Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02579/08
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/12/2010
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO
“KNOW-HOW”
ROYALTIES
Sumário:1. Comum e reiteradamente, tem-se apontado que a fundamentação de um concreto acto, para se mostrar cabalmente preenchida e desempenhar plenamente a principal função que subjaz à previsão da respectiva exigência, há-de respeitar os requisitos de ser expressa, clara, suficiente e congruente.
2. E porque o dever de fundamentar tem de satisfazer, em paralelo e uníssono, duas funções, uma de natureza exógena e outra de cariz endógeno, é essencial assegurar a suficiência e clareza da fundamentação, particularmente do acto tributário, sob pena de estarmos postados, em casos de adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes, perante uma situação que, por imposição legal, equivale à falta de fundamentação – cfr. art. 125.º n.º 2 CPA.
3. Não pode constituir fundamentação suficiente, bastante, produzir-se a afirmação de ter havido transferência de “Know-how”, baseada no avanço da conclusão de que um específico clausulado contratual, não explícito nesse sentido, traduz uma situação de transmissão de informações, conhecimentos, industriais/comerciais, sobretudo, quando os próprios contraentes defendem estar-se em presença da contratualização de consultadoria e prestação de serviços.
4. Perante um contrato com conteúdo, não inequívoco, como o que foi valorado pelos serviços de fiscalização tributária, impunha-se, necessariamente, por parte destes, uma aturada tarefa indicativa dos pontos susceptíveis de, para os destinatários, funcionarem como repositório do inquestionável substrato factual da afirmação de que ocorreu aquela transferência de saberes.
5. Ao enjeitar-se uma actuação deste tipo, resultou produzido um quadro fundamentador limitado, permeável à crítica, pouco seguro, que deixou de incorporar um conjunto de razões decisivas para avaliar da correcção do enquadramento jurídico-tributário proposto e que despoletou a efectivação do acto de liquidação impugnado.
6. Na situação sub judice, exigindo-se a este tribunal, mediante a sindicância da sentença recorrida, pronúncia sobre o acerto factual e jurídico da realizada tributação dos rendimentos inscritos na factura identificada no ponto 2. dos factos provados, vemo-nos incapacitados de o fazer em virtude de não termos acesso aos concretos motivos encontrados, pelos serviços da administração tributária/AT, para assim proceder. Isto é, para concretizarmos o julgamento que nos solicitam somos confrontados com a necessidade de isolar elementos capazes de justificar a afirmação de que aconteceu a dita transferência de conhecimentos, os quais, admitindo-se que inscritos em algum dos contratos disponibilizados nos autos, sempre seriam da nossa responsabilidade e subjectividade, quando a lei exige que fossem da autoria das entidades administrativas intervenientes no procedimento de inspecção/liquidação; o que, em última análise, no mínimo, daria azo a uma situação de intolerável, ilegal, fundamentação substitutiva, superveniente ou a posteriori.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
                      I
A...– CONSTRUÇÕES E ENGENHARIA, S.A., contribuinte n.º 500302200 e com os restantes sinais dos autos, ajuizou impugnação judicial contra decisão que indeferiu reclamação graciosa dirigida, por si, a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referente ao ano de 1996.
No Tribunal Tributário de Lisboa, foi proferida sentença, julgando procedente a impugnação e anulando o acto visado, decisão que a FAZENDA PÚBLICA confrontou no presente recurso jurisdicional, em cujas alegações conclui: «
1) Nos termos do nº 2 do art. 77º da LGT, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
2) No caso em apreço, ao invés do concluído na decisão recorrida, consta do relatório da inspecção tributária (cf. o respectivo nº 3 - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas) a indicação sucinta, mas suficientemente clara e apreensível, dos fundamentos de facto e de direito respeitantes á liquidação efectuada, cujos termos demonstram adequadamente a legalidade do procedimento respectivo, nele figurando, inclusivamente, a correspondente operação de apuramento do imposto em causa.
3) Acresce que resulta evidente que a ora impugnante, não obstante a invocação do vício formal em causa, sempre revelou conhecer adequadamente as razões subjacentes ao apuramento do imposto, tendo-se apresentado claramente em condições de discutir a legalidade das mesmas.
4) Decorre do exposto que, no que respeita à fundamentação do acto tributário em causa, a sentença recorrida fez uma aplicação inadequada do estabelecido no supratranscrito art. 77º, nº 2 da LGT, razão pela qual deverá ser revogada, com as legais consequências. »
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A Recorrida/Rda apresentou contra-alegações, concluídas da seguinte forma: «
A. Nos termos do artigo 77.º da LGT, a decisão do procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que motivaram, podendo a fundamentação, por força do n.º 2 daquele artigo, ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributária e do tributo.
B. Como ficou amplamente provado, no acto tributário em causa, tal dever não foi observado, não tendo sido avançado pela Administração Tributária nenhum elemento explicativo/justificativo para tributar os rendimentos assinalados a titulo de royalties, para além da própria conclusão de que aqueles rendimentos são royalties.
C. A Administração Tributária limitou-se a ser meramente conclusiva no sentido de qualificar o rendimento na categoria que mais receita lhe proporcionaria, não tendo logrado explicitar, de forma clara e suficiente, a fundamentação que esteve na base da sua conclusão de qualificação dos rendimentos em causa como royalties.
D. Assim, a mesma desrespeitou, de forma evidente, os requisitos mínimos impostos para que se tenha produzido uma adequada fundamentação nos termos legalmente previstos, razão pela qual deverá ser mantida a sentença recorrida.
E. Deste modo, a norma correspondente ao artigo 77.º n.º 2 da LGT, na interpretação segundo a qual basta à Administração Tributária - para efeitos do acto tributário de liquidação adicional de imposto - enquadrar determinados rendimentos numa determinada categoria sem indicar de forma clara as razões que estiveram na base dessa conclusão, é inconstitucional por violação do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, do qual decorre o dever de fundamentação dos actos administrativos/tributários que afectam direitos ou interesses legalmente protegidos.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis deve o recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública ser julgado improcedente e, em consequência deve ser mantida a sentença recorrida, sob pena de violação do disposto nos artigos 77.º n.º 2 da LGT, 125º do CPA e 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. »
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O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, defendendo que se deve negar provimento ao recurso.
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Apostos os vistos de lei, compete conhecer.
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II
Mostra-se exarado, na sentença: «
III. DA FACTUALIDADE ASSENTE
Dos elementos constantes dos autos, e com relevância para a apreciação da presente impugnação, resulta provada a seguinte factualidade:
1. A impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção, na sequência da Ordem de Serviço n.º 12464, relativa ao exercício de 1996, tendo sido apurado IRC em falta no valor de € 355.489,05 (71.269.156$00), referente a retenções na fonte (à taxa de 15%) não efectuadas pela ora impugnante, relativamente a verbas pagas a não residentes referentes a rendimentos qualificados de royalties - cfr. relatório de inspecção junto a fls. 60 a 63 dos autos e fls. 65 a 77 do PA apenso, o que se dá por integralmente reproduzido).
2. Conforme resulta do relatório de inspecção, o apuramento do imposto em falta foi efectuado pelo facto dos Serviços de Inspecção terem entendido que os rendimentos a que respeita a factura junta a fls. 178 do PA apenso aos autos consubstanciam rendimentos de capitais, mais concretamente royalties, pelo que o seu pagamento estaria sujeito a retenção na fonte à taxa de 15%, face ao preceituado no artigo 75º e no artigo 69º, n.º 2, alínea a) do CIRC. - cfr. ponto 3.1.1. do relatório de inspecção e respectivo parecer, a fls. 65, 70 e 71 do PA.
3. Com a mesma data de 17 de Setembro de 1993, foram celebrados dois contratos com cópias juntas a fls. 162 a 176 do PA, entre a ora impugnante e a sociedade Construtora Andrade Gutierrez, S.A., sediada no Brasil., sendo um (pelas partes denominado 1º contrato) designado de “CONTRATO DE CONSULTADORIA E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS” e outro (pelas partes denominado 2º contrato) de “CONTRATO QUADRO DE CONSULTADORIA E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”.
4. A beneficiária dos rendimentos em análise - Construtora Andrade Gutierrez, S.A. -, é uma sociedade não residente com sede no Brasil (de direito brasileiro), conforme acordam as partes e resulta do teor dos contratos supra identificados.
5. Em consequência do apuramento de imposto supra referido, foi emitida a liquidação adicional de IRC, com o n.º 6420002917, relativa ao exercício de 1996, no valor de € 557.796,41 (111.828.140$00), correspondendo € 355.489,05 (71.269.156$00) a imposto e € 202.307,36 (40.558.984$00) a juros compensatórios, cuja data limite de pagamento se fixou em 03.12.2001 (cfr. prints informáticos e cópia da nota de apuramento das retenções na fonte, junto a fls. 80 a 82 e 160 dos autos).
6. Em 05.02.2002 a impugnante apresentou reclamação graciosa do acto tributários ora impugnado, nos termos constantes da petição de fls. 2 a 11 dos autos de reclamação (n.º 3107-02/400039.0), que correspondem a fls. 87 a 96 do PA apenso aos presentes autos.
7. Por despacho de 05.06.2002, notificado à ora impugnante em 09.08.2002 (cfr. aviso de recepção a fls. 206 do PA), pelo ofício n.º 22671, de 08.08.2002, foi indeferido o pedido de reclamação graciosa identificado no ponto antecedente, com os fundamentos constantes da correspondente informação e parecer, juntos a fls. 193 a 204 do PA.
8. Em 13.09.2002, conforme carimbo aposto a fls. 3, a impugnante deduziu a presente impugnação.

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos. »
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Ponderado o conteúdo da conclusão 2) supra transcrita, nos termos e para os efeitos do art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, por revestir interesse para a decisão e se mostrar comprovado por documento, aos factos assentes, vindos de reproduzir, decide-se aditar o que segue:
9. Do relatório de inspecção tributária mencionado em 1. consta: «
3 - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS.
3.1 - EM TERMOS DE I.R.C.
3.1.1 - Retenções não efectuadas.
No âmbito da fiscalização e de acordo com os esclarecimentos prestados foram constatadas as seguintes situações:
1) - Aquando da fiscalização ao exercício de 1997, foi solicitado o contrato estabelecido com a “Construtora Andrade Gutierrez” - empresa Brasileira e principal accionista da Zagope, tendo o contribuinte através do seu Contabilista, apresentado o referido no anexo 01.
2) - Após ter sido informado que os valores (não implícitos), constantes no referido contrato estavam sujeitos à retenção na fonte e que iria ser aberto uma nova ordem de serviço para o exercício de 1996 afim de controlar somente essa situação, o Contabilista apresentou um 2º contrato, o referido no anexo 02, completamente diferente do 1º e que desconhecia até essa altura da existência do mesmo.
3) - Ao analisar os 2 contratos verifica-se que:
a) - Estranhamente os 2 contratos forma assinados em Lisboa na mesma data, 17/09/1993, embora as assinaturas não sejam as mesmas por parte da “Zagope”, pelo que não faz sentido que a contabilidade esteja na posse de um contrato supostamente cancelado.
De referir que o 1º contrato é assinado pelos intervenientes do mesmo, enquanto que no 2º contrato e por parte da Zagope, não consta a assinatura do administrador Leandro Aguiar, mas sim do Sr. Paulo Saliba, que não é mencionado como interveniente no contrato.
b) - Não existe nenhuma clausula no 2º contrato a dizer que o mesmo anula o 1º estipulado, apesar dos intervenientes por parte da A...não serem os mesmos.
c) - Embora no 2º contrato não exista nenhuma alínea que especifique, o “Know-how”, o modo de facturação (periodicidade semestral), não obstante em 1996 ter sido emitida uma como nº 2/96 ??., existem alíneas, nomeadamente a c) e a d), onde está patente a transmissão de conhecimentos e informações respeitantes a experiências adquiridas no sector de construção, por parte da “Andrade Gutierrez”.
d) - O número 1 da cláusula Quarta, do 2º contrato, (anexo 02), nunca foi aplicada de acordo com a facturação emitida (anexo 03).
e) - A factura de 1996, (anexo 03), refere a um relatório que não foi apresentado em virtude do Contabilista desconhecer da existência do mesmo.
f) - Pela factura emitida em 1996, (anexo 03), estabelece-se uma taxa de Administração, onde se pode concluir que as alíneas l) e m) do 1º contrato apresentado, (anexo 01), se encontravam accionadas.
Nestes termos somos de opinião que o que se encontra em vigor e faz fé em juízo é o estipulado no 1º contrato e que as facturas emitidas estão sujeitas à retenção de 15%, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 75º do C.I.R.C.
O montante da obrigação da retenção nos termos do nº 6 do artº 75º do C.I.R.C., deveria ocorrer na data do processamento da referida factura (apuramento do respectivo quantitativo).
A taxa a aplicar é de 15%, nos termos da alínea a) do nº 2 do artº 69º do C.I.R.C.
Assim o imposto devido, não retido e consequentemente não entregue em Dezembro de 1996 é de:
475.127.703$00 x 15% = 71.269.156$00
(…). » – cfr. fls. 156/157 P.A.
***
Pesadas as conclusões formuladas pela Recorrente/Rte, constatamos que esta reputa de errado o julgamento produzido na focalizada sentença, por, na sua óptica, não haver vício de falta de fundamentação, afectante da liquidação tributária impugnada; questão que importa, pois, apreciar e solucionar.
No tribunal recorrido, decidiu-se julgar procedente a impugnação e anular o acto impugnado, sob o argumento de que “(…) a correcção em análise foi efectuada por os Serviços de Inspecção terem entendido que os rendimentos a que respeita a factura junta a fls. 178 do PA consubstanciam rendimentos de capitais, mais concretamente royalties, (…).
Porém, os Serviços de Inspecção limitaram-se a justificar o porquê de terem adoptado o denominado “1º contrato” como base para terem chegado a tal conclusão, sem terem explicitado de forma clara e suficiente o itinerário lógico que os levou a essa mesma conclusão. Ou seja, nenhum elemento explicativo/justificativo é avançado pela AT para tributar os rendimentos assinalados a título de royalties, para além da própria conclusão de que aqueles rendimentos são royalties. Caberia, pois, à AT demonstrar a validade da classificação que operou, com explícita e suficiente motivação (de facto e de direito), o que manifestamente não fez.
Pelo que, terá que se concluir que a fundamentação da Administração é meramente conclusiva, (…).”.
Antes de mais, propomo-nos coligir breves apontamentos sobre o constitucionalmente reconhecido (1) direito à fundamentação dos actos administrativos, “quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”, e, em particular, dos de matriz tributária, cujo respeito se apresentava, no momento da prática do acto impugnado, exigentemente, reforçado pela específica previsão do art. 77.º LGT (2).
Comum e reiteradamente, tem-se apontado que a fundamentação de um concreto acto, para se mostrar cabalmente preenchida e desempenhar plenamente a principal função que subjaz à previsão da respectiva exigência, há-de respeitar os requisitos de ser: «
expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão;
clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide;
suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou;
congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão. »
Acresce que, tal como em muitos outros, se avançou no Ac. STA (1.ª Secção) de 24.11.1994, in AD. n.º 401, pág. 594, “a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, suposto na posição do interessados em concreto (…) não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão…”.
E porque o dever de fundamentar tem de satisfazer, em paralelo e uníssono, duas funções, “uma de natureza exógena, que visa colocar o administrado em condições de conhecer os fundamentos que motivaram a autoridade administrativa a decidir da forma que o fez, por forma a permitir-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto e a sua impugnação; e outra de natureza endógena, que visa garantir que os agentes da administração ponderem, de for(m)a séria, cuidada e isenta, os factos concretos e as disposições legais aplicáveis em cada caso e que permita o controlo, designadamente pelos tribunais, da observância dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade que se impõem à actuação da administração, aferindo o acerto jurídico das respectivas decisões”, é essencial assegurar a suficiência e clareza da fundamentação, particularmente do acto tributário, sob pena de estarmos postados, em casos de adopção de fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes, perante uma situação que, por imposição legal, equivale à falta de fundamentação – cfr. art. 125.º n.º 2 CPA.
Posto isto, volvendo à situação julganda, facilmente se intui, presente o teor do dado de facto acima aditado como provado (ponto 9.), que a sentença recorrida avaliou e julgou, a disputada questão da fundamentação, com acerto. Efectivamente, residindo, segundo a Rte, no transcrito, na íntegra, segmento do relatório de inspecção tributária “a indicação sucinta, mas suficientemente clara e apreensível, dos fundamentos de facto e de direito respeitantes à liquidação efectuada”, a consideração atenta e circunstanciada do respectivo conteúdo, objectivamente, apenas nos permite achar, indicados, motivos (cfr. alíneas a) a f) do n.º 3)) para o agente inspector sustentar a opinião de que “o que se encontra em vigor e faz fé em juízo é o estipulado no 1º contrato e que as facturas emitidas estão sujeitas à retenção de 15%, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 75º do C.I.R.C.”. Acresce, o único elemento que alguma conexão pode manter com a matéria discutida nos autos, encontra-se na parte inicial do n.º 2), do reproduzido ponto 3.1.1 do relatório, com o apontamento de que o contabilista da impugnante foi informado que “os valores (não implícitos)” constantes do contrato que integra o anexo 01 (correspondente ao intitulado 1º contrato) estavam sujeitos à retenção na fonte.
Neste cenário, exercitando a aludida função exógena do dever de fundamentar, o que se pode percepcionar é o entendimento da autoridade administrativa de que valores inscritos num (e não em outro) determinado contrato, fornecido pelos serviços de contabilidade da impugnante, estavam sujeitos a retenção na fonte, depreendendo-se do demais conteúdo do relatório de inspecção que se terá constatado não haver a empresa retido e entregue, nos cofres do Estado, importâncias referentes ao fornecimento de “Know-how”. Ou seja, agora, já, extrapolando, o autor do relatório de inspecção tributária almejou significar que o dito 1º contrato respeitava à transferência de “Know-how” da parte de uma empresa brasileira para a sociedade impugnante, pelo que, os pagamentos feitos por esta àquela implicariam retenção na fonte, em cédula de IRC.
Porém, obviamente, esqueceu, por completo, o imprescindível apontamento individualizado dos termos, das cláusulas, desse contrato (3) capazes de suportar o sentido da conclusão em causa. É que, não pode constituir fundamentação suficiente, bastante, produzir-se uma afirmação com os contornos indicados, baseada no avanço da conclusão de que um específico clausulado contratual, não explícito nesse sentido, traduz uma situação de transmissão de informações, conhecimentos, industriais/comerciais, sobretudo, quando os próprios contraentes defendem estar-se em presença da contratualização de consultadoria e prestação de serviços. Queremos patentear que, perante um contrato com conteúdo, não inequívoco, como o que foi valorado pelos serviços de fiscalização tributária, se impunha, necessariamente, por parte destes, uma aturada tarefa indicativa dos pontos susceptíveis de, para os destinatários, funcionarem como repositório do inquestionável substrato factual da afirmação de que ocorreu aquela transferência de saberes. Ao enjeitar-se uma actuação deste tipo, resultou produzido um quadro fundamentador limitado, permeável à crítica, pouco seguro, que deixou de incorporar um conjunto de razões decisivas para avaliar da correcção do enquadramento jurídico-tributário proposto e que despoletou a efectivação do acto de liquidação impugnado.
E, não se diga ou defenda que, apesar desta extensa lacuna, a impugnante sempre denotou “conhecer adequadamente as razões subjacentes ao apuramento do imposto”. Constata-se que esta somente percepciona, tem por certo, estarem em causa rendimentos qualificados e tributados como royalties, pelo que, suscita questões tendentes a demonstrar o erro, a desconformidade com a concreta situação factual, dessa objectiva qualificação, sem que deixe de registar o desconhecimento, por ausência de explícita indicação, dos seus fundamentos apoiantes, limitando-se a veicular e apoiar o entendimento de se estar no domínio da prestação de serviços, não tributável em IRC. Noutros termos, sem conhecer e poder atacar os motivos que levaram a administração tributária/AT a afirmar a existência de royalties, o contribuinte não deixa de esgrimir os argumentos que reputa de capazes para demonstrar, em abstracto, a inexistência desse tipo de realidade, potencialmente, tributável; circunstancialismo que não se pode confundir com o adequado conhecimento de pretensa fundamentação do acto visado, antes, traduz o exercício possível dos seus direitos de defesa, contra uma actuação reputada lesiva.
Finalmente, a problemática em apreço tem, ainda, de ser versada sob o prisma da actuação pedida, aos tribunais, para o controle da actuação dos intervenientes órgãos da AT e conferência do acerto jurídico das respectivas decisões, ou seja, importa aquilatar do respeito pela função endógena supra assinalada ao dever de fundamentar.
Na situação sub judice, como se foi sinalizando na precedente exposição, temos de afirmar que, também, entendemos ser o discurso fundamentador, assumido para levar a cabo a qualificação dos ditos royalties, claramente, insuficiente, porquanto apenas permite ter a certeza de que, para o efeito, relevou o conteúdo do chamado “1.º contrato”, sem, contudo, disponibilizar, identificar, as específicas cláusulas contratuais demonstrativas da ocorrência de uma situação de transferência de “Know-how”. Noutros moldes, exigindo-se a este tribunal, mediante a sindicância da sentença recorrida, pronúncia sobre o acerto factual e jurídico da realizada tributação dos rendimentos inscritos na factura identificada no ponto 2. dos factos provados, vemo-nos incapacitados de o fazer em virtude de não termos acesso aos concretos motivos encontrados, pelos serviços da AT, para assim proceder. Isto é, para concretizarmos o julgamento que nos solicitam somos confrontados com a necessidade de isolar elementos capazes de justificar a afirmação de que aconteceu a dita transferência de conhecimentos, os quais, admitindo-se que inscritos em algum dos contratos disponibilizados nos autos, sempre seriam da nossa responsabilidade e subjectividade, quando a lei exige que fossem da autoria das entidades administrativas intervenientes no procedimento de inspecção/liquidação; o que, em última análise, no mínimo, daria azo a uma situação de intolerável, ilegal, fundamentação substitutiva, superveniente ou a posteriori.
Porque a adopção de fundamentos que, por insuficiência, não esclarecem a motivação de um acto equivale à falta de fundamentação, vício implicante da respectiva anulação (4), temos de reputar correcto, com o complemento da argumentação vinda de expender, o julgamento feito na sentença criticada e que se consumou na anulação do acto tributário de liquidação impugnado, fenecendo, portanto, as razões contrárias, coligidas pela Rte.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso jurisdicional da Fazenda Pública.
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Sem tributação.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 12 de Maio de 2010


1- No presente, cfr. art. 268.º n.º 3 CRP.
2-Anteriormente, arts. 19.º n.º 1 al. b), 21.º n.º 1 e 82.º CPT.
3- Neste passo, propositadamente, omitimos as repercussões da disputa, pendente, entre qual dos dois existentes contratos seria o atendível.
4- Cfr. arts. 133.º e 135.º CPA (a contrario sensu).