Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:340/17.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:11/30/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMPENHORABILIDADE PARCIAL / 738 º DO CPC
PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS
Sumário:I - Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que a lei concede um certo grau de autonomia e que pertence aos titulares em bloco; trata-se de um património que pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade.
II - A questão suscitada pela aplicação do artigo 738º do CPC revela-se de grande importância, sabido que a impenhorabilidade significa um benefício ao devedor que se contrapõe ao interesse do credor que vê dificultada a cobrança da sua prestação. Daí que, as normas que estabelecem a impenhorabilidade devem ser interpretadas de maneira a assegurar o necessário equilíbrio entre o interesse do credor na cobrança e o interesse do devedor em conservar a sua subsistência.
III - Em vez da expressão “prestações de natureza semelhante” a vencimentos e salários referida no artigo 824º CPC (antes da alteração introduzida pela Lei nº 41/13, de 26/06), o legislador refere agora (738º do Novo CPC) “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, o que dá a entender que o que é relevante é o facto de a prestação poder assegurar a subsistência do executado e não tanto, a natureza da mesma.
IV - O valor em causa, proveniente de avença mensal contratada entre o Reclamante e a Câmara do Seixal, é susceptível de caber no conceito de “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”.
V – Não obstante, no caso concreto, tal conclusão não chega para validar as razões do Reclamante quanto à impenhorabilidade parcial do montante em causa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

J..., melhor identificado nos autos, apresentou reclamação, nos termos do artigo 276º do CPPT, contra “a penhora de créditos do seu vencimento mensal ou remuneração mensal”, ordenada pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no âmbito dos processos de execução fiscal nºs …, no valor de € 19.638,11.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada julgou procedente a reclamação deduzida, anulando o acto reclamado.

Inconformada com tal sentença, a Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando as seguintes conclusões:

I. Como consta do probatório em 2017.02.09 o Serviço de Finanças procedeu à penhora do direito à meação que o executado detém no prédio urbano sito na freguesia de ... inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 11467, fração C, com o valor patrimonial tributário (VPT) atual de 230.650,00 Euros;

II. Assim, o valor penhorado foi de 115.325,00 Euros, corresponde a metade VPT referido do imóvel, como afirmado na aliás douta sentença recorrida.

III. No entanto, só aparentemente, a penhora da meação do Reclamante no prédio penhorado seria mais que suficiente para satisfazer o valor da dívida exequenda de 19.638,11 Euros;

IV. Com efeito, consta dos autos Certidão Permanente de Registo Predial, disponibilizada em 2017.03.09, da qual se retira que sobre o imóvel incidem, vários ónus com prioridade sobre o crédito da Fazenda Pública, porque registadas em data anterior à da penhora efetuada pelo Serviço de Finanças, em 2017.02.09;

V. O prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o artigo 11467 fração “C”, encontra-se onerado com duas hipotecas voluntárias a favor da ... cujo montante máximo assegurado ascende a 422.214,00 Euros;

VI. Encontra-se o referido prédio, onerado, também, pela penhora efetuada no Processo N.º 2931/15.4STB - JI secção de Execução, Instância Central de Setúbal, Comarca de Setúbal, a favor da ..., cuja quantia exequenda é de 341.432,09 Euros;

VII. Assim, verifica-se que a meação do Reclamante no prédio melhor identificado supra, no valor de 115.325,00 Euros está onerada pelo montante global de 381.823,05 Euros, que têm prioridade sobre os créditos da Fazenda Pública, correspondentes às quantias exequendas dos PEF'S indicados no ponto 5 do probatório da sentença recorrida;

VIII. Atento o disposto no n.º 7 do art. 250.º do CPPT, sendo € 230.650,00, o VPT atual do prédio, o valor base para venda da meação do Reclamante, será 80.727,50 Euros (230.650,00 Euros ÷2 x 70%).

IX. Assim verifica-se que a penhora da meação do reclamante no referido prédio, não garante a dívida exequenda e legais acrescidos, motivo porque foi efetuada a penhora de créditos n.º ..., objeto dos presentes autos.

X. Em cumprimento do estabelecido na parte final do art. 217.º do CPPT.

XI. Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado”, Áreas Editora, 6ª Edição, 2011, Volume III, anotação 4 ao art. 217.º, pág. 589 refere que: “Os bens penhorados, que, no momento da penhora, tenham sido considerados como suficientes para pagamento da dívida exequenda e acrescido podem vir a mostrar-se insuficientes, quer por não atingirem na venda o valor que lhes foi atribuído, quer por serem reclamados créditos que tenham prioridade sobre os créditos que são objecto inicial do processo de execução fiscal, quer por os bens se desvalorizarem.

Nestes casos, de insuficiência de bens para pagamento da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas), independentemente de a dívida ter natureza tributária, podem ser penhorados novos bens, como se prevê na parte final deste art. 217.4 do CPPT, quer do devedor originário, quer de responsáveis solidários, que respondem pelo pagamento da dívida em condições idênticas à do devedor originário, quer de responsáveis subsidiários, se se verificarem os pressupostos da respectiva responsabilidade.”.

XII. No mesmo sentido, veja-se a doutrina do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 25.05.2010, Processo n.º 04018/10 e de 18-09-2014, Processo n.º 07932/14;

XIII. Assim, por tudo o exposto, conclui-se que a penhora de créditos n.º ..., objeto dos presentes autos não é excessiva, sendo legal, pelos fundamentos que se deixaram expressos na resposta tempestivamente oferecida nos autos.

XIV. Ao decidir como o fez, anulando a penhora de créditos n.º ..., sindicada nos autos o Tribuna “a quo” incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, violando o disposto no artigo 217.º do CPPT, não podendo, por essa razão, manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a reclamação improcedente, tudo com as devidas e legais consequências.”


*

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

“22°

Consideramos que a decisão da ATA não respeita a lei aplicável e revelou-se duma violência desmedida, violando os limites previstos no art. 738° do CPC ex vi art. 227° do CPP, tratando uma remuneração mensal ou vencimento como se de um crédito qualquer se tratasse;

23°

Deve a mesma ser revogada porque violadora das normas aplicáveis, violadora dos direitos do executado;

24º

Isso não pode voltar a acontecer;

25°

Não prescindindo, deve o penhor ser aplicado no pagamento/amortização da dívida;

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Ex.as, deve o recurso ser julgado improcedente, com base na ilegalidade em concreto da penhora realizada, já que não se trata de créditos, que nem sequer existem, do executado, antes remuneração mensal, nos termos e para efeitos do disposto no art. 27° do CPPT e art. 738° do CPC, e extinta a presente penhora.”


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu Parecer onde concluiu no sentido de não ser concedido provimento ao recurso – lê-se, a concluir o parecer referido, que “A douta decisão é clara e precisa e deverá manter-se na Ordem Jurídica (…)”.

Antes, porém, e como questão prévia, o EMMP veio defender que:

“(…)

Mas persiste a questão da alçada regista-se que a nova redacção do artº 105º da LGT, determina que “A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância.” e à norma contida no nº 4 do art. 280º do CPPT, “Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância”.

Ora, o A atribui um valor do processo de 19.638,11 e a ALÇADA dos TRIBUNAIS DA RELAÇÃO é superior.

(…)

Considerando que o valor da acção é inferior à Alçada da Relação em 2017 a pretensão recursória da oponente terá que ser indeferida”.


*

As partes foram notificadas do parecer que antecede.

A Fazenda Pública, ora Recorrente, pronunciou-se, defendendo que “deverá ser admitido o presente recurso” dado que “ valor da presente acção é de € 19.638,11, sendo, por conseguinte, um valor superior ao da alçada dos tribunais tributários de 1ª instância”.

*

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:

1. Em 17/06/1996 foi celebrado entre o Município do ... e J... um contrato de avença do qual consta que o segundo outorgante recebe mensalmente a quantia de € 962,68 mensais (cfr.doc. junto a fls. 24 e 25, frente e verso, dos autos);

2. Em 27/06/2016 foi elaborado o 24º Averbamento ao Contrato identificado no ponto anterior do qual consta que J... passa a auferir a quantia de € 2.200,34 mensais, acrescidos de igual montante no mês de Novembro e Junho de cada ano (cfr. doc. junto a fls. 26 dos autos);

3. Entre 25/10/2013 e 09/11/2016 foram instaurados os Processos Execução Fiscal nº …, contra o Reclamante, por dívidas de IVA, IMI e Recursos de Contra- ordenação (cfr. cópias certificadas dos processos executivos e informação de fls. 29 a 40 dos autos);

4. As dívidas dos vários processos identificados no ponto anterior ascendem a € 19.638,11 (cfr. doc. junto a fls. 6 a 19 dos autos);

5. Em 2017/02/09 o Serviço de Finanças procedeu à penhora do direito à meação que o executado detém no prédio urbano da freguesia de ... com o artigo matricial 11467 fracção C, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a nº 3645-C, com o valor patrimonial actual de € 230.650,00 (cfr. docs. junto a fls. 32 a 4 da cópia certificada do processo de execução fiscal junto aos autos);

6. Em 03/03/2017 o Serviço de Finanças procedeu à penhora de créditos nº ... que o executado detém sobre o Município do ... (cfr. docs. de fls. 6 a 19 dos autos);

7. As dívidas dos processos executivos identificados no ponto 1 foram todas associadas à ordem de penhora nº ... (cfr. doc. junto a fls. 29 a 40 dos autos);

8. Em 2017/04/05 o executado foi citado após penhora identificada no ponto anterior (cfr. docs. de fls. 6 a 19 dos autos);

9. O reclamante obtém rendimentos da categoria B de IRS resultantes da sua atividade por conta própria como jurisconsultor (cfr. docs. de fls. 47 da cópia certificada do processo de execução fiscal junto aos autos);

10. No ano de 2017 e até 03/03/2017, o reclamante, no âmbito da sua actividade de jurisconsulto, emitiu recibos verdes a diversas entidades no montante de € 10.162,02, entre as quais se incluem os recibos emitidos ao Município do ... que ascenderam a € 4.312,66 (cfr. docs. juntos a fls. 48 a 50 da cópia certificada do processo de execução fiscal junto aos autos);

11. No ano de 2016 o Reclamante auferiu a quantia global de € 58.870,67 sendo € 30.450,67 proveniente do contrato de avença que mantém com o Município do ... e € 28.420,00 de clientes diversos (cfr. doc. junto a fls. 51 a 52, frente e verso, da cópia certificada do processo de execução fiscal junto aos autos);

12. No ano de 2015 o Reclamante auferiu a quantia global de € 47.799,68, sendo € 24.422,15 de clientes diversos e o valor de € 23.377,68, proveniente do contrato de avença que mantém com o Município do ... (cfr. doc. junto a fls. 53 a 54, frente e verso, da cópia certificada do processo de execução fiscal junto aos autos);


***

Dos factos constantes da reclamação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

***

A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”

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2.2. De direito

Antes de entrarmos na análise do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, importa que nos debrucemos sobre a questão prévia suscitada pelo EMMP e que acima deixámos sintetizada.

Cumpre-nos, então, decidir a suscitada questão da inadmissibilidade legal do recurso, tendo em conta que a decisão judicial que procede à admissão do recurso no tribunal a quo tem carácter provisório e não vincula o tribunal ad quem.

Como dissemos, para o EMMP “o A atribui um valor do processo de 19.638,11 e a ALÇADA dos TRIBUNAIS DA RELAÇÃO é superior. (…) Considerando que o valor da acção é inferior à Alçada da Relação em 2017 a pretensão recursória da oponente terá que ser indeferida”.

Vejamos.

À data da instauração do presente processo judicial de reclamação, em Abril de 2017, o valor da alçada dos tribunais tributários encontrava-se já fixado em € 5.000,00, face ao aumento da alçada definida para os tribunais tributários de 1.ª instância pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2015 (Lei nº 82-B/2014, de 31 de Dezembro), a qual conferiu nova redacção ao artigo 105º da LGT, passando tal preceito a estabelecer que "A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância" e à norma contida no nº 4 do artigo 280º do CPPT, que passou a estabelecer que “Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância”.

Como se deixou dito no acórdão do STA, de 24/04/16, proferido no processo nº 1291/15, “Por conseguinte, com a entrada em vigor da referida Lei nº 82-B/2014, em 1 de Janeiro de 2015, ocorreu a revogação tácita da norma contida no nº 2 do artigo 6º do ETAF, que dispunha o seguinte: «A alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância», sabido que a lei posterior revoga a anterior não só quando expressamente o declare, como, também, como é caso, seja com ela incompatível – cfr. artigo 7º, nº 2, do Código Civil.

Assistiu-se, assim, a um significativo aumento da alçada e, portanto, da possibilidade geral de recurso ordinário, já que, como se viu, anteriormente a alçada dos tribunais tributários correspondia a ¼ da estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância, pelo que não cabia recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassasse € 1.250,00.

E a circunstância de o ETAF ter sido republicado em 2/10/2015 (face às alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 214-G/2015 aos artigos 1º, 2º, 4º, 9º, 13º, 14º, 17º, 24º, 29º, 40º, 41º, 43º, 44º, 46º, 48º, 49º, 51º, 52º e 74º) não significa que esse artigo 6º tenha visto a sua vigência reestabelecida, isto é, tenha recuperado a sua vigência e operado a revogação das normas que tacitamente a haviam revogado.

Com efeito, o legislador que procedeu à alteração das referidas normas do ETAF não manifestou intenção de mexer na matéria das alçadas ou de proceder à alteração da norma que constava do artigo 6º do ETAF e que, como se viu, fora entretanto revogada (o legislador não o incluiu entre os preceitos do ETAF de 2002 que quis alterar), nem existe qualquer disposição no sentido da restauração da sua vigência ou, sequer, de revogação da lei revogatória e de repristinação da norma contida nesse artigo 6º do ETAF”.

Posto isto, e visto que o valor fixado ao processo de reclamação, deduzido ao abrigo do artigo 276º do CPPT, é de € 19.638,11 (cfr. despacho de fls. 52), torna-se claro que o presente recurso é legalmente admissível.

Improcede, pois, a questão suscitada pelo EMMP.


*

Avancemos, então, para o conhecimento do objecto do recurso.

Como inicialmente adiantámos, a reclamação judicial apresentada pelo Reclamante, ora Recorrido, foi julgada procedente e, em consequência, foi anulada a penhora contestada.

Para assim decidir, na sentença considerou-se o seguinte:

“Determina o artigo 217º do CPPT, sob a epigrafe “Extensão da penhora” que:

“A penhora é feita nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para pagamento da execução, esta prossegue em outros bens.”

Ou seja, por um lado a penhora de bens apenas deve ser efectuada para garantia da dívida exequenda e do acrescido, devendo esta apenas ser estendida a mais bens quando os primeiros bens penhorados forem insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e respectivos acrescidos.

De facto, a função da penhora é apenas garantir o pagamento da dívida e esta levará a alienação, no âmbito da execução fiscal, dos bens penhorados por forma a pagar a dívida exequenda e os acrescidos.

Vejamos agora quais os factos dados como provados.

Decorre do probatório supra que em 2017/02/09 a AT procedeu à penhora da meação do Executado no prédio urbana da freguesia de ... com o artigo matricial 11467 fracção C, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a nº 3645-C, com o valor patrimonial actual de € 230.650,00.

Assim sendo, o valor penhorado foi de € 115.325,00, que corresponde a metade do valor patrimonial do imóvel penhorado.

Decorre também do probatório que em 03/03/2017 o Serviço de Finanças procedeu à penhora de créditos nº ... que o executado detém sobre o Município do ....

Desde logo se verifica que sendo o valor da dívida exequenda de € 19.638,11, a primeira penhora efectuada pelo órgão de execução fiscal sobre a meação no valor de € 115.325,00 é mais do que suficiente para fazer face à dívida exequenda e seus acrescidos.

Assim sendo, nunca poderia a AT ter procedido a outra penhora, nomeadamente dos vencimentos do executado”.

A Fazenda Pública, ora Recorrente, discorda do decidido e imputa à sentença erro de julgamento de facto e de direito.

Vejamos por partes.

Entende a Recorrente, tal como resulta das conclusões da alegação de recurso, que o TAF de Almada deixou de considerar factos atinentes aos ónus que impendem sobre o imóvel m.i em 5 supra, factos esses que se mostram documentalmente suportados nos autos, os quais, se devidamente ponderados, levariam a solução oposta à que foi proferida.

Em concreto, levariam à conclusão no sentido de que “a penhora de créditos n.º ..., objeto dos presentes autos não é excessiva”, o que, no caso, equivale a dizer que a sentença violou o disposto no artigo 217º do CPPT.

Vejamos, então, que factos são estes que a Recorrente pretende ver aditados.

A resposta é dada pela leitura das conclusões IV, V e VI da alegação de recurso.

E, efectivamente, a Fazenda Pública tem razão na falha que aponta ao probatório e na necessidade que há em proceder ao aditamento dos factos, cumprido que está – diga-se – o ónus de impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC.

Com efeito, para a decisão do mérito da causa, e considerando a linha argumentativa adoptada na sentença, mostra-se relevante, para aferir da suficiência ou insuficiência de tal garantia, saber quais os ónus que impedem sobre o imóvel acima identificado.

Assim sendo, e com base no teor do documento que se mostra junto a fls. 44 e 45 da certidão do PEF (Certidão do Registo Predial de ...), consideram-se provados e aditam-
-se ao probatório os seguintes factos:

13 – Sobre o imóvel identificado em 5 supra incide hipoteca voluntária a favor da ..., com o máximo assegurado de € 351.845,00, conforme AP 17, de 13/07/2013;

14 – Sobre o imóvel identificado em 5 supra incide hipoteca voluntária a favor da ..., com o máximo assegurado de € 70.369,00, conforme AP 18, de 13/07/2013;

15 Sobre o imóvel identificado em 5 supra incide penhora, efectuada no processo nº 2931/15-4 T8STB, a favor da ..., correspondendo a quantia exequenda a € 341.432,09, conforme AP 7315, de 08/05/15.

Nesta conformidade, procedem as conclusões que vimos de analisar, todas relativas à impugnação da matéria de facto.


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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para o erro de julgamento de direito.

Oportunamente, deixámos transcrita, na parte aqui relevante, a sentença do TAF de Almada.

Contra a mesma insurge-se a Recorrente, Fazenda Pública, defendendo, em síntese, que se verifica “que a meação do Reclamante no prédio (…), no valor de 115.325,00 Euros está onerada pelo montante global de 381.823,05 Euros, que têm prioridade sobre os créditos da Fazenda Pública, correspondentes às quantias exequendas dos PEF'S indicados no ponto 5 do probatório da sentença recorrida”; que “atento o disposto no n.º 7 do art. 250.º do CPPT, sendo € 230.650,00, o VPT atual do prédio, o valor base para venda da meação do Reclamante, será 80.727,50 Euros (230.650,00 Euros ÷2 x 70%)”; como tal, “a penhora da meação do reclamante no referido prédio, não garante a dívida exequenda e legais acrescidos, motivo porque foi efetuada a penhora de créditos n.º ..., objeto dos presentes autos”; tal, diz a Fazenda Pública, observa o disposto na parte final do artigo 217.º do CPPT.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.

O acto objecto da reclamação judicial apresentada é aquele que surge identificado no ponto 6 do probatório – “Em 03/03/2017 o Serviço de Finanças procedeu à penhora de créditos nº ... que o executado detém sobre o Município do ...”.

Dispõe o artigo 217º do CPPT que “A penhora é feita nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para pagamento da execução, esta prossegue em outros bens”.

Trata-se, pois, neste normativo, de emanação do princípio constitucional da proporcionalidade e da necessidade em matéria de restrição de direitos.

Para a aferição da extensão da penhora, nos termos do preceituado no aludido artigo 217.º, do CPPT, o que releva “é a data em que ela é levada à prática, ou seja, quer a suficiência/insuficiência, quer, por contraposição, o excesso dos bens penhorados, há-de ser aferido pelo valor em dívida no momento em que, os mesmos, são apreendidos para a massa executiva” – cfr. ac. do TCA, de 25/05/10, no processo nº 4018/10.

Em consequência, “relevando o momento da penhora para aferir da conformidade da sua extensão com o determinado pelo art.º 217.º, do CPPT, releva, também, e na mesma, o conhecimento, nessa oportunidade, daquilo que, segundo um juízo de probabilidade e normalidade, face ao legalmente determinado, se apresenta como uma realidade a ponderar como expectável face ao objectivo visado com o processo de dar satisfação ao crédito exequendo” – acórdão citado, de 25/10/10.

Como se pode ler no CPPT, anotado e comentado, de J. Lopes de Sousa, Vol. III, 2011, pág. 589, “ Os bens penhorados, que, no momento da penhora, tenham sido considerados como suficientes para pagamento da dívida exequenda e acrescido podem vir a mostrar-se insuficientes, quer por não atingirem na venda o valor que lhes foi atribuído, quer por serem reclamados créditos que tenham prioridade sobre os créditos que são objecto inicial do processo de execução fiscal, quer por os bens se desvalorizarem.

Nestes casos, de insuficiência de bens para pagamento da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas), independentemente de a dívida ter natureza tributária, podem ser penhorados novos bens, como se prevê na parte final deste art. 217.º do CPPT, quer do devedor originário, quer de responsáveis solidários, que respondem pelo pagamento da dívida em condições idênticas à do devedor originário, quer de responsáveis subsidiários, se se verificarem os pressupostos da respectiva responsabilidade”.

Na mesma linha, Alfredo José de Sousa e J. S. Paixão, in CPT, comentado e anotado, 3.ª ed., nota 2, ao artigo 299.º, “Os bens são insuficientes não só quando valham menos que a quantia exequenda, mas também quando, valendo mais, estejam onerados em garantia de outros créditos que pelo seu produto devam ser pagos com prioridade, deixando um resto insuficiente”.

Ora, no caso dos autos, aquando da penhora de créditos reclamada, já a AT havia penhorado, em 09/02/17, o “direito à meação que J..., divorciado de E..., detém sobre o prédio urbano”, identificado como correspondente ao artigo matricial 11467, fracção C, da Freguesia de ..., inscrito na CRP de ... sob o registo nº 03645, com o valor patrimonial actual de € 230.650,00 – cfr. ponto 5 dos factos provados.

Na respectiva certidão do registo predial (nº 03645), da Conservatória do Registo Predial de ..., aí consta registada a “penhora do direito à meação”, a favor da Fazenda Nacional.

Foi esta penhora anterior, aliás, que levou a Mma. Juíza a quo a concluir que “sendo o valor da dívida exequenda de € 19.638,11, a primeira penhora efectuada pelo órgão de execução fiscal sobre a meação no valor de € 115.325,00 é mais do que suficiente para fazer face à dívida exequenda e seus acrescidos”, razão pela qual, segundo a sentença recorrida, “nunca poderia a AT ter procedido a outra penhora, nomeadamente dos vencimentos do executado”.

É, contudo, errada a conclusão extraída pela Mma. Juíza a quo.

Em primeiro lugar, na sentença recorrida confunde-se a meação num património comum (do qual faz parte um bem imóvel) com a compropriedade (desse mesmo bem imóvel).

Com efeito, os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que a lei concede certo grau de autonomia e que pertence aos titulares em bloco. Trata-se de um património que pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade.

Daí que, portanto, caia por terra toda a argumentação esgrimida na sentença a propósito do executado ser titular de ½ de determinado imóvel, a essa metade correspondendo ½ do VPT total do imóvel em causa, concretamente pelo valor de € 115.352,00.

Por conseguinte, não é correcto o raciocínio perfilhado pelo Tribunal a quo no sentido de que “sendo o valor da dívida exequenda de € 19.638,11, a primeira penhora efectuada pelo órgão da execução fiscal sobre a meação no valor de € 115.325,00 é mais que suficiente para fazer face à dívida exequenda e seus acrescidos”. Repete-se, não foi feita a penhora “sobre a meação no valor de € 115.325,00”.

Deve ter-se em consideração que, quando, como aqui parece ter acontecido, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns. Tal é igualmente aplicável nos casos em que, decretado o divórcio, exista uma comunhão conjugal por não se ter procedido ainda à partilha.

No entanto, importa aqui deixar também claro que jamais nos presentes autos foi questionada a legalidade da penhora a que alude o nº 5 dos factos provados, pelo que não cabe a este Tribunal apreciar da sua conformidade legal. Com efeito, em momento algum o Executado/Reclamante questionou tal penhora, nem sequer – diga-se – em sede de contra-alegações, defende ou adopta a linha argumentativa seguida pela sentença recorrida.

Na verdade, o objecto dos presentes autos de reclamação é tão-somente a (i)legalidade da penhora a que se reporta o ponto 6 dos factos provados.

De todo o modo, sempre se dirá, reconhecendo razão à Recorrente – a qual, obviamente, aqui se defende contra a linha de raciocínio adoptada pelo Tribunal a quo – que sobre o imóvel m.i em 5 dos factos provados já recaiam, pelo menos, duas hipotecas voluntárias, a favor da ..., pelos valores que melhor constam dos pontos 13 e 14 do probatório, ou seja, € 351.845,00 e € 70.369,00.

Portanto, não pode deixar de aceitar-se que aquele bem imóvel, integrante de um património comum, vê o seu valor manifestamente diminuído pelos ónus que sobre ele impendem.

Por conseguinte, atendendo ao que fica dito, não pode, sem violação do disposto no artigo 217º do CPPT, concluir-se, como fez o TAF de Almada, que a AT não estava legalmente autorizada a penhorar outros bens/ direitos por ter já ter efectuado a penhora a que alude o ponto 5 dos factos provados.

Assim, e sem necessidade de outras considerações, em face da evidência dos factos, há que julgar procedentes todas as conclusões da alegação de recurso e revogar a sentença recorrida, o que aqui se determina.


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Apesar da revogação da sentença, nem por isso se esgota a actividade deste Tribunal de recurso, impondo-se – porque os autos fornecem os elementos para tal – a intervenção deste Tribunal pela via do conhecimento em substituição, atenta a causa de pedir em que assentou a pretensão do Reclamante e que o Tribunal a quo não apreciou.

Deve, aliás, dizer-se, antes de prosseguir, que a interpretação feita pelo TAF de Almada sobre a concreta causa de pedir que sustenta o pedido de anulação do acto reclamado e que, como tal, foi analisada, ultrapassa o que se deve entender como a relação entre a actividade das partes e a do juiz, no sentido de que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, conforme dispõe o nº3 do artigo 5º do CPC.

É que, lida atentamente a p.i, não nos restam dúvidas que o Reclamante fez assentar a sua pretensão anulatória na violação do disposto no artigo 738º do CPC (Bens parcialmente penhoráveis), defendendo, não que a penhora não poderia ter tido lugar, mas que a mesma deveria ter observado determinados limites legalmente salvaguardados por em causa estar um “crédito do seu vencimento ou remuneração mensal”.

Há, pois, que apreciar esta causa de pedir que foi ignorada pelo Tribunal a quo para, após, concluirmos sobre a sorte da pretensão anulatória do Reclamante, ora Recorrido.

Entende-se, contudo, dispensável a audição das partes, em face das posições anteriormente assumidas, concretamente pelo Recorrido em sede de contra-alegações.

Vejamos, então.

O Reclamante é jurista e advogado e, nessa qualidade, celebrou um “contrato de avença” com a Câmara Municipal do ..., auferindo, em 2016, o montante mensal de € 2.200,34, valor este que é pago 14 vezes ao ano.

De acordo com a posição do Executado/ Reclamante, tal como resulta da p.i:

A Fazenda Pública, em sede de contestação, defendia a manutenção da penhora, sustentando o entendimento seguinte: “o ora Reclamante é advogado, e como tal, exerce atividade de “jurisconsultos”, do qual obtém rendimentos de categoria “B” de IRS”; assim, “não é aplicável os art. 227.º do CPPT nem o art. 738.º do CPC pois que tal como vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22-01-2014, Processo n.º 01933/13 2 “(…) quando estamos perante atividade profissionais ou empresariais, os proveitos auferidos não constituem, desde logo, rendimentos do prestador do serviço ou do empresário, nem uma qualquer prestação. E isto porque uma coisa são os proveitos decorrentes da atividade profissional, outra é o rendimento do exercício dessa mesma atividade profissional.”; para mais, evidencia a Fazenda Pública, “já no presente ano de 2017, o ora Reclamante, no âmbito da sua atividade emitiu recibos a diversas entidades”, sendo certo, ainda, que “o ora Reclamante não alega que não dispõe de outro rendimento, prestação pecuniária ou regalia social para além dos honorários que aufere da Câmara Municipal do ...”.

Vejamos, então, o que dizer sobre a questão que nos ocupa, convocando, para já, o disposto no artigo 227º do CPPT e no artigo 738º do CPC, nos quais se lê, respectivamente, que:


Formalidades da penhora de quaisquer abonos, salários ou vencimentos

“Quando a penhora recaia sobre abonos, salários ou vencimentos, é notificada a entidade que os deva pagar, para que faça, nas quantias devidas, o desconto correspondente ao crédito penhorado e proceda ao seu depósito”.

Bens parcialmente penhoráveis

1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.

2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.

3 - A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.

4 - O disposto nos números anteriores não se aplica quando o crédito exequendo for de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo.

5 - Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário, é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional ou, tratando-se de obrigação de alimentos, o previsto no número anterior.

6 - Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excecionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora.

7 - Não são cumuláveis as impenhorabilidades previstas nos n.os 1 e 5.

A questão que, desde logo, é colocada pela Fazenda Pública é a de saber se, atenta a natureza do rendimento auferido pelo Reclamante com origem na C.M do ..., se o mesmo se mostra contemplado no nº 1 do artigo 738 do CPC.

Para a Fazenda Pública, a resposta é negativa, já que aos rendimentos em causa, enquanto rendimentos da categoria B, decorrentes da actividade de jurisconsulto/ advogado, “não é aplicável os art. 227.º do CPPT nem o art. 738.º do CPC”.

A questão suscitada pela aplicação do artigo 738º do CPC revela-se de grande importância, sabido que a impenhorabilidade significa um benefício ao devedor que se contrapõe ao interesse do credor que vê dificultada a cobrança da sua prestação. Daí que, as normas que estabelecem a impenhorabilidade devem ser interpretadas de maneira a assegurar o necessário equilíbrio entre o interesse do credor na cobrança e o interesse do devedor em conservar a sua subsistência.

Economizando na enumeração das razões que, de um lado e de outro, se poderiam invocar para responder afirmativa ou negativamente à questão colocada pela Fazenda Pública, assumiremos aqui aquela que se nos afigura a posição correcta e mais actual e que surge explicitada no acórdão do STA, de 21/01/14, no recurso nº 01933/13.

Com efeito, aí se pode ler que:

“A questão que se nos coloca então é a de saber se o artº 824º (actual, artigo 738º) transcrito apenas prevê a impenhorabilidade de salários, vencimentos e outras prestações relacionadas com a prestação de trabalho, ou se na expressão “prestações de natureza semelhante auferidas pelo executado” se devem abranger rendimentos que proporcionem ao executado o “nível de subsistência básico” considerado necessário para uma existência de acordo com a dignidade humana que a Constituição garante e de que a jurisprudência atrás citada faz eco.

O actual artº 738º, nºs 1 e 2 do CPC, equivalente ao transcrito artº 824º, dá-nos alguma contribuição nesta matéria, já que nele se refere:

“1- São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.

2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios”.

Na verdade, em vez da expressão “prestações de natureza semelhante” a vencimentos e salários referida no artº 824º, o legislador refere agora “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, o que dá a entender que o que é relevante é o fato de a prestação poder assegurar a subsistência do executado e não tanto, a natureza da mesma.

No caso concreto dos autos foi efetuada a penhora de um crédito do executado sobre a Federação Portuguesa de Futebol no montante de 1.590,20 euros (fato 2º do probatório). Tal crédito resultou da prestação da atividade do mesmo como árbitro. Ou seja, estamos perante uma prestação de serviços e não perante prestação reportada a salário ou vencimento.

Deste modo, parece que, em princípio, aquela regra de impenhorabilidade poderia ser aplicada”.

Por conseguinte, entende-se que o valor em causa, proveniente de avença mensal contratada entre o Reclamante e a Câmara do ..., é susceptível de caber no conceito de prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”.

Porém, tal conclusão não chega para validar as razões do Reclamante quanto à impenhorabilidade parcial do montante em causa.

Desde logo, deve considerar-se que, sendo o objectivo do artigo 738º do CPC “acautelar a vigência do princípio da dignidade humana, garantindo ao executado os meios mínimos necessários para fazer face à sua subsistência e do seu agregado familiar, a verdade é que essa garantia apenas pode efetivar-se, com respeito pelos limites ao sacrifício dos direitos do credor plasmados no nº. 2 do artº. 824° do CPC, quando estão em causa rendimentos de vencimentos, salários, ou outras prestações de natureza semelhante, que, em qualquer caso, terão de constituir rendimento líquido do executado, e não apenas um proveito” (cfr. acórdão citado de 22/01/14).

Ora, no caso concreto, desconhece-se (nem tal vem alegado) se o montante do crédito penhorado corresponde, ou não, a rendimento líquido do reclamante.

Por outro lado, já no ano de 2017, e no âmbito da sua actividade profissional de jurisconsulto, o Reclamante emitiu recibos a diversas outras entidades, para além da Câmara do ..., como decorre do ponto 10 dos factos provados, o que impede que se conclua que o crédito penhorado assegura a subsistência do executado.

Por último, deve dizer-se que, apesar de na p.i o Reclamante, ora Recorrido, alegar que a penhora reclamada, “Além de afectar direitos e interesses legítimos do executado, coloca em risco a possibilidade de o mesmo prosseguir a sua actividade profissional e de responder pelos restantes compromissos, dívidas e responsabilidades… até de comer”, a verdade é que nada foi provado (aliás, nem foi junta ou requerida prova para tal) no sentido de que a penhora tenha colocado em causa a sua subsistência.

Por conseguinte, tanto basta, no nosso entendimento, para afastar, no caso concreto, a aplicação do artigo 738º do CPC, o que equivale a dizer que a penhora reclamada não viola aquele preceito legal e, nessa medida, deve manter-se.

Há, pois, que, em substituição, julgar improcedente a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT e, consequentemente, manter o acto reclamado.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:

- conceder provimento ao recurso;

- revogar a sentença recorrida;

- conhecendo em substituição, julgar improcedente a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT e, em consequência, manter o acto reclamado.

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias.

Lisboa, 30/11/17


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Jorge Cortês)