Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1835/09.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:LIQUIDAÇÃO IRS
FORMALIDADES NOTIFICAÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:
I-A falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição à execução, nos termos do artigo 204.º nº 1, al. i) do CPPT.

II-Antes da alteração introduzida no CIRS pelo Dec. Lei nº 198/2001, de 3 de julho, os atos de liquidação de IRS, ainda que efetuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte no prazo legal, deviam ser notificados através de carta registada com aviso de receção

III-Tendo sido expedida mera carta registada e tendo a mesma sido devolvida, não foram cumpridas as exigências legais de notificação, não se verificando, por isso, a notificação da liquidação pois que esta não chegou ao conhecimento da Recorrida através do meio utilizado ou de qualquer outro.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por MARIA….. no âmbito do processo de execução fiscal nº ……….30, e apenso, respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), dos anos de 1995 e 1999, cuja quantia exequenda ascende a €1.849,71 e acrescidos no montante de €709,07.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A. O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida, e em consequência, declarou extintos os processos de execução fiscal n.º ……….30 e …........57

B. Resulta da matéria assente (Ponto C do probatório), que a Administração Tributária notificou, em 29.11.2000, a contribuinte na morada, sita na p…..praça….., n.º …… 6– …..., em Lisboa, que constituía o domicilio fiscal da mesma na referida data.

C. Ora, a morada constante no sistema informático da Autoridade Tributária é p…..praça, n.º …… n.º 6– …...,, em Lisboa, não tenho sido comunicada qualquer alteração de morada pelo sujeito passivo.

D. A alteração do domicílio fiscal tem de ser comunicada sendo ineficaz a simples inscrição da morada actual na declaração de rendimentos, a qual não dá lugar à sua actualização por banda da administração fiscal.

E. Assim, ao contrário do doutamente decidido e salvo o devido respeito, foi a oponente, ora recorrida, notificada, para o domicilio fiscal constante do cadastro da administração tributária.

Por todo o descrito e ressalvando sempre o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida, relativamente à questão controvertida.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”


***

A Recorrida não apresentou contra-alegações.


***

A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

a) Os presentes autos de oposição têm como objecto o processo de execução fiscal n.º ……….30, bem como o processo de execução fiscal n.º ……….57, que lhe está apenso, os quais foram instaurados pelo serviço de finanças de Lisboa-….. à ora oponente, para cobrança coerciva de dívidas de IRS: de 1995, no valor de € 592,12 e de 1999, no valor de € 1.257,59, perfazendo a quantia exequenda o montante global de € 1.789,53 - Mandado de Citação de fls. 21, Certidão de Citação de fls. 22 e Certidões de Dívida de fls. 15 e 23 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

b) A ora oponente foi citada para os termos da execução fiscal, id. em a) em 31/07/2007 - citada certidão da citação.

c) Para notificação da liquidação, referente ao ano de 1999, foi expedido em 29/11/2000, pelo serviço de finanças de Lisboa-….., um ofício registado endereçado para a morada, sita na p….., n.º …… – …..., praça….., n.º 6 – ….., em Lisboa, que constituía o domicílio fiscal da oponente à data, o qual foi devolvido à remetente (ATA), pelo seguinte motivo: “não reclamado”- cópia da carta e respectiva devolução pelos CTT, junta a fls. 70 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.

d) Em 14/06/2007 a ora oponente alterou o seu domicílio fiscal da p….., n.º …… – …...,praça….., n.º 6 – ….., praça Rainha Santa, n.º6, 9.º Esq., em Lisboa, para a Av.ª ….., n.º …..32, …...R/C Dto, em Queluz - documento de Registo Central do Contribuinte (Doc. Provisório de Identificação), junto a fls. 30 e 31 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

e) O processo de execução fiscal n.º ……….30 encontra-se extinto por pagamento desde 30/05/2008, devido a “compensações provenientes de reembolsos de IRS” - informação do serviço de finanças de fls. 13 e 14 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

f) A presente oposição foi apresentada no serviço de finanças em 03/09/2007 - carimbo do receptor aposto a fls. 3 dos autos, que aqui se dá por reproduzido


***

A decisão recorrida considerou como factualidade não provada o seguinte:

***

“1- Não se provou que a ora oponente tivesse recepcionado o ofício id. em 4.1.c), destinado a dar-lhe conhecimento da liquidação de IRS de 1999.

2 - Não se provou que a ora oponente tivesse sido notificada da liquidação de IRS de 1995, em data anterior à da citação para os termos da execução fiscal - doc. junto pelo serviço de finanças a fls. 69 dos autos, no qual aquele serviço reconhece não possuir prova da notificação daquela liquidação.”


***

Ficou consignado como motivação da matéria de facto o seguinte:

“Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, na análise dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.

Quanto aos factos não provado, a convicção do Tribunal decorreu, quanto ao facto elencado em 4.2.2., da própria AT reconhecer que, não possui qualquer prova da notificação, motivo pelo qual se deu o referido facto como não provado.

Já o facto, elencado em 4.2.1., foi dado como não provado por, nos autos, não constar qualquer prova documental relativa à recepção, pela oponente, do ofício id. em 4.1.c), sendo a prova produzida no sentido inverso, isto é, que o ofício não foi recebido pela oponente pelo seguinte motivo: “devolvido”.

Por outro lado, não se encontra junta aos autos qualquer prova documental de que a ATA tenha reexpedido a correspondência, após a devolução do primeiro ofício de notificação.

Acresce que, a presunção de notificação consagrada a favor da Fazenda Pública apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no n.º2 do artigo 39.º do CPPT, concluindo-se que, nos casos em que a carta é devolvida não ocorre notificação.”


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução fiscal atenta a falta de notificação dos atos de liquidação de IRS dos anos de 1995 e 1999.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto e atentas as conclusões das alegações do recurso interposto cumpre, desde já, relevar que não se insurgindo o DRFP contra a inexigibilidade da liquidação de IRS do ano de 1995, a mesma consolidou-se na ordem jurídica.

Assim, compete ao Tribunal ad quem aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao decidir que a Recorrente não foi notificada da liquidação de IRS referente ao ano de 1999, competindo, nessa medida, avaliar se face à prova produzida se pode extrair que a mesma foi, devidamente, notificada do aludido ato de liquidação de IRS, aquilatando, desta feita, das formalidades inerentes à notificação e suas consequências legais.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que atentando na alínea C) do probatório se retira que a Administração Tributária notificou via carta registada, em 29 de novembro de 2000, a Recorrida na morada, sita na p….., n.º …… – …...,praça….., n.º 6 – …..,, em Lisboa, a qual constituía o seu domicílio fiscal na referida data, visto que não foi comunicada qualquer alteração de morada pelo sujeito passivo.

Pelo que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo foi a mesma devida e validamente notificada.

Vejamos, então.

In casu, encontramo-nos perante uma liquidação de IRS, respeitante ao ano de 1999, cujo ofício de expedição postal registado tendente à sua notificação foi remetido a 29 de novembro de 2000.

Face ao exposto vejamos, então, qual o quadro normativo aplicável aos autos.

À data o artigo 139.º, nº 3 do CIRS estipulava que, regra geral, as notificações deveriam revestir a formalidade de carta registada. Contudo, após a publicação do CPPT[1] que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2000[2], o artigo 38.º, nº 1, veio estatuir que: “as notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências”.

Sendo de relevar, outrossim, o teor do artigo 2.º, nº 1 do citado Decreto-lei nº 433/99 o qual veio revogar “toda a legislação contrária ao Código aprovado por este decreto-lei”.

Ora, face ao supra aludido, concretamente ao teor do citado normativo 38.º do CPPT e à revogação genérica das normas contrárias ao CPPT, que não sejam expressamente mantidas em vigor, impera concluir que se encontrava revogado o n.º 3 do artigo 139.° do CIRS, na redação inicial, que apenas exigia a notificação por carta registada para as notificações de liquidações de IRS[3].

Aqui chegados, e para melhor compreensão do enquadramento jurídico, convoquemos, então, o teor integral do artigo 38.º do CPPT à data em vigor:
“1 - As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.
3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1 do presente artigo serão efetuadas por carta registada.
4 - As liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei serão comunicadas por simples via postal.
5 - As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário.
6 - Às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal.
7 - O funcionário que emitir qualquer aviso ou notificação indicará o seu nome e mencionará a identificação do procedimento ou processo e o resumo dos seus objetivos.
8 - As notificações referidas nos n.os 3 e 4 do presente artigo poderão ser efetuadas, nos termos do número anterior, por telefax ou via Internet, quando a administração tributária tenha conhecimento da caixa de correio eletrónico ou número de telefax do notificando e possa posteriormente confirmar o conteúdo da mensagem e o momento em que foi enviada.”

Dispondo, por seu turno, o artigo 39.º do CPPT, sob a epígrafe de “Perfeição das notificações” que:
 “1 - As notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”

Ora, da interpretação dos citados preceitos legais resulta que, à data, as notificações relativas a liquidações de IRS eram efetuadas por carta registada com aviso de receção, quer resultassem das declarações de rendimentos anuais dos contribuintes, quer de alterações à matéria coletável decorrente de ações de inspeção.

E isto, desde logo, porque o ato de liquidação se subsume no conceito “atos (…) suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes”, conforme entende de forma unânime a Jurisprudência e a doutrina. Neste particular, vejam-se, designadamente os Arestos do STA, proferidos nos processos nºs 25310, 0412/06, 01940/13, de 18.10.00, 29.11.2006 e 05.02.2015, respetivamente.

Em termos doutrinais descreve Jorge Lopes de Sousa[4]:
“[c]omo atos e decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes devem considerar-se não só aqueles que efetivamente determinam uma alteração desta, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.
Assim, deverão ter essa qualificação os atos ou decisões que criam deveres ou encargos para os destinatários ou lhes restringem ou negam direitos que aqueles entendem ter. Serão assim de efetuar por carta registada com aviso de receção, entre outras, as notificações de atos de liquidação de tributo (…)”.

De notar que, em 2000, a letra da lei não fazia qualquer distinção relativamente às liquidações de tributos que resultem de declarações de rendimentos dos contribuintes. Com efeito, só com a Lei nº 55-B/2004, de 30 de dezembro foi introduzida nova redação ao nº 3, do citado artigo 38.º do CPPT, o qual passou a estipular que “as liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes” são efetuadas por mera carta registada.

De relevar, in fine, que o citado nº 4 do artigo 38.º do CPPT não é suscetível de nele enquadrar as situações decorrentes de liquidações de IRS, mas tão-só liquidações de IMI que, regra geral, não introduzem alterações na situação tributária dos contribuintes.

Neste particular, vide o entendimento de Jorge Lopes de Sousa, que neste âmbito esclarece de forma clara que:
“No n.°4 prevê-se que as notificações relativas a liquidações de impostos periódicos feitas nos prazos previstos na lei são efectuadas por simples via postal característica primacial dos impostos periódicos é a de terem subjacente um facto tributário de carácter duradouro, pelo que cabem neste conceito, além do Imposto Municipal sobre Imóveis (e, anteriormente, a Contribuição Autárquica) e dos impostos rodoviários, também o IRS e o IRC.
No entanto, em face da regra do n.º 1 deste artigo, em que se prevê a obrigatoriedade de utilização de carta registada com aviso de recepção quanto a actos susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, será de concluir que n.º 4 se reporta apenas aos casos e que o acto de liquidação não envolve uma alteração da situação tributária dos contribuintes, que é o que sucedia na Contribuição Autárquica e sucede actualmente com o Imposto Municipal sobre Imóveis, pois são, em regra, liquidados oficiosamente, com base nos elementos já existentes (art. 18.º do CCA e 113.º, n.º 1, do CIMI). (…) Diferente é o que sucede com o IRS e o IRC, pois a liquidação é feita anualmente com base em elementos diferentes e em que, por isso, aquela envolve sempre uma alteração da situação do contribuinte, por constituir uma obrigação tributária que não existia anteriormente e cujos pressupostos não estavam definidos.
Por outro lado, é em relação à Contribuição Autárquica e ao Imposto Municipal sobre Imóveis que se justifica a utilização da simples via postal, sem registo (que não oferece garantias de efectivo recebimento da comunicação), por este recebimento não ser indispensável para constituir a obrigação tributária, uma vez que a lei impõe ao contribuinte que, caso não receba a nota de cobrança referida, solicite ao serviço de finanças da área da situação dos prédios uma 2.2 via (art. 22.º, n.º 3, do CCA e 119º, n.º 3, do CIMI). Embora neste art. 38.º, n.º 4, se atribua a designação de «notificações» aos actos de comunicação das liquidações de impostos periódicos que são efectuadas por via postal simples, não se trata de actos com a natureza das notificações previstas no art. 36.º do CPPT, pois não têm subjacentes qualquer decisão procedimental da administração tributária, qualquer acto em matéria tributária, antes são emitidas mecanicamente pelos serviços.”

No mesmo sentido aponta doutrinalmente Rui Duarte Morais[5], conforme cita o Aresto do STA proferido no processo nº 0472/13, de 29.05.2013, “a notificação por via postal simples não oferece segurança quanto à efectiva recepção e só terá aplicação em relação ao IMI (art. 119º): por se tratar de um imposto de grande estabilidade, liquidado anualmente com base em valores patrimoniais pré-estabelecidos por avaliação, a lei entende que os sujeitos passivos sabem, antecipadamente, qual o momento em que serão chamados ao pagamento do imposto, bem como o valor a pagar. Daí que, mais que notificações de liquidações (no essencial, repetidas), estas comunicações são “avisos para pagamento”.

Assim, face ao supra aludido, a liquidação de IRS respeitante ao ano de 1999, notificada em novembro de 2000, teria de ser realizada por carta registada com aviso de receção.

Neste âmbito, importa chamar à colação o Acórdão do STA, proferido no processo nº 01940/13, de 05.02.2015, extratando-se na parte que para os autos releva o seguinte:

“Como se sabe, o art. 38.º do CPPT preceitua, no seu nº 1, que «as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências».

O que significa que, estando em causa actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, a lei impõe a notificação por carta registada com aviso de recepção; e como os actos ou decisões susceptíveis de alterar a situação tributária são, não só, os actos de alteração, pela administração, dos rendimentos declarados e os actos de fixação, pela administração, dos rendimentos sujeitos a tributação, como, também, os actos de liquidação de impostos, entendia-se, antes de alteração introduzida no CIRS pelo Dec. Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, que os actos de liquidação deste tributo, ainda que efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte no prazo legal, deviam ser notificados através de carta registada com aviso de recepção.( Cfr. neste sentido, Alfredo José de Sousa e Silva Paixão, no “Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado”, 2ª Ed., anotação 4 ao art. 65º, bem como Jorge Lopes de Sousa, no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”, anotação 3 ao art. 38º.

No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STA: os actos de liquidação de tributos são susceptíveis de alterar a situação tributária dos contribuintes - cfr., entre outros, os Acs. do STA, de 15.11.2000, Rec. 25.233, de 27.9.2000, Rec. 25.273, de 18.10.2000, Rec. 25.310.)

Todavia, o referido Dec. Lei nº 198/2001 introduziu uma alteração na redacção do art. 149º do CIRS e, abrindo uma excepção àquela regra, passou a estipular que apenas as notificações a que se refere o art. 66º do CIRS devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção (nº 2), sendo que as restantes devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil. (nº 3).

Isto é, apenas a notificação dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção, ficando os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte sujeitos a notificação por mera carta registada.

Por conseguinte, após a alteração introduzida na redacção do art. 149º do CIRS pelo Dec. Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, apenas são efectuadas por carta registada com a.r. as notificações a que se refere o art. 66º do CIRS, ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável previstos no art. 65º desse Código. “ (destaques e sublinhados nossos).

Face a todo o exposto e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a notificação da liquidação de IRS carecia de ser efetuada por carta registada com aviso de receção, pelo que não tendo sido cumprida essa formalidade e tendo inclusive a carta registada expedida sido devolvida[6], não foram cumpridas as exigências legais de notificação, não se verificando, por isso, a notificação da liquidação pois que esta não chegou ao conhecimento da Recorrida através do meio utilizado ou de qualquer outro.

Destarte, a falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição à execução, nos termos do artigo 204.º nº 1, al. i) do CPPT, não se mostrando, dessa forma, violadas quaisquer das disposições legais citadas pela Recorrente, improcedendo, na íntegra, o recurso sendo de manter a decisão recorrida, com a presente fundamentação.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 24 de janeiro de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)


____________________
[1] O mesmo sucedendo após a publicação do CPT, onde passou a ser aplicável às notificações o regime previsto neste diploma legal, visto que o CPT passou a ser imediatamente aplicável aos processos pendentes (art. 2º, nº 1 do DL 154/91, de 23/4) e com a sua entrada em vigor ficou revogada toda a legislação contrária ao aí disposto (art. 11º do mesmo DL 154/91); Ou seja, o regime de notificações constante do art. 139º do CIRS foi revogado pelo regime posterior constante do art. 65. do CPT
[2] cfr. artigo 4.º do Decreto-lei nº 433/99 de 26/10
[3] In Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição:2011: Vol. I, p. 371, em anotação ao artigo 38.º do CPPT. E bem assim a jurisprudência aí convocada “STA: de 27-9-2000, processo n.º 25273; de 4-7-2001, processo n.º 26263; de 10-10-2001, processo n.º 26310.Também decidindo neste sentido, embora sem fazer referência explícita à revogação do art. 139.º, n.º 3, do CIRS (na redacção inicial), no que concerne a notificações de actos de liquidação, pode ver-se o acórdão do STA de 13-10-99, processo n.°23067.”
[4] In ob. Citada, p.371.
[5] Manual de Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 96/97; Neste sentido vide também o Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 154/12.3 BESNT, de 08.05.2019.
[6] A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação. Este tem sido um entendimento pacífico na jurisprudência – por todos, o acórdão do STA, proferido no processo n.º 017/12, de 31.01.12.