Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:763/15.9 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
PAGAMENTO ESPONTÂNEO
OPOSIÇÃO
FALTA DE INTERESSE EM AGIR
Sumário:I - Se o devedor procede ao pagamento da dívida de modo a evitar as consequências lesivas que advêm das diligências executivas visando a cobrança da dívida (no caso, a penhora de vencimentos), deve entender-se que o pagamento, embora voluntário, não é espontâneo e só esta modalidade de pagamento voluntário é pressuposto da extinção da instância de oposição por impossibilidade superveniente da lide.
II - Em sede de oposição à execução fiscal, não pode julgar-se verificada a impossibilidade superveniente da lide em face do despacho de extinção da execução, sem que esteja demonstrado que o executado foi notificado desse despacho e contra ele não reagiu ao abrigo do disposto no artº.276, do C.P.P.T., visto que, só então se pode considerar assente a decisão de extinção da execução fiscal.
III - Incorre em erro de julgamento a sentença que conclui pela falta de interesse em agir do oponente unicamente com base em informação da extinção do processo executivo por pagamento, sem tratar de apurar se esse pagamento foi espontâneo ou, em qualquer caso, se o despacho de extinção foi notificado à oponente e se consolidou na ordem jurídica.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL



1 – RELATÓRIO

S…, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que na oposição à execução fiscal n.º 3409201401550624 contra si instaurada por dívida de IRS e acrescidos no valor total de 16.810,14 euros, julgou verificada a excepção dilatória da falta de interesse em agir e absolveu a Fazenda Pública da instância.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«

















».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da procedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a dirimir e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao julgar verificada a excepção dilatória inominada da falta de interesse em agir por extinção do processo executivo por pagamento.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Com interesse para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

A. Em 17.10.2014, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Almada 3, contra a ora Oponente, o processo de execução fiscal n.º 3409201401550624, por dívida de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativo ao ano de 2010, no valor de 14.686,34 EUROS a que acrescem os respetivos juros compensatórios, no valor de 1.828,66 EUROS (cf. fls. 77 a 81, 83 e 84 dos autos de processo eletrónico SITAF e doc. 1 junto com a petição inicial a fls. 59 dos autos de processo eletrónico SITAF);
B. Em 09.05.2014, o Serviço de Finanças de Almada 3 remeteu à ora Oponente, para «R A... 11/R... / 1400-... Lisboa», por carta registada n.º «RD445985080PT», o ofício n.º «3964» com o assunto «IRS- Perdas originadas nas categorias F e G – notificação para o exercício do direito de audição prévia (art. 60.º LGT)», de cujo teor consta:
« (…) Fica por este meio notificado(a), nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60.° da Lei Geral Tributária (LGT), de que poderá, querendo e no prazo de 15 (quinze) dias, exercer o direito de audição sobre o projeto de decisão de correção aos elementos constantes da(s) declaração(ões) de IRS do(s) ano(s) 2010, conforme se discrimina no(s) documento(s) em anexo, por não haverem sido devidamente comprovados/declarados os dados constantes do(s) anexo(s) G (…)» (cf. fls. 91 e 92 dos autos de processo eletrónico SITAF);
C. Em 17.07.2014, o Serviço de Finanças de Almada 3 remeteu à ora Oponente, para «R A... 11/R... / 1400-... Lisboa», por carta registada com aviso de receção, o ofício n.º «5497» com o Assunto «IRS - perdas originadas nas categorias F e G - notificação de correcções resultantes da análise da declaração modelo 3 (art. 66.° do CIRS e art. 77.° da LGT)», de cujo teor consta:

«(…) fica por este meio notificado(a) das correções efetuadas à(s) declaração(ões) modelo 3 de IRS do{s) ano(s) 2010, resultantes das divergências detetadas na análise à mesma, bem como da respetiva fundamentação.
Mais se informa que a liquidação associada a estas correções será, a breve prazo, alvo de notificação pela Autoridade Tributária a Aduaneira (AT), da qual constarão os prazos e meios de contestação da mesma» (cf. fls. 93 a 96 dos autos de processo eletrónico SITAF);
D. Em 18.07.2014, o domicílio fiscal da Oponente situava-se na «R A..., N 11 / R... / 1400-... Lisboa» (cf. fls. registo cadastral, doc. 2 junto com a contestação, a fls. 172 dos autos de processo eletrónico SITAF);
E. Em 30.07.2014, o ofício referido na alínea C) antecedente foi devolvido com a informação «não atendeu» (cf. fls. 97 dos autos de processo eletrónico SITAF);
F. Em 08.08.2014, o domicílio fiscal da Oponente situava-se na «R A..., N 11 / R... / 1400-... Lisboa» (cf. fls. registo cadastral, doc. 4 junto com a contestação, a fls. 184 dos autos de processo eletrónico SITAF);
G. Em 13.08.2014, o Serviço de Finanças de Almada 3 remeteu à ora Oponente, para «R A... 11/R... / 1400-... Lisboa», por carta registada com aviso de receção, o ofício n.º «5837», com o Assunto «IRS - perdas originadas nas categorias F e G - notificação de correcções resultantes da análise da declaração modelo 3 (art. 66.° do CIRS e art. 77.° da LGT)», de cujo teor consta:
«(…) fica por este meio notificado(a) das correções efetuadas à(s) declaração(ões) modelo 3 de IRS do(s) ano(s) 2010, resultantes das divergências detetadas na análise à mesma, bem como da respetiva fundamentação.
Mais se informa que a liquidação associada a estas correções será, a breve prazo, alvo de notificação pela Autoridade Tributária a Aduaneira (AT), da qual constarão os prazos e meios de contestação da mesma (…)» (cf. fls. 98 a 100 dos autos de processo eletrónico SITAF);
H. Em 14.08.2014, o domicílio fiscal da Oponente situava-se na «R A..., N 11 / R... / 1400-... Lisboa» (cf. fls. registo cadastral, doc. 3 junto com a contestação, a fls. 178 dos autos de processo eletrónico SITAF);
I. Em 27.08.2014, o ofício referido na alínea I) antecedente foi devolvido com a informação «não atendeu» (cf. fls. 101 dos autos de processo eletrónico SITAF);
J. Em 08.01.2015, foi pago o «documento único de cobrança» com o n.º «1510213409721410003363», no «(…) valor a pagar (EUR): 16.962,36», correspondente à soma de «14.686,34» e «1.828,66», respetivamente, de imposto («I/C/T/O-CJM») e juros compensatórios («JUR C-C/Jmo») de «IRS» do período de tributação de «2010-01-01» a «2010-12-31» e «58,04» de despesas processuais («des.P/F/D/C») (cf. doc. 1 junto com a petição inicial a fls. 59 dos autos de processo eletrónico SITAF);
K. Em 09.02.2015, foi apresentada, no Serviço de Finanças de Almada 3, a presente oposição (cf. fl. 3 dos autos de processo eletrónico SITAF).
L. Em 13.05.2022, o Serviço de Finanças de Almada 3 (Caparica) remeteu ofício n.º «1915» a este Tribunal, cujo conteúdo se tem integralmente por reproduzido, de que consta:
«(…) Em resposta ao solicitado cumpre informar que o processo de execução fiscal 3409201401550624 se encontra findo desde 08-01-2015 por pagamento» (cf. fl. 292 dos autos de processo eletrónico SITAF).
*
FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
*
Assenta a convicção do Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo de execução junto aos autos, não impugnados, com destaque para os referidos a propósito de cada uma das alíneas do probatório.».

Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto, documentalmente provado como se indica:

M) Foi diligenciada oficiosamente informação sobre a notificação à oponente do despacho de extinção da execução por pagamento da dívida, tendo merecido do serviço competente a seguinte resposta, constante do ofício de pág.373 do SITAF:

N) Foi efectuada notificação da liquidação exequenda de IRS/2010 e juros compensatórios resultante de correcção à declaração conjunta de rendimentos, através de carta registada enviada para a morada fiscal do cônjuge da oponente, J…– cf. informação de fls.86/87 dos autos e print automático a fls. 102.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida porquanto julgou verificada a excepção dilatória inominada da falta de interesse em agir e absolveu a Fazenda Pública da instância.

Conforme se apreende dos autos (vd. print da tramitação do processo executivo, a fls.205) e, nomeadamente, da P.I. a fls.107, à oponente foi efectuada penhora do seu vencimento, pelo montante de 16.810,14 euros, à ordem do processo executivo a que está dirigida a oposição.

Confrontada com essa diligência executiva de cobrança da dívida, a oponente efectuou o respectivo pagamento, o que determinou a extinção da execução por pagamento.

Ora, de acordo com a orientação do Supremo Tribunal Administrativo, ainda recentemente expressada no seu ac. de 10/14/2020, tirado no proc.º 0979/19.9BEPRT, se o devedor procede ao pagamento da dívida de modo a evitar as consequências lesivas que advêm das diligências executivas visando a cobrança da dívida, deve entender-se que o pagamento, embora voluntário, não é espontâneo e só esta modalidade de pagamento voluntário é pressuposto da extinção da instância de oposição por impossibilidade superveniente da lide.

No caso em apreço e apesar do alegado na P.I., constata-se que a sentença não tratou de apurar se a execução foi extinta por pagamento espontâneo, ou, em qualquer caso, se a decisão de extinção se mostra consolidada na ordem jurídica

Ora, como também se refere no ac. do STA que vimos citando, «Em sede de oposição à execução fiscal, não pode julgar-se verificada a impossibilidade superveniente da lide em face do despacho de extinção da execução, sem que esteja demonstrado que o executado foi notificado desse despacho e contra ele não reagiu ao abrigo do disposto no artº.276, do C.P.P.T., visto que, só então se pode considerar assente a decisão de extinção da execução fiscal».

Mediante diligência oficiosa deste tribunal, foi obtida informação de que a oponente não foi notificada do despacho de extinção da execução, o que o torna ineficaz. E perante essa ineficácia, ou inoponibilidade, não se pode ter por verificado o pressuposto de que depende a declarada excepção da falta de interesse em agir, incorrendo em erro de julgamento o entendimento do tribunal recorrido de que, na forma como foi desenhada a oposição, não se vislumbra a existência de qualquer conflito com a exequente e, na ausência desse conflito, não há necessidade de recorrer ao processo.
É, pois, de conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida.

Na procedência da apelação, haverá que conhecer das questões prejudicadas – art.º 665.º, n.º 2 do CPC.
Compulsada a douta P.I., são estas as questões suscitadas e prejudicadas:
i) Falta de notificação da liquidação da dívida;
ii) Falta de notificação para pagamento do tributo exequendo;
iii) Falta de notificação das correcções ou dos fundamentos factuais e jurídicos da liquidação;
iv) Ilegalidade da liquidação do tributo;
v) Pedido acessório de juros indemnizatórios ao abrigo do art.º 43.º da Lei Geral Tributária.

Conforme jurisprudência consolidada do STA, os fundamentos de oposição à execução enunciados no art.º 204.º do CPPT, são taxativos.

Por outro lado, é entendimento jurisprudencial pacífico, à luz do regime legal vigente no ordenamento jurídico tributário português, que a ilegalidade concreta da liquidação constitui fundamento de Impugnação Judicial e não de Oposição à Execução Fiscal – vd. ac. do STA, de 02/04/2009, proferido no proc.º 0925/08.

Assim, a invocada ilegalidade da liquidação por erro nos pressupostos (“erro no apuramento da mais-valia resultante da alienação de um imóvel, que terá determinado a correcção oficiosa dos dados vertidos na declaração de rendimentos”), não constitui fundamento válido de oposição à execução, não podendo ser conhecido neste processo, como também não poderá ser conhecido o pedido acessório de juros indemnizatórios na medida em que envolve, necessariamente, a apreciação da legalidade concreta da liquidação.

A falta de notificação das correcções ou dos fundamentos da liquidação, é vício gerador de ineficácia, que, a verificar-se, se repercute na ilegalidade do subsequente acto de liquidação. Nessa medida, não consubstancia fundamento válido de oposição à execução, não sendo cognoscível neste processo.

Quanto à alegada falta de notificação pessoal para pagamento do tributo, se bem apreendemos quererá a oponente referir-se à falta de citação pessoal para os termos do processo executivo.

O desrespeito pelas normas de procedimento e de conteúdo da citação (vd. artigos 190.º e ss. do CPPT) pode ser causa de nulidade da citação, nos termos gerais do art.º 191.º, n.º 1 do CPC.

Porém, como constitui jurisprudência firme do Supremo Tribunal Administrativo, «A nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do acto com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável» - vd. ac. do alto tribunal de 07/05/2014, tirado no proc. 0198/14.

Trata-se, por conseguinte, de fundamento que não pode ser conhecido em processo de oposição à execução fiscal, devendo ser arguida no próprio processo executivo, pelo que dele também não tomaremos conhecimento neste processo.

O único fundamento da P.I. que não soçobra é o que respeita à falta de notificação da liquidação da dívida. Com efeito, a falta de notificação do acto de liquidação e para o pagamento do imposto implica a inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição subsumível na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, «…dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva», como se refere no ac. do STA, de 06/23/2021, tirado no proc.º 0254/12.0BELRA 0599/17.

Apreciando este fundamento da oposição, vejamos.

Como se apreende da informação veiculada por ofício do serviço de finanças com entrada no tribunal em 18/01/2018, que constitui pág. 233 do SITAF, em causa está dívida resultante de declaração conjunta de IRS/2010, corrigida oficiosamente.

Conforme consta da informação executiva que constitui fls. 86/87 dos autos suportada no print informático de fls. 102, foi efectuada notificação, por carta registada, da liquidação do tributo exequendo (IRS/2010) ao cônjuge da oponente, José Luís Munoz Machado Santos.

Pretende a Fazenda Pública que tendo a liquidação de IRS/2010 resultante de declaração conjunta, sido notificada ao outro cônjuge, dentro do prazo de caducidade, tem de se considerar que a dívida exequenda é exigível, relativamente à oponente, citando em seu apoio jurisprudência deste tribunal.

Todavia, sendo tal verdade, é necessário que um dos cônjuges tenha sido, ou se considere, notificado da liquidação.

Sobre o tema em questão remetemos para o ac. deste TCAS de 11/15/2018, tirado no proc.º 634/10.5BELRS, em que é o relator é o mesmo deste, em que se deixou consignado:

Dispõe o art.º 149.º do Código do IRS, na redacção do DL 198/2001, de 3 de Julho, o seguinte:
«1 - As notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.
2 - As notificações a que se refere o artigo 66.º, quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
3 - As restantes notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil.
4 - Não sendo conhecido o domicílio fiscal do notificando, as notificações podem ser feitas por edital afixado no serviço de finanças da área da sua última residência.
5 - Em tudo o mais, aplicam-se as regras estabelecidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

No caso dos autos, a liquidação exequenda de IRS… refere-se a um acto precedente de alteração da matéria tributável por correcção dos elementos declarados, como claramente se alcança do probatório.

Pois bem, em situações como a vertente, em que a liquidação adicional notificada ao contribuinte resulta de um precedente acto de alteração dos rendimentos declarados, nos termos do n.º 4 do art.º 65.º do Código do IRS, impõe a lei, na interpretação que a jurisprudência dominante do STA faz do disposto no art.º 149.º, n.ºs 2 e 3, do CIRS, a formalidade da carta registada com aviso de recepção.

Como se deixou consignado no Acórdão do STA, de 05/02/2015, tirado no proc.º 01940/13,
«Como se sabe, o art. 38º do CPPT preceitua, no seu nº 1, que «as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências».

O que significa que, estando em causa actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, a lei impõe a notificação por carta registada com aviso de recepção; e como os actos ou decisões susceptíveis de alterar a situação tributária são, não só, os actos de alteração, pela administração, dos rendimentos declarados e os actos de fixação, pela administração, dos rendimentos sujeitos a tributação, como, também, os actos de liquidação de impostos, entendia-se, antes de alteração introduzida no CIRS pelo Dec. Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, que os actos de liquidação deste tributo, ainda que efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte no prazo legal, deviam ser notificados através de carta registada com aviso de recepção.( Cfr. neste sentido, Alfredo José de Sousa e Silva Paixão, no “Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado”, 2ª Ed., anotação 4 ao art. 65º, bem como Jorge Lopes de Sousa, no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”, anotação 3 ao art. 38º. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STA: os actos de liquidação de tributos são susceptíveis de alterar a situação tributária dos contribuintes - cfr., entre outros, os Acs. do STA, de 15.11.2000, Rec. 25.233, de 27.9.2000, Rec. 25.273, de 18.10.2000, Rec. 25.310.)

Todavia, o referido Dec. Lei nº 198/2001 introduziu uma alteração na redacção do art. 149º do CIRS e, abrindo uma excepção àquela regra, passou a estipular que apenas as notificações a que se refere o art. 66º do CIRS devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção (nº 2), sendo que as restantes devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil. (nº 3). Isto é, apenas a notificação dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção, ficando os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte sujeitos a notificação por mera carta registada.

Por conseguinte, após a alteração introduzida na redacção do art. 149º do CIRS pelo Dec. Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, apenas são efectuadas por carta registada com a.r. as notificações a que se refere o art. 66º do CIRS, ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável previstos no art. 65º desse Código. E, portanto, uma liquidação adicional de imposto, na medida em que materialize e revele um desses actos, terá de ser notificado por carta registada com aviso de recepção.

Neste sentido, de que a liquidação adicional de IRS deve ser notificada ao sujeito passivo por carta registada com aviso de recepção, em conformidade com o disposto no art. 38º nº 1 do CPPT e arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS, podem ver-se os acórdãos desta Secção, proferidos em 13/04/2011, no proc. nº 0546/10, em 28/11/2012, no proc. nº 0685/11, e em 28/03/2012, no proc. nº 0491/11»” (fim de cit.).


Assim, na notificação da liquidação exequenda, a Administração tributária não cumpriu a formalidade da carta registada com aviso de recepção, tendo utilizado a via menos formal do registo simples, conforme ponto N) do aditado probatório.

Nessas circunstâncias, em que ocorreu preterição de formalidades legais atinentes à notificação da liquidação, não provando a Administração tributária que, apesar disso, a notificação chegou ao efectivo conhecimento do contribuinte (art.º 35.º, n.º 1, do CPPT), a notificação não pode ter-se por efectuada ao destinatário do acto, não podendo a AT prevalecer-se de qualquer presunção legal de notificação, como pretende, sendo certo que a oponente contesta que dela tenha tomado conhecimento qualquer dos sujeitos passivos.

Tal significa que o cônjuge da oponente não pode considerar-se notificado da liquidação e à oponente é incontroverso que nenhuma notificação da liquidação foi efectuada, ou seja, nenhum dos dois sujeitos passivos do imposto foi, ou se considera, notificado da liquidação e, como assim, ocorre inexigibilidade da dívida por falta de notificação da liquidação.

A oposição merece procedência por este fundamento.




5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i) Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;
ii) Conhecendo em substituição, julgar a oposição procedente e extinta a execução.

Condena-se a Recorrida em custas, que não são devidas no recurso por não ter contra-alegado.

Lisboa, 20 de Abril de 2023


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha