Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8260/14.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IVA / RITI;
AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMÓVEIS.
Sumário:I - Quanto à aquisição, no interior da União Europeia, de veículos automóveis, importa ter presente o que decorre dos arts. 2.º n.º 2 e 6.º n.º 1 al. b), 2 e 3 do RITI, devendo entender-se e operar-se a não tributação em IVA, por virtude de não se mostrarem preenchidos os necessários pressupostos de incidência subjectiva, firmados nesses normativos, das “aquisições efectuadas por sujeitos passivos do imposto no território nacional a particulares de outros Estados membros.”
II – Existe erro na quantificação se, para o cálculo do IVA devido pela transacção no mercado nacional, a AT considerou a margem de lucro com IVA incluído como sendo igual ao preço de venda no mercado nacional deduzido do preço de compra no mercado comunitário estrangeiro incluindo o IVA devido pela transmissão intracomunitária suportado ou, melhor, liquidado oficiosamente ao impugnante.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

J......, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os actos tributários de liquidação de IVA e juros compensatórios, do ano de 1995, emitidos com os nºs 9…., 9….., 9….. e 9….., bem como contra a liquidação do agravamento no valor de 150.000$00, fixado nos termos do artigo 90º -A do CPT, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

A. A douta sentença errou no julgamento da matéria de facto e subsidiariamente na aplicação do direito.

B. A prova carreada para os autos, foi mal valorada e, consequentemente, deverá a mesma ser reapreciada, o que ora se solicita, pois,

C. Conforme consta quer do relatório de inspecção tributária, onde aí se refere a pág 2: "por terem sido adquiridas a particulares" quer das declarações de venda juntas sob os documentos n.º 13 a 43 juntos com a petição de impugnação: As aquisições efectuadas, pelo impugnante, na Alemanha, foram a particulares.

D. Devendo este facto ser aditado à matéria de facto dada como provada, o que se requer.

E. No ano em causa 1995, o ora recorrente, não possuía, nem estava obrigado a possuir contabilidade organizada, não efectuou importações, exportações, ou actividades conexas, pois a aquisição de bens na Alemanha - Estado Membro da EU- não configura uma importação e, o volume de negócios do ano anterior foi inferior a 2.000.000$00.

F. só o facto de o sujeito passivo, ora recorrente, ter efectuado aquisições na Alemanha, não impedia a aplicação do regime de isenção do art. 53º CIVA.

G. O próprio REGIME DO IVA NAS TRANSACÇÕES INTRACOMUNITARIAS (RITI) fala em sujeitos passivos isentos, no art. 2º n.º 1, al. b) do RITI, que são os que efectuam exclusivamente operações isentas abrangidas pelo art.º 9º do CIVA e os enquadrados no regime especial de isenção a que se refere o art. 53º do CIVA.

H. As aquisições intracomunitárias só são sujeitas a IVA, independentemente de o adquirente ser ou não um sujeito passivo, se o vendedor for um sujeito passivo agindo como tal.

I. No caso em apreço, as aquisições intracomunitárias em causa, porque efectuadas a particulares de outros Estados membros, como se demonstrou nos autos, não são tributadas em IVA, uma vez que, estão fora do campo do imposto, por não se verificarem os pressupostos de incidência real ou objectiva definida pela al. a), do n.º 1, do art.º 1º do RITI.

J. Ainda que o recorrente seja considerado sujeito passivo de IVA, por força do disposto no art. 2º do RITI, não é devido imposto, por força do n.º 1 do art. 1º do RITI, na medida em que as aquisições foram efectuadas a particulares.

K. A mui douta sentença errou no seu julgamento ao considerar que, o ora recorrente por ser um sujeito passivo de IVA, nos termos do art. 2º do RITI, tinha que liquidar IVA sobre os bens adquiridos, pois como se demonstrou as operações (aquisições intracomunitárias aqui em causa) em si não estão sujeitas a IVA - Artº 1º, n.º 1 do RITI.

L. Aliás, a própria AT, relativamente, ao ora recorrente, mas no tocante ao ano de 1996, já colheu este entendimento, não tendo procedido à liquidação de IVA pelas aquisições intracomunitárias, por entender não estarem sujeitas a IVA

M. O ora recorrente não tinha que liquidar IVA nas ditas aquisições intracomunitárias, por força do disposto no Artº 1º, n.º 1do RITI, nem tinha que liquidar IVA nas vendas que efectuou no mercado interno dos veículos adquiridos a particulares na Alemanha, por estar enquadrado no regime especial de isenção previsto no art. 53º do CIVA, já que a aquisição de veículos na Alemanha não afasta a aplicação deste regime e no caso verificavamm-se os demais pressupostos a que alude o art. 53º do CIVA

N. Ainda que não fosse de aplicar, ao ora recorrente, o regime especial de Isenção do art. 53º do CIVA, nas vendas dos veículos no mercado nacional, sempre a quantificação efectuada nas vendas, se mostra errónea, uma vez que, o cálculo do IVA na venda, efectuado pela AT tem em consideração o IVA liquidado nas aquisições, que como se demonstrou não é devido.

A sentença violou, entre outras, as disposições legais contidas nos art. 615º n.º 1, al. c) e d) do NCPC e art. 1º n.º 1 do RITI, art.º 53º do CIVA, e os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V EXSª, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, DEVENDO, A FINAL SER JULGADA PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO OPORTUNAMENTE DEDUZIDA PELO ORA RECORRENTE,

ASSIM FAZENDO V. EXSª A COSTUMADA E HABITUAL JUSTIÇA”

(...)


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso consistem em:

(i) saber se a sentença recorrida errou no julgamento da matéria de facto;

(ii) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao concluir que as transacções de veículos usados adquiridos na Alemanha pelo Impugnante estão sujeitas a IVA;

(iii) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao concluir que o Impugnante deveria ter liquidado IVA nas vendas que efectuou no mercado interno dos veículos adquiridos na Alemanha;

(iv) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao não reconhecer o erro na “quantificação efectuada nas vendas”, uma vez que “o cálculo do IVA na venda, efectuado pela AT, teve em consideração o IVA liquidado nas aquisições que não é devido”.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

a) A 13/10/1998 foi emitida a liquidação adicional de IVA n. º 9….. do período de 95 no valor de 6.972.420$00 (cfr. documento de fls. 30 dos autos)

b) A 13/10/1998 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 9….. do período de 9512T, relativa a juros compensatórios, no valor de 622.750$00 (cfr. documento de fls. 29 dos autos);

c) A 13/10/1998 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 9…… do período de 9509T, relativa a juros compensatórios, no valor de 564.093$00 (cfr. documento de fls. 28 dos autos);

d) A 13/10/1998 foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 9….. do período de 9506T, relativa a juros compensatórios, no valor de 367.659$00 (cfr. documento de fls. 27 dos autos);

e) O impugnante foi alvo de visita de inspecção a 5/03/1997 (cfr. relatório de fls. 127 e ss. dos autos);

f) A 04/04/1997 foi elaborada informação na sequência da inspecção, onde, além do mais se lê (cfr. relatório de fls. 127 e ss. dos autos):
'' Enquadramento Fiscal O sujeito passivo identificado, procedeu em 1995, noutros estados membros da comunidade europeia, à aquisição de diversas viaturas ligeiras de passageiros usadas, utilizando na passagem pela Alfandega o estatuto de particular
Da consulta ao cadastro verifiquei que se encontra registado em IVA e IRS, categoria C, desde 3/10/90, pelo exercício da actividade "Construção de Edifícios" (...) e enquadrado em IVA no Regime Especial de Isenção (artigo 53.º do CIVA).
Conforme auto de declarações do s.p. que junto em Anexo I, os veículos constantes da listagem enviada pela DGA foram adquiridos com o objectivo da sua comercialização.
As operações descritas configuram aquisições intracomunitárias de bens, atendendo ao disposto no artigo 3.º do DL 290/92, de 28/12, que define aquisição intracomunitária como sendo "a obtenção de poder dispor por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado membro.
As operações em causa preenchem ainda os requisitos da incidência de IVA e IRS, categoria C, nos termos da al. c) n.º1, do art.º 1.º e al. d) do art.º 2.º do CIVA e n.º 1 do art.º 4.º do CIRS.
Verifiquei contudo que o s.p. não apresentou a declaração de alteração de actividade a que se refere o art. 28, n.º 1 al. a) do CIVA, nos prazos referidos nos art.º 31.º n.º 2 e art.º 58, n.º 2 al. e) do mesmo Código e que não liquidou IVA pelas aquisições intracomunitárias de bens a que procedeu, tal como o obriga a al. a) do artigo 23.º do RITI, de acordo com o preceituado no art. 28.º do mesmo diploma legal, e que a falta de documento emitido pelo vendedor, por terem sido adquiridos a particulares, o deveria ser em documento interno emitido pelo próprio s.p. O IVA assim liquidado seria exigível na data do documento equivalente, conforme o disposto na al. b) n.º 1do art.º 13.º do RITI e entregue no Serviço de Administração do CIVA, simultaneamente com a declaração periódica, nos termos do n.º1, do art.º 26.º do CIVA.
3.Correcções
3.1. IVA- Falta de liquidação de IVA (art.º 26 CIVA)
Não possuindo contabilidade organizada é no entanto obrigado a possuir os livros referidos no art.º 50.º do CIVA, os quais não me foram exibidos em 5 de Março último.
(...)
Assim verificando-se a inexistência de escrita e a falta de entrega do IVA vai-se proceder ao seu apuramento de acordo com o disposto no art.º 83.º-A do CIVA.
Para o cálculo do IVA em falta nas aquisições intracomunitárias, na falta de documento de aquisição, a base tributável é determinada nos termos do art.º 16.º do CIVA, considerando o valor de aquisição declarado à Alfandega para efeito de pagamento de IA e com inclusão deste na base tributável como determina o n.º2 do art.º 17.º do RITI.
Para efeitos do momento de exigibilidade de IVA é o momento em que o bem é posto à disposição do s.p., nos termos do art.º 12.º, nº 1, do mesmo diploma, e que corresponde ao indicado na relação da Alfandega.
Nos valores da venda são utilizados os preços médios praticados nas retomas no ano de 1995, para os mesmos carros, da mesma marca, modelo e ano de fabrico, pelos concessionários para a Guarda das marcas (...) e com base no decreto-lei 504-G/85 de 30/12. Assim a base tributável de liquidação de IVA será a diferença entre a contraprestação obtida e o valor do custo do bem, como determinam os n.º 1e 2 do art.º 1.º do referido diploma (...),
g) A 12/12/1997 foi decidido fixar ao aqui impugnante IVA no valor de 6.972.420$00, de 1995 (cfr. documento de fls. 13 dos autos);
h) A 12/12/1997 foi emitido oficio destinado a notificar o aqui impugnante da decisão de liquidar IVA no valor 6.972.420$00, e respectivos juros compensatórios, num total de 9.518.863$00, relativo ao exercício de 1995, resultante de correcções efectuadas nos termos do artigo 82 do CIVA, correcções essas efectuada com recurso a estimativas (cfr. documento de fls. 12 dos autos);
i) O impugnante deduziu reclamação para a Comissão de Revisão (cfr. documento de fls. 14 e ss. dos autos);
j) A comissão reuniu a 15/09/1998 (cfr. acta da reunião, a fls. 24 e 24 verso dos autos);
k) A reclamação foi indeferida, mantendo-se inalterável o valor do imposto calculado, sendo ainda fixado um agravamento no valor de 150.000$00 (cfr. documento de fls. 23 e 23 verso dos autos).

Os factos provados assentam na análise critica dos documentos juntos aos autos, não impugnados.

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Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa”.

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2.2. De direito

A sentença recorrida julgou a impugnação deduzida improcedente e, nessa medida, manteve intocadas as liquidações impugnadas (IVA e juros compensatórios).

Antes de entrarmos na análise das questões atinentes ao erro de julgamento de direito, importa que estabilizemos a matéria de facto.

Ora, nas conclusões A) a D) pretende o Recorrente que este Tribunal adite ao probatório o seguinte facto: “as aquisições (leia-se, de veículos) efectuadas, pelo impugnante, na Alemanha, foram a particulares”.

Para tanto, e cumprindo o ónus que lhe competia, o Recorrente indica os concretos meios probatórios que permitem extrair o apontado circunstancialismo de facto – cfr. conclusão C).

Não obstante, entende-se não ser necessário aditar tal facto, apesar do mesmo se revelar útil à discussão da causa. É que, como bem se retira do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), a Administração Tributária (AT), não só não questiona tal factualidade, como a fez constar expressamente no relatório, tal como o Recorrente reconhece.

Efectivamente, consta do RIT transcrito que “Verifiquei contudo que o s.p. (…) não liquidou IVA pelas aquisições intracomunitárias de bens a que procedeu, tal como o obriga a al. a) do artigo 23.º do RITI, de acordo com o preceituado no art. 28.º do mesmo diploma legal, e que a falta de documento emitido pelo vendedor, por terem sido adquiridos a particulares, o deveria ser em documento interno emitido pelo próprio s.p.” – negrito e sublinhado nosso.

Trata-se, assim, de matéria de facto assumida pela AT no RIT e que jamais foi questionada, pelo que não há qualquer controvérsia sobre a mesma.

Por estas razões, não se atende o aditamento pretendido.


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Ainda assim, há que, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1 do CPC, aditar ao probatório a seguinte factualidade, documentalmente suportada:

H) – As liquidações adicionais m.i nas alíneas a) a d) supra foram pagas em 13/07/00, ao abrigo do DL nº 124/96, de 10 de Agosto, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1…… – cfr. informação prestada pelo Chefe de Finanças da Guarda, a fls. 178 dos autos;

I) – De acordo com o RIT, o sujeito passivo adquiriu, na Alemanha, 31 viaturas usadas, pelo valor de 25.467.055$00 – cfr. Anexo III junto ao RIT, cujo teor se dá por reproduzido;

J) – Dá-se por reproduzido o mapa de apuramento junto ao RIT, a fls. 140 dos autos, do qual resulta que o valor de IVA apurado, no montante global de 6.972.420$00, respeita a
4.329 403$00 de imposto devido nas aquisições intracomunitárias de bens, respeitando os restantes 2.643.017$00 a IVA devido pelas transmissões de bens no mercado interno;

L) Em 15/09/98, o Presidente da Comissão de Revisão, da Direcção Distrital de Finanças da Guarda, fixou um agravamento em 150.000$00, com expressa invocação do artigo 90º-A do CPT (cfr. fls. 23, frente e verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as demais questões que nos vêm dirigidas.

A primeira questão que nos ocupa é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao concluir que as transacções de veículos usados adquiridos na Alemanha pelo Impugnante estão sujeitas a IVA.

Para assim concluir a sentença considerou, em síntese, que:

“Assim sendo e sendo certo que o impugnante é sujeito passivo de IVA, nos termos do artigo 23.º alínea a) do RITI, conforme se refere na informação que está na base da liquidação, tinha de liquidar o IVA, sobre os bens adquiridos, nos termos definidos no artigo 28.º do RITI.

Adiante-se, desde já, que não se sufraga tal conclusão, salientando que os Tribunais Tributários já várias vezes apreciaram a questão que aqui se coloca, com respeito ao período temporal a que esta liquidação de IVA se reporta.

Ora, para o devido enquadramento legal da questão, lançaremos mão do acórdão do TCA Norte, de 01/02/07, proferido no processo nº 00245/01, no qual se pode ler o seguinte:

“A discussão em torno do aspecto jurídico desta causa, despoletada, pelo Rte, sobretudo, nas conclusões A) e C), reconduz-nos à temática do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, vulgo RITI, aprovado pelo art. 4.º do DL. 290/92 de 28.12. e entrado ao serviço em 1.1.1993.

Sendo que, por força do art. 1.º n.º 1 al. c) CIVA, estão sujeitas ao tributo em apreço as “operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias”, ao que acresce, nos termos do art. 2.º n.º 1 al. d) do mesmo compêndio, serem sujeitos passivos do imposto as “pessoas singulares ou colectivas que efectuem operações intracomunitárias nos termos do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias”, o art. 1.º do RITI fixa, desde logo, as regras de incidência real com relação às transacções intracomunitárias positivadas nas respectivas alíneas, consubstanciando a respectiva al. a) a competente regra geral, estabelecendo, para o efeito, que incide IVA sobre “as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n.º 1 do artigo 2.º, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos de IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efectue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do n.º 2 do artigo 9.º nem os transmita nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º;”.

Reportando-se, expressamente, a este art. 1.º al. a) do RITI e anotando-se que aí não se distingue entre bens novos e bens em 2.ª mão Atente-se na circunstância de que para o ano de 1995 não merece consideração o regime decorrente do art. 4.º do DL. 199/96 de 18.10.; máxime, do respectivo art. 14.º n.º 1., o Ac. STA de 7.6.2000, rec. 024828, postou o entendimento de que “são aquisições intracomunitárias de bens efectuadas em território nacional a compra na Alemanha a um sujeito passivo de IVA e agindo como tal de veículos em 2.ª mão por um nacional sujeito passivo de IVA e agindo como tal e por este trazidos para Portugal para revenda”.

Ainda sobre esta temática da aquisição, no interior da União Europeia, de veículos automóveis, importando ter presente o que decorre dos arts. 2.º n.º 2 e 6.º n.º 1 al. b), 2 e 3 do RITI, na esteira do pronunciamento subscrito por F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, CIVA, Anotado e Comentado, 4.ª Edição, Rei dos Livros, pág. 1017, deve entender-se e operar-se a não tributação em IVA, por virtude de não se mostrarem preenchidos os necessários pressupostos de incidência subjectiva, firmados nesses normativos, das “aquisições efectuadas por sujeitos passivos do imposto no território nacional a particulares de outros Estados membros”. Para melhor se compreender, já se um sujeito passivo nacional, por exemplo, um revendedor, comprar veículos automóveis usados a um também sujeito passivo estabelecido em outro Estado membro da U.E., tem de proceder à liquidação do imposto devido pela aquisição intracomunitária consumada – cfr. arts. 17.º n.º 3 e 23.º n.º 1 al. a) do RITI.

Em suma, vigorando, como regra, com relação às transacções entre sujeitos passivos, a incidência do tributo (IVA), a não tributação das aquisições feitas a particulares de outros Estados membros, por sujeito passivo luso, configura nítido e inquestionável regime de excepção”.

Ora, no caso presente, não se discute – sendo isso admitido pela AT no RIT – que as viaturas adquiridas na Alemanha o foram a particulares.

E, assim sendo, não se pode concluir, como na sentença, que incide IVA sobre tais aquisições intracomunitárias.

Na mesma linha de entendimento, veja-se o acórdão deste TCA, de 19/10/04, proferido no processo nº 880/03, para aqui transponível. Aí se lê o seguinte

“(…)

A primeira questão tem a ver com a liquidação de IVA pela aquisição de veículos usados em países estrangeiros pertencentes ao espaço comunitário e para tal considerou a administração fiscal que os vendedores de tais viaturas eram sujeitos passivos de IVA e actuaram como comerciantes nesse acto. Porém dos elementos juntos aos autos resulta que à excepção de um veículo cujo livrete originário tem aposto o nome de uma empresa( fls.45) todos os outros livretes originários contém o nome de pessoa singular. Daí não ser possível concluir nem presumir que estamos perante sujeitos passivos de IVA que actuaram como tal no acto da venda ao ora impugnante. Parece-nos que dados os mecanismos de controle internacionais não estava impossibilitada a AT de fazer prova dessa qualidade que apregoa dos vendedores dos veículos já que a prova negativa não deve ser exigida ao impugnante, porque praticamente impossível. Os documentos que o mesmo juntou abonam a seu favor, ainda que não traduzidos, pois deixam apreender, imediatamente, que os vendedores são, com excepção de um caso, pessoas singulares. Assim sendo e porque a transacção de veículos usados adquiridos em País estrangeiro do espaço comunitário não está sujeita a IVA a não ser nas estritas condições do artº 1º al. a do regime do IVA nas transacções intracomunitárias ( RITI) temos de concluir que atenta a falta de prova da qualidade dos vendedores dos veículos enquanto sujeitos passivos de IVA, não podia a AT proceder às presunções que fez e consequentemente à liquidação de IVA devido pela aquisição das viaturas usadas”.

Portanto, e sem necessidade de maiores considerações, deve concluir-se que esteve mal a sentença ao decidir em sentido contrário esta questão, não retirando as devidas consequências da circunstância de as viaturas usadas terem sido adquiridas a particulares.

A liquidação de IVA correspondente, no montante de 4.329 403$00, que foi mantida na sentença, vai agora anulada.

Questão diversa desta é da liquidação de IVA devido pelas transacções dos mesmos veículos já em Portugal, relativamente à qual a AT se socorreu de presunções/métodos indiciários, tendo o sujeito passivo seguido o procedimento de reacção prévio, junto da Comissão de Revisão (artigo 84º do CPT).

Também aqui o Recorrente se insurge contra a liquidação efectuada e contra a sentença recorrida que a manteve, defendendo que não “tinha que liquidar IVA nas vendas que efectuou no mercado interno dos veículos adquiridos a particulares na Alemanha, por estar enquadrado em regime especial de isenção previsto no art. 53º do CIVA, já que a aquisição de veículos na Alemanha não afasta a aplicação deste regime e no caso verificam-se os demais pressupostos a que alude o artigo 53º do CIVA”.

Por outro lado, sustenta do Recorrente que “ainda que não fosse de aplicar, (…), o regime especial de Isenção do art. 53º do CIVA, nas vendas dos veículos no mercado nacional, sempre a quantificação efectuada nas vendas, se mostra errónea, uma vez que, o cálculo do IVA na venda, efectuado pela AT tem em consideração o IVA liquidado nas aquisições, que como se demonstrou não é devido”.

Vejamos, por partes, lembrando o que, a propósito, decidiu o TAF de Castelo Branco.

Sobre o primeiro aspecto (artigo 53º do VIVA), sustentou que “…como resulta da fundamentação do acto, as liquidações impugnadas derivam da conclusão da AT de o enquadramento do impugnante no regime de isenção previsto no artigo 53.º do CIVA cessar por efeito da compra das viaturas na Alemanha com vista à sua comercialização, e com razão, já que o impugnante não se pode valer de estar enquadrado naquele regime, uma vez que o seu enquadramento resulta da sua declaração de início de actividade para o exercício de "Construção de edifícios".

Assim impunha-se ao impugnante, como refere a AT, a entrega de declaração de alterações, onde além do mais o impugnante declarasse que pretendia então desenvolver a actividade de compra e venda de automóveis, em cumprimento com o disposto no artigo 58.º n.1 e artigo 31.º n.1 e n.º2, todos do CIVA.

Não o tendo feito o impugnante manteve-se à margem da lei, pelo que não se pode valer de um regime em que estava enquadrado fruto desse desrespeito pelas suas obrigações declarativas, susceptíveis de precisamente alterarem o seu enquadramento em sede de IVA.

É que se por hipótese o impugnante não tivesse sequer declarado o início de actividade de "construção de edifícios", e não tivesse declarado o seu início de actividade de compra e venda de automóveis, não podia também essa falta de declaração ser suficiente para afastar a sua sujeição ao imposto”.

Em termos breves, diremos que o sujeito passivo que estava enquadrado, para efeitos de IVA, no regime especial de isenção previsto no artigo 53º do CIVA, adquiriu, em 1995, diversas viaturas usadas na Alemanha, no montante de 25.467.055$00. Assim, atento esse volume de negócios, deixou de verificar-se uma das circunstâncias previstas no artigo 53º CIVA, deixando de beneficiar de tal regime de isenção.

Quanto à quantificação do imposto, lê-se na sentença o seguinte:

“Quanto ao valor do IVA que o impugnante devia ter liquidado na entrada dos bens em Portugal, e não liquidou, em relação a este não é aplicável o regime da margem, sendo que este, como fez referência o Digníssimo Magistrado do Ministério Público no seu parecer, apenas se aplica, quanto ao impugnante, à venda efectuada em Portugal. Isto é, em abstrato o regime podia ter sido aplicado na Alemanha, ou por aplicação também da directiva, ou por intermédio de acto normativo de transposição aprovado naquele Estado­ membro, mas não havendo notícia de qualquer tributação naquele território, em Portugal não será possível ao impugnante lançar mão do mesmo, até porque não conhecerá em que circunstâncias, por que preço e a quem foram aquelas viaturas adquiridas pelo vendedor alemão, para dessa forma aferir da possibilidade de lançar mão do regime enunciado”.

O assim decidido vem também questionado pelo sujeito passivo, aqui Recorrente, nos termos já expostos.

Adiantando, refere-se, desde já, que o apuramento efectuado (cfr. alínea J do probatório) padece de erro.

Lançamos mão, uma vez mais, do acórdão já citado de 19/01/04, proferido no processo nº 00880/03, para dizer que “Quanto à quantificação que vem questionada nesta fase pelo impugnante (…). Tal erro existe no entanto porque para o cálculo do IVA devido pela transacção no mercado nacional a AT considerou a margem de lucro com IVA incluído como sendo igual ao preço de venda no mercado nacional deduzido do preço de compra no mercado comunitário estrangeiro incluindo o IVA devido pela transmissão intracomunitária suportado ou, melhor, liquidado oficiosamente ao impugnante. Ora, como este IVA (o da aquisição intracomunitária) entendemos que foi mal liquidado, logo ocorre por consequência erro de quantificação do IVA devido pela transmissão no mercado nacional”.

É precisamente esta a situação dos autos, se atentarmos no mapa de apuramento a que fizemos referência na alínea J) por nós aditada.

Por conseguinte, também aqui a liquidação impugnada não pode manter-se, contrariamente ao decidido.

Daquilo que fica dito, decorrem naturalmente duas consequências óbvias e também peticionadas: a anulação das liquidações de juros compensatórios e a anulação do agravamento de 150.000$00, fixado ao abrigo do artigo 90º -A do CPT.

Com efeito, com a anulação do imposto /IVA (aqui determinada) falece o fundamento para a liquidação de juros compensatórios, já que, mostrando-se indevido o imposto adicionalmente apurado, inexiste fundamento para a compensação pelo atraso na liquidação do imposto.

Por seu turno, pelo Presidente da Comissão de Revisão foi fixado um agravamento no montante de 150.000$00, ao abrigo do artigo 90º-A do CPT.

Ora, tal agravamento poderia ser fixado no caso de a reclamação ser destituída de fundamento e correspondia a um acréscimo até 5% da colecta reclamada.

Pelo desfecho que aqui se adoptou, de reconhecimento da ilegalidade do IVA contestado, não pode manter-se o pressuposto que fundamentou a liquidação do agravamento, o qual, portanto, também se anula.

Em suma, procedem as conclusões analisadas, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a sentença recorrida. Em consequência, a impugnação judicial deverá ser julgada procedente, anulando-se as liquidações sindicadas e, bem assim, o agravamento fixado, ao abrigo do artigo 90º -A do CPT.


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Revogada a sentença, importa que analisemos o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios que, em resultado da decisão de improcedência da impugnação judicial, ficou prejudicado.

Não é controverso que o imposto ora anulado foi pago, em 13/07/00, ao abrigo do DL nº 124/96, de 10 de Agosto. Isso mesmo foi informado pelo Chefe do Serviço de Finanças da Guarda, sendo que a FP, já na pendência dos autos, disso teve conhecimento (cfr. fls. 179 a 181).

Vejamos, pois, se aos juros tem direito o Impugnante, ora Recorrente.

Como é sabido, os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos (artigo 43º da LGT).

Dispõe o artigo 43º da LGT, no que para aqui importa, que:

1- São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

(…)

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios

Ora, no caso, e tendo presente o aqui determinado, dúvidas não restam que as liquidações adicionais impugnadas foram anuladas por as mesmas resultarem de um erro imputável aos serviços, ou seja, a AT procedeu a correcções, e consequente liquidação de imposto, em violação da lei.

Ficou demonstrado, como resulta da matéria de facto provada, que o imposto adicionalmente liquidado foi pago em 13/07/00, ao abrigo do denominado Plano Mateus. Trata-se, pois, de uma quantia indevidamente entregue ao Estado.

Assim, entende este Tribunal estarem, no caso concreto, preenchidos todos os pressupostos dos quais a lei faz depender o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, tal como peticionado no articulado inicial. Os juros em causa serão computados sobre o montante efectivamente pago, ao abrigo do, então vigente, regime especial previsto no DL nº 124/96.

Nos termos dos preceitos legais supra invocados, os juros em causa serão contados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respectiva nota de crédito, sendo a sua taxa a mesma prevista para os juros compensatórios.

Isto mesmo se deixará consignado na parte dispositiva do acórdão.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

- revogar a sentença recorrida;

- julgar a impugnação judicial procedente e anular os actos de liquidação sindicados, incluindo o agravamento fixado em 150.000$00;

- julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios sobre as quantias incluídas nas liquidações impugnadas que foram anuladas e na medida em que foram pagas, ao abrigo do DL nº 124/96.

Sem custas, por delas estar isenta a FP, vencida nestes autos, por se tratar de processo instaurado anteriormente a 01/01/04 - artigo3.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro (cfr. os artigos 14.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o artigo 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

Registe e Notifique.

Lisboa, 24/01/20.


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Jorge Cortez)