Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1449/17.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:NULIDADE DE DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA.
SANAÇÃO.
Sumário:1. Os requisitos a que deve obedecer a decisão de aplicação da coima previstos no art.º 79º do RGIT devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente a decisão.

2. Se dos factos articulados, em conjugação com a decisão de aplicação da coima, resulta claramente que o arguido tem um conhecimento total e perfeito dos factos que lhe são imputados e que seriam necessários para o exercício do seu direito de defesa, mostra-se assegurado aquele objectivo.

3. E se, para além disso, a coima foi fixada em montante próximo dos limites mínimos, ainda que a decisão fosse nula, sempre o facto de ter sido aplicada uma coima próxima do valor mínimo implica que não ocorra nulidade insuprível.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira.
RECORRIDO: André ...........
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Lisboa que julgou procedente o recurso interposto contra a decisão de aplicação de coima proferida pelo SF de Lisboa ….
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
I. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida na parte em que declarou nula a decisão administrativa de fixação de coima por falta de descrição sumária dos factos, perante a falta de indicação na referida decisão administrativa de aplicação de coima do motivo pelo qual o montante exigível é aquele e não outro e da falta de especificação de qual das situações previstas na alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT é imputada ao Recorrente. Considera-se, que a sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento relativamente quer à má apreciação da prova perante os elementos trazidos aos autos mas também à má apreciação jurídica dos factos que à luz da experiência comum suportaram a sua decisão.

II. Os requisitos da decisão de aplicação da coima constam do n.º 1 do art.º 79.º do RGIT.

III. O particular requisito que o tribunal recorrido considerou não cumprido, a alínea b) do n.º 1 do art.º 79.º do RGIT, “A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas” contém em si mesmo dois requisitos independentes entre si, a descrição (sumária) dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas.

IV. Pela leitura atenta à sentença ora em crise, considera-se que somente a descrição (sumária) dos factos foi considerada incumprida pela decisão administrativa de aplicação da coima em causa, nada referindo a sentença relativamente às normas violadas e punitivas.

V. O requisito constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do art.º 79.º do RGIT, a “descrição sumária dos factos”, em consonância exatamente com a menor solenidade das decisões de aplicação de coimas, em comparação com as sentenças criminais, visa essencialmente assegurar ao arguido uma defesa adequada, o que apenas será possível se o mesmo tiver conhecimento dos factos que lhe são imputados.

VI. Ora, considerou o Tribunal a quo que “a decisão administrativa de aplicação de coima exarada a fls. 21 e 22 dos autos, para além de indicar normas violadas e punitivas, integra como factos motivadores da decisão, a falta de entrega da prestação tributária, que quantifica, referindo-se a um valor exigível (presume-se que em euros), mas não indica porque é que é aquele o montante exigível e não outro”

VII. O ora Recorrido apresentou declaração de início de atividade, cumprindo o disposto no art.º 31.º do Código do IVA, o mesmo será dizer, sabendo que exercia uma atividade sujeita a IVA. Estando enquadrado no regime normal trimestral, sabia que tinha até ao dia 15 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações para entregar a declaração periódica de IVA e pagar o imposto apurado (artigos 27.º e 41.º n.º 1 alínea b) do CIVA).

VIII. Aliás, refira-se que desde o último trimestre de 2011 que o ora Recorrido apresenta as declarações periódicas de IVA. Pelo que, será legítimo afirmar que quatro anos após a primeira entrega da declaração periódica de IVA, o ora Recorrido, notificado por falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo relativamente ao quarto trimestre de 2015 (2015/12T), desconhece porque o valor exigível a título de coima é aquele e não outro !!! Ora, estamos a falar de dezasseis declarações periódicas de IVA enviadas (desde o último trimestre de 2011 até ao terceiro trimestre de 2015) até que à décima sétima declaração enviada o Recorrido desconhece porque o montante exigível a título de coima, do qual foi notificado por falta de pagamento da prestação tributável relativamente ao período 2015/12T, é de € 1.336,09 e não outro.

IX. O ora Recorrido entregou a declaração periódica de IVA relativa ao quarto trimestre de 2015 a 15.02.2016, tendo apurado como imposto a pagar o montante de € 8.503,36, montante que não pagou dentro do prazo legal. Sublinhe-se que o ora Recorrido cumpriu a sua obrigação declarativa, tendo sido ele próprio a apurar o montante de imposto a apagar a título de IVA.

X. Refira-se que do despacho consta a seguinte informação, “Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art° 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 1.336,09 cominada no(s) Art(s)° 114 n°2, nº 5 a) , do RGIT, com respeito pelos limites do Art.º 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do N° 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro”.

XI. Pelo que, a coima fixada, de € 1.336,09 se encontra dentro da moldura constante do art.º 114.º n.º 2 e n.º 5 alínea a) do RGIT e respeita os limites máximos constantes do art.º 26.º do RGIT, tal como se encontra na decisão de fixação da coima. Aliás, no item medida da coima, consta o seguinte “Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Artº 27 do RGIT)”, constando seguidamente uma série de elementos ponderados na fixação da coima – Conforme informação constante da decisão de fixação da coima para a qual remetemos.

XII. Comecemos por dizer que não se entende porque tal informação não consta dos factos dados como provados, dando-se como certo que o ora Recorrido não teve conhecimento do motivo pelo qual o montante da coima fixado foi aquele, designadamente € 1.336,09, e não outro, quando bastava ter sido levado aos factos dados como provados a totalidade da decisão de fixação da coima e não, como efetivamente foi, apenas parte da referida decisão. Veja-se a este propósito o Acórdão do TCAN, de 02/12/2015, no âmbito do processo n.º 00147/14.6BEPNF, in www.dgsi.pt

XIII. A contrario, na situação em análise, não só foram tidos em conta os vários elementos que fazem alterar a medida da coima, conforme já referimos, como foram indicadas as normas punitivas que sustentam a contraordenação e que desenham a factualidade em causa, nomeadamente o art.º 114.º n.º 5 a) do RGIT.

XIV. Entendeu ainda o Tribunal recorrido que o facto da decisão administrativa de aplicação da coima apenas indicar como norma punitiva o artigo 114.º n.º 2 e n.º 5 alínea a) do RGIT, sem especificar qual das situações previstas na alínea a), do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT é imputada ao recorrente, configura insuficiência da descrição factual, uma vez que a redação da alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º inclui várias realidades passíveis de responsabilidade contraordenacional.

XV. De facto, não fosse a circunstância da decisão de fixação da coima além do art.º 114.º n.º 5 alínea a) do RGIT, indicar também o n.º 2 do art.º 115.º do RGIT, poderíamos assumir que haveria, de facto, uma insuficiência da descrição factual.

XVI. Consta da referida decisão, como normas punitivas o artigo 114.º n.º 2, n.º 5 a) do RGIT – Falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo.

XVII. Conjugando o disposto no n.º 2 do art.º 114.º do RGIT, que remete para o n.º 1 do art.º 114.º do mesmo diploma legal, com a alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT e com a informação constante da mesma decisão de fixação de coima, de que em causa está a “Falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo”, parece-nos totalmente desprovido de sentido afirmar insuficiência da descrição factual. É facilmente identificável que a situação constante da alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT que está aqui em causa é a de “(…) falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado (…)”.

XVIII. Mas, ainda que não se considere desta forma, e, portanto, não se conclua que segmento da alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT está em causa, a verdade é que a indicação conjugada dos artigos 114.º n.º 2 e n.º 5 a) do RGIT e dos artigos 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 alínea b) do CIVA são suficientes para salvaguardar os direito de defesa do ora Recorrido.

XIX. Nesta senda, ressalvando-se sempre o devido respeito, a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos com deficit instrutório e errada interpretação da lei, não pode deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo os vícios apontados julgue improcedente a consideração de nulidade da decisão administrativa de fixação da coima, antes mantendo a decisão de aplicação de coima, por verificação dos imperativos legais constantes do artigo 114.º n.° 2, 5 alínea a) do RGIT e 27 n° 1 e 41.º n.º 1 alínea a) do CIVA.

Pelo que, ressalvando-se sempre o devido respeito, a douta sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo os vícios apontados julgue improcedente a consideração de nulidade da decisão administrativa de fixação da coima, antes mantendo a decisão de aplicação de coima, por verificação dos imperativos legais constantes do artigo 114.º n.° 2, 5 alínea a) do RGIT e 27 n° 1 e 41.º n.º 1 alínea a) do CIVA.


CONTRA ALEGAÇÕES.

Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente o recurso de contraordenação com o fundamento de a decisão administrativa estar viciada por nulidade insuprível.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) Em 22-04-2016, foi proferida decisão de aplicação da coima, ora sob recurso, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a presente decisão (cfr. fls. 21 e 22):

«Descrição Sumária dos Factos

Ao(A) arguido(a) Foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos:

1. Montante de imposto exigível: 8.503,36;

2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00;

3. Valor da prestação tributaria em falta: 8.503,36;

4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2016-02-15;

5. Período a que respeita a infracção: 2015/12T, os quais se dão como provados.

Número da liquidação: L. 2016...........

Normas Infringidas e Punitivas

Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n°15/2001, de 05/06, constituindo contra-ordenação(ões).

Normas Infringidas (…)

Art° 27 n°1 e 41 n°1 a) CIVA – Falta de pagamento do imposto(T)

Normas Punitivas (…)

Art° 114 n°2, nº 5 a) e 26 n°4 do RCIT – Falta entrega prest. tributária dentro prazo (T)

Período Tributação

201512T

Data Infracção

2016-02-15

Coima Fixada

1336,09

(…)

DESPACHO

Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art° 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 1.336,09 cominada no(s) Art(s)° 114 n°2, nº 5 a) , do RGIT, com respeito pelos limites do Art.º 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do N° 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro.

(…)»

B) A decisão a que se refere a alínea anterior foi notificada por ofício datado de 22-04-2016 (cfr. fls. 24).

C) O requerimento de interposição de recurso foi apresentado em 08-06-2016 (cfr. fls. 1).


*

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.


*

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

No dia 3/5/2016 foi lavrado auto dando notícia de que o arguido não entregou simultaneamente com a declaração periódica que apresentou dentro do respetivo prazo legal, a prestação tributária necessária para satisfazer o imposto exigível, no montante de € 8.503,36.

Instaurado processo de contra-ordenação, procedeu-se à notificação do arguido nos termos e para efeitos do disposto no art. 70º do RGIT, aplicando-se, no final, coima no montante de € 1336,09 e custas no valor de € 76,50 com o conteúdo que consta da alínea A) dos factos provados.

O arguido recorreu para o TAF alegando, em síntese, ter pago o imposto devido com atraso inferior a dois meses e que a coima aplicada corresponde a uma taxa de mora de 17%, o que constitui uma violência absurda que repugna ao mais elementar senso comum. Para além disso, a decisão recorrida é nula pois nenhuma referência é feita ao facto de a prestação tributária não entregue corresponder a “prestação tributária deduzida nos termos da lei”

A MMª juiz sufragou o entendimento do arguido e considerou que a decisão administrativa violava o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 79º por não conter a descrição sumária dos factos. Isto é, a decisão recorrida indica como norma punitiva o artigo 114º, n.º 2 e 5, al. a) do RGIT, com a indicação de “Falta de entrega da prestação tributária”, mas não especifica qual das situações previstas na al. a) do n.º 5 do art.º 114º do RGIT é imputada ao recorrente...”.

A Recorrente defende que a sentença não deu como provado os elementos ponderados na fixação da coima, e deu como certo que o Recorrido não teve conhecimento do motivo pelo qual o montante da coima foi aquele e não outro, quando bastava ter levado aos factos provados a totalidade da decisão de fixação da coima.

Acrescenta que a decisão de fixação da coima indica, além do art.º 114.º n.º 5 alínea a) do RGIT, também o n.º 2 do art.º 115.º do RGIT.

Para além disso, consta da referida decisão como normas punitivas o artigo 114.º n.º 2, n.º 5 a) do RGIT – Falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo.

Ora, conjugando o disposto no n.º 2 do art.º 114.º do RGIT, que remete para o n.º 1 do art.º 114.º do mesmo diploma legal, com a alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT e com a informação constante da mesma decisão de fixação de coima, de que em causa está a “Falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo”, parece totalmente desprovido de sentido afirmar insuficiência da descrição factual.

Isto porque é facilmente identificável que a situação constante da alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT que está aqui em causa é a de “(…) falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado (…)”.

Sumariado o essencial dos autos, passemos à análise do recurso, começando por recuperar as regras a que deve obedecer a elaboração de uma decisão de aplicação de coima.

Tais regras constam do art. 79º/1 RGIT, cuja parte relevante aqui se transcreve, e que nos permite ter presente o quadro normativo relevante:

a) A identificação do infractor e eventuais comparticipantes;

b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;

c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;

d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;

e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;

f) A condenação em custas.

A falta de algum destes elementos constitui nulidade (insuprível) da decisão de aplicação de coima (Art.º 63º/d) RGIT).

Os requisitos previstos no art.º 79º do RGIT devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente a decisão.

Por conseguinte, as exigências feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício dos seus direitos.

Deverá, porém, ter-se em conta que a Constituição assegura o direito dos cidadãos a uma fundamentação expressa e acessível dos actos da Administração que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art.º 268º/3 da CRP), pelo que aquelas exigências só devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão, embora sumárias, sejam seguramente suficientes para permitir ao arguido o exercício do direito de defesa, isto é, a decisão deverá conter os elementos necessários para afastar quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta” (seguimos de perto Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in RGIT anotado, 2010, pp. 517).

Antes de prosseguirmos, salientemos que a decisão recorrida não enferma de qualquer défice instrutório, nomeadamente na parte relativa aos elementos relevantes para a medida da coima, como advoga o Exmo. Representante da Fazenda Pública.

Quando a MMª juiz diz que “...a decisão administrativa de aplicação de coima exarada a fls. 21 e 22 dos autos, para além de indicar normas violadas e punitivas, integra como factos motivadores da decisão, a falta de entrega da prestação tributária, que quantifica, referindo-se a um valor exigível (presume-se que em euros), mas não indica porque é que é aquele o montante exigível e não outro”, não se está a referir ao montante da coima, nem aos critérios da sua graduação, mas sim à exigência da prestação tributária, cuja falta de pagamento levou à aplicação da coima.

A prova dos critérios ou elementos relevantes para a fixação da coima não está em causa, nem a AT pode pretender que o seu conhecimento habilitaria o arguido a identificar qual das situações previstas na alínea a) do n.º 5 do art. 114º RGIT lhe é imputada.

O ponto da discórdia é saber se a descrição constante da decisão de aplicação da coima pode considerar-se suficiente para permitir ao arguido o exercício do seu direito de defesa.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública defende que sim, pois

- Consta da referida decisão, como normas punitivas o artigo 114.º n.º 2, n.º 5 a) do RGIT – Falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo.

- Conjugando o disposto no n.º 2 do art.º 114.º do RGIT, que remete para o n.º 1 do art.º 114.º do mesmo diploma legal, com a alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT e com a informação constante da mesma decisão de fixação de coima, de que em causa está a “Falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo”, parece-nos totalmente desprovido de sentido afirmar insuficiência da descrição factual. É facilmente identificável que a situação constante da alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT que está aqui em causa é a de “(…) falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado (…)” (XVII).

- Mas, ainda que não se considere desta forma, e, portanto, não se conclua que segmento da alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT está em causa, a verdade é que a indicação conjugada dos artigos 114.º n.º 2 e n.º 5 a) do RGIT e dos artigos 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 alínea b) do CIVA são suficientes para salvaguardar os direito de defesa do ora Recorrido (XVIII).

Afigura-se-nos que o Exmo. Representante da Fazenda Pública tem razão.

Desde logo porque o arguido no requerimento inicial não teve qualquer dificuldade em compreender as razões pelas quais lhe foi instaurado processo de contra-ordenação e respetiva coima. Alega que é trabalhador independente, enquadrado no regime geral de IVA e que procedeu, dentro do prazo legal para o efeito, à apresentação da respectiva declaração periódica de IVA relativa ao período de imposto 12/2015, nos termos do disposto no artigo 41º do Código do Código do IVA.

E que na declaração periódica de IVA foi apurado um montante de EUR 8.503,36 de imposto a entregar ao Estado, montante que deveria ter pago até ao dia 15 de Fevereiro de 2016 (...).

Dos factos articulados, em conjugação com a decisão de aplicação da coima, resulta claramente que o arguido tem um conhecimento total e perfeito dos factos que lhe são imputados e que seriam necessários para o exercício do seu direito de defesa. Não resta qualquer dúvida sobre isso, nem o arguido por alguma forma a manifesta.

Portanto, o objectivo que se visava alcançar com o dever de descrição sumária dos factos foi totalmente alcançado.

Depois, a coima foi fixada em montante próximo dos limites mínimos. Com efeito, sendo a conduta omissiva punível com coima entre € 1.275.50 e € 4.251,68 (cfr. art.º 114º/2 RGIT), foi-lhe aplicada coima no montante € 1336,09.

Por isso, ainda que a decisão fosse nula como decidiu a sentença recorrida, sempre o facto de ter sido aplicada uma coima próxima do valor mínimo implica que não ocorra nulidade insuprível (vide ac. do STA de 16/04/1997 proferido no recurso nº 21221)(1).

Por fim, também não se vislumbra qualquer “violência absurda” no montante da coima aplicada, como defende o arguido. O despacho contém resumidamente os critérios usados na fixação da coima, que é uma obrigação legal (cfr art.º 79º/1-c) RGIT) e além disso, o seu montante quedou-se por valores próximos dos limites mínimos, o que permite concluir que neste capítulo, nenhuma ilegalidade pode ser imputada ao despacho.

Nestes termos procedem as conclusões de recurso, devendo a sentença ser revogada e em substituição julgar improcedente o recurso de aplicação de coima.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em substituição julgar improcedente o recurso de aplicação da coima.

Custas pelo Recorrido, sem taxa de justiça nesta instância por não ter contra alegado.

Lisboa, 17 de outubro de 2019.


(Mário Rebelo)


(Patrícia Manuel Pires)

(José Vital Brito Lopes)




__________________________________
(1) Assim, ac. do STA n.º 01057/13 de 02-04-2014 Relator: ASCENSÃO LOPES