Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:436/15.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/28/2017
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS NÃO PROVADOS
Sumário:I. O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo constitucional (205.º, n.º 1, da CRP da Constituição da República Portuguesa), que no âmbito do processo tributário se encontra regulado no art. 123.º, n.º 2 do CPPT impondo a discriminação da matéria de facto provada e a não provada, devendo ser fundamentada a decisão, sob pena de nulidade da sentença sancionada no art. 125.º do CPPT;
II. Não se verifica a falta da fundamentação da sentença quando nesta se faz constar que “inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir”, pois resulta da expressão utilizada que a decisão de não dar como provados factos se fundou numa análise dos factos alegados e num juízo de interesse para a decisão desses factos, face à causa de pedir, não tendo o juiz o  dever de tomar posição sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão da causa;
III. Estamos perante “questão nova” que não pode ser conhecida em sede de recurso quando é invocada pela Oponente na p.i a inexigibilidade da dívida exequenda por se encontrar a decorrer o prazo para impugnação judicial da dívida no momento em que é instaurado o processo de execução fiscal, e apenas em sede de recurso se invoca a inexistência ou irregularidade da notificação, questão esta que não é de conhecimento oficioso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

I.          RELATÓRIO

E..., com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal por si intentada, contra dívidas provenientes de IRS do ano 2010, no montante de € 70.500,42.

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«Conclusões:

       1- No caso sub judice constata-se que o Senhor Juiz a quo se limitou, quanto aos factos não provados, a exarar o seguinte: "Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir."

2 - Assim não se conseguem identificar os factos não provados porque não é
possível saber quais as alegações que para o Senhor Juiz constituem matéria conclusiva ou de direito. O que impede, aliás, que se sindique o juízo de irrelevância que lançou sobre os factos que estão para além dos factos provados.

3 - A sentença padece, pois, de um vício que gera a sua irregularidade,

4  - A nulidade decorrente da falta de fundamentação de facto e de direito está
relacionada com o comando legal que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos
que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas
correspondentes, e que se baseia na exigência constitucional plasmada no art.°
205.° n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.

5 - Ao utilizar o conceito de exclusão como mecanismo declarativo dos factos não
provados o Senhor Juiz a quo delimitou, ainda que de modo bastante impreciso, o
acervo de factos que considerou não provados. Por isso a fórmula utilizada permite -
ainda que com pouco rigor - estabelecer com maior ou menor acerto o conjunto de
factos não provados que o Mm.° Juiz a quo teve em mente ao exarar a fórmula que
utilizo. Isto é, ao referir-se de forma genérica aos factos não provados a sentença
em crise não padece de falta de fundamentação mas apenas de deficiente
exteriorização do iter cognoscitivo do julgador.

6 - Ora o vício de que padece a Douta Sentença, ora em crise, gera pois
irregularidade de natureza instrutória, uma vez que se constata existir uma
deficiência a este nível associada à escassa exteriorização dos factos não provados,
com reflexos na própria compreensibilidade da sentença.

7 - Concluindo, verifica-se uma situação de défice instrutório impõe-se a baixa dos
autos ao tribunal a quo (art.° 662.°, n.° 2, al.c), do CPC) tendo em vista a supressão
da irregularidade cometida.

8 - A sentença carece de fundamentação de facto, ainda que sumária, que evidencie de molde concretizado a ponderação dos meios probatórios e o modo como, com base neles, o julgador formou a sua convicção. O que gera a, nesta senda, nulidade da Douta Sentença.

9 - Em sede de oposição veio a ora recorrente invocar a inexigibilidade da divida exequenda.

10      - Em momento  posterior  à  notificação  das  Liquidações,  a  AF teria
necessariamente de proceder a nova notificação da recorrente para pagar o imposto
em causa e os juros devidos.

11      - Não o tendo feito, nada legitimava a AF a considerar que a partir da notificação
da liquidação, a situação estaria sanada em função de os prazos em causa serem
como que compatíveis, não resultando daqui qualquer prejuízo para a recorrente.

12 - Assim, e na medida em que a notificação que lhe foi efectuada para tal fim não
lhe era oponível, importa, pois, concluir, que à recorrente não foi concedido um
prazo para pagamento voluntário da dívida, facto este que determina a ilegalidade
da instauração da execução por incumprimento do disposto nos artigos 84°, 85° e
"maxime" 88° do CPPT, sendo que a dívida exequenda apenas coercivamente não
seria exigível, o que configura o fundamento de oposição fiscal previsto na alínea i),
do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, o que significa que não pode concluir-se como
decidido.

13 - Ao decidir como decidiu a Douta Sentença violou o disposto nos artigos 36,°,
123.°, 204.°do CPPT, 77.° da LGT, 607.° do CPC e 205.° CRP.

Termos em que, e nos do muito douto suprimento de V. Exas., Senhores Juízes, pede seja concedido provimento ao recurso, anulando-se a douta sentença -proferida em primeira instância, e em consequência julgando procedente a oposição à execução.

Desse modo V. Exas. farão, como sempre, JUSTIÇA»

A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

****


Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


****

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

****

As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

            _ Nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e défice instrutório [art. 662.º, n.º 2 al. c) do CPC] (conclusões 1 a 8);

_ Erro de julgamento de direito por entender que se verifica o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, uma vez que a dívida é inexigível por a notificação não lhe ser oponível (conclusões 9 a 13 das conclusões de recurso).

II.         FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


«III.1 De facto:
Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. Em 18/2/2005, E... iniciou a actividade de cultura de leguminosas secas e sementes oleaginosas (CAE 01112), enquadrada no ano de 2010 em sede de IRS na categoria B, no regime de contabilidade organizada por opção, e em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral (cf. informação oficial a fls. 50 e dados do contribuinte a fls. 24 ambas dos autos).
2. Em 21/5/2011, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2011 1458096, relativa ao ano de 2010, com o valor a receber de EUR 28.454,31, reembolso concretizado em 4/6/2011 (cf. informação oficial a fls. 50 e comprovativos a fls. 25 e 26 dos autos).
3. Em 28/2/2012, a oponente aderiu ao sistema de notificações electrónicas Via CTT (cf. Print informático a fls. 23 dos autos).
4. Em 25/7/2014, a Administração Tributária emitiu a liquidação de IRS n.º 2014 5005188708, com o valor a pagar de EUR 42.046,11 relativa ao exercício de 2010, resultante de uma inspecção tributária realizada à oponente (cf. liquidação constante de fls. 28 dos autos).
5. Em 31/7/2014, foi emitida a nota de compensação n.º 2014 00019542643, no valor de EUR 70.500,42, com data limite de pagamento de 29/9/2014 (cf. nota de compensação a fls. 32 dos autos).
6. Em 5/8/2014, foram enviadas à oponente Via electrónica CTT a demonstração da liquidação de IRS e de juros, entregues na caixa electrónica da oponente em 5/8/2014 (cf. registo informático constante a fls. 29 e 31 dos autos).
7. Em 5/8/2014, foi enviada à oponente Via electrónica CTT a demonstração de acerto de contas, entregue na caixa electrónica da oponente em 5/8/2014, com data limite de pagamento 29/9/2014 e a advertência de que “Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo” (cf. documento e registo informático constantes a fls. 32 e 33 dos autos).
8. Em 27/1/2015, a ora oponente apresentou reclamação graciosa, na qual peticiona a anulação da liquidação adicional de IRS identificada no ponto n.º4 (cf. documento de entrega a fls. 34 dos autos).
9. Em 17/10/2014, o serviço de finanças de ..., emitiu em nome da oponente, a certidão de divida n.º 2014/2632711, relativa a IRS do ano de 2010, no valor de EUR 70.500,42 (cf. certidão a fls. 19 e 20 dos autos).
10. Em 17/10/2014, o serviço de finanças de ... instaurou o processo de execução fiscal n.º 1970201401213881 contra a ora oponente (cf. autuação a fls. 14 dos autos).
11. Em 29/10/2014, a oponente recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o envio postal registado do oficio de citação para a execução fiscal, constante de fls. 21 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido (cf. AR a fls. 22 dos autos em suporte de papel).
12. Em 28/11/2014 a oponente enviou ao serviço de finanças de ... a presente oposição à execução fiscal (cf. envelope fls. 16 dos autos).
13. Em 3/3/2015, o Serviço de Finanças de ... enviou à oponente o oficio n.º 1970/000748/2015, com o assunto “Suspensão de PEF – Apresentação de Reclamação Graciosa” cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, no qual informa a oponente da garantia a prestar para efeitos de suspensão do processo executivo (cf. oficio a fls. 49 dos autos).

*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.
*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»


****

            Com base na matéria de faco supra exposta a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria julgou improcedente a oposição entendendo que não se verificavam quaisquer dos fundamentos de oposição à execução fiscal invocados pela Oponente.

           

            A Recorrente não se conforma com o decidido, invocando, desde logo, nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e défice instrutório [art. 662.º, n.º 2 al. c) do CPC] uma vez que “não se conseguem identificar os factos não provados porque não é possível saber quais as alegações que para o Senhor juiz constituem matéria conclusiva ou de direito. O que impede (…) que se sindique o juízo de irrelevância que lançou sobre os factos que estão para além dos provados” (conclusões 1 a 8).

            Apreciando.

Na sentença recorrida escreve-se que “Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.” .

É esta decisão em particular que a Recorrente vem sindicar imputando-lhe nulidade por falta de fundamentação e défice instrutório [art. 662.º, n.º 2 al. c) do CPC] pretendendo que os autos baixem à 1.ª instância para suprimento da irregularidade.

            Das alegações de recurso que são sintetizadas nas conclusões resulta que a Recorrente interpreta aquele segmento da sentença recorrida no sentido de que a Meritíssima Juíza terá entendido que “os factos não provados serão todos aqueles que não se incluem nos factos provados e nas alegações conclusivas e de direito produzidas pelas partes”.

            Vejamos.

O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo constitucional (205.º, n.º 1, da CRP da Constituição da República Portuguesa).

            No âmbito do processo tributário vigora o art. 123.º, n.º 2 do CPPT impondo que na sentença se discrimine a matéria de facto provada e a não provada, devendo ser fundamentada a decisão. Por outras palavras, cabe ao juiz não só discriminar os factos provados, como os não provados, e em ambos os casos motivar a respectiva decisão.

Nos termos do disposto no art. 125.º do CPPT constitui nulidade da sentença “a não especificação dos fundamentos de facto”.

A propósito da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto é esclarecedor o Acórdão do STA de 16/01/2013, proc. n.º 0343/12, no qual se sumariou que “I – As decisões judiciais estão sujeitas ao dever de fundamentação por força do disposto no artigo 158º do CPC, o que constitui, aliás, imperativo constitucional que decorre do n.º 1 do artigo 205.º da CRP. II – O art. 125.º do CPPT e o análogo art. 668.º, nº 1, al. b), do CPC estipulam que é nula a sentença quando falte a especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, e estes preceitos são aplicáveis aos despachos judiciais por força do estipulado no nº 3 do art. 666º do CPC. III – Se a decisão judicial de indeferimento do requerimento que a impugnante apresentou no processo de impugnação judicial – no sentido de que fosse determinado ao órgão de execução fiscal a suspensão do processo executivo face ao pedido formulado na petição inicial de impugnação de dispensa de prestação de garantia – é totalmente omissa quanto aos factos provados necessários à aplicação do direito, verifica-se omissão absoluta de julgamento em matéria de facto, que constitui uma nulidade que deve, aliás, ser conhecida oficiosamente pelo STA face ao disposto no nº 3 do art. 729º do CPC.” (sublinhados nossos).

           

            Mais se explicitou naquele acórdão, a respeito da questão, que “[e]sta especificação dos fundamentos da decisão judicial refere-se à sua motivação ou fundamentação no plano factual e jurídico e passa pela expressão e discriminação da matéria de facto considerada pertinente para apoiar a solução de direito, cumprindo, assim, uma dupla função: por um lado, impõe necessariamente ao juiz um momento de controlo crítico da lógica e da bondade da decisão; por outro, permite, pela via do recurso, o reexame da decisão por ele tomada. Razão por que a falta de julgamento dos factos necessários à decisão constitui, aliás, nulidade de conhecimento oficioso, em paralelo com a nulidade prevista nos artigos 729.º e 730.º do Código de Processo Civil, pois que – de acordo com o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-11-1996, proferido no recurso n.º 20805 – o n.º 1 do art. 144º do CPT (a que corresponde o actual art. 125.º do CPPT) e a alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, ao exigirem a especificação dos fundamentos de facto da decisão, referem-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita, ao julgamento dos factos necessários à mesma decisão, cuja falta constitui, ao contrário daquela, nulidade do conhecimento oficioso. No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, os acórdãos desta Secção de 3-6-1992, de 20-2-2008, de 12-11-2008, de 12-01-2011, de 10-03-2011 e de 16-11-2011, proferidos nos recursos n.º 14284, n.º 903/07, n.º 546-08, nº 638/10, nº 716/10, e nº 453/11, respectivamente.” (sublinhado nosso).

Deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cfr. por todos, Ac. do STA de 04/03/2015, proc. n.º 01939/13).

A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.)

Por isso, como salienta Jorge Lopes de Sousa devam “considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação”, já que esta se destina “a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão”, e, por isso, “quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, pp. 357 a 361.)

            No que diz respeito à selecção da matéria de facto a discriminar escreve Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 321: “Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de tomar posição sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis de direito [arts. 508.°--A, n.° 1, alínea e), 511 .° e 659.º do CPC] . Assim, tanto relativamente aos factos provados como aos não provados, no que concerne a matéria fáctica que não possa relevar para a decisão, à face de qualquer das soluções plausíveis de direito, não há necessidade de fazer tal discriminação.”

           

            Regressando ao caso dos autos, e aplicando o supra exposto, vejamos se a sentença recorrida enferma dos vícios que a Recorrente lhe imputa, designadamente, de nulidade por falta de fundamentação e défice instrutório [art. 662.º, n.º 2 al. c) do CPC].

Do segmento da sentença recorrida ora em escrutínio o que resulta é que “inexistem factos não provados”, ou seja, não há qualquer facto não provado (com interesse para a decisão da causa), e por essa razão não se enumera qualquer facto não provado.

            Por outras palavras, o que se decidiu na sentença recorrida, quanto à matéria de facto é que, por um lado, resultaram provados os factos enunciados nos pontos 1 a 13, e por outro lado, não há qualquer facto não provado com interesse para a decisão da causa, e por essa razão, não se enumeram quaisquer factos não provados, porque entendeu-se que não existem.

            Realce-se que, ao contrário do que parece entender a Recorrente, a razão pela qual a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria não deu como provado quaisquer factos, ou seja, os fundamentos dessa decisão, encontram-se claramente exarados na sentença, designadamente, atendeu-se ao interesse para a decisão da causa dos factos alegados, e à causa de pedir: “Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.” (sublinhado nosso).

            Portanto, é evidente que a decisão de não discriminar a matéria de facto não provada encontra-se suficientemente fundamentada.

            Portanto, não se verifica a violação do disposto no art. 125.º, n.º 1 do CPPT, nem do disposto no art. 205.º, n.º 1 da CRP, estando suficientemente especificados os fundamentos de facto da decisão, bem como não se verificando qualquer défice instrutório que imponha a baixa dos autos nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 662.º do CPC.

            Pelo exposto, improcedem a conclusões 1 a 8 das alegações de recurso).

            Invoca ainda a Recorrente erro de julgamento de direito, por entender que se verifica o fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, uma vez que a dívida é inexigível por a notificação não lhe ser oponível (conclusões 9 a 13 das conclusões de recurso). Entende que, em momento posterior à notificação das liquidações, a Autoridade Tributária (AT) teria necessariamente de proceder a nova notificação para pagar o imposto e juros devidos, sendo ineficaz em relação à Recorrente a notificação das liquidações de 06/09/2014 (ponto 6 e 7 dos factos provados).

            Analisada a p.i. a Recorrente invocou enquanto fundamento da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT a inexigibilidade da dívida exequenda porque  a dívida não se encontrava vencida uma vez que não havia decorrido o prazo de impugnação.

            A sentença recorrida, atendendo ao invocado na p.i. analisou a questão, entendendo que a oponente nas suas alegações não põe em causa a notificação das liquidações considerando que a dívida era exigível porque a extracção da certidão de dívida não depende do decurso do prazo de impugnação judicial.

            Neste contexto, verifica-se que no presente recurso a Recorrente extravasa a causa de pedir que resulta da sua petição inicial, designadamente ao invocar que a notificação que lhe foi efectuada é ineficaz, e que sempre seria ter sido efectuada uma segunda notificação, pois tais questões em momento algum foram suscitadas pela Oponente na p.i., e por essa razão até se afirma na sentença recorrida que “[a] oponente nas suas alegações não põe em causa a notificação das liquidações”.

            Ora, a inexigibilidade da dívida exequenda que é invocada pela Oponente na p.i. prende-se com o facto (alegado) de ainda se encontrar a decorrer o prazo para impugnação judicial da dívida quando foi instaurado o processo de execução fiscal, nunca se invocando inexistência ou irregularidade da notificação que agora vem suscitada.

            Como vimos, na sentença recorrida quanto a questão da inexigibilidade da dívida por se encontrar a decorrer prazo para a impugnação decidiu-se no sentido de não assistir razão à Oponente, pois “[a] instauração da execução fiscal para pagamento da liquidação de IRS, que não foi paga no prazo de pagamento voluntário, no decurso do prazo para a dedução de impugnação judicial ou durante a sua pendência, não é prematura, nem ofende o direito que assiste à oponente de impugnação”.

            Sucede que, no presente recurso, e nessa parte, não se imputa qualquer vício à sentença recorrida, ou seja, a Recorrente não impugna a decisão recorrida no segmento que decidiu que a extracção da certidão de dívida não depende do decurso do prazo de impugnação.

As questões suscitadas pela Recorrente nas suas conclusões de recurso 9 a 13 não foram apreciadas na decisão recorrida, porque não foram invocadas na p.i., e nessa medida, também não podem ser conhecidas em sede de recurso, por não caber no seu âmbito, considerando ainda que não estamos perante questão de conhecimento oficioso.

 

Com efeito, dispõe o n.º 1 do art. 627.º que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.

Conforme a jurisprudência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, reiterada e uniformemente, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, e por essa razão, regra geral, em sede de recurso, não se pode tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado (cfr. Ac. do STA de 05/11/2014, proc. n.º 01508/12, de 01/10/2014, proc. n.º 0666/14, de 13/11/2013, proc. 1460/13, de 28/11/2012, proc. 598/12, de 27/06/2012, proc. 218/12, de 25/01/2012, proc. 12/12, de 23/02/2012, recurso 1153/11, de 11/05/2011, proc. 4/11, de 1/07/2009, proc. 590/09, 04/12/2008, proc. 840/08, de 2/06/2004, proc. 47978 (Pleno da Secção do Contencioso Tributário).

O recurso jurisdicional tem por objecto a sentença recorrida, sendo o meio adequado a obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores (e que não tenham sido objecto de decisão transitada em julgado) obtendo, deste modo, a sua anulação ou alteração com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento), pressupondo, em regra, que o tribunal recorrido já tenha apreciado as questões objecto de recurso.

Face ao exposto, não se conhece do fundamento de recurso vertido nas conclusões de recurso 9 a 13 por se tratar de questão nova, ou seja, não suscitada na p.i., que não é de conhecimento oficioso, e não tendo a Recorrente imputado qualquer vício aos demais fundamentos da sentença para além dos constantes nas suas conclusões 1 a 8, mais não resta do que negar provimento ao recurso.


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Sumário

I. O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo constitucional (205.º, n.º 1, da CRP da Constituição da República Portuguesa), que no âmbito do processo tributário se encontra regulado no art. 123.º, n.º 2 do CPPT impondo a discriminação da matéria de facto provada e a não provada, devendo ser fundamentada a decisão, sob pena de nulidade da sentença sancionada no art. 125.º do CPPT;

II. Não se verifica a falta da fundamentação da sentença quando nesta se faz constar que “inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir”, pois resulta da expressão utilizada que a decisão de não dar como provados factos se fundou numa análise dos factos alegados e num juízo de interesse para a decisão desses factos, face à causa de pedir, não tendo o juiz o  dever de tomar posição sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão da causa;

III. Estamos perante “questão nova” que não pode ser conhecida em sede de recurso quando é invocada pela Oponente na p.i a inexigibilidade da dívida exequenda por se encontrar a decorrer o prazo para impugnação judicial da dívida no momento em que é instaurado o processo de execução fiscal, e apenas em sede de recurso se invoca a inexistência ou irregularidade da notificação, questão esta que não é de conhecimento oficioso.

III.        DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


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Custas pela Recorrente, sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia.

Oportunamente informe o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Benavente (processo n.º 139/13.2IDSTR) do trânsito em julgado do presente acórdão.

D.n.

Lisboa, 28 de Setembro de 2017


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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Joaquim Condesso