Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04946/11
Secção:CT -2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:POSTOS DE ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS/ TAXAS/ REGULAMENTO MUNICIPAL/ INCONSTITUCIONALIDADE/ OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I. A nulidade por omissão de pronúncia prevista no artº 125º, nº 1 do CPPT [também prevista no actual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, a que correspondia o anterior artigo 668º, nº1, alínea d) do mesmo diploma], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II. Tendo a sentença recorrida analisado a questão que lhe foi colocada pela impugnante - a natureza dos tributos sindicados e a (in)constitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 103º, nº2 e 165º, nº1, alínea i) da CRP, das normas que estiveram subjacentes à emissão das quantias liquidadas - não ocorre a apontada nulidade, ainda que eventualmente o tribunal tenha olvidado algum dos argumentos esgrimidos pelo Recorrente em abono da sua tese.
III. Não padece de inconstitucionalidade, por violação do estatuído nos artigos 103º, nº2 e 165º, nº1, alínea i), da CRP, a norma do artigo 70º, nº 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2008, na versão publicada pelo Aviso nº 26235/2008 do Diário da República, II Série, de 31 de Outubro de 2008, e mantido em vigor, sem qualquer actualização no ano de 2009, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra, de 27 de Fevereiro de 2009, conforme o nº1 do Aviso nº 5156/20098, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março, que autoriza o Município de Sintra a emitir taxas relativamente a postos de abastecimento de combustíveis líquidos situados, inteiramente, em propriedade privada.
IV. Tais tributos têm a natureza de taxas dada a existência de uma contraprestação por parte do Município – uma atividade de vigilância e de ações de prevenção por parte do município correspondente, não só para dar cumprimento à lei, como principalmente para evitar que os riscos quanto à segurança de pessoas e bens, os riscos para a saúde pública e os riscos ambientais associados à existência e funcionamento daquelas instalações se materializem - contraprestação esta, aliás, que o Tribunal Constitucional não hesita em afirmar que não parece que lhes deva ser exigido –leia-se, aos Municípios - que, para justificar a fixação de uma taxa como contrapartida de tais ações realizadas em cumprimento da lei, façam prova de cada uma dessas ações junto dos destinatários das mesmas. E isto é assim, independentemente de, como no caso se verifica, os postos de abastecimento estarem situados inteiramente em propriedade privada
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

... PORTUGUESA, S.A., contribuinte n.º ... , e com os demais sinais dos autos, impugnou judicialmente o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de taxas devidas por equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos, referentes ao ano de 2009.

No Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra foi proferida sentença que julgou a impugnação totalmente improcedente.

Não se conformando com o decidido, foi interposto o presente recurso jurisdicional cuja alegação se mostra sintetizada nas seguintes conclusões:

a) A questão central da presente lide prende-se com a interpretação e aplicação do disposto no artigo 70°, n.° 1, pontos 1.1 e 1.2 da Tabela de Taxas e Outras Receitas de Sintra para o ano de 2009 e, bem assim, com a averiguação da sua conformidade com o texto constitucional, em especial as normas contidas nos artigos 103°, n.° 2 e 165°, n.° 1, alínea i).

b) Para se distinguir o “imposto” da “taxa” tem sido utilizado como critério geral o de saber se a prestação exigida tem carácter unilateral - correspondente ao imposto - ou bilateral ou sinalagmático - correspondente à noção de taxa.

c) Ou seja, enquanto que os “impostos” são prestações pecuniárias, coactivas, unilaterais e definitivas, sem carácter de sanção, exigidas a detentores de capacidade contributiva por entes que exercem funções públicas, com vista à realização destas, nas “taxas” à prestação do particular corresponde uma contraprestação específica, uma actividade do Estado ou de outros entes públicos especialmente dirigida ao respectivo obrigado, actividade esta que se há-de concretizar na prestação de um serviço público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares.

d) Tal como resulta da noção consagrada no art. 4°, n.° 1 da Lei Geral Tributária, “as taxas assentam na prestação concreta de um serviço do domínio público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”.

e) Ora, analisando o tributo em questão, fácil se mostra concluir que, ao contrário do entendimento vertido na douta sentença recorrida, o mesmo não apresenta a natureza de taxa já que não se vislumbra qualquer “(...) prestação concreta de um serviço do domínio público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”. Senão veja-se:

f) Em primeiro lugar, da análise do citado preceito normativo resulta claro que este incide sobre os postos de abastecimento, independentemente da utilização ou não de bens do domínio público, um tributo de montante fixo e igual para todos, a que acresce uma taxação determinada em função da utilização da via pública.

g) Ou seja, não oferece dúvidas, face ao teor das próprias licenças de equipamento de combustíveis líquidos (anexas aos ofícios da Câmara Municipal de Sintra e juntos como documentos n.°s l a 5) e ao confronto com as previsões dos n.°s 1.1 e 1.2 do art. 70° da Tabela de Taxas, que o ponto 1.1 do preceito abrange os postos inteiramente instalados em propriedade privada.

h) Ora, os postos de abastecimento em questão não ocupam, nem utilizam para o seu funcionamento, quaisquer bens do domínio público ou semi-público, pelo que, forçoso se torna concluir que não existe qualquer contraprestação da Câmara Municipal de Sintra face ao pagamento da referida “taxa” pela ora impugnante.

i) E nem se diga que a mera inclusão na previsão normativa do art. 70°, n.° 1, ponto 1.1 da justificação para o estabelecimento do referido tributo (a saber, condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes) permite afastar a apontada falta de sinalagma do tributo.

j) Efectivamente, a mera inclusão na previsão normativa de tal justificação não significa que o obrigado ao pagamento beneficie da utilização dos serviços municipais, havendo necessidade por parte do município de demonstrar que, de forma efectiva e em concreto, foram prestados serviços de fiscalização ou se verificou quaisquer alterações no plano de tráfego ou acessibilidades (sendo certo que os documentos juntos como doc. n.° l com a contestação não datam do período a que respeita o tributo em questão, pelo que, nada permitem provar quanto à eventual prestação de serviços de fiscalização).

k) Ora, no caso concreto, as notificações efectuadas à ora Recorrente para liquidação das quantias devidas a título de “taxa” foram feitas mediante a mera reprodução da norma em causa, sem que tenha sido demonstrado que, de forma efectiva e em concreto, tenham sido efectuadas quaisquer fiscalizações ou que tenham ocorrido quaisquer alterações no plano do tráfego e das acessibilidades.

l) Nesta medida, fica demonstrado que o tributo em causa não corresponde a consequências na utilização e aproveitamento de bens do domínio público e a diligências de fiscalização e intervenção pelos serviços do Município, não existindo qualquer contraprestação pública individualizável que satisfaça o conceito de “taxa”.

m) Em segundo lugar, no caso em apreço e contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença recorrida, a ora Recorrente não beneficiou da remoção de qualquer obstáculo jurídico à actividade por si desenvolvida, bastando, para tanto, atentar na própria previsão do tributo.

n) Mas mais. A ora Recorrente possui a necessária licença de exploração dos referidos postos de abastecimento emitida pela entidade competente (DRE), nos termos da legislação em vigor, tendo liquidado taxa respectiva.

o) Por outro lado, o Tribunal Constitucional (e num caso em tudo similar ao dos presentes autos) já se pronunciou em sentido idêntico, referindo que: “Através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais, nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da actividade em causa. Assim, a imposição da taxa em apreciação apenas poderia fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública. Porém, é manifesto que este tipo de contrapartida não pode concretizar-se na situação dos autos: de facto, estando o posto de abastecimento instalado inteiramente em terreno privado e decorrendo também na propriedade privada todos os actos todos os actos relativos ao abastecimento das viaturas não implica qualquer utilização de bens semi-públicos, não sendo sequer possível ligá-la a uma eventual renovação de licença ou a quaisquer diligências que o município deva realizar para a conceder” (vide acórdão do Tribunal Constitucional n.° 515/2000 - sublinhado nosso).

p) Mas ainda que se admitisse que o tributo em análise se fundava na remoção de um obstáculo jurídico (o que apenas se admite por mera cautela e sem conceder), sempre haveria que analisar, em concreto, se o seu fundamento seria ou não arbitrário, o que a douta sentença recorrida não cuidou de fazer, enfermando, assim, de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. art. 668°, n.° 1, alínea d) do CPC, ex vi art. 2° do CPPT).

q) Por último, é ainda pertinente referir que o específico conteúdo da justificação contida na norma - “impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais (ar, água, solos)” - poderia, quanto muito, ser susceptível de classificar o tributo como contribuição especial, designadamente na categoria de “contribuições para maiores despesas” (entendidas como aquelas em que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no facto de estes ocasionarem com a sua actividade um acréscimo de despesas para as entidades públicas).

r) No entanto, esta situação acaba por não ter qualquer relevo prático, porquanto a criação deste tipo de contribuição fica igualmente de fora da competência das Câmaras Municipais, uma vez que tem a mesma exigência formal que os impostos (vide neste sentido acórdão do Tribunal Constitucional n.° 24/2009, de 14/01/09, in www.tribunalconstitucional.pt).

s) Pelo que, em face do supra exposto, outra conclusão não poderá retirar-se que não seja a de que a norma regulamentar aplicada pela Câmara Municipal de Sintra (art. 70°, n.° 1, ponto 1.1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2009) padece de inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do disposto nos artigos 103°, 2 e 165°, n .° 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa.

t) O que significa que, sofrendo o referido artigo 70°, n.° 1 ponto 1.1 (em que se fundaram as liquidações impugnadas) de inconstitucionalidade orgânica, não poderão deixar de se reputar de ilegais as liquidações efectuadas à sua sombra.

u) Este é, aliás, o entendimento do Tribunal Constitucional que teve já por diversas vezes oportunidade de analisar esta questão e que se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade da norma contida no art. 69°, ponto 1.1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra aprovada pela respectiva Câmara Municipal em 6 de Novembro de 2001 e publicada na II série do Diário da República de 01/10/01 (cuja redacção é a mesma da norma do artigo 70°, n.° l, ponto 1.1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2009), quando interpretada no sentido da sua aplicação a posto de abastecimento instalado totalmente em terreno privado por violação do disposto na alínea i) do n.° 1 do art. 165° da CRP (cfr. acórdão n.° 113/2004, de 17/02/04; acórdão 1001/04, de 14/10/05; acórdão n.° 24/2009, de 14/01/09).

v) Ao não decidir nos termos acima expostos, a douta sentença recorrida incorreu na violação do disposto nos artigos 103°, 2 e 165°, n.° 1, alínea i) da C.R.P e aplicou norma regulamentar inconstitucional.

Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que anule integralmente a liquidação impugnada.”


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O Recorrido (Município de Sintra) apresentou contra-alegações, onde conclui:
1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 9 de Novembro de 2010, a qual julgou improcedente a impugnação deduzida pró ... Portuguesa S.A. e válido o acto tributário controvertido face ao entendimento da conformidade constitucional das normas da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2009.
2) Deverá ser mantida aquela decisão, concordando-se com o entendimento ali vertido de que em causa está uma taxa e não um imposto, verificando-se o sinalagma da sua utilização por um particular, não resultando verificada a violação do princípio da proporcionalidade, atenta a especificidade da contrapartida outorgada ao beneficiário.
3) Entende-se que a taxa liquidada é devida, legal e foi liquidada conforme previsão do art.° 70.° ponto 1.1. da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, aplicável a 2009, aprovado em sessão da Assembleia Municipal de Sintra, em 19.09.2008, e sofreu alterações para o ano de 2009, publicadas no Aviso n.° 5156/2009 in DR n.° 47, II série, de 9.03.09.
4) O carácter sinalagmático da taxa veio a ser expressamente consagrado no n.° 2 do art.° 4.° da Lei Geral Tributária (LGT) quando “há utilização de um serviço publico (...) utilização de um bem do domínio público e, finalmente (...) remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares”.
5) Estamos perante uma taxa, há a utilização e desgaste do bem público -ambiente -, que incumbe essencialmente aos municípios proteger, e há a remoção de um obstáculo jurídico à livre actividade dos particulares impostos por razões de interesse geral.
6) Preocupação expressamente tida em consideração aquando da elaboração da tabela de taxas de 2008, pois para além da possibilidade da taxa ser calculada em função do serviço prestado, foi “acautelado o principio da proporcionalidade, a existência de taxas de desincentivo, cujo valor é fixado com vista a desencorajar certos actos ou operações, bem como as taxas sobre actividades de impacto ambiental negativo, cujo valor é estabelecido para ressarcir a comunidade dos danos ambientais, reais ou potenciais, decorrentes do exercício de actividades que representem um risco para os bens jurídicos consagrados na Lei n. ° 11/87 de 7 de Abril ex vi do disposto no n.º 2 do art.° 4.° e no n.° 2 do art.° 6 da Lei 53 -E/2006”.
7) Um posto de abastecimento de carburantes implica a utilização de recursos naturais (ar, solo e água) desgaste ambiental, condicionantes urbanísticas e de aproveitamento dos solos, causando riscos ambientais que incumbe à autarquia inspeccionar, fiscalizar e prevenir.
8) Portanto, o Município através dos seus serviços de Fiscalização e de Policia municipal tem vindo a desenvolver actividades de policia e controlo do ambiente e das regras urbanísticas, tendo procedido nomeadamente a um levantamento de todos os postos de abastecimento de combustíveis (PAC) por forma a promover os devidos licenciamentos (licenças de utilização, alvarás, publicidade e ocupação do espaço publico, horários de funcionamento e licenças de equipamento de combustíveis líquidos) tendo ainda sido elaborado um relatório com dados específicos de cada um dos postos de abastecimento do concelho.
9) É muito variada a jurisprudência que considera o ambiente como bem público cuja utilização, gestão e manutenção implica tributação através de taxa municipal, como o Ac. Do Tribunal Constitucional n.° 329/2003 de 07.07.03 (proc. 537/02) onde pode ler-se “... parece indubitável que instalações de abastecimento de combustíveis líquidos constituem um factor de potencial desgaste ambiental e de risco de uma vida humana sadia e ecologicamente equilibrada. (...) A utilidade económica que os recorrentes retiram da sua actividade - mesmo que instalada em domínio privado e com abastecimento em propriedade privada - é feita não só com um correlativo dispêndio de recursos naturais, como constitui essa actividade um factor de risco ambiental, que demanda a prossecução de serviços autárquicos com vista a assegurar que daquela actividade não resultem danos que ponham em perigo a vida humana sadia e ecologicamente equilibrada, analisando e inspeccionando tais instalações (...).
10) Igual entendimento encontra-se vertido no referido acórdão do TC n.° 204/2003 de 28.04.2003 e Ac. 113/04 de 17.02.2004, para além do referido na sentença - Ac TC n.° 177/2010, o qual vem estabelecer critérios muito precisos de qualificação das taxas, considerando claramente que em causa está a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamentos dos particulares.
11) Julga-se ser manifesto o desgaste ambiental e de risco para a vida humana decorrente das instalações de carburantes, sendo que a contraprestação específica e vínculo sinalagmático é consubstanciada na actividade sobre essas instalações por parte dos serviços autárquicos, de modo a evitar danos decorrentes da retirada de utilidade económicas dessas instalações por parte da Impugnante.

NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, NÃO DEVERÁ CONCEDER-SE PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, MANTENDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.»


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A Exma. Magistrada do Ministério Publico (EMMP) emitiu parecer, no sentido do não provimento do recurso.

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Por acórdão deste TCA de 10 de Janeiro de 2012 (fls 442 e sgs) foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e, consequentemente, julgada procedente a impugnação judicial e anulada a liquidação das taxas sindicadas, referentes ao ano de 2009.

Contrariamente ao que havia sido entendido em 1ª instância, o TCA Sul, no acórdão de 10 de Janeiro de 2012, veio a considerar que:

“(…)

Posto isto, realçando, sobretudo, o julgamento produzido, em Plenário, pelo Tribunal Constitucional/TC, no identificado acórdão n.º 113/2004 de 17.2.2004, acrescendo a circunstância de a redacção do versado, nestes autos, art. 70.º n.º 1.1 da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra reproduzir, quase ipsis verbis, a do art. 67.º n.º 1, ponto 1.1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada em 22.12.99 e alterada em 18.12.2000, só podemos, na mesma esteira, reputá-lo, igualmente, inconstitucional, por violação do estatuído nos apontados arts. 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 al. i) CRP, pelo que, a sentença recorrida, tendo judiciado em sentido contrário, não pode manter-se”.


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Notificado o acórdão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, por acórdão nº 581/2012, de 5 de Dezembro de 2012, proferido no processo nº 204/12 (fls. 568 e sgs.), decidiu:

“a) Não julgar inconstitucional, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, o artigo 70º, nº 1, 1.1, da Tabela de taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2008, e mantido em vigor, sem qualquer actualização no ano de 2009, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra, de 27 de Fevereiro de 2009, conforme o nº1 do Aviso nº 5156/20098, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março; e, em consequência,

b) Conceder provimento ao recurso, e ordenar a reforma da decisão recorrida de acordo com o antecedente juízo de não inconstitucionalidade.”


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Deste aresto foi interposto recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, com fundamento em oposição de acórdãos, o qual, por acórdão de 1 de Abril de 2014, com o nº 316/2014 (fls. 796 e sgs), no que releva para os presentes autos, negou provimento ao recurso e confirmou o decidido no anterior acórdão nº 581/2012.

Com efeito, pode ler-se no dispositivo do acórdão proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional que:

“Pelo exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, o artigo 70º, nº 1, 1.1, da Tabela de taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2008, na versão publicada pelo Aviso nº 26235/2008 do Diário da República, II Série, de 31 de Outubro de 2008, e mantido em vigor, sem qualquer actualização no ano de 2009, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra, de 27 de Fevereiro de 2009, conforme o nº1 do Aviso nº 5156/20098, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março; e, em consequência,

b) Negar provimento ao recurso.


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Colhidos vistos, cumpre decidir dando cumprimento ao decidido pelo Tribunal Constitucional.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
1- Por ofícios de 19.02.09, processo n° 1762/2009, 1765/2009, 1767/2009, 1768/2009 e 1769/2009, foi notificada a impugnante para proceder ao pagamento da quantia de € 9 680,00 respeitante á taxa devida pelos equipamentos de abastecimento de combustíveis previsto no n° 1.1 e no n° 1.2.1, do art° 70° da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2009, face às licenças de equipamento de combustíveis autorizados para os postos de abastecimento situados em propriedade privada - cfr ofícios e Licença de Equipamentos de Combustíveis Líquidos, de fls 12 a 26, dos autos.
2- A liquidação referida em 1 diz respeito a cento e vinte e um equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos, tendo por fundamento os condicionamentos de tráfego e acessibilidades, o impacto ambiental e consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais, tendo o contribuinte reclamado graciosamente daquela taxa, a qual veio a ser indeferida por deliberação da Câmara proferida em 15.07.09, devidamente notificada ao interessado em 03.08.09. - cfr. petição de reclamação de fls 27 a 93, Ofício de fls 94, Informação - Proposta, Proposta e Deliberação Camarária, de fls 95 a 101 e e correspondência postal de fls 201 e 202, dos autos.

Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. »


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2.2. De direito

Antes de entrarmos na apreciação da questão essencial que se discute nos presentes autos – a conformidade constitucional do artigo 70º, nº 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2008, na versão publicada pelo Aviso nº 26235/2008 do Diário da República, II Série, de 31 de Outubro de 2008, e mantido em vigor, sem qualquer actualização no ano de 2009 – importa analisar, tal como resulta da conclusão p) das alegações de recurso, se a sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia.

Com efeito, na apontada conclusão, refere a Recorrente que “ainda que se admitisse que o tributo em análise se fundava na remoção de um obstáculo jurídico (o que apenas se admite por mera cautela e sem conceder), sempre haveria que analisar, em concreto, se o seu fundamento seria ou não arbitrário, o que a douta sentença recorrida não cuidou de fazer, enfermando, assim, de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. art. 668°, n.° 1, alínea d) do CPC, ex vi art. 2° do CPPT)”.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer sobre a alegada omissão de pronúncia.

Nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no actual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, a que correspondia o anterior artigo 668º, nº1, alínea d) do mesmo diploma], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”. O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Não há dúvidas, perante a leitura da sentença, que a mesma analisou a questão que lhe foi colocada pela impugnante: a natureza dos tributos sindicados e a (in)constitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 103º, nº2 e 165º, nº1, alínea i) da CRP, das normas que estiveram subjacentes à emissão das quantias liquidadas.

O Tribunal não tem que analisar, como se disse, todas as razões e argumentos invocados pelo impugnante para fazer valer o bem fundado da sua pretensão. No caso, além do mais, não é sequer evidente que a apontada arbitrariedade do fundamento do tributo – remoção de um obstáculo jurídico – tenha sido invocada na p.i.

Por conseguinte, e sem necessidade de outras considerações, atento o disposto nos artigos e 125º do CPPT e, bem assim, as demais disposições legais do CPC a que fizemos referência, há que concluir não ocorrer a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia que vimos de analisar.

Improcede, pois, pelas razões expostas, a conclusão p).

Isto visto, avancemos.


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Ora, a questão fulcral que se discute neste processo, já o dissemos, consiste em saber da conformidade constitucional do artigo 70º, nº 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2008, na versão publicada pelo Aviso nº 26235/2008 do Diário da República, II Série, de 31 de Outubro de 2008, e mantido em vigor, sem qualquer actualização no ano de 2009, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra, de 27 de Fevereiro de 2009, conforme o nº1 do Aviso nº 5156/20098, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março, com o estatuído nos artigos 103º, nº2 e 165º, nº1, alínea i), da CRP.

Estão em causa, como ressalta daquilo que ficou já dito, taxas, emitidas pelo Município de Sintra, relativamente a postos de abastecimento de combustíveis líquidos situados, inteiramente, em propriedade privada.

Já vimos que o citado acórdão do Tribunal Constitucional decidiu pela negativa, ou seja, pela não inconstitucionalidade, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, do artigo 70º, nº 1, 1.1, da Tabela de taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2008, e mantido em vigor no ano de 2009. No mesmo sentido já tinha se tinha decidido na sentença recorrida.

Por conseguinte, a questão que constitui o objecto do presente recurso, encontra-se resolvida definitivamente pelo acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, o qual, partindo da existência, in casu, do sinalagma inerente à noção de taxa, concluiu pela não verificação da apontada inconstitucionalidade. Isto mesmo resulta do teor daquele aresto que, seguidamente, passaremos a transcrever nos trechos que se nos afiguram mais relevantes.

Antes, porém, importa deixar nota do teor do preceito em que se integra a norma objecto de recurso para o Tribunal Constitucional:


«Artigo 70.º

Equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos – Alínea d) do n.º 7 do artigo 64.º da Lei 169/99 de 1 de janeiro, com a redação introduzida pela Lei 5-A/2002, de 11 de janeiro; RMOVPMS; Reg. Obras Trabalhos no Subsolo de Domínio Público, n.º 2 do artigo 6.º da Lei 53-E/2006 de 29 de dezembro; Lei de Bases do Ambiente – Lei n.º 11/87 de 7 de abril

1 – Por cada um e por ano: € 80,00 (d).

1.1 – Em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais (ar, águas, solos) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes:

1.2 – À taxa prevista no ponto 1.1. acresce, ainda, a seguinte taxação:

1.2.1 – Instalados inteiramente em domínio público - € 590 (d).

1.2.2 – Instalados em domínio público, mas com depósito em propriedade privada - € 416,50 (d).

1.2.3 – Instalados em propriedade privada, mas com depósito em domínio público - € 518,50 (d).

1.2.4 - Instalados inteiramente em propriedade privada, mas abastecendo em domínio público - € 233 (d).

(d) – IVA não sujeito»

Recuperemos, então, o citado acórdão do Tribunal Constitucional:

“(…)

No caso sub iudicio, porém, uma vez que o tributo aplicado pelo Município de Sintra se funda exclusivamente num regulamento municipal aprovado ao abrigo do artigo 56.º, n.º 2, da Lei das Autarquias Locais (a Lei n.º 169/99, de 1 de janeiro) e do artigo 8.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, adiante referida simplesmente como “RGTAL”); e, uma vez que inexiste qualquer outro diploma legal que contenha uma habilitação genérica para a aprovação pelos municípios de outro tipo de tributos, das duas uma: ou o tributo previsto no artigo 70.º, n.º 1, ponto 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, aprovada no ano de 2008, e aplicada à ora recorrente em 2009, se pode reconduzir ao conceito de «taxa» consagrado no citado RGTAL, e, por conseguinte, aquele preceito regulamentar não é inconstitucional; ou, diversamente, correspondendo o tributo previsto no artigo 70.º, n.º 1, ponto 1.1, daquela Tabela a um «imposto» ou a uma «outra contribuição tributária com contornos paracomutativos», o mesmo preceito não poderá deixar de ser tido como incompatível com o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. E isto independentemente da compreensão do conceito jurídico-constitucional de «taxa».

(…)

O RGTAL é, assim, o único diploma legal que habilita o Município de Sintra a criar os tributos constantes da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, aprovada no ano de 2008, uma vez que só ele permite dar cumprimento ao princípio da legalidade das taxas e demais contribuições financeiras decorrentes da norma de reserva relativa de competência legislativa consignada no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

(…)

Para o efeito, importa recordar que está em causa o conceito de taxa das autarquias locais, hoje consagrado no artigo 3.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro: as «taxas» são tributos devidos como contrapartida: (i) da prestação concreta de um serviço público local; (ii) da utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais; ou (iii) da remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei. Este conceito evidencia também que um concreto tributo pode merecer a qualificação de taxa por mais do que uma razão. Na verdade, é de admitir que um qualquer tributo, consoante os termos da sua previsão, possa ser perspetivado como contrapartida de um único, ou de mais do que um, dos benefícios típicos e individualizados auferidos pelo respetivo sujeito passivo ou, em alternativa, pura e simplesmente não possa ser perspetivado como contrapartida de qualquer benefício daquela natureza.

(…)”

Referindo-se à justificação da taxa cobrada, o TC faz salientar que “o simples funcionamento e a exploração de postos de abastecimento de combustíveis envolve riscos para a segurança e a saúde das pessoas e interfere com a «qualidade do ambiente» (no sentido dado a esta expressão no artigo 5.º, n.º 2, alínea e), da Lei n.º 11/87, de 7 de abril – a Lei de Bases do Ambiente: “a adequabilidade de todos os seus [do ambiente] componentes às necessidades do homem”), razões que levaram o legislador a estabelecer um quadro normativo técnico com caráter preventivo e a consagrar um sistema de fiscalização destinado a fazê-lo respeitar. Estas ações do legislador configuram por isso – ao menos, também – uma concretização do dever de proteção do ambiente. Na verdade, os postos de abastecimento de combustíveis, em si mesmos enquanto depósitos, e o seu funcionamento, representam uma fonte de poluição, em especial para os componentes ambientais ar, água, solo e subsolo nas suas imediações (cfr. o artigo 21.º da Lei de Bases do Ambiente). É também a proibição de poluir que justifica os condicionamentos normativos e os termos concretos da ação fiscalizadora a desenvolver (cfr. o artigo 26.º da Lei de Bases do Ambiente)” e, bem assim, que “incumbe aos municípios o dever de proteção dos interesses acautelados na legislação e regulamentação própria dos postos de abastecimento de combustíveis. E esse dever legal é permanente e específico, porque dirigido à garantia de regras especiais, de modo a, por exemplo, detetar situações de “perigo grave para a saúde, a segurança de pessoas e bens, a higiene e a segurança dos locais de trabalho e o ambiente” e “tomar imediatamente as providências que em cada caso se justifiquem para prevenir ou eliminar a situação de perigo” (cfr. o artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro); ou situações de infração às regras de exploração de postos de abastecimento (cfr. o artigo 45.º e seguintes do «Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis»)”.

E prossegue o acórdão que se vem transcrevendo, “É a existência deste dever legal de fiscalização especificamente imposto às câmaras municipais com referência aos postos de abastecimento de combustíveis, para mais pautado por requisitos técnicos especiais previstos em legislação própria, que torna menos plausível – para não dizer completamente implausível – a inexistência de atividades de fiscalização e a adaptação das estruturas e serviços municipais nos planos da proteção civil e da defesa do ambiente.

“(…)

Em suma, o dever legal de fiscalização dos postos de abastecimento de combustíveis por parte das câmaras municipais cria uma presunção suficientemente forte no sentido de que a simples localização daqueles postos em determinada circunscrição concelhia é causa de uma atividade de vigilância e de ações de prevenção por parte do município correspondente, não só para dar cumprimento à lei, como principalmente para evitar que os riscos quanto à segurança de pessoas e bens, os riscos para a saúde pública e os riscos ambientais associados à existência e funcionamento daquelas instalações se materializem. É, pelo menos «normal», e é seguramente expectável da parte de autoridades públicas jurídica, social e ambientalmente responsáveis, que o significado e importância dos bens postos em perigo pela existência e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis, em articulação com as obrigações legais dos municípios, que estes desenvolvam em relação aos postos de abastecimento localizados nas respetivas circunscrições todas as ações a que legalmente estão obrigados, entre as quais se inclui a mencionada vigilância permanente com intuitos de prevenção. Assim sendo, não parece que lhes deva ser exigido que, para justificar a fixação de uma taxa como contrapartida de tais ações realizadas em cumprimento da lei, façam prova de cada uma dessas ações junto dos destinatários das mesmas.

(…)

Na verdade, conforme referido no artigo 3.º do RGTAL, “as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local”. No caso vertente é razoável e forte a presunção, feita a partir da natureza dos postos de abastecimento de combustíveis e dos deveres legais de fiscalização que incumbem às câmaras municipais (factos indiciários), da existência de uma atividade de vigilância permanente por parte dos serviços camarários dirigida àquele tipo de instalações e ao seu modo de funcionamento. Assim sendo, é lícito presumir que quem explora postos de abastecimento de combustíveis “não localizados nas redes viárias regional e nacional” dá azo ou provoca uma atividade de fiscalização por parte das câmaras municipais correspondentes às circunscrições concelhias em que os postos se localizem. A implantação dos mesmos postos “inteiramente” em propriedade privada ou em terrenos do domínio público municipal é, para este efeito, irrelevante, já que os riscos e a vigilância legalmente exigida são idênticos nas duas situações. O que releva é o tipo de instalação e não a natureza privada ou pública onde a mesma se encontra implantada. Mais: essa atividade de vigilância é, pela peculiaridade dos requisitos técnicos que visa controlar, exclusivamente imputável às ditas instalações. Nos municípios em que não se localizem tais postos de abastecimento, não há lugar a tal ação de vigilância.

E tanto basta para que a taxa prevista no artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 se possa reconduzir ao conceito do artigo 3.º do RGTAL, afastando, por consequência, a arguida inconstitucionalidade orgânica e formal daquele preceito regulamentar.

(…)

Daquilo que fica transcrito, e sem necessidade de mais amplas considerações, dada a análise exaustiva que as questões mereceram por parte do Tribunal Constitucional, podemos afirmar que não procedem as razões do Recorrente quando afirma, in casu, não estarmos perante uma taxa, sem prejuízo de, como o próprio Tribunal Constitucional assumiu, nem sempre este ter sido o entendimento sufragado por este Tribunal.

É inegável, em face da apreciação levada a cabo, a existência de uma contraprestação por parte do Município – uma atividade de vigilância e de ações de prevenção por parte do município correspondente, não só para dar cumprimento à lei, como principalmente para evitar que os riscos quanto à segurança de pessoas e bens, os riscos para a saúde pública e os riscos ambientais associados à existência e funcionamento daquelas instalações se materializem - contraprestação esta, aliás, que o Tribunal Constitucional não hesita em afirmar que não parece que lhes deva ser exigido – leia-se, aos Municípios - que, para justificar a fixação de uma taxa como contrapartida de tais ações realizadas em cumprimento da lei, façam prova de cada uma dessas ações junto dos destinatários das mesmas. E isto é assim, independentemente de, como no caso se verifica, os postos de abastecimento estarem situados inteiramente em propriedade privada.

Acresce que alegação/ conclusão segundo a qual a Recorrente possui a necessária licença de exploração dos referidos postos de abastecimento emitida pela entidade competente (DRE), nos termos da legislação em vigor, tendo liquidado taxa respectiva, não retira lugar à liquidação das taxas impugnadas.

Como salientou o Tribunal Constitucional, a este respeito, “Com efeito – e abstraindo agora dos aspetos conexionados com a «fiscalização do cumprimento de deveres específicos», considerados autonomamente – a verdade é que a licença de exploração de postos de combustíveis, enquanto ato administrativo de execução continuada (ou de eficácia duradoura), também não esgota os seus efeitos num só momento, através de um ato ou facto isolado. Bem pelo contrário, constitui uma relação jurídica duradoura no quadro da qual o licenciado adquire o direito de exercer uma atividade que, mesmo cumprindo os deveres específicos impostos pela legislação e regulamentação técnica aplicável, interfere permanentemente com a conformação de bens públicos, como o ambiente (ar, águas e solos), o urbanismo, o ordenamento do território e a gestão do tráfego. Ou seja, também no caso em apreço se verifica que, no quadro das licenças de exploração dos postos de abastecimento da recorrida inicial, ora recorrente, o Município de Sintra, apesar de não ter sido a entidade emitente das mesmas, fica duradouramente obrigado a suportar atividades que interferem permanentemente com a conformação de bens públicos que tem por atribuição proteger. O mesmo é dizer, que, embora assente na licença de exploração, a remoção do obstáculo jurídico ao comportamento do particular – desde logo, a proibição de poluir – é permanente e não pode deixar de ser imputada ao próprio Município, uma vez que compete hoje à Câmara Municipal de Sintra licenciar a exploração de postos de abastecimento de combustíveis como os da ora recorrente (cfr. o artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro).

(…)

Ora, a grande diferença no caso sujeito é que a taxa a aplicar nos termos do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 pressupõe já o benefício da remoção do obstáculo jurídico, isto é, a licença de exploração de postos de abastecimento de combustíveis. O que aquela taxa vem valorar é, no quadro de tal licenciamento, aspetos ainda nele não considerados, uma vez que o licenciamento em causa é determinado por lei especial que não tem de tomar em linha de consideração a especificidade dos interesses municipais. Será que, por ser assim, fica a taxa do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, desprovida de uma estrutura bilateral?

A resposta deve ser negativa, uma vez que o licenciamento dos postos de abastecimento de combustíveis nos termos do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, removendo embora um obstáculo jurídico, não toma – e, em rigor, nem pode tomar, atento o princípio da autonomia das autarquias locais - em consideração a obrigação passiva do Município de Sintra de se conformar com a influência modeladora da atividade licenciada. E este deve ser o aspeto decisivo: existe um comportamento sujeito a licenciamento que constitui aquele Município numa dada obrigação de suportar impactes negativos da atividade licenciada que pura e simplesmente não são considerados na licença. E a taxa em causa é a contrapartida específica de tal obrigação passiva. Não ocorre dupla tributação, uma vez que a mesma obrigação pura e simplesmente não é considerada nas taxas a pagar por ocasião da emissão ou renovação da licença. Também aqui deve valer a ideia de que as taxas do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro não consomem a taxa do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, uma vez que se reportam a contrapartidas diferentes.

Deste modo, se se tiver em conta não cada ato administrativo de licenciamento individualmente considerado, mas as relações jurídicas constituídas pelos mesmos, nada impede que o mesmo ato – rectius a relação jurídica por ele constituída - possa funcionar, em momentos distintos e relativamente a diferentes entidades públicas, como pressuposto da exigência de prestações pecuniárias coativas a título de taxas.

Assim, também com base em tal perspetiva se pode considerar a taxa prevista no artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 legítima à luz do artigo 3.º do RGTAL, ficando do mesmo modo afastado o juízo de inconstitucionalidade emitido pelo tribunal recorrido”.


*

Por conseguinte, não se verificando in casu, a invocada inconstitucionalidade, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, improcedem as demais conclusões da alegação da recorrente, sendo de negar provimento ao recurso.

No sentido aqui defendido, vejam-se também os acórdãos do TCA Sul de 05/02/13 (processo nº 06245/12) e de 30/01/14 (processo nº 06870/13).

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença, com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 26 de Junho de 2014.


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Benjamim Barbosa)

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(Pereira Gameiro)