Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10200/13
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/16/2017
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores: ALTERAÇÃO DO REGIME DO RECURSO
RECORRIBILIDADE DOS DESPACHOS INTERLOCUTÓRIOS.
Sumário:I).- Tratando-se no recurso de um despacho interlocutório e não se integrando em qualquer das alíneas do n°2 do art° 691° do CPC, segue a regra geral de impugnação no recurso que venha a ser interposto da decisão final, prevista no n°3 do citado art° 691° (hoje 644º do NCPC), bem como no n°5 do art° 142° do CPTA.

II).- Este normativo institui uma regra especial quanto ao regime de subida e à tramitação dos recursos dos despachos interlocutórios segundo a qual estes são impugnados no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos em que o recurso deva subir imediatamente, segundo o regime do CPC.

III).- Será na apelação de subida diferida, que o recorrente deverá oportunamente identificar o despacho interlocutório recorrido no requerimento de interposição do recurso da decisão final e expor as razões por que entende impugnar esse despacho nas alegações do recurso apresentado contra a decisão final.

IV).- Tendo em conta tal regime e em atenção os contornos da concreta situação sob análise o presente recurso só deverá ser apreciado se o Município for condenado na acção executiva e dessa condenação decidir interpor recurso jurisdicional.

V).- É que, como decorre do artº 641º, nº5, do NCPC, “A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no nº3 do artigo 306º”.

VI).- Uma vez que o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal superior quanto ao regime do recurso definido na 1ª instância, nada obsta a que se aprecie e decida agora se o recurso só deverá ser apreciado se o Município for condenado na acção executiva e dessa condenação decidir interpor recurso jurisdicional.

VII).- Assim, a procedência desta questão prévia, é determinante da revogação do despacho que admitiu o recurso para subir imediatamente, devendo determinar-se a baixa dos autos à primeira instância para aí prosseguir os seus termos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I- RELATÓRIO

O MUNICÍPIO DE PONTE DE SOR, irresignado, com a decisão do TAF de Castelo Branco que julgou improcedente a questão prévia deduzida na sua oposição, da compensação no montante em que foi condenado, de valor relativo à aplicação de multa contratual, e ordenou o prosseguimento dos autos, veio recorrer para este Tribunal Central, apresentando alegação e formulando as seguintes conclusões:

“1. A recorrente quando invoca o pagamento da multa, não exerce qualquer direito contratual, antes limita-se a executar vinculadamente a sanção aplicada, acto administrativo inegavelmente inimpugnável;
2. O reconhecimento das quantias em dívida e ora executadas de forma alguma fazem percutir o direito do recorrente de impor a realização da prestação em quantia, certa aplicada a título da sanção administrativa por atrasos na execução da obra, conforme o Artigo 201.º Decreto-lei nº 59/99, então aplicável;
3. A recorrida não cumpriu a sanção aplicada;
4. Não obstante a mesma ser exigível
5. E ter a referida sanção formado caso decidido (Bestandskraft), por não ter sido impugnada;
6. A sanção aplicada não confere qualquer direito ao recorrente, uma vez que a mesma resulta, na sua• natureza e efeitos, do exercício de poderes de autoridade;
7. Qualifica-se tal sanção como um verdadeiro acto de administrativo;
8. Que ao não ter sido impugnado, o acto administrativo sancionatório externalizou-se na ordem jurídica, produzindo efeitos impositivos que vinculam directamente o recorrente e a recorrida;
9. Multa esta que multa resultou do uso de poderes de autoridade, que não estão na livre disponibilidade, nem resulta de um juízo de oportunidade do recorrente;
10. Prevalece o princípio da legalidade na sua dimensão actual de prevalência da lei na actividade administrativa "jamais é produto, de uma faculdade permissiva, de um licere, de um Dürfen; mas sempre e só de uma faculdade concedente, de um posse, de um Kõnnen ";
11.0pondo-se.-a qualquer acto ou decisão judicial em modos e efeitos análogos ao caso julgado material, isto porque a sanção aplicada resultou de uma verdadeira DECISÃO administrativa, que estabelece uma relação jurídica nova autónoma face à relação jurídica contratual de direito público;
12.Logo, o não cumprimento voluntário da sanção, legitima o recorrente a recorrer aos meios e faculdades legais previstas para o efeito, em particular os que estejam especialmente previstos e reconhecidos por lei, como é o caso do artigo 233.º.
13. 0 Recorrente exerceu o seu poder de autoridade reconhecido por lei deduzindo ao montante da prestação por si devida o valor da sanção aplicada à recorrida -artigo 233º, nº1 2 do Decreto-Lei nº59/99.
14.Ao contrário do que invoca a sentença, não se trata de uma compensação stricto sensu, antes do exercício de uma prerrogativa de poderes públicas que não, carece de mediação judicial (isto porque a sua execução; como veremos supra, é directamente levada a cabo pela recorrente);
15. 0 Regime de Empreitadas e Obras Públicas, aplicável ao contrato confere, não um direito, mas sim uma prerrogativa de autoridade pública de a execução da sanção ser feita directamente mediante a dedução ao valor das facturas pagas, enquanto meio especial de execução (veja-se o tratamento especial e autónomo que é dado no diploma legal);
16. Significa por isso, que pela natureza autoritária da faculdade gal conjuntamente com a previsão em lei especial, que as regras e requisitos da compensação não-podem ser aqui invocados;
17. Até porque este poder de dedução não pode, pela natureza legal e especial de garantia conferida aos contratos administrativos, ser objeto de renúncia ou limitação, constituindo uma disposição imperativa que integra a ordem pública;
18. Vale o princípio lei especial derroga a lei geral;
19. Até porque, o conceito de superveniência, teleologicamente! Interpretado e tal como decorre dos autores citados na sentença, mais do que ao momento temporal da ocorrência do facto constitutivo do contra-direito, diz respeito à existência de um direito oponível ao pedido pelo Autor, que se consubstancia numa excepção peremptória;
20. Todavia, a execução da sanção, ainda que decorra de um facto anterior à acção, não carecia de invocação para a sua execução, nem do seu exercício, porquanto a faculdade legal conferida não faz depender das regras gerais relativas à compensação, mas do regime especial inerente às relações jurídicas administrativas;
21. Neste caso, o direito de dedução legal é um meio especial conferido aos contratos de empreitadas de obras públicas, cujo regime prevalece sobre o regime geral de extinção de obrigações;
22. Superveniência no sentido do artigo 171.º, n.º1 do Código de Processo de Tribunal Administrativo deve ser entendido não tendo em conta a ocorrência temporal do facto, mas antes a susceptibilidade de produção dos seus efeitos;
23. 0 facto superveniente resulta da exigibilidade do exercício do direito, todavia in casu o facto que justifica a dedução e o exercício da. prerrogativa pública de dedução só ocorre no momento em q é exigido o pagamento, logo supervenientemente à sentença;
24. Posto isto, a douta sentença não se ateve à especificidade da relação contratual e da prerrogativa pública conferida pelo artigo 233.º do Decreto-Lei nºº59/99;
25. A isto acresce, sem conceder, o facto de ser admitida a compensação de uma sanção administrativa em função de um direito de crédito titulado pelo administrado por aplicação do artigo 89º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ex vi artigo 155º, nº1Código de Procedimento Administrativo;
26.O comportamento do recorrente é, por isso, legítimo e lícito, tendo a Câmara Municipal, na sequência da actuação da recorrida, deliberado proceder à compensação do crédito, conforme os artigos 7.º, n.º 2 do Decreto Lei nº 433/99 aplicado supletivamente;
27. A decisão da câmara de exigir a compensação ocorre em data posterior à sentença que a ordena, pelo que o facto extintivo é superveniente.
28. O artigo 89º do Código do Procedimento e Processo Tributário deve ser interpretado em consonância com a finalidade e regime da execução fiscal e do acto administrativo em causa;
29.Posto isto tendo o recorrente transferido a quantia de 78.807,92€,
para a recorrida em 4 de Maio de 2012, extinguiu-se integralmente o crédito da recorrida contra o recorrente, nos termos compensatórios acima alegados e deliberados.
NESTES TERMOS DEVE A OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO PARA QUANTIA CERTA SER ADMITIDA E, NOS TERMOS D0 ARTIGO 149.º, N.º4 DO CÓDIGO DE PROCESSO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, DEVE A OPOSIÇÃO SER JULGADA PROVADA E POR ISSO PROCEDENTE.”

A recorrida contra-alegou e ampliou o objecto do recurso como se capta das conclusões seguintes, que formulou:
“I. Nos termos da parte fina! do n,° 1 do artigo 171° do CPTA a Oposição à Execução só pode basear-se em facto superveniente, modificativo ou extintivo da obrigação exequenda, ou seja apenas quando tenham ocorrido circunstâncias supervenientes ao título exequendo que sejam aptas a modificar ou a extinguir o direito por aquele titulado.
II. Visa-se, assim, evitar que o processo executivo possa destruir o caso Julgado formado na acção declarativa e que a oposição à execução possa constituir uma renovação de um litígio já decidido.
III No que à excepção de compensação respeita, o que releva para aferição da sua superveniência é o momento em que se verificam os seus pressupostos, não sendo relevante o momento em que ocorreu a declaração de compensação mas sim os factos constitutivos do (contra) crédito que está na base da declaração.
IV. A multa contratual que constitui o contra-crédito que a Recorrente pretende agora compensar foi aplicada em 2005, lê., muito antes da Sentença apresentada à execução e dos próprios articulados.
V. Ou seja, os factos constitutivos do contra-crédito da Recorrente verificaram-se antes de dar entrada a acção administrativa comum de que a presente execução constitui apenso, pelo que a invocação da compensação, em sede declarativa, estaria sempre sujeita ao regime processual do artigo 489.° do CPC que consagra e materializa o princípio da concentração da defesa e ao efeito preclusivo do caso julgado, impedindo a sua invocação posterior.
VI. Pelo que é forçoso concluir que a compensação de créditos invocada pela ora Recorrente como fundamento da Oposição à Execução não constitui, por isso, facto superveniente para os efeitos do artigo 171º do CPTA.
VII. Carecia, assim, a Entidade Executada {ora Recorrente) de qualquer fundamento legai para deduzir Oposição, tendo, por isso, a Sentença a quo decidido correctamente ao julgar improcedente a oposição, devendo, por isso, ser mantida a dita decisão.
Ampliação do recurso - Efeito preclusivo
VII. A não apresentação de Contestação por parte da Recorrente, na acção declarativa que deu origem à sentença dada à execução, implicou a confissão da totalidade dos factos alegados peio Autor na sua Petição Inicial - conforme resulta do n.° 1 do artigo 484,° do Código de Processo Civil, aqui aplicado ex vi n.° 1 do artigo 42.8 do CPTA.
IX. Ao confessar os factos vertidos nos artigos 22.° a 60.° da Petição Inicial apresentada peia ora Recorrida na acção declarativa, a Recorrente contraria e infirma todos os fundamentos invocados para a aplicação da multe, retirando a esta qualquer justificação.
X. Estando tal confissão abrangida pela autoridade de caso julgado, não poderá a Recorrente, em sede de Oposição à Execução, vir aproveitar-se dos efeitos da multa aplicada (pretenso direito de crédito), quando, segundo os factos que ela própria confessou nos autos, não havia fundamentos para a aplicar.
XI. Por força da sua confissão e do caso julgado que a abrange, ficou a Recorrente precludida de invocar a multa contratual aplicada, o que, consequentemente, impede a invocação da compensação por falta de um dos seus pressupostos - a existência de um contra-crédito exigível,
XII. Mesmo que assim não se entendesse, a invocação da compensação em que o contra-crédito (multa) se fundamenta em factos totalmente contrários àqueles que a Recorrente confessou na acção declarativa, sempre constituiria uma situação que excederia os limites impostos pela boa-fé, tomando o exercício de tal direito (aplicação de muita e, consequentemente, a invocação do crédito dela emergente para efeitos de compensação) ilegítimo por abusivo, nos termos do artigo 334.° do Código Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente e, consequentemente, ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Caso assim V. Exas, não venham a entender,
Devem os fundamentos da ampliação do recurso invocados pela Recorrida ser julgados procedentes e, em consequência, ser proferida decisão que julgue improcedente a oposição apresentada pela Recorrente e, em consequência, determine o prosseguimento da execução.”

A Recorrente apresentou contra-alegação à ampliação recursória sustentando, no essencial, os pontos de vista que expusera na alegação inicial que, segundo ela, apontam para que os recorridos actuam com manifesto abuso de direito e, porque se verificam os pressupostos legais para a dedução da multa contratual ao montante em dívida pela recorrente, deve julgar-se improcedente o pedido de ampliação do objecto do recurso porque, diz, a dedução impõe-se, como aduzido em sede de alegações, por efeito legal do artigo 233º, nº1, do Decreto-Lei nº 59/99, não dependendo por isso da manifestação de qualquer vontade.


O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso por se tratar de um despacho interlocutório.

As partes, notificadas da excepcionalidade suscitada pelo EPGA, nada disseram.
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2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DOS FACTOS

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º, nº6 do NCPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto constante da sentença recorrida, que não vem impugnada.
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2.2. DO DIREITO

Como resulta do disposto nos artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do NCPC- sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso- as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
O presente recurso visa o despacho do TAF de Castelo Branco que julgou improcedente a questão prévia deduzida na sua oposição, da compensação no montante em que foi condenado, de valor relativo à aplicação de multa contratual, e ordenou o prosseguimento dos autos nos seguintes termos:
“A solução jurídica demanda apenas aplicação de direito. Bastará atentar, circunstancialmente, que:
1º) - O título dado à execução é sentença, em acção intentada pela exequente em 2006 [cfr. p. i. e seu registo].
2º) - De data anterior a esta última é a aplicação à executada de multa contratual, por não conclusão de obra no prazo contratual de empreitada, a que se refere a compensação invocada, multa no valor de € 121.531,53 – cfr. o alegado pela executada.
Tanto basta.
Julga-se irrelevante para a decisão qualquer averiguação quanto a saber se a multa de que o réu pretende operar compensação com o crédito exequendo se pode ou não afirmar firme na ordem jurídica (matéria que a discussão empreendida pelas partes também envolve), ou sequer quanto às prerrogativas do réu na execução coerciva de tal multa (para sua execução, sendo aí o crédito que serve a compensação… por iniciativa da aqui executada… o aqui crédito exequendo), e também quanto ao contraposto pela exequente relativamente a uma suposta autoridade de julgado alicerçada no que foi “confissão ficta” na acção declarativa e abuso de direito.
Julga-se de liminar evidência a sem razão da oposição do executado.
Admite o art.º 171º, nº 2, do CPTA a oposição fundada na invocação de facto superveniente, modificativo ou extintivo da obrigação.
Não há fundamento para que a compensação, como facto extintivo ou modificativo da obrigação, não possa ser invocada na acção executiva. Ponto é que, baseando-se a execução em sentença, a situação de compensação seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento – artº 814º, al. g), do CPC.
Não consubstancia a alegada compensação facto superveniente. Cf. Ac. Do STA, de 11-10-2012, proc. nº 0205/12 :
«O cumprimento de sentença que condene a Administração a pagar uma determinada quantia só poderá ser posto em causa se esta invocar a existência “de facto superveniente, modificativo ou extintivo da obrigação” (art.º 171.º/1 do CPTA) isto é, se após a prolação daquela decisão condenatória, invocar a ocorrência de um facto posterior ao encerramento da causa e de, em função dele, a obrigação deixar de ser devida ou ser devida noutros termos.»
Como escreve Lebre de Freitas (CPC Anotado, vol. 3, pág. 317) “a excepção em sentido próprio não pode ser feita valer em oposição quando se baseie em pressupostos já verificados à data do encerramento da discussão”. Efectivamente, a lei exige que o facto extintivo ou modificativo da obrigação que se executa seja posterior ao encerramento da discussão, como forma de compatibilizar este fundamento de oposição à execução, baseada em sentença, com a necessidade de, em princípio, a decisão reflectir a situação existente, no momento do encerramento da discussão, de acordo com o preceituado pelo artigo 663º, nº 1, do CPC. É, por isso, que o facto extintivo ou modificativo que ocorrer antes do encerramento da discussão, mas de que o réu não teve conhecimento ou não dispôs do documento necessário para o provar, não pode servir de fundamento de oposição à execução, porque não ocorreu, posteriormente, àquele encerramento (Alberto dos Reis: RLJ, Ano 76º, 162; Proc. Ex., 1º - 29) (1). «Na verdade, o preceito não retira nem limita o direito de acesso ao direito e aos tribunais, apenas condiciona a prova do facto extintivo ou modificativo, que terá de ser feita documentalmente e só em sede de embargos opostos a execução fundada sentença, tudo em ordem a evitar que o processo executivo seja utilizado para destruir o caso julgado formado na acção declarativa, no âmbito da qual o executado teve todas as possibilidades de defesa, e obstar a que os embargos se transformem na renovação do litígio já decidido pela sentença que se executa (cf. Alb. Dos Reis – obra cit.-28).» - Ac. STJ, de 02-12-2008, proc. nº 08A3355. Como se sumaria no Ac. do TRC, de 24-03-2009, proc. nº 67/03.0TBOFR- B.C1 : «3) Pretende-se evitar por um lado que o processo executivo sirva para invalidar o caso julgado e por outro lado também que a oposição à execução se preste a um renovar de litígios a que pôs termo a sentença. 4) Para efeitos compensatórios na acção executiva, o que conta é a anterioridade do crédito que se pretende compensar e não o momento em que a declaração de compensação é feita ao credor; caso assim não fosse, descoberto estava o expediente para iludir as exigências legais, deixando o funcionamento do mecanismo compensatório inteiramente à mercê do devedor.».
«A superveniência da compensação, como facto extintivo de uma obrigação resultante de sentença condenatória, não pode aferir-se pelo momento da declaração da compensação, sob pena de o ónus da apresentação da excepção na contestação não ter qualquer significado.» - Ac. RP, de 15-02-2001, proc. nº 0031752.

Recordando trecho da réplica apresentada pela exequente (sic)

«Texto no original

[fim de transcrição]

Consistindo a compensação num facto causal da extinção das obrigações, para além do cumprimento, e encontrando-se hoje a mesma apenas dependente da vontade do devedor de exercer a compensação, em relação ao credor, a sua inoponibilidade, por crédito anterior ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, resulta cristalina das regras do caso julgado, considerando-se que, não tendo essa excepção sido deduzida na acção, tal implica que o contra-direito do réu se tenha de haver arredado de implicar tal efeito extintivo.
Cfr. Ac. STJ, de 02-12-2008, proc. nº 08A3355 :
I - O que releva para a determinação da superveniência da compensação, como facto extintivo do crédito exequendo, não é a declaração de compensação, mas os factos constitutivos do contracrédito que estão na base daquela declaração.
II - Verificando-se que a constituição do contracrédito que a embargante invoca (resultante do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado entre as partes) ocorreu em momento anterior ao encerramento da discussão na acção declarativa em que foi proferida a sentença exequenda, não pode o mesmo servir de base para a pretendida compensação.
Concluindo, não surte êxito a invocação da excepcionada compensação.

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O tribunal decide, pelo exposto:
-julgar improcedente a oposição, antes prosseguindo a execução, nos termos já assinalados em despacho liminar.
Custas: pelo executado.”

Como se disse, a EPGA suscitou a questão prévia cuja procedência implica a revogação do despacho que admitiu o recurso para subir imediatamente, baixando os autos à primeira instância para aí prosseguir os seus termos.
Ouvidos sobre a suscitação dessa questão, as partes silenciaram.
O certo é que, como se antolha da decisão recorrida e das alegações dos Recorrente e Recorrida o presente recurso jurisdicional interposto pelo Município executado, visa o despacho que, pelos fundamentos retro expostos, considerou improcedente a questão prévia deduzida na sua oposição, da compensação no montante em que foi condenado, de valor relativo à aplicação de multa contratual, e ordenou o prosseguimento dos autos.
E, na verdade, concorda-se com a ilustre EPGA quando sustenta que o presente recurso foi interposto e subiu intempestivamente.
Isso porque se trata manifestamente de um despacho interlocutório e não se integrando em qualquer das alíneas do n°2 do art° 691° do CPC, segue a regra geral de impugnação no recurso que venha a ser interposto da decisão final, prevista no n°3 do citado art° 691° (hoje 644º do NCPC), bem como no n°5 do art° 142° do CPTA.
Com efeito, este n° 5 institui uma regra especial quanto ao regime de subida e à tramitação dos recursos dos despachos interlocutórios (como é, manifestamente, o ora questionado) segundo a qual estes são impugnados no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos em que o recurso deva subir imediatamente, segundo o regime do CPC.
Donde que era na apelação de subida diferida, que o recorrente deveria oportunamente identificar o despacho interlocutório recorrido no requerimento de interposição do recurso da decisão final e expor as razões por que impugnava esse despacho nas alegações do recurso apresentado contra a decisão final.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in Comentário ao CPTA, 2ª ed. “nesses casos, o legislador terá optado, por razões de celeridade processual, pela interposição de um recurso único, em que o recorrente impugna, não apenas a decisão final desfavorável, como todas as decisões interlocutórias que, caso sejam revogadas ou alteradas pelo tribunal superior, poderão influenciar o resultado final.
Não se trata, portanto, apenas de diferir as alegações relativas ao recurso do despacho interlocutório para o momento em que deva subir o recurso da decisão final, mas de impugnar o próprio despacho interlocutório nesse momento.
Em favor deste entendimento perfilam-se duas ordens de argumentos. Por um lado, não há nenhuma indicação de que a lei tenha pretendido estabelecer, em relação aos recursos de despachos interlocutórios de subida diferida, um regime de interposição de recurso diverso do previsto, em geral, no artigo 144.°, n° 2, onde se estabelece que "o recurso é interposto me­diante requerimento que inclui ou junta a respectiva alegação"; se houvesse a intenção de afastar este regime, o legislador teria sido mais explícito, optando por uma formulação que tornasse claro que era apenas a apresentação da alegação que era diferida para o momento da subida do agravo, à semelhança do que já previa o antigo artigo 746.° do CPC. Por outro lado, o regime especial de impugnação previsto neste n.º 5 justifica que o Código não tenha contemplado, no seu artigo 143.°, um efeito devolutivo para os recursos de despachos interlocutórios de subida diferida. Na verdade, o artigo 143.°, n.°1, atribui, em regra, efeito suspensivo aos recursos, efeito que é manifestamente inadequado para os recursos de despachos que não põem termo ao processo, como é o caso dos despachos interlocutórios (794 No domínio da LPTA. em relação às decisões que julgassem improcedente uma questão prévia e ordenassem o prosseguimento do processo, a jurisprudência administrativa atribuía ao recurso efeito devolutivo e o regime de subida diferida com o primeiro recurso que houvesse de subir imediatamente (cfr. acórdão do STA(P), Jurisprudência Administrativa Escolhida, pág. 705). A questão do efeito do recurso está, todavia, prejudicada, conforme se expõe no texto, pela solução legal de se admitir a impugnação diferida desse tipo de decisões).E a única explicação plausível é a de que esses despachos só são impugnados a final, e têm, como tal, o efeito e regime de subida dos recursos interpostos da decisão final (795 Como é de concluir, este regime afasta-se do previsto no artigo 743.° do CPC, que, na redacção resultante da reforma de 1995/1996. impôs que as alegações fossem oferecidas no prazo de quinze dias a contar da notificação do despacho que admita o recurso, eliminando a possibilidade, que constava do antigo artigo 746.° do mesmo Código, de o recorrente optar pela apresentação imediata das alegações ou alegar apenas na altura em que o agravo devesse subir). Por outro lado, a este entendimento não obsta o disposto no artigo 87.°, n° 2, que, embora imponha uma preclusão, não implica a imediata formação de caso julgado formal em relação às questões nele mencionadas.
Entre os despachos interlocutórios que têm subida diferida e se encontram, como tal, abrangidos pela primeira parte do n°5, contam-se os despachos que. na fase do saneamento do processo, julguem improcedente uma questão prévia (cfr. artigo 87.°, n.°1, alínea a), e n.° 2, no que concerne à acção administrativa especial).
Por sua vez. considerando o disposto no artigo 734.° do CPC, para que remete este n.°5, encontram-se abrangidos pela excepção contida na segunda parte da norma, e, como tal, sobem imediatamente os recursos interpostos: (a) do despacho pelo qual o juiz se declare impedido ou indefira o impedimento oposto por alguma das partes; (b) do despacho que aprecie a competência absoluta do tribunal: (c) dos despachos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.“
Vale isto por dizer e em atenção aos contornos da concreta situação sob análise que o presente recurso só deverá ser apreciado se o Município for condenado na acção executiva e dessa condenação decidir interpor recurso jurisdicional.
E como decorre do artº 641º, nº5, do NCPC, “A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no nº3 do artigo 306º”.
Dito de outro modo: o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal superior quanto ao regime do recurso definido na 1ª instância, pelo que nada obsta que se aprecie e decida agora se o recurso só deverá ser apreciado se o Município for condenado na acção executiva e dessa condenação decidir interpor recurso jurisdicional.
E, do que ficou dito, na procedência da questão prévia, impõe-se revogar o despacho que admitiu o recurso para subir imediatamente, devendo determinar-se a baixa dos autos à primeira instância para aí prosseguir os seus termos, o que se fará constar do dispositivo final deste acórdão.
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3.-DECISÃO:

Termos em que se acorda em julgar procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público e, em consequência revogar o despacho que admitiu o recurso para subir imediatamente, devendo determinar-se a baixa dos autos à primeira instância para aí prosseguir os seus termos.
Sem custas.
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Lisboa,16-02-2017


(José Gomes Correia) _____________________________________

(António Vasconcelos) _____________________________________

(Pedro Marchão) _________________________________________

(1) Cfr. Ac. STJ, de 02-12-2008, proc. nº 08A3355 :

V- A superveniência que interessa para efeitos da alínea g) do art. 814.º do CPC é a objectiva, sendo irrelevante a superveniência subjectiva. Na verdade, se o facto extintivo ocorreu antes do encerramento da discussão, mesmo que a embargante dele não tivesse tido conhecimento ou não dispusesse de documento para o provar não pode servir de fundamento de oposição à execução fundada em sentença.
VI- Por outro lado, a superveniência exigida pela alínea g) do art. 814.º do CPC refere-se aos factos constitutivos do contracrédito que a embargante pretende compensar com o crédito exequendo e não aos danos que se produzirem ao longo de determinado espaço temporal. Assim, é irrelevante o facto de alguns dos danos provocados à embargante se terem prolongado ou repercutido no tempo, pois o crédito indemnizatório que pretende fazer valer constituiu-se com o referido cumprimento defeituoso.