto, assim como M.........., Dr. A...........
Apesar disso, os factos relacionados com a alegada falsidade das escrituras são não provados, porquê?
Por duas razões.
1ª Em obediência ao disposto no Art.º 371 do Código Civil que confere força probatória plena aos documentos autênticos, a qual só pode ser abalada prova da sua falsidade (Art.º 372 do Código Civil).
Ora a prova da falsidade das escrituras não foi conseguida na sede própria, pelo que estas mantêm a prova plena dos factos referidos como praticados pelo oficial público.
2° Por força do disposto no Art.º 39/2 da LGT que manda tributar o negócio jurídico constante de documento autêntico, até decisão judicial que declare a sua nuli­dade.
Essa declaração de nulidade foi recusada pelo tribunal competente.

O Dr. M.............. confirmou que o valor declarado na escri­tura foi efectivamente o valor recebido: 1.000.000.000$.
No que respeita à alegação constante do artigo 10° da douta petição inicial, o Dr. ­B.......... disse não se lembrar de ter dado tal informação, além do que achava estra­nho tê-la dado, sabendo perfeitamente que tanto o contribuinte como o seu advogado podem consultar o processo.
O facto em questão é «não provado», porque não é razoável que o funcionário subscritor de uma notificação a dizer que podem consultar o processo, diga, depois, que não o podem fazer.
E se o tivesse feito, seria expectável que o titular do direito tomasse qualquer ati­tude, reclamando, por exemplo, perante o superior hierárquico do serviço. Mas nada disso foi feito.


4. Começando por julgar o recurso do despacho interlocutório de fls 239/240, importa fixar a factualidade sobre que o mesmo decidiu:
a) Indeferir a acareação requerida a fls 235 e segs (e não 241, com se diz no despacho recorrido) entre C........., o Dr. A............ e um Representante da E...., quanto aos montantes de venda dos imóveis;
b) Não ordenar a notificação dos demais co-proprietários para autorizarem a prestação de informação quanto ao valor dos cheques recebidos da E..... (fls 212).


4.1. Este despacho recorrido, de acordo com a sua fundamentação, baseou a sua rejeição em indeferir tais prestações de provas por o Tribunal ser incompetente em razão da matéria para conhecer da falsidade das escrituras cuja declaração de nulidade assim, antes deve ser pedida ao tribunal de competência genérica, que tais escrituras fazem prova plena quanto aos factos praticados pelo oficial, o que só pode ser ilidido com base na sua falsidade, e que mesmo a divergência entre a vontade real e a vontade declarada em tais escrituras só pode ser arguida igualmente em acção intentada para o efeito e no tribunal com competência para tal (o comum), não podendo a AT deixar de liquidar e pelos montantes declarados em tais escrituras enquanto os negócios nelas vazados não forem declarados de nulos.

Tal fundamentação na realidade, corresponde em geral, ao regime jurídico aplicável, para os actos de liquidação imanentes de negócios celebrados através de documentos autênticos como são as escrituras públicas de compra e venda, em que à AT lhe cabe tributar de acordo com a integração que fizer do negócio declarado, enquanto o mesmo não for declarado nulo pelo tribunal competente, nos termos do disposto no art.º 39.º n.º2 da LGT, sendo por isso irrelevante a produção de toda aquela prova pretendida prestar relativa aos elementos essenciais de tais negócios jurídicos, na esfera da vontade dos outorgantes, como seja a vontade de uma não real venda e bem assim de não ser real o preço pelo montante declarado, que por isso não deve ser permitida sob pena da prática de actos inúteis, o que a lei não consente – art.º 137.º do CPC.

Tendo por outro lado os ora recorrentes vindo intentar tal acção no tribunal comum e onde a mesma foi julgada improcedente, a liquidação pelos negócios declarados consolidou-se na ordem jurídica no sentido da sua não nulidade, nenhum sentido fazendo que fosse permitida a produção de prova tendente a contrariar aquela decisão, pelo que é de negar provimento ao recurso interposto contra o despacho interlocutório.


5. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não houve preterição do direito de audição e que a tributação em sede de IRS por mais valias resultou dos efeitos dos contratos constantes de documentos autênticos que não foram declarados nulos pelo que a tributação se não pode deixar de manter.

Para o recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, contra todas estas questões se vem insurgir o recorrente, para além de também vir colocar em causa o julgamento da matéria de facto tal como foi efectuado na sentença recorrida e a violação dos princípios do abuso de direito e da igualdade de tratamento dos cidadãos.

Vejamos então.
Tendo sido colocada em causa o julgamento da matéria de facto tal como foi efectuado na sentença recorrida, importa agora em primeiro lugar conhecer deste vício, a fim de se formar a necessária base factológica, a que de seguida se possa aplicar o direito correspondente.

Tal matéria que o recorrente entende que foi incorrectamente julgada na sentença recorrida a não discrimina o mesmo, reportando-a para a matéria fáctica dada como não provada, assim se entendendo que se quererá referir a toda ela, para além de não indicar os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida, desta forma não tendo cumprido o comando do art.º 690.º-A do Código de Processo Civil (CPC), designadamente das suas alíneas a) e b) do seu n.º1, pelo que o presente recurso, nesta parte, não pode deixar de se encontrar votado ao insucesso.

Por outro lado, tendo o M. Juiz do Tribunal “a quo” feito um análise exaustiva e pormenorizada, em termos de fundamentação quanto aos factos não provados, constante em cerca de duas páginas, cabia ao ora recorrente, nos termos do disposto no art.º 690.º n.º1 do CPC, ter vindo invocar as concretas razões por que aquela fundamentação se encontrava errada e a sua versão é que se encontrava certa, de molde a poder reflectir a decisão recorrida e poder sobre ela estribar um juízo de censura conducente à sua alteração ou revogação, o que este não fez, pelo que nesta parte por este fundamento também o presente recurso não pode deixar de encontrar votado ao insucesso.


5.1. Quanto à violação do direito de audição que o recorrente também não substancia na matéria das suas conclusões das alegações do recurso, como devia, limitando-se a invocar a violação do disposto no art.º 60.º da LGT e art.º 100.º e 101.º do CPA – cfr. matéria da sua conclusão Q - valem estas últimas razões supra, para além de na sentença recorrida se ter fundamentado que os factos atinentes à falta de indicação da hora e local onde o processo podia ser consultado e da informação da impossibilidade de consulta do mesmo terem sido dados como não provados, deles não se podendo retirar quaisquer consequências, e que a falta de indicação da hora onde o mesmo poderia ser consultado se deve entender, como um destinatário normal o faria, que tal consulta se poderia fazer dentro das horas de expediente, não assumindo a falta de tal menção assim, qualquer relevo, não relevando para o efeito a mera referência aos documentos juntos à p.i. de impugnação, como faz o recorrente – cfr. matéria da sua conclusão P – porque anteriores e já tomados em consideração na mesma sentença e é o entendimento destes vazado nesta, designadamente sobre esses documentos, que o recorrente deve afrontar em ordem a estribar a alteração ou revogação da sentença recorrida – n.º1 do art.º 690.º do CPC – pelo que nesta parte também o recurso não pode deixar de improceder.


5.2. Quanto à questão de fundo de o ora recorrente ter sido tributado em IRS por força das mais valias realizadas na venda dos prédios celebrada por escritura pública de compra e venda, na verdade por força do disposto no art.º 10.º, n.º1, alínea a) e n.º4, alínea a), do CIRS, tal tributação é inegável.

E derivando tal tributação de negócios vazados em documentos autênticos como o são as escrituras públicas de compra e venda (art.ºs 363.º n.º2 e 369.º do Código Civil), a tributação não poderá deixar de se fazer pelos termos que deles resultem, enquanto os mesmos não forem declarados de nulos por decisão judicial em acção intentada para esse efeito nos tribunais com competência para o efeito, nos termos do disposto no art.º 39.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, como bem se fundamenta na sentença recorrida (2).

Este princípio da tributação pelos negócios constantes em documentos autênticos enquanto não fossem declarados nulos, já não é novo, como vinha entendendo a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, tinha então assento na norma do art.º 82.º, segunda parte, do CIMSISD, e que era entendido constituir o afloramento de um princípio geral(3).

No caso não tendo o acórdão da Relação de Coimbra, citado, declarado nulos os negócios vazados em tais documentos autênticos, como não se encontra em causa, a tributação efectuada que foi sobre o negócio declarado e dito simulado, não pode deixar de se manter, independentemente das razões ou argumentos que por aquele Tribunal motivaram tal declaração de não nulidade, razões ou fundamentos os quais este Tribunal não cabe apreciar, por de natureza civil, antes àquela ordem de tribunais se encontra acometida que não à deste (art.ºs 66.º do CPC e 1.º e 4.º do actual ETAF), improcedendo também esta matéria do recurso.


5.3. Na matéria das conclusões M. a O. vem ainda o recorrente invocar a violação dos princípios do abuso de direito e da igualdade, por naquele acórdão da Relação de Coimbra se ter aplicado o regime do instituto do abuso de direito com base no qual a declaração de nulidade das escrituras públicas em causa não terá sido declarada.

Dispõe a norma do art.º 334.º do Código Civil, subordinada à epígrafe Abuso de direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Ora, no caso, não se vê como a AT, ao tributar em sede de IRS as mais valias obtidas resultantes dos negócios vazados em tais escrituras públicas de compra e venda, possa encontrar-se a agir em abuso de direito, quando se encontra a agir no uso de poderes vinculados, por lei expressamente atribuídos, como dos art.ºs 77.º e segs do CIRS e 39.º da LGT, entre outros, resulta, o que necessariamente afasta a actuação da AT no exercício dos mesmos em tal liquidação de subsumível ao abuso de direito, não podendo por isso quedarem violados os citados princípios, incluindo o da igualdade.

O raciocínio do recorrente parece ser o da analogia, isto é, se o acórdão da Relação de Coimbra aplicou o regime do abuso de direito para não declarar de nulos os negócios vazados em tais documentos autênticos, então, também, este Tribunal deveria aplicar o mesmo regime, esquecendo contudo o essencial, e que é, que no presente recurso, a matéria, a causa de pedir e o pedido, são totalmente diversos da matéria, da causa de pedir e do pedido pretendido fazer valer na acção cível, pelo que nunca poderia existir analogia entre os objectos dos dois processos, o que, mesmo a existir, nunca poderiam os fundamentos de uma decisão impor-se à outra, por os tribunais, desde logo por imperativo constitucional (art.º 203.º da CRP), são independentes e apenas estarem sujeitos à lei.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento a ambos os recursos e em confirmar o despacho de fls 239/240 e a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em doze UCs.


Lisboa,23 de Junho de 2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
MAGDA GERALDES
JOSÉ CORREIA



(1) Cfr. por todos o acórdão do STA de 16.1.2008, recurso n.º 940/07.

(2) Cfr. neste sentido entre outros, os acórdãos do STA de 19.2.2003 e de 26.2.2003, recursos n.ºs 1757/02-30 e 89/03-30, respectivamente.
(3) Cfr. neste sentido, entre outros os acórdãos do STA de 15.11.1989 publicado no Apêndice ao Diário da República de 30.4.1992, pág. 1189 e segs e de 2.10.1991, recurso n.º 13.025.