Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:880/09.4BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:03/09/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:ATRASO EM EXPROPRIAÇÃO
MEDIDAS PREVENTIVAS
DECRETO N.º 1/2007
TERCEIRA TRAVESSIA DO TEJO CHELAS/BARREIRO (TTT)
Sumário:I – As medidas preventivas previstas no Decreto n.º 1/2007, de 25 de janeiro ao terem sido instituídas na sequência de estudos realizados tendentes à construção da terceira travessia do Tejo Chelas/Barreiro (TTT), por se tratar de um projeto de empreendimento de interesse público, enquadra-se na previsão do n.º 1 do art. 7.º do DL n.º 794/76, de 5 de novembro, no qual consta norma especial sobre responsabilidade civil, excluindo assim a aplicabilidade do art.° 9.° do regime jurídico sobre responsabilidade civil extracontratual aprovada pelo DL n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967, em vigor à data da publicação do Decreto n.º 1/2007, o que sempre excluiria a aplicabilidade do regime previsto na ulterior Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
II – As medidas preventivas estabelecidas visam acautelar a possibilidade de execução de empreendimentos de interesse público.
III – Ainda assim, a aplicabilidade do art.° 9.° do DL 48051, sempre pressuporia a verificação de um prejuízo anormal, que revestisse suficiente gravidade, suscetível de ultrapassar os limites daquilo que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, e que extravase os encargos sociais normais, exigíveis em contrapartida da existência e funcionamento dos serviços públicos, e prejuízo especial aquele que não é imposto a generalidade das pessoas, mas que incide desigualmente sabre um indivíduo ou grupo determinado.
IV - Na ponderação das situações suscetíveis de indemnização, deve haver rigor em relação ao preenchimento do conceito de “prejuízo anormal ou especial", só o considerando verificado quando os titulares do direito comprovem que ficaram sujeitos a um particular sacrifício que os coloque numa situação diferente dos demais cidadãos, nomeadamente porque ficaram despojados do direito de propriedade ou dos direitos que integram o seu núcleo essencial, isto e, numa situação próxima da expropriação ou privação de alguns direitos inerentes qualidade de proprietário ou de algumas faculdades, ou irradiações da propriedade, sendo que o jus aedificandi não integra o núcleo essencial do direito de propriedade, antes, sendo caso disso, acresce ao mesmo.
V - Não estando em causa uma expropriação do direito de propriedade, a mera impossibilidade temporária do exercício do jus aedificandi na parcela de terreno à qual não foi concedida uma autorização camarária de edificação, não atribui ao seu titular qualquer direito indemnizatório, uma vez que nos encontramos perante meras expectativas jurídicas.
VI - Não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.
VII - As medidas preventivas caracterizam-se pela provisoriedade, o que significa que têm um âmbito temporal limitado, o que determina que cessam, logo que terminem as razões que as justificaram, sendo que os titulares dos prédios abrangidos manterão a titularidade dos mesmos, salvo quando os mesmos sejam necessários para a prossecução do interesse público, situação em que haverá, então sim, lugar à correspondente justa indemnização decorrente de expropriação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
J......, Lda., devidamente identificada nos autos, intentou Ação Administrativa Comum contra o Estado Português, o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, tendente à condenação destes a pagar-lhe a quantia de €8.170.133,87, acrescida de juros moratórios vincendos, decorrentes dos danos e encargos especiais e anormais que tem sofrido com o atraso na expropriação de terreno com vista à viabilização da terceira travessia do rio Tejo, eixo Chelas-Barreiro.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada proferiu sentença em 26 de março de 2013, através da qual decidiu julgar a ação improcedente.

Inconformado com a sentença, veio a Autora interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

Formula a aqui Recorrente/J......, Lda. nas suas alegações de recurso, apresentadas em 26 de abril de 2013, as seguintes conclusões:
“A) O segmento decisório da decisão sob recurso que julgou improcedente o pedido de condenação dos Recorridos no pagamento à Recorrente de uma indemnização pelos prejuízos por si sofridos - em cuja impugnação se centra o recurso jurisdicional interposto - enferma de um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, com foros de inconstitucionalidade.
B) Sem prejuízo de se louvar a aplicação feita do princípio de iura novit curia, os contornos do caso concreto/factos alegados e provados pelas partes e, bem assim, os factos notórios que não careceriam de alegação e/ou prova - mormente o facto de o projeto da terceira travessia sobre o rio Tejo ter sido “reagendado/cancelado” por razões económico-financeiras implicavam que outros tivessem sido os fundamentos e o sentido da decisão recorrida.
C) Paralelamente, e embora não se vise reagir contra o segmento decisório da sentença ora impugnada na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação dos Recorridos a expropriar o prédio propriedade da Recorrente, a verdade é que também este padece de um erro de julgamento, porquanto a circunstância de as medidas preventivas decretadas pelo Decreto n.º 1/2007, de 25 de Janeiro, com vista à viabilização da terceira travessia do rio Tejo no eixo Chelas - Barreiro, terem caducado não permite concluir que não haveria lugar à expropriação do prédio da Recorrente.
D) Na verdade, e contrariamente ao que foi considerado pelo Tribunal a quo, as medidas preventivas, embora com o prazo inicial de dois anos, tiveram uma validade de três e não de dois anos, conforme resulta da Resolução do Conselho de Ministros n.º 9/2009, de 8 de Janeiro de 2009 (que as prorrogou por um ano).
E) Por outro lado, não é correto o entendimento perfilhado na sentença recorrida segundo o qual, no caso concreto, não haveria lugar a indemnização, por força da aplicação do disposto no art. 11° da Lei dos Solos (nos termos do qual a imposição das medidas preventivas previstas em tal diploma legal não dá lugar a qualquer indemnização).
F) Pelo contrário, o normativo em apreço não é passível de aplicação ao caso concreto, desde jogo atenta a sua inconstitucionalidade material, concretizada na violação do direito fundamentai à reparação de prejuízos por exercício dos poderes públicos, extraído do art. 22º da Constituição (com aplicabilidade direta), que, enquanto norma de valor superior, deve prevalecer sobre qualquer norma legal que a contrarie, impossibilitando a sua aplicação pelos órgãos jurisdicionais; a natureza fundamental deste direito, bem como a possibilidade de aplicação do mesmo face a atuações dos poderes públicos lícitas ou ilícitas é aceite pela doutrina nacional maioritária.
G) O art, 11.° da Lei dos Solos - não obstante até poder estar associado a mecanismos legais (as medidas preventivas) passíveis de ser utilizados pela Administração em determinadas circunstâncias e por determinados prazos, ou seja, a atuações lícitas da Administração – é substancialmente inconstitucional face ao art. 22.° da Constituição, não podendo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 204.° da Constituição, ser aplicado pelo Tribunal.
H) No caso concreto - tendo ademais em consideração o facto de ter sido aceite pelo Tribunal ter havido uma ablação do direito de propriedade da Recorrente em função do projeto público da terceira travessia sobre o rio Tejo e, bem assim, a circunstância de tal projeto ter acabado por ser “reagendado/cancelado”, o qual gerou um conjunto de prejuízos igualmente aceites - não deveria ter-se deixado de considerar haver lugar à indemnização da Recorrente por aplicação imediata e direta do disposto no art. 22.º da Constituição.
I) Os prejuízos sofridos persistiram e persistem além do prazo de validade das medidas preventivas impostas à Recorrente, porquanto, na prática, a mesma continua a não poder exercer os seus poderes sobre o seu prédio (as entidades públicas envolvidas remetem-se ao silêncio quando consultadas para efeito de retoma do procedimento urbanístico da Recorrente ‘'suspenso” no passado).
J) A inconstitucionalidade do art. 11.° da Lei dos Solos encontra-se igualmente suportada na sua intrínseca contrariedade com o disposto no art. 62.° da Constituição e com os princípios da justiça, da proporcionalidade e da igualdade perante os encargos públicos, na moldura do princípio do Estado de Direito Democrático.
K) Muito embora os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade na contribuição dos cidadãos para os encargos públicos, imanentes à conceção de Estado de Direito tenham sido considerados pelo Tribunal por referência ao caso concreto, não lhes foi dado o correto acolhimento.
L) Tendo em atenção a norma e os princípios fundamentais referidos e, bem assim, o facto de o ius aedificandi integrar o conteúdo do direito fundamental de propriedade, deve concluir-se que a imposição de medidas preventivas de que resultem - como sucedeu no caso concreto - encargos e limitações ao poder de gozo dos proprietários dos imóveis atingidos por tais medidas e que originem prejuízos, implicam o ressarcimento dos mesmos mediante o pagamento de uma indemnização (o direito de todos a um ordenamento do território adequado, à fruição de infraestruturas potenciadoras de desenvolvimento económico e social, a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, e à proteção do património cultural, implica ou deve implicar, o dever de todos suportarem os respetivos encargos, devendo ser indemnizados pelo Estado os sacrifícios coercivamente impostos a um particular).
M) Acresce que a ratio das medidas preventivas passíveis de imposição por parte da Administração (tal como definidas e previstas na Lei dos Solos) se prende com o objetivo de evitar a alteração das circunstâncias e condições existentes que possa comprometer a execução de um empreendimento público ou torná-la mais difícil ou onerosa,
N) A previsão legal das medidas preventivas (como as que se encontram previstas na Lei dos Solos) está finalisticamente dirigida à ulterior execução do empreendimento público que as determinou, a qual implicará a obtenção/disponibilização dos terrenos particulares objeto das mesmas pela/à Administração Pública. É esta situação que, nos termos da lei - e tendo em conta o direito constitucional, de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (direito de propriedade) - importará - sob pena de ilicitude administrativa - a compensação do particular que vê o seu direito de propriedade abalado ou mesmo extinto.
O) Assim, não se poderá senão entender que a previsão do art. 11° da Lei dos Solos foi criada no pressuposto de que a execução do projeto justificador da imposição de medidas não indemnizáveis se concretizará, implicando, nesse momento de execução, a responsabilização pública perante os particulares lesados.
P) No caso de um dado empreendimento público que despoletou a imposição de um conjunto de medidas preventivas não ser (por razões económico-financeiras alheias aos particulares destinatários/vítimas daquelas medidas e passados mais de três anos sobre o início das restrições impostas) executado, já não se pode aceitar a aplicação do mencionado art. 11.° da Lei dos Solos.
Q) Assim, a ratio deste artigo não permite a subsunção do caso concreto à sua hipótese normativa. Tem a mesma norma um âmbito de aplicação limitado aos casos em que os empreendimentos públicos que certas medidas preventivas visam salvaguardar se executam efetivamente, viabilizando, desse modo, os acertos de "prejuízos" sofridos por um conjunto determinado de sujeitos onerados por força da localização dos prédios da sua propriedade.
R) Nos demais casos, como é o caso concreto, tem o aplicador do direito que lançar mão dos mecanismos legais existentes (nomeadamente por interpretação teleológica das normas aplicáveis) que, fixando e/ou desenvolvendo o princípio da responsabilidade pública pelo exercício de poderes públicos, estabeleça o direito de indemnização dos particulares lesados.
S) Aquando da elaboração da petição inicial, a Recorrente acreditava legitimamente que a expropriação era inevitável tendo em conta, não apenas as Medidas Preventivas impostas em 2007 e prorrogadas em 2009, mas, sobretudo, a Declaração de Impacte Ambiental que aprovara o traçado (datada de 2009) e os concursos públicos lançados acerca do projeto. Por esta razão, a Recorrente peticionou a condenação dos Réus no ressarcimento de um sacrifício que especial e anormal que, nos termos do RRRCEEDEP, apenas exigiria a prova da existência de um encargo sobre si, fundamentado em razões de interesse público e causador de danos especiais e anormais.
T) Os requisitos de responsabilidade mencionados verificam-se. Havia interesse público e imposição de encargos. Havia (e há ainda) prejuízos especiais (porque incidiam apenas sobre a Recorrente, uma vez que resultaram da sua específica situação de vero seu prédio atravessado pela definição do traçado da terceira travessia sobre o Tejo, quando já haviam sido realizados avultados investimentos para a respetiva urbanização) e anormais (por ultrapassarem, em muito, o que poderia ser considerado um custo normal da vida em sociedade, assumindo um grau tal de gravidade que, até hoje, consubstancia uma ameaça de insolvência da Recorrente, cuja atividade é, exatamente, a atividade industrial de promoção imobiliária e construção civil),
U) Mal andou o Tribunal a quo quando convolou o direito alegado pela Recorrente acerca da responsabilidade peio sacrifício em direito da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, olvidando que o que foi peticionado foi uma indemnização pelo sacrifício imposto à Recorrente em função da inviabilização da utilização do imóvel da sua propriedade como instrumento de prossecução do escopo societário da Recorrente - construção civil e promoção imobiliária (matéria de facto que deverá ser considerada assente por provada) e não considerando que os requisitos para condenação por aquela responsabilidade pelo sacrifício se encontravam verificados.
V) Não é verdade que, ao caso concreto, seja aplicado o regime da responsabilidade extracontratual do Estado previsto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, conforme alegado pela Sentença recorrida.
W) Embora aquando da publicação das Medidas Preventivas ainda não se encontrasse em vigor o RRCEEDEP, o mesmo será aplicável ao caso concreto, pelo que mal andou o Tribunal a quo quando concluiu de forma diversa (não esclarecendo, nem tomando em devida conta na decisão recorrida, as Implicações decorrentes desta putativa inaplicabilidade).
X) Com efeito, não obstante terem as medidas preventivas sido impostas à Recorrente em 2007, as mesmas foram fixadas por um prazo de dois anos e foram inclusivamente prorrogadas em 2009, sendo certo que o RRCEEDEP entrou em vigor em no dia 30 de Janeiro de 2008.
Y) Como é evidente, a anormalidade dos prejuízos da Recorrente ganhou relevo a cada dia passado em que se mantiveram as Medidas Preventivas impostas e, mais ainda, aquando da respetiva prorrogação: ou seja, já em plena vigência do RRCEEDEP.
Z) O sacrifício sofrido pela Recorrente voltou a "ganhar evidências de anormalidade” aquando da emissão da Declaração de Impacte Ambiental, que aprovou o traçado que implicaria a utilização total do prédio pela Administração Pública, a qual sucedeu em 2009.
AA) Todo o exposto voltou a atingir um novo patamar de intensificação do sacrifício/anormalidade do prejuízo quando o projeto da terceira travessia sobre o Tejo foi reagendado/“cancelado" (em 2010).
BB) O RRCEEDEP ou, bem assim, o diploma que o aprovou, não se fez acompanhar de qualquer norma de direito transitório que regulasse a aplicação do mesmo no tempo, devendo aplicar-se a regra geral da lei civil em matéria de aplicação da lei no tempo (a lei só se aplica aos factos futuros, entendendo-se como tais os factos que se produzem apôs a entrada em vigor da norma).
CC) Tal significa que este diploma (enquanto lei nova) se aplicará aos factos fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor,
DD) Ora, como se evidenciou, a factualidade que fundamenta a responsabilidade pelo sacrifício que a Recorrente pretendia ver reconhecida na presente ação ocorreu, não apenas em 2007, mas nos anos subsequentes, após a entrada em vigor do RRCEEDEP.
EE) Assim, em causa está um complexo de factos fundamentadores da responsabilidade invocada (ou, se se preferir, um “facto continuado de responsabilidade”), que, nesses moldes, deverá ser sujeito ao regime legal que, entretanto, entrou em vigor e que é, indusivamente, o mais consentâneo com a ratio das normas constitucionais envolvidas - mormente, do art. 22.° da Constituição (porquanto garante uma maior proteção do direito fundamenta! de reparação dos particulares por poderes públicos).
FF) Não está também correta a aparente aplicação, na decisão sub judice, ao caso concreto do regime jurídico das medidas preventivas previstas para o urbanismo (especificamente, no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial), porquanto, existindo norma que estabelece um mecanismo de reparação de danos especiais e anormais decorrentes de sacríficos privados em prof do interesse público, (o regime geral previsto no RRCEEDEP), carece de sentido a aplicação de um outro regime que, embora regulamente medidas preventivas, prevê apenas o ressarcimento de prejuízos que se considerem normais.
GG) Não obstante, ainda que assim não fosse (ou mesmo se se considerasse não ser aplicável o RRCEEDEP ao caso concreto), a verdade é que a aplicação analógica do disposto no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial levaria a que o Tribunal (contrariamente ao que sucedeu) condenasse os Recorridos no pagamento à Recorrente de uma indemnização capaz de ressarcir os custos avultados por si despendidos - provados em primeira instância - em função da utilização que era prevista e possível para o seu prédio de acordo com as normas de ordenamento do território à data aplicáveis (isto é, todos os custos associados ao processo de loteamento em causa) e que apenas ficou impedida pelas medidas preventivas que entretanto foram impostas, Seguindo o entendimento da doutrina acerca deste ponto, e evitando assim a violação do princípio da igualdade e da justa repartição de encargos, tal assim é independentemente do facto de a Recorrente ter, ou não, um direito adquirido titulado por uma licença, comunicação prévia e/ou informação prévia,
HH) Estão verificados os requisitos legais e factuais necessários à condenação dos Recorridos ao pagamento à Recorrente de uma indemnização pelo sacrifício/prejuízos especiais e anormais sofridos, requisitos que são agora mais evidentes porquanto ficou arredada a possibilidade de a Recorrente ser ressarcida por força desses mesmos prejuízos em momento futuro, em sede de execução do projeto da terceira travessia do Tejo.
II) Forçoso se torna, pelo vertido, concluir pela incorreção da Sentença sub iudice, devendo, em consequência, e no âmbito do presente recurso jurisdicional, ser determinada a respetiva revogação.
Nestes termos, devem as presentes alegações ser consideradas procedentes, por provadas, e em consequência, ser a sentença, proferida em 26.03.2013, revogada, assim se fazendo a costumada Justiça!”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 30 de abril de 2013.

O aqui Recorrido, Estado, representado pelo Ministério Público, veio apresentar contra-alegações de Recurso em 4 de junho de 2013, aí concluindo:
“1 - Não tendo a recorrente alegado quaisquer razões para a não apresentação de dois documentos (que juntou com o requerimento de interposição de recurso) até ao momento do encerramento da discussão, que possam ser enquadradas na previsão dos artigos 693°-B e 524.° do CPC, não deverão os mesmos ser admitidos, devendo, consequentemente, ser mandados retirar do processo (artigo 543°, n° 1, do CPC).
2 - 0 Decreto n.° 1/2007, de 25 de Janeiro, do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, estabeleceu, na área delimitada nas plantas anexas (onde se encontra incluído o prédio rústico da recorrente) as medidas preventivas com vista à viabilização da terceira travessia do rio Tejo.
3 - Tal não significa que o prédio da recorrente viesse a ser expropriado, pois a instituição dessas medidas preventivas não faz parte de qualquer fase do procedimento de expropriação, não existindo qualquer omissão de agir associada ao decurso do tempo, por parte da Administração que permita concluir pela existência de um atraso na expropriação e sobre o qual possa assentar o pedido indemnizatório deduzido.
4 – Os Réus não têm qualquer dever de expropriar o imóvel da recorrente, por inexistir qualquer norma ou negócio jurídico de que resulte uma vinculação a um dever de agir, mais concretamente, uma obrigação de diligenciar pela expropriação.
5 - Sendo certo que o presente processo não é o próprio para solicitar (e satisfazer) qualquer informação atinente à retoma do procedimento urbanístico da recorrente - cfr art. 104°, n° 1 do CPTA e art. 112°, n° 1 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação aprovado pelo DL n.° 555/99, de 16 de Dezembro.
6 - 0 regime das medidas preventivas segue a Lei dos Solos (Decreto-Lei n.° 794/76), que prescreve, com toda a linearidade, no questionado artigo 11.° que: «A imposição das medidas preventivas, a que se refere o presente capítulo, não confere direito a qualquer indemnização}).
7 - Não há nisto qualquer «atrito» com o artigo 62° da Constituição pois, não ofende a garantia constitucional do direito de propriedade privada que continua a pertencer à titularidade da recorrente.
8 - É pacífico na jurisprudência constitucional e administrativa e na doutrina maioritária que - ao invés do expressamente afirmado pela recorrente - «o “jus aedificandi" (o direito de lotear, de urbanizar e de construir) não se apresenta à luz do texto constitucional, como fazendo parte integrante do direito fundamental de propriedade privada.
9 - A faculdade de construir é de configurar como mera concessão jurídico-pública resultante, regra geral, dos planos urbanísticos. Podendo, assim, concluir-se que o uso e fruição, pelo respectivo titular do direito de propriedade não é livre e absoluto, antes se apresentando como juspublicisticamente enquadrado e condicionado.
10 - Em consequência, o poder da recorrente construir o loteamento em causa encontra-se condicionado à observância de normas urbanísticas e do ordenamento do território, as quais limitam o direito de propriedade, que não se mostra afectado pela imposição das medidas preventivas, uma vez que o direito edificatório da propriedade não se encontra constitucionalmente consagrado.
11 - A recorrente não pode, sequer, invocar um direito a edificar no solo porquanto, não detinha uma situação jurídico- urbanística consolidada. Isto porque o Município do Barreiro não tomou decisão final e definitiva no respectivo Procedimento Administrativo e, por outro lado, tendo obtido uma informação prévia favorável para a construção do loteamento, por inércia sua, deixou que ocorresse a caducidade do eventual direito gerado - art.s 14° e 17.° do regime jurídico aprovado pelo DL n.° 555/99, de 16 de Dezembro.
12 - Ou seja, não chegou a ver aprovada qualquer licença de loteamento, de urbanização ou de construção, que pudesse fundamentar um eventual direito susceptível de ser ponderado em conjunto com o interesse público referido. Tanto bastaria para concluir pela inexistência de qualquer violação.
13 - Não se mostra provado que durante a vigência das medidas preventivas, estas tivessem provocado qualquer dano, qualquer restrição singular às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, ou supressão substancial de direitos de uso do mesmo preexistentes e juridicamente consolidados, designadamente mediante licença ou autorização e de efeitos equivalentes a uma expropriação.
14 - Nem o Decreto n° 1/2007 pode ser equiparado à expropriação, na medida em que a previsão do Código das Expropriações exige que a DUP identifique os proprietários, parcelas e áreas e aqui sim, fixa, desde logo, o direito a indemnização.
15 - E não sendo caso de expropriação do direito de propriedade, a mera impossibilidade de exercício do jus aedificandi na parcela de terreno à qual não foi concedida uma autorização camarária de edificação, não atribui ao seu titular qualquer direito a indemnização, uma vez que aí nos encontramos perante meras expectativas jurídicas.
16 - O direito de propriedade, tal como é configurado na Constituição, é consentâneo com o estabelecimento de limites ao seu uso e fruição, na forma e medida das proibições que o ordenamento jurídico estabelecer. A consequência normal e lógica da «função social» legitima a lei e a Administração "a produzir restrições ou compressões às faculdades de uso, fruição e disposição dos solos, sem que se verifique, em princípio, uma obrigação de indemnização.
17 - As normas que integram o direito do ordenamento do território - ou o direito do urbanismo, são, pela sua natureza intrínseca, "discriminatórias" ou "desigualitárias", pois assentam na ideia de que o tipo e a medida de utilização do solo não podem ser os mesmos seja qual for a sua localização, antes devendo ser diferentes conforme as características das zonas em que se situam os terrenos.
18 - Não existe violação do princípio da igualdade, também porque não existe um termo de comparabilidade, a situação daquele solo é distinta da dos outros (que a recorrente não identifica), por força da valoração de um interesse público específico e porque as medidas preventivas não só são compatíveis com o princípio da igualdade, como correspondem a uma aplicação substantiva de tal princípio.
19 - O artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 794/76, de 5 de Novembro - tal como o art. 116°, n° 1 do DL 380/99 - limita-se a clarificar (não negando qualquer direito à reparação de danos) que os incómodos resultantes do decretamento de medidas preventivas previstas no artigo 7.° do mesmo diploma, não geram qualquer direito ou dever indemnizatório.
20 - Nada se retira do artigo 22° da Constituição que imponha a inconstitucionalidade da norma questionada, por não contender com as imposições normativas de responsabilidade do Estado, podendo ser objecto de indemnização nos termos definidos pela lei ordinária.
21 - A solução consagrada na norma do art. 11° do Decreto-Lei n° 794/76 não se apresenta, pois, injustificada nem desrazoável porque, ao restringir o direito a pretensões indemnizatórias, não o faz limitando arbitrária ou desproporcionadamente o direito fundamental à reparação dos danos consagrado naquele artigo 22.° da CRP. (que apenas disciplina a responsabilidade das entidades pública).
Ao invés, a restrição da responsabilidade aqui estabelecida mostra-se legalmente fundamentada e com justificação constitucional, segundo os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
22 - O Tribunal a quo, limitando-se a decidir que se mostra aplicável à situação dos autos, o DL n.° 380/99 - diploma que prevê expressamente, um dever de indemnização por actos lícitos - não "convolou o direito alegado pela Recorrente acerca da responsabilidade pelo sacrifício em direito da responsabilidade extra contratual por factos ilícitos".
23 - O único acto invocado pela recorrente, com potencialidade lesiva dos seus direitos é o da publicação do Decreto n.° 1/2007, de 25 de Janeiro - data na qual ainda não vigorava a Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro que aprova oRegime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas - que só se aplica, por força do disposto no n.° 2 deste artigo 12. ° do C. Civil, aos factos posteriores à sua entrada em vigor.
24 - Vigorava, outrossim, o artigo 9.° do Regime da Responsabilidade Cívil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas aprovado pelo Decreto-Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967 que, todavia, refutando a suposta tese da recorrente, de acordo com o elemento literal, apenas se mostra aplicável a «acfos administrativos iegais ou actos materialmente lícitos» que «tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais».,
25 - Ou seja, ao invés do defendido, os actos legislativos lícitos, no domínio de vigência do Decreto-Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967, {como é o caso) não atribuíam aos particulares qualquer direito a indemnização.
26 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio de actos de gestão pública, rege-se por aqueles diplomas em tudo que não esteja previsto em leis especiais - artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 48051, art. 2o, n° 1 da Lei n.° 67/2007 e art. Io do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas aprovado pela mesma Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro.
27 - Assim, o invocado regime da indemnização pelo sacrifício, previsto nos artigos 2.° e 16.° da Lei n.° 67/2007 - tal como o do art. 9o do Decreto-Lei n.° 48051 - não se mostram aplicáveis à situação dos autos, havendo, em vez disso, que aplicar o DL n.° 380/99, diploma que prevê expressamente um dever de indemnização por actos lícitos.
E, existindo em sede de regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial normas próprias, que regulam as eventuais indemnizações conferidas a particulares, é inaplicável nestas situações o disposto nesta Lei ou no DL n° 48051.
28 - Ora, uma dessas situações é, obviamente, o já citado o artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 794/76 - que não padece de inconstitucionalidade - e art. 116.°. n° 1 do Regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado pelo DL n° 380/99 de 22 de Setembro - que ditam, com toda a clareza, que a imposição das medidas preventivas, não confere direito a qualquer indemnização.
29 - Também não se verificam os pressupostos da pretendida indemnização pelo sacrifício lícito, desde logo porque a autora não demonstrou em juízo que as medidas preventivas em causa lhe provocaram danos equivalentes, embora transitórios, aos previstos no artigo 143.° do RJIGT, nomeadamente, uma restrição ou supressão substancial de direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados.
30 - Sendo por demais evidente que a hipótese excepção configurada pelo artigo 116.°, n.° 2, a) do RJIGT não se verifica, porquanto, o lesado não é titular de uma licença, ou autorização, ou, pelo menos, de uma informação prévia válida e vinculativa.
31 - E, finalmente, os danos alegadamente sofridos pela autora por via das restrições impostas pelas medidas preventivas decretadas pelo Decreto n° 1/2007 nunca poderiam ser enquadrados na previsão do artigo 16° do RRCEE, por não serem qualificados como danos especiais e anormais, únicos indemnizáveis nos termos desta disposição legal.
32 - É que, não derivam da violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, na medida em que são impostos à generalidade das pessoas que possuam prédios integrados na área abrangida, recaindo os eventuais prejuízos sobre todos os que queiram ali construir.
33 - Além de que, não revestem um peso ou gravidade, em termos de ultrapassar os limites daquilo que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, isto é, que extravase dos encargos sociais normais, exigíveis como contrapartida da existência e funcionamento dos serviços públicos.
34 - Por último, não resultando provado que tenha sido praticado um acto - positivo ou negativo - imputável aos Réus, e tenha provocado danos, não se lobriga a possibilidade de estabelecer um nexo de causalidade entre o referido facto e os alegados prejuízos, que não se mostram provados.
35 - Pelo que, bem andou o Mm° Juiz ao declarar a presente acção improcedente, absolvendo os R.R. do pedido.
E, decidindo como decidiu, o Tribunal, subsumiu correctamente os factos ao direito e não violou qualquer preceito legal.
36 - Destarte, salvo melhor entendimento, improcedem as conclusões da alegação da recorrente. Porém, V. Exas Venerandos Desembargadores farão a costumada JUSTIÇA”

O aqui Recorrido, Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, veio apresentar contra-alegações de Recurso em 12 de junho de 2013, aí concluindo:
“a) O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 26.03.2013 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, relativamente ao segmento que julgou improcedente a referenciada ação administrativa comum, com absolvição dos réus, por não haver lugar à indemnização da ora recorrente.
b) A recorrente, conforme expressamente declarou (art.° 5.° das alegações) não impugna nesta sede a referida sentença, na parte em que indeferiu o seu pedido de condenação dos RR a expropriar o terreno da recorrente.
c) Ora, na sentença impugnada considerou-se que "a legitimidade passiva do ex-MOPTC resulta do entendimento expresso na PI de que o terreno se encontra abrangido pela área delimitada peio Decreto n.° 1/2007, de 25 de janeiro, com vista à viabilização da terceira travessia do rio Tejo, eixo Chelas-Barreiro e do pedido de condenação dos RR a procederem à expropriação de tai terreno, pois entende a A. que designadamente por ter sido proferida a DIA, ihe assiste o direito a pedir a condenação dos RR a efectivarem tai expropriação."
d) Não sendo objeto deste recurso, o segmento decisório, que ao ex-MOPTC diz respeito, relativo à improcedência do pedido de condenação dos RR a expropriar o prédio de que a recorrente é proprietária, não é, pois, essa matéria apreciado pelo tribunal de recurso.
e) Ora, de acordo com a l.a parte do art.° 11.°, n.° 2 do CPTA e o art.° 20.° do CPC, aplicável ex vi art.° l.° e 42.° do CPTA, nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, a representação do Estado cabe ao Ministério Público.
f) E, caso se considere que há lugar a pagamento de qualquer indemnização, o que por mera hipótese se concebe, esta não será paga pelo MEE, mas sim pelo Estado.
g) Pelo que, ao contrário do alegado pela recorrente, deve entender-se que, neste recurso o MEE (ex-MOPTC) não é entidade recorrida, a entidade recorrida é o Estado representado pelo Ministério Público.
h) Não obstante, e sem conceder, quanto às alegações de recurso apresentadas pela recorrente, e salvo o devido respeito, as mesmas devem improceder.
i) Os fundamentos invocados pela recorrente para a anulação da sentença têm a ver essencialmente com juízos de inconstitucionalidade da norma aplicada pelo tribunal a quo, para fundamentar a improcedência do pedido de indemnização - art.° 11.° da Lei dos Solos (Decreto- Lei n.° 794/76, de 5 de Novembro).
j) Sem prejuízo da fiscalização incidental da constitucionalidade e da conformidade legal com norma reforçada das leis pelos tribunais, designadamente administrativos, nos termos dos art.° 204.° e 280.° da CRP, que patenteiam o carácter incidental da pronuncia de outras categorias de tribunais a respeito da conformidade constitucional ou lega! das normas, a interpretação destes preceitos não pode deixar de ser feita debaixo de uma leitura conforme a Constituição, que não ponha em causa o princípio da especialização, constitucionalmente consagrado nos artigos 211.° e 212.° da CRP, nem a competência reservada ao Tribunal Constitucional pelos arts. 280.° e 281.° da CRP.
k) Quanto à aplicação da norma inconstitucional - art.° 11.° da Lei dos solos - por violação do art.° 22.° da CRP, concorda-se com o decidido na sentença sob recurso de que a sujeição às medidas preventivas previstas no Decreto n.° 1/2007, não confere o direito a qualquer indemnização.
l) A estas medidas preventivas é aplicável o regime estabelecido no Capitulo II do Decreto-lei n.° 794/76.
m) Na linha do que dispõe o artigo 9.° n.° 1 do DL 794/76, estabeleceu o artigo l.° do Decreto n.° 1/2007 que as medidas decretadas vigoravam pelo prazo de 2 anos, podendo ser prorrogadas por prazo não superior a um ano.
n) A Resolução de Conselho de Ministros n.° 9/2009, de 27 de janeiro, veio prorrogar as medidas preventivas por mais um ano (cf. n.° 1), ou seja até 26.01.2010 (perfazendo os 3 anos previstos no citado art.° 9.° n.° 1 do DL n.° 794/76).
o) Verifica-se que o Decreto n.° 1/2007, e a RCM n.° 9/2009 que estabeleceram as medidas preventivas de ocupação do solo, bem como autorizaram a respectiva prorrogação, o faziam estabelecendo que a essas medidas era aplicável o Decreto-Lei n.° 794/76, donde só pode entender-se que o legislador estabeleceu aquelas medidas e aquela prorrogação sem conferir direito a indemnização, (cfr. art.° 11.° do DL n.° 794/76.
p) E, não se diga que este regime previsto no art.° 11.° do DL n.° 794/76, sofre do vício de inconstitucionalldade por força do art.° 22.° da CRP.
q) As medidas preventivas e a respectiva prorrogação não contrariam a Constituição nem quaisquer direitos, liberdades e garantias (maxime o direito de propriedade e o direito de edificar).
r) Em consequência, deve ser afastada qualquer possibilidade de considerar que estamos perante uma situação de responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos e culposos.
s) A responsabilidade - a existir - só poderia ser fundamentada numa situação de responsabilidade civil do Estado por actos legislativos lícitos, tal como previsto no artigo 22.° da CRP, reconhecendo-se pacificamente que o art.° 22.° da CRP consagra a responsabilidade civil por danos resultantes do exercício de funções política, legislativa, administrativa e jurisdicional.
t) No entanto, as situações excepcionais, em que poderia ser ponderado o direito a indemnização, no âmbito desta norma constitucional, terão de ser enquadradas na previsão do regime jurídico que regula o dever de indemnizar por actos lícitos, ou seja do art.° 9.°do DL 48051, de 21 de novembro de 1967, quando se aponta no sentido de que a actuação licita da Administração apenas constitui fonte do dever de indemnizar quando cause prejuízo anormal e especial.
u) E, nestes termos, havendo a hipótese de aplicação do art.° 9.° do DL 48051, de acordo com a jurisprudência e doutrina sobre o regime aí consagrado, deve entender- se, para efeitos do disposto naquele art.° 9.°, que é prejuízo anormal aquele que se revista de certo peso ou gravidade, em termos de ultrapassar os limites daquilo que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, isto é, que extravase dos encargos sociais normais, exigíveis em contrapartida da existência e funcionamento dos serviços públicos, e prejuízo especial aquele que não é imposto a generalidade das pessoas, mas que incide desigualmente sabre um indivíduo ou grupo determinado.
v) No presente caso, importa, salientar que os prejuízos alegados não podem ser considerados como prejuízos especiais e anormais.
w) Desde logo, obviamente, as medidas preventivas com vista à viabilização da TTT, não ultrapassaram os limites daquilo que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, isto é, que extravase dos encargos sociais normais, exigíveis em contrapartida da existência e funcionamento dos serviços públicos, e não incidiram apenas sobre a recorrente, mas sobre todos os proprietários dos imóveis situados na área delimitada nas plantas anexas ao decreto n.° 1/2007.
x) Do mesmo modo se impugna a alegação de que o art.° 11.° da Lei dos solos viola o art.° 62.° da CRP e os princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade perante os encargos públicos, na moldura do princípio do Estado de Direito Democrático.
y) Considera-se que o tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação dos citados princípios constitucionais ao considerar que "ainda que se entendesse que os efeitos resultantes de medidas de natureza normativa licitas causadoras de prejuízos especiais (por abranger um grupo de indivíduos que se encontrem em determinada situação) e anormais ( por causarem prejuízos desproporcionados que ultrapassam os custos próprios da vida em sociedade) deviam ser objeto de compensação, nunca se poderia deixar de atender à circunstância do legislador ordinário, nas situações em que, no âmbito do direito do urbanismo prevê a possibilidade de indemnizar esses prejuízos, exigir que o lesado já seja titular de uma licença, ou autorização, ou, peio menos, de uma informação prévia, válida e vinculativa, o que no caso não se verifica - cfr. art.° 116. °r n.° 2, af. b) do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado pelo DL n.° 380/99, de 22 de Setembro e Aives Correia, in "Manual de Direito do Urbanismo", Afmedina, 2001, voi. I, págs. 503, em especial nota 29, na pág. 509."
z) O regime de responsabilidade derivada das medidas preventivas ínsito no art.° 11.° da Lei dos Solos, onde se prevê que "A imposição das medidas preventivas... não confere direito a qualquer indemnização." está legalmente fundamentado e constitucionalmente justificado, aa) Cfr. se prevê no art.° 18.° da CRP as medidas preventivas revestem carácter geral e abstrato, pois incidem sobre todos os proprietários dos imóveis situados na área delimitada nas plantas anexas ao decreto n.° 1/2007.
bb) E, estão limitadas ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como é o caso, dado o Governo considerar a construção da TTT um empreendimento de reconhecido interesse público (Cfr. perambulo do Decreto n.° 1/2007). cc) Assim, estas medidas preventivas foram decretadas tendo em conta a necessidade de assegurar a prossecução do interesse público tarefa que o artigo 266.° n.° 1 da CRP atribui à Administração Pública e ao Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública (cf. artigo 182.° da CRP). Compete ainda ao Governo, no exercício das funções administrativas, "praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e satisfação das necessidades cofectivas" (cf. artigo 199.° alínea g) da Constituição).
dd) Esse interesse deve ser, igualmente, "imperioso, inadiável e urgente", o que está verificado no caso concreto cfr reflectido no preâmbulo do Decreto n.° 1/2007. ee) Por outro lado, também não se pode ignorar que o artigo 9.° da CRP impõe, como incumbência do Estado, "garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático" (alínea b) e, ao mesmo tempo, "promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais" (ai. d) com salvaguarda de um "correcto ordenamento do território" (al. e).
ff) Ao mesmo tempo, também compete ao Governo, enquanto órgão de política geral do pais e órgão superior da Administração Pública (artigo 182.°), praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias a promoção do desenvolvimento económico-social e a satisfação das necessidades cofectivas (artigo 199.°, al. g) da CRP). gg)
gg) E, importa reconhecer que para a realização destas tarefas do Estado podem surgir relações de conflito entre o interesse público e os interesses privados, tratando-se de actos impositivos de sacrifício, restrições ou compressões às faculdades de uso, fruição e disposição dos solos ao ponto de alguns autores entenderem que, em determinadas situações, as medidas preventivas se inserem na figura da «vinculação social» da propriedade dos solos.
hh) O Tribunal Constitucional (Acórdão n.° 329/99, de 2 de Junho) - reconhecendo que a utilização da propriedade privada pode estar sujeita a limites de utilização - considera que a especial situação da propriedade importa "uma vinculação também especial (uma vinculação situacional), que mais não é do que uma manifestação da hipoteca social que opera a propriedade privada do soio".
ii) E, de facto, as medidas preventivas estabelecidas destinaram-se a assegurar um empreendimento público, tal como refere o art.° 7.° do Decreto-Lei n.° 794/76, de forma a "evitar a alteração das circunstâncias e condições existentes que possam comprometer a execução do...empreendimento ou torna-fo mais difícil ou oneroso'1.
jj) Com efeito, como medidas cautelares que são, as medidas preventivas caracterizam-se pela provisoriedade, o que significa que têm um âmbito temporal limitado e peia instrumenta/idade, o que significa que cessam, logo que está definido o projecto que pretendem acautelar, isto ainda que não esteja esgotado o seu prazo de vigência.
kk) Quanto à questão da constitucionalidade das medidas preventivas, no que diz respeito às limitações do direito de propriedade (e ao direito de edificar - "jus aedificandi”) sem direito a indemnização, e ao contrário do alegado pela recorrente, não viola a constituição, por ofensa à garantia constitucional do direito de propriedade privada pelo facto de excluir, em qualquer caso, o pagamento de uma indemnização aos proprietários dos imóveis atingidos por medidas preventivas.
ll) O Tribuna! Constitucional pronunciando-se sobre a questão defendeu que no direito de propriedade, constitucionalmente consagrado, contém-se o poder de gozo do bem objecto do direito, mas não se tutela ali o jus aedificandi um direito a edificação, como elemento necessário e natural do direito fundiário. Clarificando, ainda, que é certo não tutelar a Lei Fundamental o «direito de edificar» como direito que se inclua, necessariamente, em todos os casos, no direito de propriedade.
mm) Também a doutrina citada, na mesma linha de pensamento considera que o jus aedificandi não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, designadamente dos planos” - ou seja, um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidas pelas normas jurídico-urbanisticas.
nn) Concorda-se que, no que concerne ao direito de propriedade, e da sua dimensão essencial que tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, faz, seguramente, parte o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública - e, ainda assim, tão-só mediante o pagamento de justa indemnização (artigo 62.°, n.°s 1 e 2, da Constituição).
oo) Porém, não se incluem nessa dimensão essencial os direitos de urbanizar, lotear e edificar, pois, ainda quando estes direitos assumam a natureza de faculdades inerentes ao direito de propriedade do solo, não se trata de faculdades que façam sempre parte da essência do direito de propriedade, ta! como ele é garantido pela Constituição: já que essas faculdades, salvo, porventura, quando esteja em causa a salvaguarda do direito a habitação própria, já não são essenciais a realização do Homem como pessoa; E assim, só pode construir-se onde os planos urbanísticos o consentirem, e o território nacional tende a estar, todo ele, por imposição constitucional, integralmente planificado [cf. artigos 9o, alínea e), 65°, n° 4, e 66°, n° 2, alínea b)]; o direito de edificar, mesmo entendendo-se que é uma faculdade inerente ao direito de propriedade, para além de ter que ser exercido nos termos desses planos, acaba, verdadeiramente, por só existir nos solos que estes qualifiquem como solos urbanos,
pp) Em consequência, o sentido do direito de propriedade, tal como e configurado na Constituição, é consentâneo com o estabelecimento de limites ao seu uso e fruição, na forma e medida das proibições que o ordenamento jurídico estabelecer,
qq) A consequência norma/ e lógica desta "função social" legitima a iei e a Administração "a produzir restrições ou compressões as faculdades de uso, fruição e disposição dos solos sem que se verifique, em princípio, uma obrigação de indemnização.
rr) Mas, ainda que se pudesse entender que o jus aedificandi se apresenta como uma dimensão do direito de propriedade, e porque não estamos perante um direito absoluto, sempre estaríamos perante uma situação de conflito de direitos - a necessidade de estabelecer limitações e condicionamentos ao direito de edificar por instrumentos jurídicos de gestão dos solos (cf. disposições legais acima citadas) e o direito de propriedade - que devem ser resolvidos, se possível, através da harmonização de direitos e dos bens jurídicos em presença.
ss) Quando essa harmonização não for possível outra hipótese não resta senão a prevalência do interesse público perante os interesses privados. E essa apreciação da proporcionalidade de interesses foi feita pelo Governo, quando expressamente considerou que se tratava de "um empreendimento de reconhecido interesse público" (preâmbulo do Decreto n.° 1/2007). Pelo que não podemos aceitar, de forma alguma, que as disposições legais que decidiram as medidas preventivas e o seu regime de não sujeição a indemnização padeçam de inconstitucionalidade material.
tt) E, a equacionar-se a possibilidade de esta ofensa ao direito de propriedade (que para nós não existe) a mesma só poderia originar um direito de indemnização, caso se verificassem os pressupostos iegais, para o efeito.
uu) E, cfr. também já supra referido no presente caso não estamos perante prejuízos especiais e anormais por forma a serem susceptíveis de indemnização nos termos do art.° 9.° do Decreto-lei n.° 48051.
vv) E, também não era a recorrente não era titular de qualquer licença ou autorização que lhe desse direito a indemnização nos termos do art.° 112.° n.° 4 do Decreto-lei n.° 380/99, de 22 de setembro.
ww)Quanto à aplicação do art.° 11.° da Lei dos Solos (atenta a respectiva ratio), e ao contrário do alegado pela recorrente, considera-se que a ratio do art.° 11.° da Lei dos Solos, não limitada a sua aplicação às situações em que o projecto justificador de tais medidas implicaria no momento executório a responsabilização pública perante os particulares (por exemplo e sem restringir, através de um procedimento de expropriação por utilidade pública).
xx) A ratio do referido art.° 11.° deverá ser entendida de acordo com o objectivo e âmbito do decretamento das medidas preventivas. Ou seja, de acordo com o art.° 7.° da mesma Lei dos Solos, no qual expressamente se prevê que "O Governo poderá estabelecer, por decreto, aue uma área, ou parte dela, aue se presuma vir a ser abrangida oor um piano de urbanização ou proiecto de empreendimento público de outra natureza, seja sujeita a medidas preventivas, destinadas a evitar alteração das circunstâncias e condições existentes que possa comprometer a execução do plano ou empreendimento ou torná-la mais difícil ou onerosa."
yy) Do sentido e até da letra da lei, resulta que as medidas preventivas se aplicam a uma área que se presume que possa vir a ser abrangida por um determinado projecto de empreendimento público.
zz) As medidas preventivas são estabelecidas precisamente porque o projecto que visam acautelar ainda não está totalmente definido.
aaa) Portanto, quando se estabelecem as medidas preventivas, pressupõe-se que, dentro da área abrangida pelas medidas, poderão não ser todas as parcelas objecto de expropriação, já que só depois de terminado o projecto se poderão definir exactamente as parcelas necessárias e que serão objecto de expropriação. Por isso é que antes de se proceder às expropriações das parcelas necessárias ao projecto, se estabelecem as medidas preventivas numa área que se presume vir a ser abrangida pelo projecto.
bbb) Donde, não é correcto o entendimento da requerente, de considerar que o legislador ordinário ao redigir uma norma legal de acordo com a qual a fixação de medidas preventivas não dá lugar a qualquer indemnização, apenas o fez por saber que a execução do projecto justificador de tais medidas implicaria, nesse momento executório, a responsabilização pública perante os particulares lesados, nomeadamente através de um procedimento de expropriação por utilidade pública.
ccc) Sendo certo que, como se referiu, a justificação para este regime se pode encontrar no próprio caracter provisório das medidas preventivas.
ddd) Quanto ao tipo de responsabilidade civil aplicável em concreto, concorda-se com o tribunal a quo quando considera que a presente situação está no âmbito de aplicação do art.° 11.° da Lei dos Solos, e se assim não fosse seria aplicável o regime da responsabilidade extracontratual do Estado previsto no Decreto-Lei n.° 48051, por ser o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, em vigor à data da publicação do Decreto n.° 1/2007.
eee) A Lei n.° 67/2007 não se faz acompanhar de qualquer norma de direito transitório. Valendo, por isso, as regras gerais sobre a aplicação da lei no tempo. Assim, dir-se-á, grosso modo, que de acordo com o princípio geral da lei civil em matéria de aplicação da lei no tempo, na falta de disposição em contrário, a lei só se aplica aos factos futuros, entendendo-se como tais os factos que se produzem após a entrada em vigor da norma (art.° 12°, n°l, do Código Civil).
fff) Deste modo, atendendo a que a Lei n.° 67/2007 não dispõe de modo diverso, a mesma aplicar- se-á aos factos geradores e fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor.
ggg) Termos em que, mesmo que houvesse lugar a pagamento de qualquer indemnização, o que não se concebe, sempre haveria que verificar-se se estavam reunidos os requisitos para o efeito, cfr. exigido no art.° 9.° do DL 48051, ou seja estarmos perante um prejuízo anormal e especial. E, cfr. também supra referido, não estão verificados esses requisitos no presente caso.
hhh) Donde se conclui que no caso concreto, não estão verificados os requisitos legais e factuais necessários à condenação dos recorridos ao pagamento à recorrente de uma indemnização pelo sacrifício (designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 16.° e art.° 2.° do RRCEEDEP), pelo que a decisão recorrida não incorreu em erro de julgamento, devendo a mesma ser confirmada.
Termos em que deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida, assim se fazendo, JUSTIÇA!”

O Ministério Público neste TCAS, foi notificado em 20 de junho de 2013.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, invocando-se, designadamente, inconstitucionalidade da norma do art 11º da Lei dos Solos face aos arts 22º e 62º da CRP; convolação da responsabilidade pelo sacrifício em responsabilidade extracontratual; regime de responsabilidade extracontratual aplicável ao caso; e o RJIGT.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“a) A A. adquiriu o imóvel referido na al. anterior, pelo preço de 150.000.000$00, através de contrato de compra e venda celebrado em 24/02/1997 - doc. de fls. 115;
b) O direito de propriedade sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o n.º …….11, freguesia do Lavradio e inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo…., secção D , encontra-se registado a favor da A. através da Ap. 32/970321 — fls. 28 da P.I;
c) Em Agosto de 1998, a Câmara Municipal do Barreiro comunicou à A. que havia aprovado “a viabilidade do loteamento” para a propriedade da A. sita no Alto do Seixalinho e que a entrega das “respetivas condições” ficaria pendente do pagamento de determinada taxa, tendo ainda referido que a “esta informação é válida pelo prazo de um ano, pelo que finalizado este prazo terá então se ser novamente requerida” — fls. 33;
d) Em 02/09/1998, a A. pagou, a título de "estudo de ocupação" 1.798.650$00 à Câmara Municipal do Barreiro — fls. 34;
e) Através de Ofício datado de 30/08/2005, os serviços da Câmara Municipal do Barreiro informaram a A. de várias condicionantes sobre a “capacidade de construção do Alto do Seixalinho”, resultantes da alteração ao Estudo Urbanístico do Alto do Seixalinho” — fls. 35;
f) Em 21/12/2005 foi celebrado entre a A. e a Caixa ...... um acordo de financiamento (a que foi atribuído o n.º ……..19) através de uma “abertura de crédito simples” até ao montante de dois milhões e cem mil euros, “para liquidação de responsabilidades contraídas perante a Caixa e pagamento de licenças e financiamento das infraestruturas com vista à operação de loteamento” do prédio indicado supra, na alínea a), sobre o qual foi aí também constituída hipoteca para garantia do financiamento — doc. de fls. 38;
g) Em 24/02/2006, a A. requereu na Câmara Municipal do Barreiro a apreciação dos projetos das obras de urbanização do loteamento a realizar no "Alto do Seixalinho" - doc. de fls. 54;
h) Em 07/09/2006, a A. apresentou na Câmara Municipal do Barreiro o pedido de aprovação do projeto de loteamento - doc. de fls. 52;
i) Em 21/11/2006, foi elaborada informação na Divisão de Planeamento da Câmara Municipal do Barreiro, que mereceu despacho de concordância de 23/11/2006, em que se concluiu que os projetos apresentados pela A. em 24/02/2006 e em 07/09/2006, não estavam em condições de merecer aprovação, necessitando os mesmos de ser retificados * doc. de fls. 54;
j) Em 28/12/2006, a A. apresentou nos serviços municipais um aditamento ao projeto de arquitetura do loteamento - docs. de fls. 58 e 59;
k) Em 03/01/2007, a A. apresentou nos serviços municipais novas peças desenhadas - docs. de fls. 60;
l) Em resposta a pedido do Município do Barreiro, a R…., E.P.E., indeferiu o pedido de autorização para a realização do loteamento por o terreno em causa se encontrar dentro da área delimitada nas plantas anexas ao Decreto n.º 1/2007, de 25 de
Janeiro e interferir com os traçados em estudo para a Terceira Travessia do rio Tejo, no eixo Chelas-Barreiro - doc. de fls. 62
m) Em resposta a pedido do Município do Barreiro, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, considerou que não era de viabilizar a realização do loteamento por o prédio se encontrar em área abrangida pela zona de defesa e controlos urbanos fixados no Decreto n.º 1/2007, de 25 de Janeiro, inserindo-se totalmente no espaço de proteção definido na cartografia anexa ao referido diploma - doc. de fls. 63;
n) Através de Ofício datado de 25/05/2007, a Câmara Municipal do Barreiro comunicou à A. as respostas recebidas da R…., E.P.E. e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo - doc. de fls. 64;
o) Através de comunicações de 14/06/2007, de 27/07/2007 e de 23/06/2008, a A. interpelou a R…., E.P.E., para lhe pagar os "danos decorrentes da não autorização do licenciamento de operações de loteamento e obras de urbanização", o que esta declinou - docs. de fls. 65, 68, 70;
p) Em 29/06/2007, a Caixa ...... (C......), no âmbito da "operação n.º ….19", cobrou à A. o montante total de 42.964,28 €, relativos a juros, comissões e impostos "respeitantes ao doc. n° ……01". Nessa data a A. tinha um saldo positivo de 1.512.350.000 - doc. de fls. 66;
q) A operação n.º …..19, passou a ser designada pela C......, a partir de 13/10/2007, por …..91 - doc. de fls. 27;
r) A C...... cobrou à A.' em 31/12/2007, 5.500,40€, a título de juros, comissões e imposto de selo? em 25/01/2008, 4.291,97€, a titulo de juros e imposto de selo? em 31/01/2008, 38.715,51€, a título de juros e imposto de selo, tudo no âmbito da operação n.º …..91, em que existia em dívida o montante de capital de 1.512.350,00€ - docs. de fls. 77, 78, 79;
s) Em 08/07/2008, a A. tinha perante a C......, uma prestação vencida 21/06/2008 e não paga, no montante de 53.089,06 €, relativa à operação n.º …..91 - doc. de fls. 76;
t) A P......, Lda. faturou à A. o montante de 15.373,056, pela entrega do projeto de infraestruturas para o Alto do Seixalinho ~ UOPG 37, no Barreiro - doc. de fls. 67;
u) A A. pagou à P….., S.A., o montante de 1.227,97 € por serviços a prestar no loteamento do Alto do Seixalinho - docs. de fls. 80, 81 e 82!
v) Em 23/02/2009, foi emitida DIA favorável, condicionada para a construção da terceira travessia do Tejo “ doc. de fls. 88.”

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“Defende a A. que tem direito a ser indemnizada “pelos danos e encargos especiais e anormais que o atraso na expropriação lhe vem causando”. Para tanto e em resumo, diz que, tendo sido emitido parecer negativo pela R…., E.P.E., quanto à construção do loteamento e ainda pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, deixa de poder obter o retorno do investimento que fez e, uma vez que foi publicada a DIA relativamente à terceira travessia do Tejo e o seu terreno se situa na área abrangida pelo corredor onde há-de ser construída tal travessia, entende que a expropriação do seu terreno é inevitável, pedindo por isso que seja indemnizada pelo investimento realizado (incluindo o valor do terreno) e encargos que suportou e se condenem os RR a proceder à expropriação, até como forma de deixar de continuar a suportar encargos com o terreno.
Não lhe assiste razão. Como resulta das pronuncias da R…., E.P.E. e pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, a A. encontra-se impedida de construir o loteamento por força das medidas preventivas que foram instituídas pelo Decreto n.º 1/2007, de 25 de Janeiro e que, durante o prazo de dois anos, sem prejuízo da prorrogação de tal prazo por mais um ano, visavam impedir que os licenciamentos ou autorizações de natureza urbanística pudessem vir a obstar à construção da ponte ou tornar a sua construção mais onerosa. Para tanto e para além do mais, delimitou-se uma área em que o licenciamento ou autorização de construção de edifícios ou outras instalações, ficou sujeita a prévia apreciação por parte da R......, S.A. e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo. Estando o terreno da A. situado em tal área, estas entidades emitiram parecer negativo à construção do loteamento previsto para o terreno da A. situado no Alto do Seixalinho. Fizeram-no por a construção do loteamento interferir com os traçados em estudo para a construção da ponte.
A instituição das medidas preventivas pelo Decreto n.º 1/2007, de 25 de Janeiro, não faz parte de qualquer fase do procedimento de expropriação. Este encontra-se previsto no Código das Expropriações. A expropriação, seja através da aquisição de bens, seja através da destruição ou limitação de posições jurídicas garantidas como propriedade pela CRP, pressupõe a existência da respetiva declaração de utilidade pública, que, de forma fundamentada, indique os bens a expropriar — cfr. o art.° 13.° do C.E.. Ora, no caso, o que se prova é que foi emitida a DIA, favorável, em termos condicionados, relativamente à “solução B do Subtroço Lisboa/Moita”. Não foi emitido qualquer ato administrativo que estabelecesse que o terreno da A. tinha de ser expropriado. A A. apenas ficou impedida de construir por força das medidas preventivas que foram tomadas ainda numa fase anterior à do procedimento expropriativo e, como se diz no parecer da R......, E.P.E., no âmbito dos estudos então em curso sobre a localização da ponte. É certo que o prédio da A. ficou abrangido pela área delimitada no Decreto n.º 1/2007, de 25 de Janeiro, em que passaram a vigorar as medidas preventivas, mas isso não significa que o prédio viesse a ser expropriado. Não existe qualquer ato que demonstre que o prédio da A. tinha de ser expropriado, nem em que termos, pelo que não existe qualquer omissão por parte da Administração que permita concluir pela existência de um atraso na expropriação e sobre o qual possa assentar o pedido indemnizatório deduzido pela A.. Acresce que, no caso, o prazo de dois anos para vigorarem as medidas preventivas, estabelecido no Decreto n.º 1/2007, de 25 de Janeiro, não foi objeto de prorrogação, pelo que as medidas nele previstas caducaram, o que significa que, também por este motivo, o pedido de condenação dos RR a expropriar o terreno da A. não pode proceder.
Como é sabido, o poder da A. construir o loteamento encontra-se condicionado à observância de normas urbanísticas e do ordenamento do território, as quais limitam o direito de propriedade. No caso, a A., obteve uma informação prévia favorável para a construção do loteamento, que lhe foi comunicada pelo Município em Agosto de 1998. No entanto, só em 24/02/2006 é que entregou nos serviços camarários os projetos de obras de urbanização, pelo que deixou passar o prazo de um ano em que a informação prévia foi vinculativa para o Município — art.° 7.°-A, n.º 5 do regime jurídico aprovado pelo DL n.º 448/91, de 29 de Novembro, aditado pelo DL n.º 334/95, de 28 de Dezembro, com a redação atribuída pela Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto,
As ablações do direito de propriedade equiparáveis à expropriação desse direito, como é o caso das medidas preventivas tomadas pelo Decreto n.º 1/2007, de 25 de Janeiro, que, na prática e embora com efeitos temporalmente delimitados, impediram a A. de construir o loteamento, podem ser objeto de indemnização nos termos definidos pela lei ordinária.
No caso e por as medidas preventivas previstas no Decreto n.º 1/2007, de 25 de Janeiro, terem sido instituídas na sequência dos estudos então em curso para a construção da terceira travessia do Tejo, Chelas/Barreiro, a qual, por ser um “projeto de empreendimento público”, se enquadra na previsão do n.º 1 do art.° 7.° do regime previsto no DL n.º 794/76, de 5 de Novembro (na parte ainda em vigor), existe uma norma especial sobre responsabilidade civil (por contraposição com o art.° 9.° do regime jurídico sobre responsabilidade civil extracontratual aprovado pelo DL n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, em vigor à data da publicação do Decreto n.º 1/2007, não se aplicando, por isso, o regime de responsabilidade civil aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 17 de Julho), que consta do seu art.° 11.° e em que se estatui que a instituição de medidas preventivas aí referidas ( onde se inclui também a sujeição de projetos que envolvam construção, a prévia autorização - cfr. art.° 8.°), não confere o direito a qualquer indemnização. Para além disso, ainda que se viessem a considerar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade na contribuição dos cidadãos para os encargos públicos, imanentes à conceção de Estado de Direito consagrada no art.° 2.° da CRP e se entendesse que os efeitos resultantes de medidas de natureza normativa lícitas causadoras de prejuízos especiais (por abranger um grupo de indivíduos que se encontrem em determinada situação) e anormais (por causarem prejuízos desproporcionados que ultrapassam os custos próprios da vida em sociedade), devem ser objeto de compensação, nunca se poderia deixar de atender à circunstância do legislador ordinário, nas situações em que, no âmbito do direito do urbanismo, prevê a possibilidade de indemnizar esses prejuízos, exigir que o lesado já seja titular de uma licença, ou autorização, ou, pelo menos, de uma informação prévia válida e vinculativa, o que no caso não se verifica — cfr. art.° 116.°, n.º 2, al. b), do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, aprovado pelo DL n.º 380/99, de 22 de Setembro e Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismo”, Almedina, 2001, vol. I, págs. 503, em especial nota 29, na pág. 509.”

Vejamos:
Vem recorrido o segmento que julgou improcedente a ação, por não haver lugar à indemnização da ora recorrente, em face do que apenas se apreciará o recurso relativamente aos invocados prejuízos decorrentes do decretamento das medidas preventivas pelo Decreto n.º 1/2007.

Diga-se, desde logo, que os fundamentos invocados para a anulação da sentença Recorrida assentam predominantemente em suposta inconstitucionalidade decorrente da aplicação da norma aplicada pelo tribunal a quo para fundamentar a improcedência do pedido de indemnização - art.° 11. ° da Lei dos Solos (Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro).

Assim sendo, vejamos:
Desde logo, não tendo a recorrente alegado quaisquer razões para a não apresentação de dois documentos, que juntou com o requerimento de interposição de recurso, até ao momento do encerramento da discussão, que possam ser enquadradas na previsão dos artigos 693°-B e 524.° do CPC, não são os mesmo admissiveis, em face do que se dá o seu teor por não escrito, atenta a circunstancia de não serem autonomizaveis no SITAF a ponto de poderem ser desentranhados e devolvidos (artigo 543°, n° 1, do CPC – atual Artº 443º nº 1 CPC).

Da aplicação da norma inconstitucional - art.° 11. ° da Lei dos solos
Diga-se que se acompanha o sentido da decisão recorrida ao entender que as medidas preventivas previstas no Decreto n.º 1/2007, de 25 de janeiro ao terem sido instituídas na sequência de estudos realizados tendentes à construção da terceira travessia do Tejo Chelas/Barreiro (TTT), por se tratar de um projeto de empreendimento público, se enquadrará na previsão do n.º 1 do art. 7.º do DL n.º 794/76, de 5 de novembro, no qual consta norma especial sobre responsabilidade civil, excluindo assim a aplicabilidade do art.° 9.° do regime jurídico sobre responsabilidade civil extracontratual aprovada pelo DL n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, em vigor à data da publicação do Decreto n.º 1/2007, o que, em qualquer caso, sempre excluiria a aplicabilidade do regime previsto na ulterior Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

Referia textualmente o referido normativo:
“Medidas preventivas
Art. 7.º - 1. O Governo poderá estabelecer, por decreto, que uma área, ou parte dela, que se presuma vir a ser abrangida por um plano de urbanização ou projeto de empreendimento público de outra natureza, seja sujeita a medidas preventivas, destinadas a evitar alteração das circunstâncias e condições existentes que possa comprometer a execução do plano ou empreendimento ou torná-la mais difícil ou onerosa.”

Consequentemente, o Decreto n.º 1/2007 estabeleceu as medidas preventivas com vista à viabilização da terceira travessia do rio Tejo, no eixo Chelas-Barreiro, tendo definido as áreas de terreno abrangidas, às quais é aplicável o regime estabelecido no Capitulo II do Decreto-lei n.º 794/76, tendo em vista prevenir "o risco de ocorrência de licenciamentos ou autorizações que contendam com os estudos já realizados e que possam comprometer a construção da terceira travessia do rio Tejo, bem como a introdução da rede ferroviária de afta velocidade em Portuga!, ou torná-la mais difícil ou onerosa, estabelecer medidas preventivas que acautelem a possibilidade de execução do empreendimento público acima referido.”
Deste modo, de forma a prevenir pressões urbanísticas e especulativas nas áreas urbanas e suburbanas adjacentes, cumpre então adotar medidas de proteção e defesa do referido empreendimento, sem descurar os interesses da população residente na área abrangida pela intervenção projetada." (cf. Preambulo do diploma).

Dispunha o artigo 1.° do Decreto n.º 1/2007 que as medidas decretadas vigorariam pelo prazo de 2 anos, podendo ser prorrogadas por prazo não superior a um ano.

Assim, a Resolução de Conselho de Ministros n.º 9/2009, de 27 de janeiro, veio prorrogar as medidas preventivas por mais um ano (cf. n.º 1), até 26.01.2010, perfazendo os 3 anos previstos já previstos no art.° 9. ° n.º 1 do DL n.º 794/76.

Deste modo, o Decreto n.º 1/2007, e a RCM n.º 9/2009 estabeleceram as medidas preventivas de ocupação do solo, tendo ainda autorizado a sua prorrogação, estabelecendo que a essas medidas seria aplicável o Decreto-Lei n.º 794/76, o qual no seu artº 11º estabelecia expressamente que “A imposição das medidas preventivas (…) não confere direito a qualquer indemnização.”

É aqui que a Recorrente suscita, conclusivamente, a inconstitucionalidade do referido Artº 11.° do DL n.º 794/76, à luz do Art.° 22.° da CRP, o que se não reconhece, até por falta de sustentação e densificação do invocado.

Efetivamente, não estamos perante uma situação de responsabilidade civil do Estado por atos ilícitos e culposos, sendo que a responsabilidade civil, a verificar-se, teria de assentar numa situação de responsabilidade civil do Estado por atos legislativos lícitos, tal como previsto no artigo 22.° da CRP, o qual consagra a responsabilidade civil por danos resultantes do exercício de funções política, legislativa, administrativa e jurisdicional.

Em qualquer caso, as situações excecionais, em que poderia assentar o invocado direito indemnizatório, sempre teria de ser enquadrado na previsão do regime jurídico que regula o dever de indemnizar por atos lícitos, a saber, e no caso, no art.° 9.°do DL 48.051, de 21 de novembro de 1967, o qual estabelece que a atuação licita da Administração apenas constitui fonte do dever de indemnizar quando cause prejuízo anormal e especial, o que ficou por demonstrar.

No que concerne à eventual aplicabilidade, antes da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e não do DL nº 48.051, acompanhamos o sentido do decidido em 1ªinstância de acordo com o qual deve ser este o regime aplicável, atenta a circunstância de ser o que vigorava aquando da publicação do Decreto n.º 1/2007.

Assim, a Lei n.º 67/2007 aplicar-se-á apenas aos factos geradores e fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor.
Assim sendo, nos termos do art.° 9.° do DL 48051, deve entender-se como prejuízo anormal, aquele que se revista de suficiente gravidade, suscetível de ultrapassar os limites daquilo que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, e que extravase os encargos sociais normais, exigíveis em contrapartida da existência e funcionamento dos serviços públicos, e prejuízo especial aquele que não é imposto a generalidade das pessoas, mas que incide desigualmente sabre um indivíduo ou grupo determinado.

Na ponderação das situações suscetíveis de indemnização, deve haver rigor em relação ao preenchimento do conceito de “prejuízo anormal ou especial", só o considerando verificado quando os titulares do direito comprovem que ficaram sujeitos a um particular sacrifício que os coloque numa situação diferente dos demais cidadãos, nomeadamente porque ficaram despojados do direito de propriedade ou dos direitos que integram o seu núcleo essencial, isto e, numa situação próxima da expropriação ou privação de alguns direitos inerentes qualidade de proprietário ou de algumas faculdades, ou irradiações da propriedade, sendo que o jus aedificandi não integra o núcleo essencial do direito de propriedade, antes, sendo caso disso, acresce ao mesmo.
O Jus Aedificandi não constitui uma faculdade que decorra diretamente do direito de propriedade do solo mas um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário nos termos e condições definidas pelas normas jurídico-urbanísticas.

E não estando em causa uma expropriação do direito de propriedade, a mera impossibilidade temporária do exercício do jus aedificandi na parcela de terreno à qual não foi concedida uma autorização camarária de edificação, não atribui ao seu titular qualquer direito indemnizatório, uma vez que nos encontramos perante meras expectativas jurídicas.

Por outro lado, e como refere Rui Medeiros (Ensaio sobre a responsabilidade do Estado por atos legislativos, Almedina 1992, págs. 326 e 334 e ss), “(…) basta sublinhar que o dever de indemnização em caso de ablação licita não compreende todos os danos causados ao lesado”, sendo que, em concreto, o aqui Recorrente não logrou demonstrar os conclusivamente invocados prejuízos, os quais sempre teriam de ser especiais e anormais.

É pois patente que as medidas preventivas estabelecidas relativamente à eventual edificação da referida travessia o Tejo, não ultrapassaram os limites daquilo que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, incidindo sobre a generalidade dos cidadãos que se encontram na situação do aqui Recorrente, sendo que, mantendo o mesmo a titularidade dos controvertidos prédios.

Acresce que, e como já referido, não logrou ao Recorrente igualmente demonstrar em que medida o identificado art.° 11. ° da Lei dos solos, se mostrará violador da Constituição, nomeadamente dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade.

Com efeito, sempre teria a Recorrente que densificar do modo mais eficaz, em que se consubstanciariam tais violações, que em bom rigor constituiriam a violação de princípios, designadamente de cariz Constitucional.

Com efeito, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “(…) não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”

No mesmo sentido aponta o Acórdão do Colendo STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

Por outro lado, e como afirmado em 1ª Instância, "ainda que se entendesse que os efeitos resultantes de medidas de natureza normativa licitas causadoras de prejuízos especiais (por abranger um grupo de indivíduos que se encontrem em determinada situação) e anormais (por causarem prejuízos desproporcionados que ultrapassam os custos próprios da vida em sociedade) deviam ser objeto de compensação, nunca se poderia deixar de atender à circunstância do legislador ordinário, nas situações em que, no âmbito do direito do urbanismo prevê a possibilidade de indemnizar esses prejuízos, exigir que o lesado já seja titular de uma licença, ou autorização, ou, peio menos, de uma informação prévia, válida e vinculativa, o que no caso não se verifica - cfr. art.° 116.n.° 2, al. b) do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial aprovado pelo DL n.° 380/99, de 22 de Setembro e Alves Correia, in "Manual de Direito do Urbanismo", Almedina, 2001, vol. I, págs. 503, em especial nota 29, na pág. 509."

Igualmente Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa" anotada, vol. I, 4.° edição revista, pág. 438, da Coimbra Editora, afirmam que “(…) limitações ou exclusões da responsabilidade devem ser consideradas como restrições de um direito, Liberdade e garantia e, como tal, sujeitas ao regime constitucional da restrição deste tipo de direitos (art.° 18.°). Nesse sentido, as cláusulas limitativas da responsabilidade carecem de fundamento legal (só a lei pode restringir o direito a pretensões indemnizatórias por violação dos direitos, liberdades e garantias") e de justificação constitucional segundo os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade."

Efetivamente, o regime de responsabilidade derivada das medidas preventivas ínsito no art.° 11. ° da Lei dos Solos, onde se prevê que a imposição das medidas preventivas... não confere direito a qualquer indemnização" está legalmente fundamentado e constitucionalmente justificado, sendo que resulta do próprio art.° 18.° da CRP que nada obsta a que que as medidas preventivas revistam carácter geral e abstrato, pois incidem sobre todos os proprietários dos imóveis situados na área delimitada nas plantas anexas ao decreto n.° 1/2007, estando limitadas ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, e a titulo meramente transitório.

É patente que as medidas preventivas estabelecidas visaram assegurar a prossecução do interesse público tarefa que o artigo 266.° n.° 1 da CRP atribui à Administração Pública e ao Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública (cf. artigo 182.° da CRP), mais competindo ao Governo da República, no exercício das funções administrativas, "praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e satisfação das necessidades coletivas" (cf. artigo 199.° alínea g) CRP).

Como sublinha Gomes Canotilho ("O Problema da Responsabilidade do Estado por Atos Lícitos", Almedina, 1974, pag. 327 e ss), “os atos (legislativos...) ''ablatoríamente ingerentes na esfera jurídico-privada pressupõem sempre uma dimensão teleológica - um motivo de interesse público (interesse geral, bem da coletividade, bem comum, interesse comum, utilidade pública)", o qual deverá ser "imperioso, inadiável e urgente".

O que é facto é que as medidas preventivas não foram estabelecidas por capricho das entidades públicas, antes visaram, como decorre do próprio preâmbulo do Decreto n.° 1/2007, fazer "...face ao risco de ocorrência de licenciamentos ou autorizações que contendam com os estudos já realizados e que possam comprometer a construção da terceira travessia do rio Tejo, bem como a introdução da rede ferroviária de alta velocidade em Portugal, ou torna-la mais difícil ou onerosa, estabelecer medidas preventivas que acautelem a possibilidade de execução do empreendimento público acima referido.
Com efeito, tratando-se de um empreendimento de reconhecido interesse público, os prejuízos que da prática dos atos acima referidos podem resultar são social e economicamente mais relevantes do que os danos que das medidas preventivas ora estabelecidas poderão eventualmente advir para os particulares.
Deste modo, de forma a prevenir pressões urbanísticas e especulativas nas áreas urbanas e suburbanas adjacentes, cumpre então adotar medidas de proteção e defesa do referido empreendimento,"

Atento o objetivo do Estado em adotar medidas tendentes a prevenir a alteração das circunstâncias e comprometer ou onerar a execução do empreendimento, e mesmo admitindo a verificação de algum sacrifício por parte dos titulares dos bens localizados na área identificada, tem-se entendido que o interesse público impõe aos proprietários dos bens uma "vinculação social" que justifica limitações provisórias à utilização dos solos até que sejam definidas as «limitações definitivas» ou a «libertação dos solos», o que ocorre com a aprovação do projeto de empreendimento público que motivou a sua aplicação (cf. artigo 9.° n.º 2 ai. b) do DL 794/96).

Como se sumariou no Acórdão do STA nº 762/05, de 14-03-2006, “As medidas preventivas constituem prescrições de carácter temporário destinadas a evitar a alteração das circunstâncias e das condições de facto existentes que possam limitar a liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução de planos municipais cuja elaboração já tenha sido decidida (…)”

Também se afirmou no Acórdão do STA 0619/04, de 06/07/2004, que “Por visarem proteger interesses e regras urbanísticas dirigidos ao mesmo fim mas diferentes quanto ao conteúdo e se aplicarem em momentos diferentes do procedimento regulamentar, também pela diferente distância do momento final da adoção das novas normas bem como pela compressão de direitos temporalmente muito mais curta da suspensão do procedimento, estas medidas por um lado, e as medidas preventivas por outro, não se sobrepõem antes se coordenam de modo que se conformam com o princípio da proporcionalidade, podendo ver-se nelas uma ponderação dos interesses em presença que resulta equilibrada, isto é, sacrifica o mínimo possível os interesses legítimos dos particulares na prossecução do interesse público que é prosseguido através do planeamento urbanístico.”

Como já afirmado, as medidas preventivas caracterizam-se pela provisoriedade, o que significa que têm um âmbito temporal limitado, o que determina que cessam, logo que terminem as razões que as justificaram, sendo que os titulares dos prédios abrangidos manterão a titularidade dos mesmos, salvo quando os mesmos sejam necessários para a prossecução do interesse público, situação em que haverá, então sim, lugar à correspondente indemnização, em regra, decorrente de expropriação.

Para evitar que as medidas preventivas se possam eternizar é que o legislador estabeleceu um limite temporal para as mesmas, relativamente limitado.

Assim, não se vislumbra nem reconhece que a ausência de indemnização em decorrência das medidas preventivas se consubstancie numa inconstitucionalidade, exatamente por a titularidade dos bens se manter, podendo até os proprietários dos prédios abrangidos aumentar as mais-valias decorrentes do jus aedificandi, em virtude do mero decurso do tempo.

Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit. pág. 804) "a Constituição não menciona expressamente, entre as componentes do direito de propriedade, a liberdade de uso e fruição e mesmo que se entenda que ela integra naturalmente o direito de propriedade, é fácil verificar que são grandes os limites constitucionais, especialmente em matéria de meios de produção, que vão desde o dever de uso (art.° 88.°) até ao seu condicionamento (art.° 93.° n.° 2), podendo a lei estabelecer restrições maiores ou menores, credenciadas nos princípios gerais da Constituição, particularmente da constituição económica.”

Mais referem aqueles Autores que "limites particularmente intensos a este aspeto do direito de propriedade são os que ocorrem no domínio urbanístico e do ordenamento do território a ponto de se questionar se o direito de propriedade inclui o direito de construção - jus aedificandi - ou se este radica antes, como parece ser mais conforme a «constituição urbanística», no ato administrativo autorizativo. (licença de construção).”

O Tribunal Constitucional respondeu já a esta questão ao declarar que "no direito de propriedade, constitucionalmente consagrado, contém-se o poder de gozo do bem objeto do direito, sendo certo que não se tutela ali o jus aedificandi um direito a edificação, como elemento necessário e natural do direito fundiário” (Acórdão n.º 341/86, de 10 de Dezembro in DR II S. de 19 de Marco de 1987), clarificando, ainda, que é ”certo não tutelar a Lei Fundamental o «direito de edificar» como direito que se inclua, necessariamente, em todos os casos, no direito de propriedade...Ac. n.º 259/94, de 23 de Marco, in DR 1.º S. de 30/7/1994).
"A consequência normal e lógica da "função social" a que nos referimos legitima a lei e a Administração "a produzir restrições ou compressões as faculdades de uso, fruição e disposição dos solos sem que se verifique, em princípio, uma obrigação de indemnização" (cf. Fernanda Paula Oliveira, loc. cit.).

A equacionar-se a possibilidade das medidas preventivas estabelecidas se consubstanciarem numa ofensa ao direito de propriedade, o que se não reconhece, ainda assim, tal só se mostraria indemnizatoriamente relevante, caso se verificassem os pressupostos legais, para o efeito, sendo que é manifesto, desde logo, que se não verificam prejuízos especiais e anormais por forma a serem suscetíveis de indemnização nos termos, no caso, do art.° 9. ° do Decreto-lei n.° 48.051.

Por outro lado, não era a recorrente titular de qualquer licença ou autorização urbanística que lhe assegurasse qualquer direito indemnizatório em decorrência da aplicação das controvertidas medidas preventivas.

Também não se verificam os pressupostos da pretendida indemnização pelo sacrifício lícito, desde logo porque a Recorrente não demonstrou em juízo que as medidas preventivas em causa lhe provocaram danos equivalentes, embora transitórios, aos previstos no artigo 143.° do RJIGT, nomeadamente, uma restrição ou supressão substancial de direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados, sendo por demais evidente que a hipótese excepção configurada pelo artigo 116.°, n.° 2, a) do RJIGT não se verifica, porquanto, o lesado não é titular de uma licença, ou autorização, ou, pelo menos, de uma informação prévia válida e vinculativa.

A ratio do referido art.° 11.° da Lei dos Solos, deverá ser entendida de acordo com o objetivo e âmbito do decretamento das medidas preventivas, nomeadamente, atento o art.° 7. ° da mesma Lei, na qual expressamente se prevê que "O Governo poderá estabelecer, por decreto, que uma área, ou parte dela, que se presuma vir a ser abrangida por um plano de urbanização ou projeto de empreendimento público de outra natureza, seja sujeita a medidas preventivas, destinadas a evitar alteração das circunstâncias e condições existentes que possa comprometer a execução do plano ou empreendimento ou torná-la mais difícil ou onerosa."

As medidas preventivas fixadas, caracterizam-se, por natureza, pela provisoriedade, tendo assim um âmbito temporal limitado e pela instrumentalidade, o que significa que cessam, logo que esteja definido o projeto que pretendem acautelar, o que significa que os titulares dos prédios abrangidos readquirem o potencial edificativo que potencialmente já detivessem, com a valorização decorrente da passagem do tempo.
Acompanha-se pois, e mais uma vez, o entendimento adotado pelo Tribunal a quo ao considerar que a presente situação se insere no âmbito de aplicação do art.° 11.° da Lei dos Solos, e mesmo que assim não fosse, seria aplicável o regime da responsabilidade extracontratual do Estado previsto no Decreto-Lei n.º 48.051, por ser o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, em vigor à data da publicação do Decreto n.º 1/2007.

Em face de tudo quanto supra se expendeu, improcederá o recurso interposto e analisado.

* * *

Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 9 de março de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa