Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3145/12.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS;
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA;
PRESUNÇÃO VERACIDADE.
Sumário:I. A apresentação da declaração de rendimentos fora do prazo legal mas dentro do prazo de caducidade não implica de per si a anulação da liquidação oficiosa, desde logo, porque não goza da presunção de verdade declarativa.

II. Esta declaração ainda que não gozasse da presunção de veracidade não podia ser totalmente ignorada na sua substância.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorrer para este TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL da sentença proferida pelo TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida, por A........., contra a liquidação oficiosa de IRS nº ........., relativa ao exercício de 2010.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«4.1 - O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida, e em consequência, condenou a Fazenda Publica a proceder “na parte que decorre da não exclusão de tributação dos ganhos reinvestidos e da não consideração, para efeitos de dedução à colecta, das despesas relativas a juros e amortizações respeitantes à aquisição de imóveis para habitação própria e permanente, no valor de 22.243,51 EUR, a seguro de acidentes pessoais, no valor de 19,50 EUR, e despesas de saúde no montante de 152,25 EUR.”

4.2 - No entanto vem a Fazenda Pública discordar com o douto entendimento na sentença proferida porquanto a fundamentação carece de enquadramento legal.

4.3 - Discorda com o facto da declaração de rendimentos entretanto entregue pelo Impugnante ter sido efetuada dentro dos prazos previstos na Lei.

Senão vejamos,

4.4 - Conforme já supra exposto, e de acordo com os fundamentos de facto transcritos, no ponto X), o Impugnante foi devidamente notificado, em 12/10/2011, para nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS, efetuar a entrega da declaração de rendimentos, relativos ao ano de 2010, no prazo de 30 dias. (Este seria o prazo que o Impugnante teria que cumprir para apresentar a sua declaração de rendimentos, do não de 2010, dentro do prazo previsto); Conforme se pode verificar, a entrega da declaração de rendimentos por parte do Impugnante apenas ocorreu em 06/08/2012. (Logo nunca poderá ser considerado que foram cumpridos os prazos previstos).

4.5 - Portanto na situação em apreço, não poderá ser asseverado como na douta sentença, que refere “De salientar que a referida liquidação foi apresentada dentro dos prazos previstos nos referidos artigos 45.º e 46.º da LGT,…” cremos que está a cometer um erro de julgamento manifesto, pois o que o n.º 4 do artigo 76.º do CIRS vem permitir, designadamente, é que a liquidação seja corrigida, mas a sua correção não pode ser efetuada pela entrega da declaração de rendimentos em qualquer prazo, porque os prazo previstos no artigo 60.º do CIRS, têm natureza imperativa, assim não poderá ser inferido que o sujeito passivo em qualquer “timing” poderá dentro dos referidos prazos (45.º e 46.º da LGT), requerer correções à sua liquidação, conforme designado.

4.6 - Aqui acresce o facto de o sujeito ao não ter efetuado a apresentação da declaração de rendimentos, relativamente ao ano de 2010, nem no prazo legal, nem depois de o contribuinte haver sido expressamente notificado para o fazer, o rendimento liquido das categorias A e G, só poderiam ter sido determinadas em conformidade com as regras definidas no artigo 76.º, n.º 1 al. b) do CIRS, com base nos elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha, dvendo ser igualmente considerado que o Impugnante não manifestou a sua intenção de reinvestir as mais valias, conforme é entendimento da al. c) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, pelo que à partida, deve ser efetivamente excluído o reinvestimento considerado na douta sentença, no valor de €90.000,00.

4.7 - Sendo a liquidação oficiosa legal e efetuada nos termos da Lei, conforme preconiza o n.º 3 do artigo 76.º do CIRS, reiterando que, quando não seja apresentada a declaração de rendimentos, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efetuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º.

4.8 - Assim, estabelece o n.º 3 do artigo 76.º do CIRS, que as deduções previstas a considerar nestas situações, consta as limitações a considerar na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º do CIRS, que indica 45% do valor do IAS, por cada sujeito passivo, assim o valor a designar (visto que o IAS do ano de 2010 é igual a 419,22*14= 5.869,08 /0.45= 2.641,08) para as deduções do sujeito passivo, e de acordo com a Lei, teria no máximo um limite de €2.641,08. Conforme facilmente se subentende pelos valores propostos na correção inscritos na decisão do tribunal a quo este limite não se encontra devidamente enquadrado nem foi respeitado na douta decisão, pelo que sempre se dirá que não consubstancia a legalidade preconizada na Lei.

4.9 - Assim sendo, mostra-se devida a revogação da sentença proferida e, consequentemente, a prolação de douto Acórdão que declare improcedente a impugnação deduzida, com a consequente manutenção da liquidação efetuada, como é de inteira Justiça, ou caso assim não se entenda, que se adeque os valores enformados na douta decisão aos limites preconizados no artigo 76.º n.º 3 do CIRS.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA».


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso.


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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida fez ou não uma correcta interpretação e aplicação da do artigo 76.º do CIRS aos factos.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«A) Por escritura de “compra e venda” celebrada em 06.09.1996, o Impugnante comprou, pelo preço de 59.855,75 EUR, a fracção autónoma designada pela letra "T", correspondente ao 4º andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. Heróis da Liberdade, em Massamá, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz sob o número ........., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......... (cfr. documento a fls. 30 a 35 do processo de reclamação graciosa apenso);

B) O Impugnante declarou na escritura de “compra e venda” mencionada em A) que antecede que a fracção em causa se destinava à “sua residência permanente e que esta aquisição foi efectuada com recurso ao crédito para habitação mediante um empréstimo concedido pela C........, no regime de Crédito Jovem Bonificado” (cfr. documento a fls. 30 a 35 do processo de reclamação graciosa apenso);

C) Por escritura outorgada em 12.02.2010, o ora Impugnante vendeu a fracção autónoma identificada na alínea A) supra, pelo preço de 155.000,00 EUR (cfr. documento a fls. 23 a 29 do processo de reclamação graciosa apenso);

D) Da escritura referida na alínea C) consta como residência do Impugnante a correspondente ao prédio identificado na alínea A) supra (cfr. documento a fls. 23 a 29 do processo de reclamação graciosa apenso);

E) Por escritura de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, celebrada em 28.05.2010, o Impugnante comprou, pelo preço de 420.000,00 EUR, três fracções autónomas, designadas pelas letras "JO", "AW", "HK”, pertencentes ao prédio urbano sito na Rua Dona Estefânia, n.ºs 197 a 197-C e Avenida Duque D'Ávila, n.ºs 45 a 45-F, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …. e inscrito na matriz predial da freguesia de São Jorge de Arroios sob o artigo ….. (cfr. documentos a fls. 37 a 45 do processo de reclamação graciosa apenso);

F) À fracção designada pela letra “JO”, referida na alínea E) supra, destinada a habitação, correspondeu o preço de 385.000,00 EUR (cfr. documentos a fls. 37 a 45 do processo de reclamação apenso);

G) À fracção designada pela letra “AW”, referida na alínea E) supra, destinada a estacionamento, correspondeu o preço de 20.000,00 EUR (cfr. documentos a fls. 37 a 45 do processo de reclamação graciosa apenso);

H) À fracção designada pela letra “HK”, referida na alínea E) supra, destinada a arrecadação, correspondeu o preço de 15.000,00 EUR (cfr. documentos a fls. 37 a 45 do processo de reclamação graciosa apenso);

I) Na escritura pública de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” mencionada em E), o Impugnante declarou que o destino do imóvel referido na referida alínea seria a “sua habitação própria e permanente” (cfr. documentos a fls. 37 a 45 do processo de reclamação graciosa apenso);

J) O Impugnante declarou na escritura pública de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” mencionada em E) que “se confessa devedor ao D........ (Portugal), S.A. (…) da importância de trezentos e trinta mil euros, que do mesmo banco recebeu a título de empréstimo, pelo prazo de trinta e cinco anos e que vai ser aplicada na presente aquisição” (cfr. documentos a fls. 37 a 45 do processo de reclamação graciosa apenso);

K) Do documento complementar à escritura referida em E) supra, relativo às “cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca” celebrado entre o D........, como mutuante e o ora Impugnante como mutuário, no montante de 330.000,00 EUR, consta que: “o D........ empresta ao(s) MUTUÁRIO(S), a solicitação deste(s) (…) o montante de TREZENTOS E TRINTA MIL EUROS destinado ao financiamento da aquisição da fração autónoma destinada a habitação própria e permanente, (…) identificado na escritura pública de que este contrato constitui documento complementar e faz parte integrante” (cfr. documento a fls. 46 a 54 do processo de reclamação graciosa apenso);

L) Em 25.05.2010, por efeito da aquisição referida na alínea E) supra, o Impugnante pagou a título de imposto de selo o valor de 3.360,00 EUR, tendo a declaração e respectiva liquidação sido efectuadas na mesma data, constando das mesmas que a morada do Impugnante, naquela data, era “R General José Celestino da Silva Nº 2 6º A Lisboa” (cfr. documento a fls. 57 e 58 do processo de reclamação graciosa apenso);

M) Em 25.05.2010, por efeito da aquisição referida na alínea E) supra, o Impugnante pagou o valor de 21.373,12 EUR respeitante a imposto municipal sobre as transacções onerosas de imóveis, tendo a declaração e respectiva liquidação sido efectuadas na mesma data (cfr. documento a fls. 55 e 56 do processo de reclamação graciosa apenso);

N) Para a celebração da escritura pública de pública de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” mencionada em E), o Impugnante incorreu em despesas notariais no valor de 564,00 EUR, relativas a “Escritura” e “Certidão” (cfr. documento a fls. 36 do processo de reclamação graciosa apenso e carimbo aposto na primeira página do documento a fls. 38 a 45 do referido processo);

O) Em 03.08.2010, a sociedade “R........, LDA.” emitiu o recibo n.º 333, dirigido ao ora Impugnante, com morada em “Rua Dona Estefânia n.º 197, 2.º A Lisboa”, onde consta que o Impugnante pagou àquela sociedade o valor de 9.718,72 EUR (cfr. documento a fls. 14 do processo de reclamação graciosa apenso);

P) Em 20.01.2011, a C........, S.A. emitiu declaração dirigida ao Impugnante, para a morada “AV HEROIS DA LIBERDADE 15 4 E / MASSAMA / ……..QUELUZ”, na qual consta o seguinte:

“(…)

Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

(…) no ano de 2010 foi pago por: A........ (…) os seguintes montantes referentes ao empréstimo n.º ........ destinado a aquisição, construção ou beneficiação de habitação:

Amortizações € 16.166,16

Juros € 94,13

Total € 16.260,29

(…)”

(cfr. documento a fls. 17 do processo de reclamação graciosa apenso);

Q) Em 20.01.2011, o D........ emitiu declaração dirigida ao Impugnante, para a morada “R D ESTEFANIA, 197 2ª / LISBOA / ……….LISBOA”, na qual consta o seguinte:

“(…) Para efeitos da dedução à colecta de IRS prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 85.º e no n.º 1 do artigo 127.º do Código do IRS, declara-se que as importâncias suportadas no decorrer de 2010, relativas a juros e amortizações de dívidas contraídas com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente, foram as seguintes:

Amortização de capital 3.687.50 EUR

Juros 2.295,72 EUR

TOTAL 5.983,22 EUR

(…)” (cfr. documento a fls. 16 do processo de reclamação graciosa apenso);

R) O Impugnante pagou no ano de 2010 o valor de 2.901,60 EUR “pelo arrendamento de andar (6.ºA) prédio sito na R. Gen. José Celestino Silva, n.º 2”, relativo aos meses de Abril a Julho de 2010 e a oito dias do mês de Agosto do mesmo ano (cfr. documentos a fls. 20 e 21 do processo de reclamação graciosa apenso);

S) O Impugnante pagou no ano de 2010 os seguintes valores, relativos a despesas de saúde, isentas de IVA:

(cfr. documentos a fls. 8 a 11 do processo de reclamação graciosa apenso)

T) Em 15.01.2011, a Companhia de Seguros A........, S.A. emitiu “DECLARAÇÃO PARA IRS”, dirigida ao Impugnante, para a morada “R D ESTEFANIA, 197 2 A /………LISBOA”, onde consta:

“Ano Fiscal: 2010 DECLARAÇÃO PARA IRS

A Companhia de Seguros A........ S.A., (…) declara que liquidou ao abrigo do Seguro de Saúde os valores abaixo indicados, relativos às comparticipações nas despesas médicas efectuadas relativamente à apólice/adesão supramencionada.

(…)

Despesas de saúde (bens e serviços isentos de IVA ou sujeitos à taxa reduzida):

(…) Total não reembolsado 64,50€

Despesas de saúde com a aquisição de outros bens e serviços justificadas através de receita médica (…) Total não reembolsado 46,50€”

(cfr. documento a fls. 13 do processo de reclamação graciosa apenso);

U) Em 25.01.2011, a M........ Seguros emitiu “Declaração para efeitos fiscais- 2010”, dirigida ao Impugnante e para a “RUA DONA ESTEFANIA 197 2 A/ ……….LISBOA /PORTUGAL”, onde declara que o Impugnante pagou, no ano de 2010, o valor de 19,50 € a título de seguro de acidentes pessoais (cfr. documento a fls. 15 do processo de reclamação graciosa apenso);

V) Em 10.07.2012, C........ emitiu declaração escrita, da qual consta que recebeu do ora Impugnante, durante o ano de 2010, a título de pensão de alimentos relativos à sua filha R........, a quantia de 3.158,04 EUR, e que a mesma os reportou na sua declaração de IRS relativa ao ano de 2010 (cfr. documento de fls. 7 do processo de reclamação graciosa apenso);

W) Em 16.07.2012, a C........, S.A. emitiu declaração dirigida ao impugnante, para a morada “AV HEROIS DA LIBERDADE 15 4 E / MASSAMA / ……..QUELUZ”, na qual consta o seguinte:

“(…)

Declaração

Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

(…) no ano de 2010 foi pago por A........ (…)

O seguinte montante referente ao total do capital à data de liquidação a 2010-02-11 do empréstimo n.º ........ destinado a Aquisição de habitação própria permanente no regime JOV BONIF DL 328B/86 – BONIF (…) era de €15.984,27 (…)” (cfr. documento de fls. 18 do processo de reclamação graciosa apenso);

X) Face à falta de entrega da declaração de IRS modelo 3 relativa ao ano de 2010, a Administração Tributária notificou o Impugnante, por carta registada, recebida em 12.10.2011, para proceder à entrega daquela declaração no prazo de 30 dias (cfr. informação junta a fls. 89 a 90 do processo de reclamação graciosa apenso);

Y) Por não ter sido entregue a declaração mencionada na alínea anterior, a Administração Tributária procedeu, em 23.06.2012, à emissão, em nome do Impugnante, da liquidação oficiosa de IRS n.º ........., relativa ao ano de 2010, na qual foi apurado o rendimento global de 100.351,55 EUR e um valor a pagar de 20.665,59 EUR com data limite de pagamento voluntário de 08.08.2012 (cfr. documentos de fls. a fls. 5 do processo de reclamação graciosa apenso);

Z) A Administração Tributária remeteu ao Impugnante ofício de notificação da liquidação mencionada na alínea anterior, para a morada “R. DONA ESTEFÂNIA 197 2 A, ……..LISBOA” (cfr. documentos de fls. a fls. 5 do processo de reclamação graciosa apenso);

AA) No seguimento da notificação mencionada na alínea anterior, o Impugnante apresentou, em 24.07.2012, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 4, reclamação graciosa contra a referida liquidação, com o seguinte teor:

“(…) O rendimento global apurado está errado. De facto existem 52.834,57 euros de trabalho dependente. Nesse mesmo ano vendi um imóvel por 155.000,00 euros que havia custado em 1996, 59.885,75 euros. Neste mesmo ano adquiri novo imóvel por 420.000,00 euros, sobre o qual foi pago 21.373,12 euros de IMT e 3.360 euros de imposto de selo e um custo de escritura de 564,00 euros. Neste imóvel foram ainda realizadas obras no valor de 9.718,72 euros. Para liquidação do imóvel vendido foram pagos à C........ 15.984,27 euros. Os imóveis mencionados destinam-se a habitação própria e permanente. Foram ainda suportados, em 2010, 6.259,24 € de amortização e juros com habitação própria e permanente, 2901,60 euros de rendas, também para habitação própria e permanente, 19,50 euros referentes a seguro de acidentes pessoais, 3.158,04 euros de pensão de alimentos a filha menor e 204,29 euros de despesas médicas. Com base nestes elementos, cujos documentos se juntam, solicito a correção da liquidação. Juntam-se os seguintes documentos: Declaração da entidade empregadora, Declaração pensão de alimentos, Despesas médicas, Declarações bancárias, recibos de arrendamento, pagamento do IMT e do imposto de selo, escrituras de imóveis e recibo de escritura.(…)” (cfr. documento a fls. 3 e 4 do processo de reclamação graciosa apenso);

BB) Em 06.08.2012 o Impugnante submeteu declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2010, na qual foi declarado, nos campos 505, 506 e 508 do quadro 5 do respectivo anexo G, o seguinte:

- no campo 505, relativo ao “valor da dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido nos campos 502, 503 ou 504”, o montante de 15.984,27 EUR;

- no campo 506, relativo ao “valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito)”, o montante de 125.015,84 EUR;

- no campo 508, relativo ao “valor reinvestido no ano da declaração após a data da alienação (sem recurso ao crédito)”, o montante de 125.015,84 EUR. (cfr, declaração Modelo 3 de IRS, a fls. 63 a 72 do processo de reclamação apenso);

CC) A declaração modelo 3 de IRS referida na alínea AA) supra, ficou na situação de “inválida”, tendo sido convolada em reclamação graciosa e determinada a sua junção aos autos da reclamação graciosa referida na alínea Z) supra (cfr. informação de fls. 76 do processo de reclamação graciosa apenso);

DD) Em 10.10.2012, no âmbito da reclamação graciosa mencionada em AA) supra, foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa, da qual consta o seguinte:

“(…) III- Análise do pedido

Consultados os elementos disponíveis, incluindo a base de dados da AT e Aduaneira (AT), verifica-se que:

1. Por não cumprimento da obrigação de entrega de declaração Modelo 3, conforme disposto no art. 57.°, n.º 1 do CIRS, relativa aos rendimentos obtidos no ano de 2010, foi o reclamante notificado, através de carta registada (registo n.º……….), recebida em 2011-10-12, para cumprimento da obrigação em falta, no prazo de 30 dias, conforme art. 76, n.º 3, do CIRS.

2. Mais foi notificado que, caso não procedesse à entrega da declaração no referido prazo ou não fosse feita prova da sua entrega ou de que não se encontrava obrigado à sua apresentação, proceder-se-ia à liquidação nos termos do art. 76.° do CIRS.

3. Não tendo cumprido com o teor da notificação, foi elaborada/recolhida

Declaração Oficiosa/DC com a identificação……….., que originou a liquidação reclamada, processada em 2012-06-23.

4. Em 2012-07-09, o reclamante recebeu, através de carta registada (registo n.º…………..), notificação para pagamento do imposto apurado, com demonstração da liquidação acima referida.

5. Em 2012-08-06 foi submetida declaração Modelo 3 de IRS, que integra um anexo A, um anexo G e um anexo H."

Estabelece o art. 76°, n. ° 1 do CIRS que não tendo sido apresentada declaração, a liquidação de IRS tem por base os elementos de que a DGCI, actual AT, disponha.

Tal liquidação, oficiosa, está condicionada à prévia notificação, por carta registada, do titular dos rendimentos, para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias. Findo este prazo sem que se mostre cumprida a obrigação declarativa, a liquidação é processada, não se atendendo ao disposto no art. 70° (mínimo de existência), sendo apenas efectuadas as deduções previstas nos artigos 79°, n.º 1, al. a) (dedução pessoal do sujeito passivo) e 97.º n.º 3 (retenções na fonte e pagamentos por conta, todos do CIRS).

Salientamos que a declaração Modelo 3 de IRC, ano de 2010, referida no ponto 5. foi entregue após o processamento da liquidação oficiosa e da notificação para pagamento do imposto apurado.

Em referência aos rendimentos auferidos pelo reclamante no decorrer do ano de 2010, aquando do processamento da liquidação reclamada a AT dispunha dos seguintes elementos:

- categoria A: rendimentos - € 52.834,57; retenções - € 13.145,00; contribuições - €5.901,52; NIF da entidade pagadora –………;

- categoria G: alienação, em 2010-02-12, pelo montante de € 155.000,00, da fracção autónoma designada pela letra “T”, do prédio sito na freguesia de Massamá, concelho de Queluz, inscrito na matriz sob o artigo ......... (…….U- .........-T), adquirido em 1996-09-06.

(…)

Do apuramento do montante a tributar a título de mais valias de imóveis

De acordo com os artigos 10°, n.º 1, al. a) e n.º 4, al. a), 43° e seguintes do CIRS, no caso dos rendimentos qualificados como mais valias, o que se tributa é um saldo, apurado com base nos valores de aquisição, realização e eventuais despesas e encargos.

Não constando na base de dados informática da AT qualquer informação referente ao valor de aquisição do prédio acima identificado e não tendo o reclamante apresentado qualquer documento comprovativo desse valor, foi considerado o valor patrimonial constante na matriz, à data da aquisição, para apuramento da mais valia a tributar.

Conforme cópia da escritura de compra e venda, agora apresentada, o prédio identificado como .........-T foi adquirido pelo reclamante em 1996-09- 06, pelo montante de € 59. 855,75 (12000000$00)

Do reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente

Reunidos os pressupostos para a exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito do passivo, tal como definidos no art.º 10.º, n.º 5 do CIRS, este deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir (art.º 10.º, n.º 5, al. c) do CIRS).

A falta de cumprimento da obrigação de entrega da declaração modelo 3 de IRS, mantida após a notificação a que se refere o art.º 76.º, n.º 3 do CIRS, inviabiliza a manifestação por parte do sujeito passivo, da intenção de reinvestimento.

O valor em dívida do empréstimo à data da alienação não tem relevância fiscal para o apuramento da mais valia a tributar, sendo unicamente factor de cálculo do montante da mais valia a excluir de tributação, nos termos do art.º 10.º, n.º 5, al. b) do CIRS.

IV- Proposta de decisão

Em face do exposto pode concluir-se que a liquidação reclamada foi processada com base e de acordo com as normas legalmente definidas para as liquidações oficiosas. Não obstante, sou da opinião que deverá ser considerado o valor de aquisição, 59.855,75, do prédio identificado por .........-T, constante na escritura de compra e venda apresentada, pelo que se propõe o DEFERIMENTO PARCIAL da reclamação graciosa. (…).” (cfr. documento de fls. 89 a 90 verso do processo de reclamação graciosa apenso);

EE) Sobre a informação mencionada na alínea anterior, foi proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4, em 11.10.2012, decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa referida na alínea Z) supra, com o seguinte teor:

Concordo. De acordo com a informação prestada e com os demais elementos que integram os autos, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido do reclamante nos termos e com os fundamentos propostos.

Proceda-se à elaboração e recolha da competente Declaração Oficiosa/DC.” (cfr. documento de fls. 89 do processo de reclamação graciosa apenso);

FF) A Administração Tributária remeteu ao Impugnante, por carta registada com aviso de recepção enviada para a Rua Dona Estefânia, n.º 197 – 2º A, ………Lisboa, ofício a comunicar a decisão referida na alínea anterior (cfr. documento de fls. 91 do processo de reclamação graciosa junto com o PAT, e aviso de recepção a fls. 93 do mesmo processo);

GG) O aviso de recepção mencionado na alínea anterior foi assinado pelo Impugnante, em 24.10.2012 (cfr. aviso de recepção a fls. 93 do processo de reclamação graciosa junto com o PAT);

HH) Em cumprimento da decisão mencionada na alínea EE)supra, a Administração Tributária procedeu à anulação parcial da liquidação identificada em Y), impugnada nos autos, no valor de 4.981,25 EUR de imposto e 817,83 EUR de juros compensatórios (cfr. documentos de fls. 26 e 27 do processo administrativo apenso).


FACTOS NÃO PROVADOS:

Dão-se como não provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. O Impugnante realizou obras no imóvel por si adquirido, mencionado na alínea E) da factualidade assente supra, no valor de 9.718,72 EUR;
2. O pagamento da pensão de alimentos mencionado na alínea V) do probatório supra foi estabelecido por sentença judicial ou por acordo homologado.

Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos, do processo administrativo e do processo de reclamação graciosa apensos, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Quanto aos factos dados como não provados, tal decorre de não ter sido junto, nem aos presentes autos, nem ao processo administrativo apenso, qualquer elemento de prova que demonstre o referido facto.

Na verdade, e quanto ao primeiro facto dado como não provado, constando a fls. 14 do processo de reclamação apenso um recibo emitido, em 03.08.2010, pela sociedade R……….., Lda, dirigido ao ora Impugnante, a atestar o recebimento do valor de 9.718,72 EUR, no mesmo não se faz referência a que produtos vendidos ou serviços prestados respeitava a importância recebida, pelo que permite aferir se respeitam a obras (e que tipo de obras) realizadas no referido imóvel.

Sendo que, quanto ao segundo facto dado como não provado, não só não foi efectuada qualquer prova do mesmo, como o Impugnante nem sequer produziu alegação sobre o mesmo.

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B.DE DIREITO

A Fazenda Pública manifesta o seu desacordo relativamente ao segmento da sentença, em que decidiu que « (…) apesar da apresentação tardia da declaração de rendimentos por parte do Oponente, sempre seria de quantificar, na sua declaração de rendimentos, as despesas relativas a juros e amortizações, no valor de €22.243,51, o seguro de acidentes pessoais no valor de €19,50, as despesas de saúde no valor de €152,25, e por ultimo não excluir de tributação os ganhos reinvestidos, no valor de €90.000,00. » [Conclusão 4.1].

Nas alegações produzidas, a recorrente argumentou que a Administração Tributária está vinculada ao princípio da legalidade, sendo que, em qualquer caso do artigo 76.º do CIRS decorre que a omissão da entrega da declaração, tenha como consequência a emissão de liquidação oficiosa com base nos elementos disponíveis no sistema.

Mais acrescenta que existindo omissão de entrega da declaração de rendimentos por parte do recorrido, é de excluir o reinvestimento das Mais Valias porquanto por força da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS a manifestação da intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial deve ser mencionada na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação e por outro lado, não foi observado o limite das deduções previstas na alínea a) do n.º1 do artigo 79.º do mesmo compendio legal.

Porém, adianta-se desde já que que solução adoptada na sentença vai de encontro com a jurisprudência e doutrina, nesta matéria.

Senão vejamos.

Sob a epígrafe «Procedimentos e formas de liquidação» o artigo 76.º do CIRS na (redacção dada pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro), estabelece o seguinte:

«A liquidação do IRS processa-se nos termos seguintes:

a) Tendo sido apresentada a declaração até 30 dias após o termo do prazo legal, a liquidação tem por objeto o rendimento coletável determinado com base nos elementos declarados, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 65.º;

b) Não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha;

c) Sendo superior ao que resulta dos elementos a que se refere a alínea anterior, considera-se a totalidade do rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento no ano mais próximo que se encontre determinado, quando não tenha sido declarada a respetiva cessação de atividade.

2 - Na situação referida na alínea b) do número anterior, o rendimento líquido da categoria B determina-se em conformidade com as regras do regime simplificado de tributação, com aplicação do coeficiente mais elevado previsto no n.º 1 do artigo 31.º

3 - Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efetuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º

4 - Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.»

No caso concerto, resulta assente que o recorrido não apresentou no prazo devido a respectiva Declaração de IRS Modelo 3 relativa ao ano de 2010, e quando convidado a fazê-lo, por parte da Administração Tributária, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS, continuou sem apresentar qualquer declaração.

E, foi neste quadro factual e abrigo do artigo 76.º, n.ºs 1, alínea b), e n.º33 do CIRS que a Administração Tributária em 23.06.2012, emitiu em nome do recorrido, a liquidação oficiosa de IRS n.º ........., relativa ao ano de 2010, na qual foi apurado o rendimento global de 100.351,55 € e um valor a pagar de 20.665,59 € com data limite de pagamento voluntário de 08.08.2012, com base nos elementos de que dispunha não atendendo ao disposto no artigo 70.º do CIRS, tendo apenas efectuado as deduções previstas no n.º 3 do artigo 97.º do CIRS, respeitantes, designadamente, às retenções na fonte, conforme fez [cfr. alíneas X) e Y) do probatório].

Sucede que após a liquidação oficiosa de IRS n.º ........., o recorrido apresentou em 06.08.2012 a Declaração Modelo 3 de IRS reportado aos rendimentos do ano de 2010 [cfr. alínea BB) do probatório].

Como se lê, a este respeito, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.12.2018, proferido no processo n.º 0220/11.2BEVIS as declarações apresentadas fora de prazo « (…) não gozam da presunção de veracidade (artº 75º nº 1 da LGT), mas no reverso não pode ignorar-se o disposto no artº 76º nº 4 do CIRS, vigente à data dos factos, que alguma razão de ser, na harmonia do sistema legislativo, há-de ter e que a nosso ver possibilita/impõe à Administração Tributária a correcção da liquidação oficiosa por si elaborada quando seja suprida pelo sujeito passivo a sua falta declarativa dentro dos prazos ali previstos. Para o alcance de uma solução justa e legal deve também destacar-se já, que é certo que o conceito de rendimento tributário no C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento - acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos. (…)

Acresce referir que, a liquidação oficiosa efectuada pela AT é por natureza uma declaração provisória ainda que estejamos em sede de IRS uma vez que a AT pode na sequência de inspecção tributária vir a alterar a mesma.

(…) não se aceitando que o nº 2 do artigo 76º do CIRS encerre uma sanção obstativa do alcance do princípio da tributação do rendimento real. Vemos antes na expressão legal do referido preceito uma forma/método(s) de edificar uma liquidação a que será de dar o devido seguimento com as consequências legais, no caso de o contribuinte não a impugnar ou nunca (negrito nosso) vir a apresentar dentro dos aludidos prazos dos artigos 45º e 46º da LGT qualquer declaração de IRS, situação que não se verificou no caso dos autos(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Também na doutrina, Rui Duarte de Morais que a liquidação oficiosa emitida nas situações de omissão do cumprimento das obrigações declarativas pelo sujeito passivo é meramente provisória: «(…) na falta de entrega da declaração periódica de rendimentos (grosso modo, a declaração em que se procede ao apuramento do resultado fiscal do exercício anterior), a administração fiscal procederá, oficiosamente, à liquidação, a qual terá por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada (e da qual não poderá resultar imposto em dívida de valor inferior ao "imposto mínimo" a que estão sujeitos os contribuintes abrangidos pelo regime simplificado) ou na falta de tais dados, os elementos de que disponha.

Temos dúvidas quanto ao sentido desta liquidação oficiosa. Pensamos que o seu sentido mais não é do que prevenir uma eventual caducidade do direito à (a qualquer) liquidação.

O montante assim fixado será, necessariamente, provisório (como de resto é também a autoliquidação, uma vez que fica sempre sujeita a uma eventual correcção posterior pela administração tributária). Na realidade, não faria qualquer sentido que a liquidação oficiosa feita em tais termos pudesse ser havida como adequado substituto da declaração a que o sujeito passivo não procedeu. Para além de tal poder redundar numa vantagem incompreensível do contribuinte faltoso (ao ser tributado com base no resultado de um exercício anterior poderia pagar menos do que aquilo a que estaria obrigado, por ter acontecido uma evolução positiva dos resultados do seu negócio), significaria abdicar de qualquer pretensão de basear a tributação em causa no lucro (no resultado) real ou, mesmo, normal, desse sujeito passivo.

A falta de cumprimento pelo sujeito passivo parece impor à administração, para além de proceder oficiosamente a uma tal liquidação "provisória", o dever funcional de, dentro do prazo de caducidade de tal direito, efectuar uma acção inspectiva visando determinar qual o lucro obtido por esse sujeito passivo no exercício em causa e, também, a sua situação actual» (Apontamentos de IRC, Almedina, 2007, págs. 208/209).

Aderindo, por inteiro, à doutrina que emana do citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, entendeu o Tribunal «a quo» que não pode considerar-se a Declaração de Rendimentos Modelo 3 apresentada fora de prazo, por si só, suficiente para demonstrar os factos susceptíveis de conduzir à anulação da liquidação, até porque aquela declaração de rendimentos tardiamente apresentada não beneficia já de tal presunção estabelecida no artigo 75.º da LGT.

Pois bem: ficou demostrado nos autos, tal como já o dissemos, que o recorrido apresentou a Declaração de Rendimentos (ano de 2010) em 06.08.2012 e que o mesmo já havia apresentado, em 24.07.2012, reclamação graciosa, nos termos do artigo 68.º e seguintes do CPPT, instruída com documentação tendo em vista a comprovação das declarações por si prestadas quer nesta reclamação quer naquela declaração [cfr. alíneas AA) e BB) do probatório], e foi nesta sequência, que a Administração Tributária considerou a referida declaração inválida e convolou-a em reclamação graciosa.

Posteriormente, a reclamação graciosa foi deferida parcialmente, passando o valor de imposto a pagar, referente ao ano de 2010, a ser de 14.886,50 €, por ter sido considerado o valor de aquisição de 59.855,75 € do prédio relativamente ao qual haviam sido apuradas mais-valias.

Porém nenhuma alteração foi feita atendendo às outras despesas e elementos indicados na declaração e reclamação apresentadas pelo Impugnante, nomeadamente quanto ao alegado reinvestimento do valor de realização da venda do referido imóvel [cfr. alíneas CC), DD) e EE) do probatório].

Perante este quadro factual, entende-se que, como bem decidiu o Tribunal « a quo» a Declaração Modelo 3 de IRS, mesmo tendo sido convolada em reclamação graciosa « (…) devia ter sido considerada em toda a sua extensão para uma eventual correcção da liquidação oficiosa − tal como deviam ter sido considerados a reclamação graciosa e os documentos com esta entregues − ainda que, se considerado necessário, com prévio recurso aos serviços de inspecção tributária com a finalidade de apurar a verdade fiscal».

No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o Supremo Tribunal Administrativo, referindo-se a título meramente exemplificativo o Acórdão de 05.12.2018, processo n.º 0220/11.2BEVIS 0286/18 (citado na sentença recorrida) onde se pode ler que:

«Ao prever-se no nº 5 deste artº 59º a convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, está a pressupor-se que já tenha sido efectivada a liquidação, pois este meio procedimental tem por fim a anulação dos actos tributários (artº 68º nº 1 do CPPT).

Se quando é apresentada a declaração de substituição, ainda não estiver feita a liquidação esta deverá ter em conta os elementos apresentados na nova declaração.

Era essa a solução que se previa expressamente no artº 76 nº 1 alínea c) do CIRS na redacção anterior à lei 53-A/2006 de 29 de Dezembro, para os casos em que a declaração tinha sido apresentada fora do prazo legal mesmo que esse atraso fosse superior a 30 dias e está em consonância com o dever geral imposto à administração tributária de corrigir actos de liquidação enquanto não terminar o prazo legal de caducidade do direito de liquidação (artº 78º nº 1 da LGT) com afloramentos em várias normas dos códigos tributários, como os arts.76º nº 4 e 93 nº 1 do CIRS na redacção dada por aquela Lei nº 53-A/2006, 103º nº 1 do CIRC na redacção do D.L. nº 159/2009, de 13 de Julho e 50º nº 1 do CIS).

Com efeito tendo a administração tributária o dever geral de actuar com observância do princípio da legalidade (artºs 266 nº 2 da CRP e 55º da LGT) não se pode considerar admissível que pratique actos em dissonância com a realidade (ilegais por enfermarem de erro sobre os pressupostos de facto mesmo que a declaração tenha sido apresentada intempestivamente (…)». (disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Assim sendo, há que concluir que a liquidação oficiosa não pode manter-se por padecer de vício de violação de lei por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito e excesso de quantificação.

Improcedem assim as conclusões em destaque (4.1 a 4.7.).

A questão que de imediato se coloca prende-se, em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que se encontram verificados os requisitos relativos à exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do recorrido, prevista no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS.

Vejamos, então.

O artigo 10.º do CIRS, na redacção da lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, sob a epígrafe “Mais-valias”, estabelece que:

(…)

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português (…);

(…)

c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;

(…)

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não

No caso vertente, resulta da alínea BB) dos factos provados que o recorrido na Declaração Modelo 3 de IRS (respeitante ao ano da alienação -2010-), que submeteu em 06.08.2012, declarou nos campos 505, 506 e 508 do quadro 5 do respectivo Anexo G o valor (125.015,84€), ainda que apenas tenha sido apresentada em 06.08.2012, na sequência da liquidação oficiosa efectuada pela Administração Tributária.

Por outro lado, diz-nos o n.º 4 do artigo 76.º do CIRS «Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária», o que significa que a referida Declaração de Rendimentos reportando-se aos rendimentos obtidos no ano de 2010 e tendo sido submetida em 06.08.2012, foi apresentada no prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.

Por último, entende a recorrente que o decidido não respeita os limites das deduções previstas na Lei, porém não identifica qual ou quais as deduções em que se suporta para chegar à extrair o juízo conclusivo a que chegou.

Em conclusão, improcede na totalidade o recurso, mantendo-se a sentença recorrida que não nos merece qualquer reparo.

IV.CONCLUSÕES

I.A apresentação da declaração de rendimentos fora do prazo legal mas dentro do prazo de caducidade não implica de per si a anulação da liquidação oficiosa, desde logo, porque não goza da presunção de verdade declarativa.

II.Esta declaração ainda que não gozasse da presunção de veracidade não podia ser totalmente ignorada na sua substância.

V.DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes que integram a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso e, consequentemente confirmar a sentença na parte recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 28 de janeiro de 2021


[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]