Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:826/06.7BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INTERVENÇÃO ACESSÓRIA PROVOCADA;
PRAZO PARA A DEDUÇÃO;
Sumário:I - O princípio da estabilidade da instância exige que após a citação do R. a instância se mantenha a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, ressalvando-se apenas as possibilidades de modificação consignadas na lei;
II - Uma das possibilidades de modificação da instância quanto às partes é, precisamente, a que decorre do incidente de intervenção acessória provocada. Assim, nos termos dos art.ºs 321.º a 323.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, o R. que tenha direito de regresso contra terceiro pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, devendo fazê-lo na contestação, ou não pretendendo contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para aquele efeito;
III - Visa-se com a fixação do referido prazo garantir que num mesmo momento processual – necessariamente antes da fase do saneamento – todos os interessados possam intervir e pronunciar-se na acção, por terem interesse em demandar ou em contradizer, ou por fazerem parte na relação material controvertida – cf. art.sº 30.º a 33.º do CPC;
IV – É extemporâneo e deve ser indeferido o pedido de intervenção acessória provocada formulado após o trânsito em julgado do despacho saneador;
V- A circunstância de ter sido julgada, em sede de despacho saneador, a ilegitimidade passiva de determinada pessoa para figurar como R. na acção e o outro R, demandado, só nesse momento se aperceber que a pessoa contra quem tem direito de regresso não irá intervir como parte na acção, não obsta a que se verifique aquela extemporaneidade;
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
O Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE. (CHLC) interpôs recurso do despacho de 05-03-2018, do TAC de Lisboa, na parte em que indeferiu o incidente de intervenção acessória provocada de D..... ......
Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: “1.ª O presente recurso tem por objeto a decisão de indeferimento do requerimento onde se suscitava o chamamento do Dr. D..... ..... como parte acessória.
2.ª Na ação em causa discute-se, de forma sumária, a verificação dos pressupostos da responsabilidade extracontratual do Recorrente, na sequência de uma atuação do Dr. D..... ..... na assistência médica prestada ao Autor, tendo sido peticionada a condenação ao pagamento de uma indemnização.
3.ª O requerimento que suscitou a questão da intervenção acessória principal do Médico Cirurgião teve em vista o interesse do CHLC na abrangência do médico D..... ..... pelo trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos autos, designadamente, quanto às questões de que dependa o exercício do direito de regresso pelo aqui Recorrente (considerando o disposto no n.0 4 do artigo 323.0 do CPC).
4.ª O ora Recorrente tem, pelos fundamentos que melhor se fizeram constar do requerimento objeto da decisão recorrida, interesse na intervenção do Médico Cirurgião nos presentes autos, como parte acessória, sua auxiliar na defesa.
5.ª Com efeito, o Despacho Saneador proferido que conheceu a exceção de ilegitimidade passiva do Médico Cirurgião, inicialmente demandado pelo Autor, absolvendo-o da instância, considerou a intervenção do Médico como "não sendo totalmente alheia a uma negligência grosseira".
6.ª Considerando-se o teor da Petição inicial, denota-se que de acordo com este articulado foi este Médico que seccionou "um grande vaso, a veia femoral, facto que não deveria, nem poderia ter-se verificado, (...) revela grave erro cirúrgico (...) o seu seccionamento só pode ter resultado de exploração cirúrgica negligente ou incompetente (...)".
7.ª Deste modo - e sem nunca conceder - diga-se que a configuração da ação pelo Autor assenta numa prática médica pouco zelosa e diligente, isto é manifestamente inferior às obrigações assentes.
8.ª Por isso, não restam dúvidas que caso o CHLC venha a ser condenado no pagamento de uma indemnização - consideração que se tece a título de mera hipótese, exigida pelo patrocínio jurídico - gozará o CHLC de direito de regresso contra o Médico Cirurgião.
9.ª O Despacho recorrido indeferiu o incidente de intervenção acessória provocada, suscitada pelo CHLC, com fundamento que tal deveria ter sido suscitado em momento anterior ao trânsito em julgado do Despacho Saneador que julgou parte ilegítima o sujeito que se pretendia que interviesse no processo a título acessório, mediante impugnação desse Despacho, ou - estranhamente - com a Contestação.
10.ª Note-se, primeiramente, que até ao trânsito em julgado da decisão que absolveu o Médico-Cirurgião da instância o mesmo constituía, ainda, parte principal na ação.
11.ª O aqui Recorrente nunca poderia ter suscitado a intervenção acessória do Médico Cirurgião na fase dos articulados, concretamente, com a apresentação da Contestação, dado que nesse momento era o mesmo parte principal da mesma.
12.ª O mesmo se aplicando até ao trânsito em julgado do Despacho saneador, pois que até ao trânsito em julgado do despacho de 10.11.2017, poderia o Autor, parte que demandou o Médico Cirurgião e que nesse despacho ficou, pois, vencido, ter interposto recurso dessa decisão.
13.ª Apenas com o trânsito em julgado da decisão que absolveu o Médico Cirurgião D..... ..... a mesma decisão se firmou e o Médico Cirurgião ficou arredado, definitivamente, do processo, assim, apenas nesse momento o aqui Recorrente tinha fundamentos para requerer o respetivo chamamento, como parte acessória, aos autos.
14.ª Por outro lado, a eventual impugnação do Despacho Saneador apenas poderia servir para discutir a legitimidade passiva principal do Médico Cirurgião; como tal, não era, de igual modo, esse o meio nem o momento processualmente indicado para se suscitar a intervenção acessória provocada do mesmo.
15.ª A falta de impulso processual antes do trânsito em julgado do Despacho Saneador não inviabiliza a ação que ora se pretende. A única matéria que ficou arredada foi a legitimidade passiva principal do terceiro.
16.ª Em bom rigor só depois do trânsito em julgado do Despacho Saneador é que era possível promover o chamamento do Médico Cirurgião pois só nessa altura se firmou caso julgado sobre o mesmo e ficou este sem posição processual no processo em curso.
17.ª A aplicação que o Tribunal a quo faz das disposições constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 318.º do CPC e bem assim do n.º 1 do artigo 322.º do CPC para, conforme faz na decisão recorrida, concluir pela intempestividade do requerimento de dedução do chamamento a título acessório não poderia desconsiderar que o chamado, o Médico Cirurgião, era parte principal até ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância com fundamento em ilegitimidade como parte principal.
18.ª Nessa mesma aplicação não poderia, igualmente, o Tribunal a quo desconsiderar o previsto no artigo 547.º do CPC, que impõe ao juiz "adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir".
19.ª No caso sob apreço, a adequação formal imposta pelo CPC ao juiz implicava que o Tribunal a quo atendesse a que o terceiro cujo chamamento foi pelo aqui Recorrente requerido constituiu parte principal na ação até ao trânsito em julgado do despacho saneador proferido em 10.11.2017.
20.ª A intervenção do Médico Cirurgião nos presentes autos é essencial para auxiliar o CHLC na defesa da ação, pois esta, a proceder e a vir a ser proferida decisão condenatória, é susceptível de se repercutir negativamente na sua esfera jurídica, em caso de eventual exercício pelo CHLC do direito de regresso.
21.ª Com a intervenção do Médico Cirurgião nos presentes autos ficará o mesmo abrangido pelo caso julgado que se vier a formar quanto a decisão proferida relativamente às questões de que depende, posteriormente, o exercício do direito de regresso pelo CHLC.
22.ª Deve, pois, o respetivo chamamento, a título acessório, ser admitido, não se verificando qualquer intempestividade no requerimento do chamamento promovido pelo CHLC”.
O Recorrido não contra-alegou.
O DMMP não apresentou a pronúncia.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Verificada a factualidade ocorrida nos autos, estão provados os seguintes factos:
1) Na PI foi demandado como R., a título principal, o CHLC e D..... ..... (cf. PI, ora junta aos presentes autos);
2) Em 10-11-2017 ocorreu a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido o despacho saneador que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva de D..... ..... e absolveu o indicado R. da instância (cf. a acta e o indicado despacho);
3) O Mandatário do ora Recorrente esteve presente na supra-indicada audiência prévia e nessa mesma data foi-lhe comunicado o teor do referido despacho que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva de D..... ..... (cf. a correspondente acta).
4) Em 20-12-2017 o R., CHLC, requereu a intervenção do médico D..... ..... como parte acessória (cf. requerimento ora junto aos presentes autos);
5) Em 05-03-2018 foi proferido o despacho recorrido, que indeferiu o requerido.

II.2 - O DIREITO
A questão a decidir neste processo, tal como vem delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões é:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 322.º, n.º 1, 318.º, n.º 1, al. c) e 547.º do Código de Processo Civil (CPC) e do princípio da adequação processual, porque frente à tramitação que, em concreto, tiveram os presentes autos, o chamamento, a título acessório, do médico D..... ..... era tempestivo e lícito.
Alega o Recorrente, que o terceiro chamado vinha demandado como R. na PI. Suscitada a ilegitimidade passiva do referido médico, tal excepção foi julgada procedente no despacho saneador, que absolveu D..... ..... da instância. Mais invoca o Recorrente, que na PI - que é relativa a um pedido de responsabilidade civil extracontratual do CHLC - se alega a existência de um erro médico, fundado numa prática pouco zelosa e negligente de D..... ....., abrindo-se, assim, a possibilidade de o CHLC vir a requerer, ulteriormente, o direito de regresso frente a esse médico. Por conseguinte, diz o Recorrente, que tem interesse em requerer a intervenção do indicado médico nesta acção, do lado passivo e a título acessório, para o vincular ao caso julgado frente a uma eventual decisão condenatória que aqui seja proferida.
Vejamos.
Conforme factualidade apurada, verifica-se, que no despacho saneador foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva de D..... ....., pelo que se absolveu o indicado R. da instância.
As partes não impugnaram aquela decisão, que transitou em julgado.
Após esse trânsito, veio o CHLC pedir a intervenção acessória, do lado passivo, de D..... ......
A requerida intervenção acessória foi indeferida pelo despacho recorrido, por se entender que, no caso, não havia lugar a um litisconsórcio necessário e porque o requerimento foi formulado já depois de transitado o despacho saneador.
Esta decisão está certa.
O princípio da estabilidade da instância exige que após a citação do R. a instância se mantenha a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, ressalvando-se apenas as possibilidades de modificação consignadas na lei (cf. art.º 260.º do antigo CPC, na anterior versão, aqui aplicável).
Uma das possibilidades de modificação da instância quanto às partes é, precisamente, a que decorre do incidente de intervenção acessória provocada. Assim, nos termos dos art.ºs 321.º a 323.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, o R. que tenha direito de regresso contra terceiro pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, devendo fazê-lo na contestação, ou não pretendendo contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para aquele efeito.
Visa-se com a fixação do referido prazo garantir que num mesmo momento processual – necessariamente antes da fase do saneamento – todos os interessados possam intervir e pronunciar-se na acção, por terem interesse em demandar ou em contradizer, ou por fazerem parte na relação material controvertida – cf. art.sº 30.º a 33.º do CPC.
A legitimidade dessas partes para figurarem na acção é, depois, aferida no saneador, que faz estabilizar a instância quanto às mesmas.
Dos autos deriva que o Recorrente requereu a intervenção acessória já depois da apresentação da contestação e depois do trânsito em julgado do despacho saneador.
Assim, o indicado requerimento teria necessariamente de ser indeferido, por extemporâneo.
Diz o Recorrente que, no caso, não poderia ter requerido anteriormente a intervenção de D..... ....., pois este havia sido demandado como parte principal e só após o trânsito em julgado do despacho saneador ficou a saber que D..... ..... não seria parte na causa.
Este argumento não colhe, primeiro porque a questão foi discutida e decidida em audiência prévia, na qual o ora Recorrente esteve presente e nessa mesma audiência – antes de proferido e transitado o despacho saneador – o Recorrente poderia (de imediato) ter requerido a indicada intervenção. Depois, o ora Recorrente também não impugnou o indicado despacho saneador, quando o poderia ter feito. Por fim, com todo o relevo, porque as possibilidades de alteração da instância após a citação do R. são apenas as previstas na lei e devem fazer-se nos seus precisos termos, não sendo o prazo indicado no art.º 322.º, n.º 1, do CPC, um prazo facultativo. O prazo do art.º 322.º, n.º 1, do CPC, é, sim, um prazo peremptório. Porque se trata de um prazo peremptório, o mesmo também não poderia ser “adequado” pelo juiz, como clama o Recorrente.
Da mesma forma, porque a requerida intervenção não visa sanar nenhuma irregularidade processual ou evitar qualquer outra circunstância que obste à garantia do processo justo e equitativo, não há que invocar o princípio da adequação processual. O que o indicado chamamento visa é estender ao chamado os efeitos de caso julgado relativamente à decisão a proferir nestes autos, assim evitando que numa eventual acção de regresso o chamado possa discutir o resultado desta acção anterior, caso aí se tenha condenado no pagamento da indemnização que estará na base da acção de regresso. Logo, o prosseguimento, a utilidade ou o fim da presente acção, não ficam prejudicados pelo indeferimento do requerido incidente. Consequentemente, a tramitação legalmente prevista para o presente processo também não colide com o fim da justa composição do (presente) litígio, pelo que não se reclama qualquer adequação processual. Quanto aos fundamentos do direito de regresso, terão sempre de ser discutidos numa outra acção.
Mais se refira, que se o referido médico pretendesse intervir nesta acção, sempre o poderia fazer até à data da designação da audiência final em 1.ª instância, através da intervenção espontânea (cf. art.º 333.º, n.º 2, do CPC).
De salientar, por fim, que do regime dos art.ºs 321.º a 323.º do CPC, resulta evidente que o incidente de intervenção provocada acessória pelo R. que tenha direito de regresso vem legalmente configurado como uma situação que se pretende que prejudique o menos possível a regular tramitação da lide, ficando condicionada a essa perturbação mínima.
Nesse sentido, estipula-se no art.º 322.º, n.º 2, do CPC, que a decisão do juiz sobre a relevância do interesse que está na base do chamamento é irrecorrível e que o seu deferimento só deve ocorrer quando “a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo”. Da mesma forma, estipula-se no art.º 323.º, n.º 2, do CPC, que se a citação pessoal se mostrar inviável não se procede à citação edital, mas julga-se findo o incidente.
Portanto, após a admissão do incidente apenas deve ocorrer a citação do chamado, com a abertura de novo prazo para contestar, podendo também ocorrer novo prazo para as contrapartes responderem, caso venham a ser suscitadas excepções na contestação apresentada – cf. art.º 323.º do CPC. Nos termos do art.º 323.º, n.º 2, do CPC, podem ocorrer, eventualmente, novos chamamentos. Assim, toda a tramitação subsequente que se tenha de renovar restringe-se à fase dos articulados.
Por conseguinte, a lei não parece admitir que por via do chamamento se tenham de renovar os actos já praticados no processo após a entrega do último articulado e designadamente os despachos pré-saneador e saneador, que já darão mote à fase de instrução. Na verdade, admitir o chamamento após o termo dos articulados e o proferimento do despacho pré-saneador e saneador seria aceitar que aqueles mesmos actos pudessem ficar totalmente inutilizados por via do que viesse a ser invocado e requerido pelo chamado. Ora, a possibilidade de tal inutilização implica certamente uma perturbação indevida o normal andamento do processo.
Nestes termos, face ao regime da intervenção acessória provocada tal como vem gizado na lei, parece-nos claro que esta intervenção nunca poderá ser admitida após o trânsito do despacho saneador, ainda que ocorra uma situação como a que ora se aprecia, em que o R. só se apercebe que a pessoa contra quem tem direito de regresso não irá intervir como parte na acção no momento em que é proferido o saneador, porque aí se julga da correspondente ilegitimidade passiva.
Nestes casos, tal como acima se indicou, ainda que se aceitasse a preterição do prazo indicado no art.º 322.º, n.º 1, do CPC, por força dos princípios da adequação, da justiça, da cooperação e da boa fé processual, sempre competiria ao R., na própria audiência prévia, acto onde esteve presente, requerer de imediato a mencionada intervenção.
Em suma, o presente recurso claudica, havendo que confirmar a decisão recorrida.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam em:
- negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2, do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).
Lisboa, 4 de Abril de 2019.
(Sofia David)
(Helena Telo Afonso)
(Pedro Nuno Figueiredo)