Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07157/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/24/2011
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:DIREITO DE ASILO
SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
DÉFICE DE INSTRUÇÃO PROCEDIMENTAL
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO
Sumário: I - Cabe à Requerente do pedido de asilo, ora recorrente o ónus da prova dos factos que alega, face ao disposto no art. 18º, nº 4 do DL. nº 27”008, de 30/6, mas, também é certo que o mesmo nº 4 excepciona tal excepciona tal prova quando estejam reunidas cumulativamente as condições referidas nas suas alíneas, entre elas “As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas
coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações
disponíveis e a credibilidade geral do Requerente”.

II - Por outro lado, o nº 1 do mesmo art. 18º prevê que: “Na apreciação de cada pedido de asilo, compete ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente proferidas nos termos dos artigos anteriores e toda a informação disponível”.

III - Ou seja, em sede de processo de asilo “(…) o dever de certificar e avaliar todos os factos relevantes é repartido entre o requerente e o examinador. De facto, em alguns casos, poderá caber ao examinador a utilização de todos os meios ao seu dispor para a produção dos necessários elementos de prova ao apoio do pedido”, por exemplo promovendo a realização de perícias médico-legais que se possam revelar determinantes à revelação da verdade material (v. Parágrafo 196 do Manual de Procedimento e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado do ACNUR).

IV - Ora, no caso presente, entendemos existir um défice de instrução procedimental gerador da ilegalidade do acto final do procedimento e em violação dos citados art. 18º, nºs 1 e 4 do DL. nº 27/2008 e art. 87º, nº 1
do CPA, não respeitando também o citado Parágrafo 196 do Manual referido, assentando o acto impugnado em pressupostos de facto não fundados em elementos probatórios, objectivos e seguros, mas antes em factos controvertidos e incertos, o que consubstancia o vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a acção de impugnação em matéria de asilo e protecção subsidiária.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
A. A douta sentença recorrida é nula por violação de princípios e direitos
fundamentais, nomeadamente por se fundamentar em prova nula, pelo
que deve ser revogada, com as legais consequências (vd. art.° 659.°/2
e 3 do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA: Cf. arts.º 2.°, 9.° b). 18.°/1. 202.º/2 e
268.º/4 da CRP e arts.º 124.° e 125.° do CPA): e caso assim se não
entenda,
B. De acordo com o n.° 2 do artigo 3.º da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho,
relativa à concessão do estatuto de refugiado, em articulação com a
definição prevista pelo artigo 1-A (2) da Convenção de Genebra
relativa ao Estatuto dos Refugiados e pelo artigo 1 (2) do seu Protocolo
de Nova Iorque de 1967, têm ainda direito à concessão do asilo os
estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser
perseguidos em razão da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões
políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse
receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua
residência habitual:
C. A ora Recorrente foi forçada pelo pai a conformar-se a um casamento
com um primo que não desejava. Por ter mantido uma relação amorosa
que não merecia o acordo da família, foi brutalmente espancada pelo
noivo, perante a passividade, ou mesmo a anuência dos seus familiares.
Foi ameaçada de morte pelo noivo na eventualidade de perder a sua
virgindade antes do casamento, tendo sido vítima, igualmente, de
graves sevícias físicas às mãos do namorado que não aceitou a sua
separação:
D. Contrariamente ao invocado na decisão ora recorrida, o relato
produzido pela Recorrente apresenta-se plausível e coerente por
relação com a informação disponível sobre o país de origem, tendo a
ora Recorrente exposto os factos relevantes de forma clara e circunstanciada, por mais que uma vez:
E. É manifesto que se encontram verificados os actos persecutórios
sustentados pela Recorrente, indiciadores da existência de uma possibilidade razoável de vir a sofrer nova perseguição na eventualidade de ser devolvida ao país da sua nacionalidade:
F. É de conhecimento Universal a tolerância de que gozam o casamento
forçado e os actos de violência física e sexual contra mulheres por parte das diversas esferas do Estado guineense, com especial destaque para as forcas de segurança pública e o poder político:
G. Relativamente aos critérios que deverão nortear a admissibilidade dos
pedidos de protecção, o ónus da prova que nesta fase impende sobre
a Recorrente no sentido de demonstrar a perseguição de que poderá vir
a ser vítima é necessariamente menos intenso. Os elementos disponíveis
permitem pugnar, neste momento, por um claro preenchimento dos
critérios tendentes à concessão do estatuto de refugiado:
H. É manifesto que estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade
do Pedido de Asilo sub iudice, devendo o mesmo ser admitido para
análise final, e em consequência ser a decisão ora recorrida revogada
com as legais consequências:
I. A ora Recorrente encontra-se efectivamente impossibilitada de regressar ao seu país de origem, uma vez que é de conhecimento universal a sistemática violação dos direitos humanos, nomeadamente, das mulheres na Guiné-Bissau, e que é constantemente divulgada pelos meios de comunicação social de todo o mundo;
J. A ora Recorrente foi ameaçada de morte pelo noivo arranjado pelo pai e pelo namorado, não restando dúvidas que corre o sério risco de sofrer uma ofensa grave, tal como descrito nos n.º 1 e 2 do art. 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho;
K. Se a Recorrente for obrigada a regressar ao seu país de origem, e tendo em conta as tradições locais, os membros da sua família submetê-la-ão a todo o tipo de agressão física, tortura, e quiçá, “condená-la-ão à morte, tudo em nome de uma alegada “honra” que esta poderá ter violado ao não aceitar o casamento arranjado pelo pai;
L. Encontram-se preenchidos os pressupostos legais para a concessão da Autorização de Residência por Motivos Humanitários.

Em contra-alegações são formuladas as seguintes conclusões:

A Decisão impugnada satisfaz todos os requisitos legais, não existindo qualquer vício susceptível de gerar a invalidade do acto administrativo praticado.
10°
A autoridade recorrida deu pleno cumprimento às normas imperativas vigentes em matéria de Asilo e Refugiados, enquadrando de forma adequada a situação fáctica da recorrente.
11°
Deste modo, não padece tal Decisão de qualquer vício de facto ou de direito.

A EMMP emitiu parecer a fls. 237 a 242, no sentido de ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que considere procedente a presente acção especial, anulando o acto impugnado e condenando o R. a apreciar e decidir o pedido de asilo ou residência por questões humanitárias à aqui Recorrente, após instrução procedimental com as necessárias diligências, que se fundamentem em elementos probatórios, objectivos e seguros.

Sem vistos, vem o processo à conferência.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
A) Abibatu Balde apresentou-se no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa em 26 de Julho de 2010, proveniente de Bissau, Guiné Bissau, sendo portadora do passaporte guineense n.°……………, da autorização de residência portuguesa n.°……….., emitidos em nome de M………… e do bilhete de avião para o percurso Bissau Lisboa e regresso. Cfr. folhas 10 e 11 do processo administrativo e acordo das partes.
B) A……….. B….. apresentou em 28 de Julho de 2010, no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa um pedido de asilo, conforme documento com o seguinte teor:
(…)
DECLARAÇÃO COMPROVATIVA DA APRESENTAÇÃO
DE PEDIDO DE ASILO
Artigo 14 da Lei n° 27/2008 de 30.06
Nome: M……….. J….. T……., aliás A………. B…….
Data e Local de nascimento: 09/06/1981, aliás 21/08/1981 -BISSAU (GUINÉ-BISSAU)
Nacionalidade: GUINÉ-BISSAU
Filiação: pai M………. e mãe D………
Titular do Passaporte ------
PROCESSO N°
A presente declaração atesta que a cidadã acima identificada apresentou um pedido de asilo, neste posto de fronteira, aos 28/07/2010.
O presente documento é válido até à decisão sobre a admissibilidade do presente pedido, a ser proferida pelo Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nos termos do artigo 24, n° 4, da Lei 27/2008 de 30.06. Enquanto não for proferida a referida decisão, deverá a cidadã acima identificada permanecer na zona internacional deste posto de fronteira, conforme o disposto no artigo 26º, n° 1 do referido diploma.
Nos termos do artigo 24°, n°2 da Lei 27/2008 de 30.06, é o requerente informado sobre os direitos que lhe assistem e obrigações a que está sujeito, constantes do verso do presente documento.
Este documento não constitui documento de identidade, nem o reconhecimento do estatuto de refugiado, não confere ao seu titular o direito de entrada em território nacional.
(…)
Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, aos 28/07/2010
SUBDIRECTOR DA DIRECÇÃO CENTRAL E FRONTEIRAS
PF001
(....)


Junto ao aos autos a folhas 28 dos autos.
C) Aquele pedido de asilo foi indeferido, tendo A……. B…. sido notificada de tal decisão em 4 de Agosto de 2010, nos seguintes termos:
SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA

GABINETE DE ASILO E REFUGIADOS

NOTIFICAÇÃO
(Artigo 24 n° 5 da Lei nº 27/2008 de 30.06

PROCESSO DE ASILO Nº 91C/10
Aos 04.08.10 pelas 18 h 00 m, no posto de fronteira do Aeroporto de LISBOA, é notificado(a) o(a) cidadão(a) que se identificou como A……….. B……. nascido(a) aos 21.03.88, nacional da Guiné Bissau da decisão de não admissão do seu pedido de asilo, proferida pelo Exmo Director -Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ao abrigo do n° 4 do artigo 24 da Lei n° 27/2008 de 30 de Junho.
Nos termos do n° 3 do artigo 26° da Lei n° 27/08 de 30.06, a decisão de inadmissibilidade do pedido determina o seu regresso ao ponto onde iniciou a sua viagem, ou, em caso de impossibilidade, ao Estado onde foi emitido o documento de viagem com o qual viajou ou a outro local no qual possa ser admitido, nomeadamente um país terceiro seguro.
Da decisão ora notificada cabe recurso, querendo, para o Tribunal
Administrativo e Fiscal de Lisboa, fax número 21 1545188, a interpor no prazo de setenta e duas horas, com efeito suspensivo.
Esta decisão foi comunicada ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no n° 5, do artigo 24°, da Lei n° 27/08 de 30.06, que, ao abrigo do disposto no n° 4 do artigo 49, da citada Lei, e a pedido, poderá prestar aconselhamento jurídico directo em todas as fases do
procedimento de asilo.
Ao notificado(a) é entregue duplicado da presente notificação, cópia autenticada da decisão agora notificada e da informação do SEF n° 262/GAR/10, constituído por 09 folhas.
A notificação foi lida ao requerente na língua, que compreende
O NOTIFICANTE O NOTIFICADO O INTERPRETE
(…)
DECISÃO
PROCESSO DE ASILO N.º 91C/16
Considerando o disposto nas alíneas b), c) e e) do n.º 2,do art.19º,e no n.º4 do art. 24º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, com base na informação n.º 262/GAR/10 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, recuso o pedido de asila apresentado pela cidadã que se identificou como A………… B……., nacional da Guiné Bissau.
Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, aplicáveis por força do disposto no artigo 34º da Lei n.º 27/08, do 30 de Junho, considero, não se enquadrar este caso no previsto no artigo 7º da supra citada Lei e, por isso, não admitir o pedido para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias a cidadã identificada.

Notifique-se a interessada nos termos do n.º 5 do art.º 24º, da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho.
Lisboa, 3 de Agosto de 2010
(…)”
(…)
Inf. 262/GAR/10
1. A ora requerente apresentou-se no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa aos
26.07.2010, proveniente de Bissau, sendo portadora do passaporte guineense n.º
CA………, da autorização de residência portuguesa n.º……….. emitidos em
nome de M…………… J….. T….. e do bilhete de avião para o percurso Bissau > Lisboa e regresso (cfr. Fls. 10 a 12).
2. Por se suspeitar da autenticidade dos documentos que era portadora, foram os
mesmos presentes à UIPD, onde se constatou tratar-se de um passaporte falso e uma autorização de residência alheia (cfr. fls. 16 a 19).
7. Confrontada a ora requerente com esta situação, esta negou estar na posse de
documentos falsos/alheios e afirmou tratarem-se dos seus documentos.
2. Pelo exposto, foi à ora requerente recusada entrada em território nacional.
3. Dois dias após a sua chegada ao Aeroporto de Lisboa, a requerente apresentou pedido de protecção ao Estado português através da entrega de um manuscrito (cfr. Fls. 29).
4. Em cumprimento do disposto no n.º 1 do artº 16º da Lei nº 27/08, de 30 de Junho, foi a requerente ouvida quanto «os fundamentos do seu podido do asilo, tendo prestado as declarações constantes de folhas 30 a 34 dos autos, que se resumem no seguinte:
a) é do etnia fula e profeta a religião muçulmana;
b) Vivia na cidade do G…. com uma tia e frequentava o liceu da cidade;
c) O pai vivia na vila de P….. e visitava-o aos fins-de-semana. A mãe já tinha
falecido;
d) Em G… namorava um rapaz chamado C….. que tinha como actividade o
comércio;
e) No passado mês de Fevereiro, o seu pai disse-lhe que a tinha prometido em
casamento a um primo de nome M…….;
f) Na altura nada disse pois sabe que á uma tradição muito antiga na comunidade muçulmana, os pais escolherem os maridos das filhas;
g) Falou com o namorado e colocou-o ao corrente da conversa que o pai tinha tido consigo, mas ele não aceitou e disse-lhe para pensar bem;
h) Algum tempo depois o M…… veio ter consigo a G….. na companhia de dois indivíduos e questionou-a sobre o rapaz com quem costumava falar. Na altura mentiu respondendo quo era um amigo e colega da escola, mas o M……. não acreditou e forçou-a a regressar a P…….;
i) Já em P…… foi violentamente espancada pelo M……… e teve de ficar um mês em casa a recuperar.
j) O pai assistiu ao espancamento mas nada fez.
k) Após recuperar do espancamento, foi falar com sua prima A……., que a aconselhou a falar outra vez com o C…..;
l) Encontrou com o C…….. na casa deste em G….. e disse-lhe que tinham de terminar o namoro, mas este não aceitou e mandou-a tirar a roupa e de seguida fez-lhe vários cortes no corpo com uma lâmina. Ainda assim conseguiu fugir do local e escondeu-se numa casa vizinha;
m) Regressou a P……. e foi ter com a prima, pois receava encontrar-se com o
M…….. ou o pai e estes a questionassem sobre os ferimentos que tinha;
n) A conselho da prima partiu nesse dia para Bissau, levando consigo o oiro que a mãe lhe tinha deixado e algum dinheiro que a prima lhe deu;
o) Após chegar a Bissau alojou-se em casa de uma amiga, e foi esta, o contacto com o indivíduo que lhe arranjou os documentos que utilizou na viagem para Portugal;
p) No dia 25 de Julho, partiu de Bissau com destino a Portugal;
q) Após ter sido impedida de entrar em território nacional, decidiu apresentar pedido de asilo, pois receia regressar à Guiné Bissau e ser alvo de represálias por parte do M……. ou do C…..;

7. Da apreciação do pedido
Analisado o relato da requerente, verifica-se que o seu pedido de asilo se baseia no facto de ter sido prometida em casamento pelo pai a um primo, quando já namorava um outro indivíduo. Alega ter sido alvo de agressões físicas por parte de ambos que lhe provocaram ferimentos, por isso fugiu do seu país e receia regressar.
Verifica-se desde logo que a requerente não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima, em consequência de actividade por ele exercida em favor do Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual cm favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz humana entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, além de que também não foi por si invocado qualquer receio do perseguição em virtude de sua, religião, nacionalidade, opiniões política ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar uma fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3º, da Lei n.º 27/03, 30 de Junho.
Conforme jurisprudência do STA: "…é ao requerente do asilo que compete alegar os factos concretos indiciadores das situações contempladas na Lei, ou seja, da verificação dos pressupostos de que depende a conceito de asilo”.
Em primeiro lugar, cumpre referir que a requerente não demonstrou de forma coerente e convincente, que corre um risco pessoal, fundado, de perseguição ou ameaças graves, de acordo com a definição de refugiado, por parte das autoridades do seu país, ou que se verificasse passividade ou incapacidade por parte destas em conferir-lha protecção, no próprio local onde residia ou, noutra região do país, uma vez que nunca chegou a efectuar qualquer contacto com estas ou com qualquer uma das ONG's defensoras dos direitos dai mulheres que operam na país, c que ajudam e garantem protecção ás mulheres na situação relatada pela requerente.
Em segundo lugar, verifica-se, de acordo com a informação recolhida, que a realidade não é, na totalidade, coincidente com aquela relatada pela requerente.
Segundo a agência noticiosa Lusa, o casamento forçado de raparigas jovens é uma
prática ancestral enraizada entre as etnias animistas da Guiné Bissau, sobretudo entre os balantas e os papéis. Esta realidade leva a quo muitas jovens guineenses, procurem refugio nas igrejas, para fugir a este destino. A Igreja evangelista tem combatido esta prática e recolhe meninas que fogem ao casamento forçado, actualmente tem mais de trinta meninas ao seu cuidado.
O Relatório do Departamento de Estado dos EUA, relativo ao ano de 2009. refere que vários grupos dos direitos humanos nacionais e internacionais, operam no pais sem qualquer restrição por parte por parte do governo, investigando e publicando as suas conclusões sobre casos de direitos humanos.
O Governo permitiu a visita de representantes da ONU, incluído pessoal da UNOOBIS.
O Comité Internacional da Cruz Vermelha visitou várias vezes o pais.
As ONG’S locais trabalham pata proteger os direitos das mulheres e crianças e organizam programas para combater o casamento infantil e proteger as vítimas (…).
Verifica-se pois que requerente tem uma idade superior àquela que já se engloba na faixa etária das adolescentes e jovens alvo desta pratica. Por outro lado, como já acima se referiu as ONG’S defensoras dos direitos das mulheres que operam no pais, tem capacidade de acção e intervenção.
Em terceiro lugar, acresce ao exposto, quo a requerente do asilo foi visitada nas instalações do posto de fronteira do aeroporto de Lisboa, por um cidadão nacional.
Posteriormente este cidadão declarou que a sua esposa era prima da requerente de asilo e que se encontrava ali a pedido da sogra. Mais declarou que a sua sogra, a requerente de asilo e a mãe desta vivem na mesma casa em Bissau. Nunca conheceu outra morada. A requerente de asilo, senão esta que tinha em Bissau e onde vivia com a mãe. Nunca conheceu o pai da requerente. A última vez que tinha visto a agora requerente de asilo foi acerca de 3 anos, quando se deslocou a Bissau para trazer a sua. esposa para Portugal.
Na altura a requerente trabalhava numa loja de informática em Bissau. Desconhece eventuais problemas que a requerente tenha no país, além das dificuldades económicas que a família enfrentava.
Ora este relato é contraditório com o da requerente, em vários pontos, desde o local onde vivia, ao facto de a sua mãe ainda estar viva, e do o paradeiro do pai da requerente ser desconhecido.
Assim, e segundo o ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR, o beneficio da dúvida deverá, contudo, apenas ter concedido quando iodos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos. Ora, tal não aos parece suceder no caso ora em apreço.
Importa ainda sublinhar que ao apresentar-se na fronteira do Aeroporto de Lisboa, a requerente não só não manifestou qualquer intenção do solicitar asilo às autoridades portuguesas, como confirmou que os documentos falsos eram genuínos.
Tal conduta, parece não se coadunar com a necessidade de protecção que posteriormente invocou.
Face ao exposto, entendemos que se trata do um pedida de asilo infundado e fraudulento, e não satisfaz nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque com vista ao reconhecimento do Estatuto de Refugiado.

8. Da Autorização de Residência por motivos humanitários

O artigo 7º da Lei n.º 27/2008 do 30.06, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto ao artigo 3º a possibilidade de obterem uma autorização de residência por razões humanitárias, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar «ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco do sofrer ofensa grave.
Na aplicabilidade do regime previsto ao art. 7.º há que ter em conta o caso concreto, ou seja, analisar até que ponto podem os requerentes invocar com razão que se encontram impossibilitados de regressar ao seu país de origem, devido a uma situação de sistemática violação dos direitos humanos ou por aí se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
Face ao que ficou exposto no ponto 7º, e atento o caso ora em análise, não tendo causado no examinador a convicção, necessária de que se trata de pessoa que saiu do seu pais de origem por algum dos motivos constantes no regime humanitário previsto no artigo 7º da, citada Lei, e por ter induzido em erro as autoridades prestando informações falsas susceptíveis de terem um impacto negativo na decisão, o que constitui cláusula de inadmissibilidade do pedido de asilo, prevista no artigo 19, nº 2, al. e), dispensamo-nos de fazer qualquer tipo de análise relativamente à situação no país de origem da requerente.
Com efeito, tendo em linha de conta os motivos expostos no ponto 7 da presente informação, afigura-se, que por via do disposto no artigo 34º da Lei n.º 27/08 de 30.06, que manda aplicar às situações previstas no artigo 7º, as disposições constantes das secções I, II, III e IV do capítulo I, também a concessão de autorização de residência por razões humanitárias pode ser liminarmente indeferida nos casos previstos no artigo 19º, da mesma lei. Ora, face aos factos apreciados atrás, resulta claro que as mesmas cláusulas de inadmissibilidade se aplicam à apreciação para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias.

9. Proposta

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de asilo infundado, por não se enquadrar em nenhuma das disposições previstas na Convenção de Genebra e do Protocolo de Nova Iorque, sendo esta causa de inadmissibilidade prevista nas alíneas b), c) e j), do nº 2 do artigo 19º da Lei nº 27/08 de 30.06.
Tendo eu conta o exposto no posto 8 da presente informação, consideramos igualmente que o caso não é susceptível de enquadramento no regime de protecção subsidiária previsto no artigo 7º da mesma Lei.
Assim, submete-se à consideração do Ex.mo Director - Nacional do SEF a não admissão do pedido de asilo, nos termos das alíneas b), c) e e) do n.º 2 do artigo 19º, e nº 4 do artigo 24º da Lei n.º 27/08. de 30 de Junho.

GAR.03.08.10
(....)

Cfr. documento de folhas 30 a 36 dos autos.
F) No Conselho Português para os Refugiados foi, na sequência do pedido de asilo de A………. B……. elaborado parecer com o seguinte teor:
(…) - dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do “Parecer Resultante da Entrevista Destinada à Determinação do Estatuto de Refugiado”, transcrito na sentença recorrida a fls. 150 a 166 dos autos e junto a fls. 37 a 54.
G) Em 29 de Julho de 2010 no Gabinete de Asilo e Refugiados do Ministério da Administração Interna foi elaborado auto de declarações com o seguinte teor:
"Aos 29 de Julho de 2010, pelas 09 horas e 15 minutos, no Centro de Instalação Temporária - Aeroporto de Lisboa, perante mim Pedro Cordeiro, Inspector Adjunto, instrutor do processo, compareceu a cidadã que se identificou como A….. B…., nascida aos 21.03.88, na P……. - Guiné Bissau, filha de M……… B…….. e de D….. S……, a qual respondeu de livre e espontânea vontade ás questões relacionadas com o pedido de asilo por si apresentado ao Estado português.
P: Qual a sua etnia e religião?
R: sou Fula e professo a Religião Muçulmana.
P: Onde vivia e qual a sua actividade laboral?
R: Vivia na cidade de G……., juntamente com a minha tia. Estudava no liceu de G…… e frequentava o 6.º ano.
P: Porque razão vivia com a sua tia?
R: O meu pai vive no interior, na vila P……, e eu estava com a minha tia para poder estudar. Aos fins de semana ia para casa do meu pai, a minha mãe faleceu há três anos.
P: Porque motivo(s) a Srª deixou o seu país e solicita asilo em Portugal?
R: Porque tinha problemas na Guiné Bissau. Eu estava a estudar em G…. e namorava um rapaz de nome César, que é comerciante. No passado mês de Fevereiro, o meu pai disse-me que me tinha prometido em casamento ao meu primo M…….., mais velho que eu. Na altura não disse nada, porque é um costume na comunidade muçulmana da Guiné Bissau, os pais fazerem os casamentos dos filhos. Depois da conversa com o meu pai, fui para G…. e disse o que se tinha passado ao César, mas ele não aceitou e disse-me para pensar bem. Em data que não me recordo o M……….. veio ter comigo a G……, na companhia de dois indivíduos e perguntou-me quem era o rapaz que costumava falar, na altura menti e respondi-lhe que era um amigo e colega de escola. Foi nesse momento que me apercebi que o Mamadu desconfiava de qualquer coisa e andava a perseguir-me.
P: Ele perguntou-lhe alguma coisa sobre o seu namorado ou disse-lhe que sabia que tinha um namorado?
R: Não.
P: O que se passou depois?
R: O M……….. obrigou-me a regressar com ele a P……. e foi falar com o meu pai. Pouco depois o meu pai chamou-me e também me perguntou quem era o rapaz com quem costumava falar em G…., respondi-lhe que era um amigo e colega de escola. Então ele disse-me que me tinha dado ao M……., e a partir desse momento eu pertencia-lhe e ele era responsável por mim.
P: É possível isso acontecer na Guiné, as raparigas serem tratadas como mercadorias? As autoridades não fazem nada?
R: Nos outros locais do país não sei, mas no interior do país é comum entre a comunidade muçulmana. As autoridades não fazem nada porque se trata de uma tradição muito antiga.
P: O que aconteceu depois da conversa que teve com o seu pai?
R: O M……… espancou-me violentamente, com um pau e a pontapé e no fim ameaçou-me de morte se não fosse ainda virgem. Devido ao espancamento fiquei acamada cerca de um mês, sem ter recebido qualquer tratamento médico.
P: O seu pai assistiu ao espancamento?
R: Sim.
P: E não fez nada?
R: Não.
P: Porque motivo não a levaram ao médico ou a um hospital?
R: Não sei, mas talvez que ninguém soubesse que tinha sido espancada.
P: Nestes casos em que a mulher é espancada pelo marido ou namorado, existe alguma punição legal?
R: Não sei.
P: O que fez após recuperar a saúde?
R: Fui falar com a minha prima A……., que também reside em P…….., e contei-lhe o que se tinha passado.
Ela aconselhou-me a ir falar com o César e dizer-lhe que não podia continuar a namorar com ele, pois corria risco de vida. Decidi seguir o conselho da minha prima e em data que não me recordo fui a G…… falar com o C…….
P: Não teve medo que o M…….. descobrisse?
R: Tive, mas tinha de arriscar, senão tinha dois problemas.
P: O que aconteceu no encontro que teve com o C……?
R: Fui à casa dele e disse-lhe que tínhamos que terminar o namoro, pois corria risco de vida, na altura ele tinha a minha foto e uma lâmina na mão, de seguida mandou-me tirar a roupa e começou a cortar-me o corpo com a lâmina e ao mesmo tempo dizia que se não era dele, também não seria de mais ninguém.
P: Em que partes do corpo ele a cortou?
R: No ombro esquerdo no seio e na perna.
P: Como conseguiu fugir do local?
R: Empurrei o C…… e saí pela porta que não estava completamente fechada. Refugiei-me numa casa vizinha e a senhora deu-me roupas. De seguida regressei a P……. e fui ter com a minha prima. Não podia regressar a casa porque o M…….. e o meu pai descobriam os cortes e iriam perguntar-me o que se passou.
P: O que acha que iria acontecer se eles descobrissem os cortes?
R: De certeza que iria ser castigada.
P: Apresentou queixa contra o C……?
R: Não, tinha receio que as autoridades informassem o meu pai.
P: O que aconteceu no encontro que teve com a sua prima?
R: Contei-lhe o que tinha sucedido no encontro com o C……. e mostrei-lhe os cortes. Então ela disse-me que não podia regressar a casa, pois se o M……. e o meu pai descobrissem o que se tinha passado, iria sofrer um grande castigo. Ela aconselhou-me a vender algum oiro que a minha mãe me tinha deixado e ir para Bissau, ainda me deu algum dinheiro que tinha.
P: Seguiu o conselho da sua prima?
R: Sim. No princípio de Junho parti de mini bus para Bissau.
P: Onde ficou desde que regressou de G…… até viajar para Bissau?
R: No mesmo dia viajei para G…… e daqui para Bissau.
P: Onde vendeu o oiro que a sua mãe lhe deixou?
R: No mercado B…….., em Bissau.
P: Em que data chegou a Bissau?
R: Foi em Junho, mas não me recordo do dia.
P: O que aconteceu após a Sr.ª chegar a Bissau?
R: Fui ter com uma amiga de nome M…….. e fiquei na sua casa. Nessa noite ela teve uma visita, um indivíduo de nome D……. Eu estava no quarto e ouvi o D……. dizer à M…… que tinha um documento para vender, nessa altura pensei que uma solução era sair do país. Mais tarde falei com a M……. e contei-lhe o que tinha pensado e pedi-lhe ajuda para contactar o D……, no sentido de este me arranjar o documento,
P: Quando foi para Bissau já tinha intenção de sair do país?
R: Não, na altura a minha intenção era fugir dos homens que me queriam fazer mal. A ideia de sair do país surgiu após ouvir a conversa do D…… com a M……..
P: Acha que em Bissau não estava segura?
R: Não, acho que um dia alguém me iria reconhecer e informá-los do meu paradeiro.
P: O que acha que iria acontecer se o M……. ou o C….. a encontrassem?
R: De certeza que seria severamente castigada. No caso do C…… acho que era capaz de me matar.
P: Se pedisse ajuda às autoridades guineenses ou a uma ONG defensora dos direitos das mulheres, estas não a poderiam ajudar?
R: Nunca pensei fazer isso.
P: Foi o D…….. que lhe arranjou os documentos com que viajou?
R: Sim, a troco de 400.000 francos CFAs.
P: Quem comprou o bilhete de avião?
R: Fui eu no passado dia 24 de Julho em Bissau.
P: Em que data saiu de Bissau?
R: Foi no dia 25 de Julho.
P: Qual era o seu destino final?
R: Vir para Portugal.
P: Porque escolheu Portugal?
R: Por causa da língua.
P: A srª tem familiares em Portugal?
R: Sim, uma prima de nome Pepa.
P: Onde reside a sua prima e qual a sua situação neste país?
R: Não sei. Desconheço a sua situação em Portugal apenas sei que está casada com um cidadão guineense de nome Honório.
P: A sua prima sabia da sua vinda para Portugal?
R: Não.
P: É a primeira vez que a Srª está na Europa?
R: Sim.
P: O que pretendia fazer após chegar a Portugal?
R: Não sei, mas iria procurar ajuda.
P: Porque razão não pediu asilo logo após chegar ao aeroporto de Lisboa?
R: Porque o Demba disse-me para não dizer nada.
P: Porque motivo decidiu solicitar asilo?
R: Porque não quero regressar, pois receio pela minha vida.
Declaro ter sido informada de que o meu pedido de asilo vai ser analisado por um único Estado Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento CEN.°…../2003 DO Conselho de 18.02.03, designarem como responsável. Mais declaro, dar o meu consentimento, quando tal seja necessário, para a comunicação dos motivos invocados no pedido de asilo e a respectiva decisão a outro Estado Membro. (.. .)"Cfr. documento de folhas 30 a 34 do processo administrativo.
H) Em 29 de Julho de 2010 foi no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no processo 91C/10 elaborada “Cota” com o seguinte teor: “Aos 29.07.2010 desloquei-me ao Centro de Instalação Temporária (CIT), sito no Aeroporto de Lisboa, para audição da cidadã guineense A…… B….., nascida aos 21.03.1988, durante a entrevista constatei que se encontrava no CIT um cidadão que alegou ser familiar da A……. B……. Finda a entrevista e em conversa informal com o cidadão que se identificou como H……. B……, nascido aos 20.01.1973, na Guiné Bissau, portador do Cartão de Cidadão n.°……, apurei o seguinte:
• Que a sua esposa é prima da A…… B…..;
• Que desconhecia a vinda da A……. B….. para Portugal;
• Soube que a A……. se encontrava retida no Aeroporto de Lisboa, ontem (28.07.2010), através de contacto telefónico da sua sogra de Bissau;
•A sua sogra, a A….. e a mãe desta vivem na mesma casa no B……. de C……de Cima em Bissau;
• Conhece a A…….. desde que esta tinha a idade de seis anos, uma vez que vivam ambos no Bairro C…….. de Cima em Bissau;
• A A……… tem um irmão mais novo;
• Nunca conheceu outra morada à A….., senão aquela que tinha no Bairro de C……. de Cima em Bissau, onde esta vivia com a mãe;
• Sabe que a relação da A…….. com a mãe não era das melhores;
• Nunca conheceu o pai da A……..;
• Viu a A……… a última vez em Bissau, há cerca de três anos, quando se deslocou à Guiné para trazer a sua esposa para Portugal. Na altura esta trabalhava numa loja de informática em Bissau;
• Desconhece eventuais problemas que a A…….. tenha na Guiné Bissau, além das dificuldades económicas que a família enfrentava.Cfr. documento de folhas 35 e 36 do processo administrativo.
I) A……. B…… solicitou protecção jurídica à Segurança Social em 5 de Agosto de 2010, o defensor oficioso foi notificado da respectiva nomeação para o patrocínio por oficio da Ordem dos Advogados de 23 de Agosto de 2010, e a presente impugnação foi remetida ao Tribunal por correio electrónico em 27 de Agosto de 2010. Cfr. folhas 3 e 55 dos autos e 68 a 71 do processo administrativo.

O Direito
A sentença recorrida julgou improcedente a acção de impugnação em matéria de asilo e protecção subsidiária, na qual foram formulados os seguintes pedidos:
- condenação da Entidade Demandada a permitir a entrada da A. em território nacional e, em consequência, ser o pedido de asilo admitido, seguindo-se a instrução do procedimento de asilo até decisão final, com as legais consequências;
- anulação da decisão impugnada na parte em que não admite o pedido de asilo e em consequência aceitação do pedido de asilo da A. e, em consequência, ser concedida autorização de residência por motivos humanitários, com as legais consequência.
Nas conclusões das suas alegações a Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade por se fundamentar em prova nula, invocando os arts. 659º, nºs 2 e 3 do CPC e arts. 2º, 9º, al. b), 18º, nº 1, 202º, nº 2 e 268º, nº 4 da CRP e os arts. 124º e 125º do CPA e, caso assim se não entenda, o erro de julgamento por erro nos pressupostos de facto (o mesmo erro que imputa ao acto impugnado).

1 - Quanto à nulidade de sentença
Alega a recorrente que a sentença é nula por se fundamentar em
prova nula, nulidade de prova que imputa à “conversa informal” relatada
na “cota” junta a fls. 35 e 36 do PA e a que se refere a al. H) da matéria
de facto provada.
As nulidades de sentença são as previstas no art. 668º, nº 1 alíneas a) a e) do CPC.
No caso presente nenhuma delas se verifica, sendo que manifestamente não é caso da nulidade prevista na al. b) do citado preceito (nulidade de sentença por não especificar os fundamentos de facto), já que a sentença recorrida contém fundamentos de facto.
Quanto à invocada violação do art. 659º, nºs 2 e 3 do CPC, também não se verifica, já que o facto que foi dado como provado na al. H) foi a “cota” e seu teor elaborada pelo instrutor da GAR que consta do PA.
Ora, aquela “cota” com a informação que dela consta elaborada no
procedimento é perfeitamente admissível face ao disposto no art. 87º, nº 3 do CPA, pelo que a sua inclusão na matéria de facto dada como
assente, não implica qualquer nulidade de prova, como,
consequentemente, a sentença que nela se fundamentou não enferma de
qualquer nulidade, nem viola aquelas disposições legais e
constitucionais invocadas.

2 - Do erro de julgamento
A não verificação da nulidade de sentença arguida não implica que não possa existir erro nos pressupostos de facto na apreciação que é feita entre os factos dela constantes em conjugação com outros factos dados como provados, designadamente com as declarações prestadas pela A. no procedimento.
Efectivamente, cumpre apreciar se a sentença em recurso incorreu em erro de julgamento por erro na apreciação dos pressupostos de facto, afigurando-se-nos que a resposta terá de ser positiva.
Como se lê na sentença recorrida: “No artigo 2º, nº 1, alínea j) [da Lei nº 27/2008, de 30/6] entende-se por “Motivos de perseguição” os que fundamentam o receio fundado de o requerente ser perseguido, que devem ser apreciados tendo em conta as noções de (…) iv) “Grupo”, um grupo social específico nos casos concretos em que:
Os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilhada de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e
Este grupo tenha uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.”
Neste sentido as mulheres, adolescentes até cerca da jovem idade adulta, constituirão em certas regiões (sobretudo rurais) da Guiné Bissau, um grupo social com determinadas características comuns, designadamente a vulnerabilidade ao peso da tradição e da religião na determinação de casamentos forçados ou combinados entre famílias, alheias às vontades das jovens (Como se refere ser prática naquele país, no relatório do CPR acima reproduzido).
Contido não se afigura que esteja provado que Abitatu Baldé integre aquele grupo social.
É que, e de acordo com ficha junta ao processo administrativo A….. B…… tem já mais de 22 anos de idade (nasceu em 21 de Março de 1988). É, pois uma mulher adulta que, e de acordo com o depoimento de H…… B……( acima reproduzido e junto ao processo administrativo que a autora não pôs em causa) já trabalhou numa loja em Bissau. De acordo com o mesmo depoimento A…….. B…… sempre tem vivido em Bissau, isto é, em meio urbano onde tais práticas tradicionais de casamentos forçados não serão tão arreigados.
(...)
(...) Em Bissau a ora autora não identifica nem relata nenhum caso
de violência contra si ou de perseguição á sua pessoa. Razão porque, refere, a sua intenção não era sair do país (até tal situação se ter
proporcionado) nem ter tido necessidade de recorrer a ajuda quer das
autoridades guineenses, quer de uma qualquer ONG defensora dos
direitos das mulheres que operam no país (na cidade de Bissau).
(...) Quanto á situação de violência de que teria sido vítima, de
acordo com o seu próprio relato, em P…../G…. (esta última cidade
no interior da Guiné Bissau) não só a mesma foi solucionada com a
viagem para Bissau, como tal relato em face do depoimento de Honório B……. (a que A……. B…….. se refere no seu relato como marido da sua prima Pepa) se afigura muito pouco credível, pois, e segundo tal depoimento, a ora autora vivia há pelo menos três anos em Bissau.».
No entanto, o que resulta da factualidade dada como provada na al. G) do probatório, é que a A., declarou:
“Vivia na cidade de G………, juntamente com a minha tia ... O meu pai
vive no interior, na vila P………… e eu estava com a minha tia para poder
estudar. Aos fins de semana ia para casa do meu pai, a minha mãe
faleceu há três anos".
Tal depoimento não é contraditório, só por si, com o relato informal de Honório B……..a que se reporta a al. H) dos factos provados já que neste, embora refira que “nunca conheceu outra morada à A………. B……… senão aquela que tinha no Bairro de ……. de Cima em Bissau, onde esta vivia com a mãe”, também refere que “Viu a A……….a última vez em Bissau, há cerca de três anos, quando se deslocou á Guiné para trazer a sua esposa para Portugal. Na altura esta trabalhava numa loja de informática em Bissau. Desconhece eventuais problemas que a A……….. tenha na Guiné Bissau, além das dificuldades económicas que a família enfrentava”.
Ora, como bem refere a EMMP, não se mostra esclarecido, se efectivamente a mãe da A. tinha ou não falecido entretanto, após o Honório Biague ter visto a A. em Bissau, há três anos, se este sabia que não tinha falecido ou se apenas o desconhecia.
E, a ser verdade o seu falecimento, que a A. referiu como tendo ocorrido
também há cerca de três anos, se sabia que a A. permaneceu ou não em
Bissau ou antes se puramente desconhecia onde passou a viver.
Por outro lado, do depoimento da A. não resulta, a nosso ver, que a A. “não tivesse tido necessidade de recorrer a ajuda quer das autoridades guineenses, quer de uma qualquer ONG”.
De facto, o que esta afirmou foi que “nunca pensei fazer isso”, o que não é a mesma coisa e deve ser interpretado de acordo com o também por ela afirmado em resposta anterior “As autoridades não fazem nada porque se trata de uma tradição muito antiga”.
Aliás, atenta a escolaridade que terá possivelmente nem saberia o que era uma ONG bem como o trabalho a que estas se dedicam a respeito das situações em questão de casamentos forçados e violência para com as
mulheres e jovens do sexo feminino.
Também quanto ao afirmado de que “a sua intenção não era sair do país (até tal situação se ter proporcionado)”, há que atentar nas datas em que a A. referiu ter partido e chegado a Bissau, bem como afirmado “Fui ter com uma amiga de nome M……. e fiquei na sua casa. Nessa noite ela teve uma visita, um indivíduo de nome D…….. Eu estava no quarto e ouvi o D……… dizer à M……….. que tinha um documento para vender, nessa altura pensei que uma solução era sair do país. Mais tarde falei com a M……… e contei-lhe o que tinha pensado e pedi-lhe ajuda para contactar o D…….., no sentido de este me arranjar o documento.
Ainda quanto ao afirmado na sentença recorrida, “Quanto á situação de violência de que teria sido vítima”, a mesma ter sido “solucionada com a viagem para Bissau”, não se nos afigura que, sem mais, tal resulte dos autos.
Na verdade, a A. nas suas declarações a pergunta feita sobre se
achava que em Bissau não estava segura, respondeu: “Não, acho que um
dia alguém me iria reconhecer e informa-los do meu paradeiro” e, a
nova pergunta feita, respondeu: “De certeza que seria severamente
castigada. No caso do César acho que era capaz de me matar”.
Ora, sendo certo, por um lado, que cabe à ora recorrente o ónus da
prova face ao disposto no art. 18º, nº 4 do DL. nº 27/2008 de 30/06,
também é certo que o mesmo nº 4 excepciona tal prova quando
reunidas cumulativamente as condições referidas nas suas alíneas, entre
elas “As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas
coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações
disponíveis e a credibilidade geral do Requerente”.
Por outro lado, o nº 1 do mesmo art. 18º prevê que: “Na apreciação
de cada pedido de asilo, compete ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente proferidas nos termos dos artigos anteriores e toda a informação disponível”.
E, o art. 87º, nº 1 do CPA determina que: “O órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito”.
Sendo certo que em sede de processo de asilo “(…) o dever de certificar e avaliar todos os factos relevantes é repartido entre o requerente e o examinador. De facto, em alguns casos, poderá caber ao examinador a utilização de todos os meios ao seu dispor para a produção dos necessários elementos de prova ao apoio do pedido”, por exemplo promovendo a realização de perícias médico-legais que se possam revelar determinantes à revelação da verdade material (v. Parágrafo 196 do Manual de Procedimento e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado do ACNUR).
Ora, no caso presente é, a nosso ver, um dos elementos preponderantes para aferir da credibilidade das alegações da aqui Recorrente determinar se esta é portadora de sequelas físicas visíveis resultantes das sevícias que lhe terão sido infligidas pelo namorado César, o que poderá ser constatado através de uma perícia médico-legal.
Por outro lado, face ao teor da “conversa informal” tida com o Honório, (que não tem o mesmo valor de um depoimento prestado formalmente), e à necessidade de esclarecimento dos factos por ele transmitidos, face às declarações da A. atrás referidas, nomeadamente, quanto ao falecimento da mãe e a possibilidade de ter ido viver com a tia e aos fins-de-semana com o pai, bem como do conhecimento ou puro desconhecimento da mesma não ter problemas na Guiné Bissau (no caso, o eventual casamento forçado e agressões de que eventualmente tenha sido vítima por ela narrados), impunha-se à Administração, em diligências instrutórias, ouvir o dito Honório B………. em declarações formais.
E com elas esclarecer tais factos, procedendo a nova audição da Recorrente confrontando-a com as declarações daquele (se as mantivesse como resultaram da conversa informal) e acareação entre ambos, se necessário.
Por todo o exposto, entendemos existir um défice de instrução
procedimental gerador da ilegalidade do acto final do procedimento e
em violação dos citados art. 18º, nºs 1 e 4 do DL. nº 27/2008 e art. 87º, nº 1
do CPA, não respeitando também o citado Parágrafo 196 do Manual referido, assentando o acto impugnado em pressupostos de facto não fundados em elementos probatórios, objectivos e seguros, mas antes em factos controvertidos e incertos, o que consubstancia o vício de erro sobre os pressupostos de facto.
Motivo pelo qual, ao assim não ter entendido, antes considerando como verdadeiros e certos os factos controvertidos e incertos, a sentença recorrida, incorreu no mesmo vício de erro sobre os pressupostos de facto, e, consequentemente, no erro de julgamento que a Recorrente lhe imputa.
No entanto, a decisão sobre a invalidade do acto impugnado não pode, no caso, conduzir à condenação na prática do acto da Administração a atribuir a conceder o asilo pedido ou a autorização de residência por motivos humanitários à Recorrente, por se verificar o disposto no nº 2 do art. 71º do CPTA.
Antes haverá, que condenar o Recorrido (através do SEF), a apreciar e decidir do pedido formulado pelo aqui recorrente, após instrução procedimental com as necessárias diligências (as acima indicadas e, eventualmente, outras que, se mostrem pertinentes e resultem do apurado naquelas) que se fundamentem em elementos probatórios, objectivos e seguros.

Pelo exposto acordam em:
a) - conceder provimento ao recurso, revogando a sentença
recorrida;
b) - julgar procedente a presente acção especial, anulando o acto impugnado e condenando o R. a apreciar e decidir o pedido de asilo ou residência por questões humanitárias à aqui Recorrente, após instrução procedimental com as necessárias diligências, que se fundamentem em elementos probatórios, objectivos e seguros.
b) - sem custas (art. 84º da Lei nº 27/2008).

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011
Teresa de Sousa
Paulo Carvalho
Carlos Araújo