Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6394/13.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MÉTODOS INDICIÁRIOS
Sumário:I A nulidade por omissão de pronúncia, prevista nos artigos 125.º do CPPT e 615.º do CPC (668.º à data dos factos), só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar, o que significa que, no âmbito dos deveres de cognição do Tribunal, impõe-se ao juiz o dever de conhecer todas as questões que as partes tenham sujeitado à sua apreciação, excetuando, como é obvio, aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II São consideráveis as exigências impostas à Fazenda Publica na demonstração da verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiciários, não sendo permitido, por conseguinte, meros elencos de irregularidades nem com afirmações meramente conclusivas
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

L..., veio deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL face às liquidações adicionais de IVA dos anos de 1995 e 1996 e juros compensatórios.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por sentença de 25 de outubro de 2012, julgou procedente a impugnação.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«a) Foram violados pela douta sentença o artigo 125/ 1 do CPPT - falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar -, o artigo 86° do CIVA à data aplicável, o artigo 89º do CPT à data aplicável, o artigo 127/ 1 do CPT à data aplicável, o artigo 36º alínea c) da LPTA à data aplicável, o artigo 123° alínea a) do CPT, o artigo 40º da LPTA e artigo 474 alínea b) do CPC à data aplicáveis; os artigos 38º do CIRS e artigos 82° e 84° do CIVA à data aplicáveis.

b) O acto impugnado vem identificado como sendo "apresentar impugnação judicial relativamente à fixação adicional de IVA do ano de 1995 e 1996..."(parte inicial da petição) e "que seja anulada, por indevida, a fixação de IRS referente aos anos de 1995 e 1996" (parte final da petição). Como acto de fixação (ou apuramento) do IVA tem de entender-se o referido no artigo 84° do respectivo código (praticado pelo de finanças ou, após a respectiva reclamação, pela Comissão Distrital de Revisão). Com efeito, no âmbito deste imposto não há fixação de matéria tributável mas de imposto, com os meios de recurso previstos para as reclamações das decisões que fixem a matéria tributável. Daquele apuramento reclamou o impugnante para a Comissão Distrital de Revisão, nos termos do nº 2 do artigo 84º do Código do IVA e artigo 84º e seguintes do CPT. A comissão de revisão fixou definitivamente o imposto. É desta fixação que se vem impugnar, não se referindo que é da própria liquidação subsequente. Ora, tal fixação ou decisão não é susceptível de impugnação judicial autónoma, como preceitua o artigo 86° do CIVA e artigo 89º do CPT à data aplicáveis. O pedido devia, pois, ter sido rejeitado, não tendo havido pronúncia pela Meritíssima Juiz de Direito. Verificando-se que o impugnante apresentou, com data de 18 de Janeiro de 2000, uma petição dirigida ao Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário a requerer a rectificação da petição inicial, importa evidenciar que: alega no requerimento que se tratou de um mero lapsus calami na identificação do acto impugnado. No entanto, contrariamente ao alegado, não houve mero lapso na identificação do acto impugnado, mas sim falta de identificação. Não identifica a entidade que praticou o acto de liquidação que pretendeu impugnar, nem indicou o valor correcto do processo, requisitos exigidos pelos então artigos 127/1 do CPT e artigo 36º alínea c) da LPTA, aprovada pelo D.L. nº 267/85, de 16/07. Note-se ainda que o pedido de rectificação é deduzido para além do prazo legal de apresentação da impugnação judicial (29/08/1999), estipulado no então artigo 123º alínea a) do CPT. Revelando-se, pois, tal falta insuprível e insusceptível de regularização, devendo levar à rejeição do pedido, nos termos do artigo 40° da LPTA e artigo 474° alínea b) do CPC, à data aplicáveis. Violados os artigos supra, a fazenda pública deve, pois, ser absolvida da instância, o que se requer. Sendo que, constatando-se a falta de pronúncia sobre a invalidade invocada, foi violado pela douta sentença também o artigo 125/ 1 do CPPT.

c) Ao contrário do referido na douta sentença, são adiantadas "as margens apresentadas na contabilidade e declaradas pelo impugnante", juntas em anexo I ao relatório, respectivamente de 81,80% e 57,68%, para 1995 e 1996, as compras de farinha e farelos, a tabela de preços do pão, algumas facturas de venda de pão e a aquisição do forno anelar. A inda, ao contrário do evidenciado pela douta sentença, são enunciados "elementos de facto concretos suficientes para demonstrar as conclusões e ilações realizadas pela administração tributária". Assim, a aplicação de métodos indiciários e cálculos por estimativa tiveram por base a falta de credibilidade da escrita por haver indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido. Conforme referido em sede de relatório de inspecção, a impugnante encontra-se em situação permanente de crédito de IVA, nomeadamente por omissão nas vendas de pão; o resultado fiscal da actividade é diminuto; não são contabilizados nos custos as remunerações do empresário e da mulher, nem as viaturas afectas à actividade, ou seja, metade da mão-de-obra é simplesmente omitida de forma a poder dar a conhecer, apesar de tudo, algum lucro - revelando que na contabilidade há, simultaneamente, omissão de custos e de proveitos. Sendo que, no concernente aos critérios de quantificação seguidos, como evidenciado em sede de comissão de revisão pelo vogal da fazenda, estes encontram-se fundamentados e ajustados à realidade, uma vez que foram aproveitados os parcos elementos constantes da contabilidade, nomeadamente a quantidade de farinha e farelo utilizados para fazer o pão e a tabela de preços do impugnante, tendo sido nos cálculos considerados 5% para desperdícios de farinha e 20% de desconto no preço de venda do pão a todos os clientes (consumidores finais e retalhistas), o que tendo por base um preço médio de venda de pão de 175$00/Kg, se traduz numa receita efectiva de apenas 140$00/Kg. Sendo de notar que o preço de tabela de venda do pão nesses anos oscilou entre 179$00/Kg para o "espanhol pequeno " e 416$00/Kg para o "Mini saloio", conforme tabela de preços.

d) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.»


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O recorrido, devidamente notificado para o efeito, não contra-alegou.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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II - OBJETO DO RECURSO


Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente, a partir da respetiva motivação, que se determina o âmbito da sua intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639 n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – CPC).

Na situação sub judice as questões suscitadas pela recorrente (Fazenda Publica) são as de saber se a sentença recorrida incorreu em:
Ø nulidade por omissão de pronuncia por violação dos artigos o artigo 86° do CIVA à data aplicável, o artigo 89º do CPT à data aplicável, o artigo 127/ 1 do CPT à data aplicável, o artigo 36º alínea c) da LPTA à data aplicável, o artigo 123° alínea a) do CPT, o artigo 40º da LPTA e artigo 474 alínea b) do CPC à data aplicáveis; os artigos 38º do CIRS e artigos 82° e 84° do CIVA à data aplicáveis, e bem assim se
Ø os meios probatórios impunham decisão diversa da recorrida face, à verificação (ou não) dos pressupostos para aplicação de métodos indiciários no apuramento das liquidações impugnadas nos autos.

III - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«1. O impugnante é sujeito passivo coletado pelo Serviço de Finanças da Guarda em sede de IRS pelo regime geral e, em sede de IVA pelo Regime Normal de Periodicidade Trimestral, com início de atividade em 01/01/86. - cfr. fls. 20 a 39 dos presentes autos;

2. A atividade do impugnante consiste na venda a retalho de pão, ao balcão e ainda a sua distribuição pelos comércios que por sua vez vendem ao consumidor final. Para tal possui uma padaria com venda de pão ao balcão, e duas viaturas para distribuição a estabelecimentos que funcionam como postos de venda - cfr. fls. 20 a 39 dos presentes autos;

3. Em 1997, foi emitida Ordem de Serviço nº 4056, de 03/06/97, para averiguar junto do impugnante a sua situação de crédito permanente de IVA perante o Estado e com vista à fiscalização rápida em IVA e IRC de 1995 e, Ordens de Serviço nºs 4130 e 4132 emitidas em 27/0611997, para fiscalização aos exercícios de 1995 e 1996 - cfr. fls. 20 a 39 dos presentes autos;

4. A AF conclui pela aplicação de métodos indiciários, corrigindo o volume de negócios com base na seguinte fundamentação " (...) Juntamos em anexo I a demonstração do resultado bruto e margem de comercialização sobre o custo evidenciadas na declaração de rendimentos dos anos de 1995 e 1996, apresentados pelo sujeito passivo. Verifica-se efetivamente, alguma divergência entre as margens de comercialização dos exercícios referidos (1995 e 1996), que nos parecem demasiado baixas para a atividade exercida. Este facto, acrescido da não contabilização das remunerações do empresário; do número de viaturas afetas à atividade; custos contabilizados e ainda das razões expostas na última parte do ponto 2, leva-nos a concluir que a contabilidade não merece grande credibilidade, pelo que iremos proceder à aplicação dos métodos indiciários para correção do volume de negócios, nos termos do art. 38º do CIRS e arts. 82º e 84º do CIVA (...) - cfr. fls. 20 a 39 dos presentes autos;

5. Refere ainda o relatório inspetivo quanto ao ponto 2, última parte "(...) a venda direta a consumidores finais pouco ou nada representa no volume de negócios. Além do sujeito passivo trabalham na firma dois empregados e a esposa, mas no entanto, só contabiliza as remunerações dos empregados, o que nos parece não refletir os custos e os encargos reais da firma." - cfr. fls. 20 a 39 dos presentes autos;

6. A AF efetuou assim as seguintes correções " (...) Irão ser processadas notas de apuramento mod./382 para arrecadação do imposto calculado no montante de 196.823$00 do exercício de 1995 e, ainda, de 372.072$00 do exercício de 1996 (...) - cfr. fls. 20 a 39 dos presentes autos;

7. Em 25/07/ 1998, o sujeito passivo deduz reclamação para a comissão de revisão (art. 84º CPT), quanto ao apuramento com recurso a métodos indiciários de IVA e juro s compensatórios de 1995 e 1996, no valor de 248.490$00 e 409.350$00, respetivamente - cfr. fls. 51 dos presentes autos;

8. Realizadas as comissões de revisão para o IVA de 1995 e 1996, os vogais não chegaram a acordo, tendo o Presidente da Comissão de Revisão em concordância com o laudo do vogal da Fazenda Pública, mantido inalterado o imposto proposto - cfr. fls. 55 a 85 dos presentes autos;

9. Em 1999, o impugnante é notificado das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios de 1995 e 1996, cuja data limite de pagamento voluntário consta o dia 31/05/ 1999 - cfr. fls. 89 a 95 dos presentes autos;

10. Todo o pão fabricado que não era vendido a particulares ou aos supermercados, era distribuído gratuitamente com destino à alimentação de animais, estas perdas e o baixo preço do pão vendido aos supermercados são perdas. Considera-se que por dia o impugnante tem cerca de 10% de perdas - cfr. depoimento das testemunhas A... e J...;

11. Quer devido à forte concorrência, quer devido ao método tradicional de fabrico do pão, o pão fabricado pelo impugnante tem peso superior ao do mercado, isto para equivaler em tamanho ao pão que é fabricado em moldes industriais. A farinha incorporada no fabrico do pão não dá sempre o mesmo rendimento, variando este conforme os fornecimentos - cfr. depoimento das testemunhas A... e J...;

II. 2 - Dos FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos relevantes que importe considerar como não provados.

II.3 - MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra e com base nos depoimentos escritos das testemunhas.

A..., disse ser cunhado do impugnante e trabalhar com o mesmo há cerca de 15/16 anos a vender e distribuir pão. Explicou o modo de funcionamento da empresa, referindo que a mesma trabalha em moldes muito tradicionais, com muita pouca margem.

J..., é técnico oficial de contas, presta serviços de contabilidade ao impugnante. Pelas conversas que tem com o impugnante revelou conhecimento do funcionamento da empresa, referindo que quer em farinha quer em pão não vendido, o mesmo tem cerca de 10% de perdas na atividade que desenvolve.

O depoimento das testemunhas manifestou-se numa linha de argumentação mais ou menos homogénea, sendo reforçado pela prova documental. Foram por isso, depoimentos consistentes e credíveis.»


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De Direito

Encetamos a nossa apreciação pela primeira questão supra autonomizada, e que se consubstancia em verificar se a sentença é nula por omissão de pronuncia.

Salientamos, porém, antes de dar inicio à referida apreciação, que tendo, na situação em apreço, todo o procedimento até à liquidação decorrido antes da entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT), há que atentar no regime constante do Código de Procedimento Tributário (CPT) (1).

Vejamos então.

Entende a recorrente (FP) que: [F]foram violados pela douta sentença o artigo 125/ 1 do CPPT - falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar -, o artigo 86° do CIVA à data aplicável, o artigo 89º do CPT à data aplicável, o artigo 127/ 1 do CPT à data aplicável, o artigo 36º alínea c) da LPTA à data aplicável, o artigo 123° alínea a) do CPT, o artigo 40º da LPTA e artigo 474 alínea b) do CPC à data aplicáveis; os artigos 38º do CIRS e artigos 82° e 84° do CIVA à data aplicáveis.” – concl. a)

Para assim concluir refere que: “O acto impugnado vem identificado como sendo "apresentar impugnação judicial relativamente à fixação adicional de IVA do ano de 1995 e 1996..."(parte inicial da petição) e "que seja anulada, por indevida, a fixação de IRS referente aos anos de 1995 e 1996" (parte final da petição). Como acto de fixação (ou apuramento) do IVA tem de entender-se o referido no artigo 84° do respectivo código (praticado pelo de finanças ou, após a respectiva reclamação, pela Comissão Distrital de Revisão). Com efeito, no âmbito deste imposto não há fixação de matéria tributável, mas de imposto, com os meios de recurso previstos para as reclamações das decisões que fixem a matéria tributável. Daquele apuramento reclamou o impugnante para a Comissão Distrital de Revisão, nos termos do nº 2 do artigo 84º do Código do IVA e artigo 84º e seguintes do CPT. A comissão de revisão fixou definitivamente o imposto. É desta fixação que se vem impugnar, não se referindo que é da própria liquidação subsequente. Ora, tal fixação ou decisão não é susceptível de impugnação judicial autónoma, como preceitua o artigo 86° do CIVA e artigo 89º do CPT à data aplicáveis. O pedido devia, pois, ter sido rejeitado, não tendo havido pronúncia pela Meritíssima Juiz de Direito. Verificando-se que o impugnante apresentou, com data de 18 de Janeiro de 2000, uma petição dirigida ao Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário a requerer a rectificação da petição inicial, importa evidenciar que: alega no requerimento que se tratou de um mero lapsus calami na identificação do acto impugnado. No entanto, contrariamente ao alegado, não houve mero lapso na identificação do acto impugnado, mas sim falta de identificação. Não identifica a entidade que praticou o acto de liquidação que pretendeu impugnar, nem indicou o valor correcto do processo, requisitos exigidos pelos então artigos 127/1 do CPT e artigo 36º alínea c) da LPTA, aprovada pelo D.L. nº 267/85, de 16/07. Note-se ainda que o pedido de rectificação é deduzido para além do prazo legal de apresentação da impugnação judicial (29/08/1999), estipulado no então artigo 123º alínea a) do CPT. Revelando-se, pois, tal falta insuprível e insusceptível de regularização, devendo levar à rejeição do pedido, nos termos do artigo 40° da LPTA e artigo 474° alínea b) do CPC, à data aplicáveis. Violados os artigos supra, a fazenda pública deve, pois, ser absolvida da instância, o que se requer. Sendo que, constatando-se a falta de pronúncia sobre a invalidade invocada, foi violado pela douta sentença também o artigo 125/ 1 do CPPT. - concl. b).

Vejamos então, porém não, sem antes recordar o regime legal que demarca a nulidade da sentença.

Decorre, desde logo, do disposto no n.º 1 do artigo 125º, do CPPT, que constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
As nulidades da sentença distinguem-se das restantes nulidades do processo tributário, é o que nos diz o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (2) e concretiza; “As nulidades de processo «são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso –uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais».()
As nulidades de sentença, em processo de impugnação judicial, são apenas as que se preveem neste art. 125.º”

No mesmo sentido é, hoje enunciado no artigo 615.º n.º 1 al. d) (3), que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Sabemos que a nulidade por omissão de pronúncia, prevista nos cânones enunciados, só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar, o que significa que, no âmbito dos deveres de cognição do Tribunal, impõe-se ao juiz o dever de conhecer todas as questões que as partes tenham sujeitado à sua apreciação, excetuando, como é obvio, aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Neste ponto, importa ter presente que dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e as que são de conhecimento oficioso, mas não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com questões (4)

No dizer do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (5) “[O]o conceito de «questões»” abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem()”.

Assim e tal com tem sido assumido reiteradamente, por este tribunal, o conhecimento de todas as questões não equivale à exigência de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “… são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (6).

Dito isto, regressamos ao caso em apreciação, dando conta que a invocada omissão de pronúncia se prende, não com qualquer questão que tenha sido colocada à apreciação do tribunal, mas sim, com conceitos procedimentais que o próprio Impugnante vem identificar como “lapsos” indicados na petição inicial e, para os quais pede a respetiva correção, situação, que aliás, é do conhecimento da recorrente (FP) como se vê pelas conclusões recursivas em apreciação.

Na verdade, por requerimento que foi junto aos autos em 18/01/2000, antes de proferida a informação a que se referia, à data, o artigo 130.º do CPT, por conseguinte, antes da remessa do processo ao tribunal, o impugnante (aqui recorrido) veio aos autos dizer que «por mero lapso referiu “apresentar impugnação judicial relativamente à fixação adicional de IVA do ano de 1995 e 1996..."» e pede que se considere escrito «Impugnação de liquidação de IVA, constante das liquidações efetuadas» dizendo ainda que »[O]o mesmo deverá suceder, na conclusão da PI, onde em vez de constar “seja anulada, por indevida a fixação de IVA, se considere escrito, a liquidação de IVA

Com efeito este requerimento não veio a obter qualquer tipo de pronuncia por parte da Fazenda Publica, nem no momento da apreciação do pedido pelo diretor distrital de finanças nem já no tribunal, quando chamado a responder à petição inicial ou em sede de alegação finais.

Por seu lado o tribunal não o ignorou o pedido de correção, e, quanto a nós, bem, e apreciou a legalidade das liquidações adicionais de IVA, nos termos do artigo 120.º do CPT, como lhe foi solicitado.

Ora, em concreto, a Recorrente convoca factualidade que, em seu entender, determinaria uma diferente análise e conduziria a decisão diversa da que foi seguida pelo tribunal, mas mal, porque independentemente do esclarecimento que veio a ser feito pelo recorrente e a que já aludimos, sempre seria de inferir por parte do julgador, que o pedido se dirigia à impugnação das liquidações, já que o impugnante já havia reclamado a decisão de fixação da matéria coletável no uso da reclamação que dirigiu à comissão de revisão (pontos 7 e 8 do probatório), condição de impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação da matéria coletável por métodos indiciários, como estatuía, à data dos factos, o artigo 84.º n.ºs 1 e 3 do CPT, e esperou pela notificação das liquidações oficiosas aqui em conflito (ponto 9 do probatório), para apresentação da petição inicial.

Ainda que, mesmo assim, subsistisse qualquer dúvida quanto ao meio processual utilizado, sempre caberia ao juiz, antes da verificação de qualquer exceção dilatória (como sendo a absolvição da Fazenda Publica da instância, requerida na parte final da alínea b) das conclusões recursivas), a prolação do despacho no sentido do convite ao aperfeiçoamento ao abrigo do artigo 508.º do CPC, na redação em vigor à data dos factos.

Em suma diremos que a situação submetida ao Tribunal - a existir- foi ultrapassada pelo esclarecimento apresentado pelo próprio impugnante ainda na fase administrativa da impugnação (fls. 88 dos autos), claramente apreendida pelo tribunal a quo, que, ab initio, a considerou, não constituindo, qualquer tipo de questão sobre a qual o juiz se devesse pronunciar.

Tanto basta para julgar improcedente as conclusões que vimos de analisar.

Prosseguindo

A segunda questão que nos é colocado no salvatério é que os meios probatórios impunham decisão diversa da recorrida, assumindo que “… eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.” – concl. d)

Para assim concluir, a recorrente vem dizer que: “[A]ao contrário do referido na douta sentença, são adiantadas "as margens apresentadas na contabilidade e declaradas pelo impugnante", juntas em anexo I ao relatório, respectivamente de 81,80% e 57,68%, para 1995 e 1996, as compras de farinha e farelos, a tabela de preços do pão, algumas facturas de venda de pão e a aquisição do forno anelar. A inda, ao contrário do evidenciado pela douta sentença, são enunciados "elementos de facto concretos suficientes para demonstrar as conclusões e ilações realizadas pela administração tributária". Assim, a aplicação de métodos indiciários e cálculos por estimativa tiveram por base a falta de credibilidade da escrita por haver indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido. Conforme referido em sede de relatório de inspecção, a impugnante encontra-se em situação permanente de crédito de IVA, nomeadamente por omissão nas vendas de pão; o resultado fiscal da actividade é diminuto; não são contabilizados nos custos as remunerações do empresário e da mulher, nem as viaturas afectas à actividade, ou seja, metade da mão-de-obra é simplesmente omitida de forma a poder dar a conhecer, apesar de tudo, algum lucro - revelando que na contabilidade há, simultaneamente, omissão de custos e de proveitos. Sendo que, no concernente aos critérios de quantificação seguidos, como evidenciado em sede de comissão de revisão pelo vogal da fazenda, estes encontram-se fundamentados e ajustados à realidade, uma vez que foram aproveitados os parcos elementos constantes da contabilidade, nomeadamente a quantidade de farinha e farelo utilizados para fazer o pão e a tabela de preços do impugnante, tendo sido nos cálculos considerados 5% para desperdícios de farinha e 20% de desconto no preço de venda do pão a todos os clientes (consumidores finais e retalhistas), o que tendo por base um preço médio de venda de pão de 175$00/Kg, se traduz numa receita efectiva de apenas 140$00/Kg. Sendo de notar que o preço de tabela de venda do pão nesses anos oscilou entre 179$00/Kg para o "espanhol pequeno " e 416$00/Kg para o "Mini saloio", conforme tabela de preços.”- concl. c)

Do que se deixa dito, importa dizer desde já que não é para nós, claro, se na conclusão d), a recorrente pretende ou não impugnar a decisão da matéria de facto, dado que, não obstante refira que, os meios probatórios impunham decisão diversa da recorrida, acaba por concluir no sentido de que esses meios probatórios constam dos autos (eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.)

Ora, admitindo que assim é, ou seja, que a intenção é a impugnação da matéria de facto, desde já se avança que se trata de uma arguição condenada ao insucesso, face aos níveis de exigência postulados no artigo 685.º-B do anterior CPC (agora 640.º do mesmo diploma legal), por falta de concretização dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e bem assim, os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre a matéria de facto impugnada que impunham decisão diversa da recorrida, tudo em conformidade com o n.º 1 alíneas a) e b) da norma citada.

Dito isto, consideramos consolidada a materialidade apurada e prosseguimos com a verificação da (i)congruência da conduta da AT na aplicação de métodos indiciários confrontada com a apreciação que dela fez a sentença recorrida.

Na sentença, a Mma juíza, após ter levado a cabo, o enquadramento legalmente exigido pela lei fiscal em vigor à data dos factos, para recurso à tributação por métodos indiciários e à imposição atribuída à administração tributária da demonstração da verificação dos pressupostos legitimadores dessa forma de determinação da matéria tributável, vem concluir no sentido de que, face aos factos apurados no probatório, não se mostrarem verificados os pressupostos de aplicação dos métodos indiretos.

Para assim concluir atentou que: «… a inspeção no relatório final e que antecedeu a fixação de rendimentos por métodos indiciários e que originou posteriormente as liquidações de IVA dos anos de 1995 e 1996, em causa, refere que, passamos a enunciar: " (...) a demonstração do resultado bruto e margem de comercialização sobre o custo evidenciadas na declaração de rendimentos dos anos de 1995 e 1996, apresentados pelo sujeito passivo. Verifica-se efetivamente, alguma divergência entre as margens de comercialização dos exercícios referidos (1995 e 1996), que nos parecem demasiado baixas para a atividade exercida. Este facto, acrescido da não contabilização das remunerações do empresário; do número de viaturas afetas à atividade; custos contabilizados e ainda das razões expostas na última parte do ponto 2, leva-nos a concluir que a contabilidade não merece grande credibilidade, pelo que iremos proceder à aplicação dos métodos indiciários para correção do volume de negócios"

Sendo que, na última parte do ponto 2 do relatório inspetivo, aí se refere "Além do sujeito passivo trabalham na firma dois empregados e a esposa, mas, no entanto, só contabiliza as remunerações dos empregados, o que nos parece não refletir os custos e os encargos reais da firma."

Porém, tais fatores, para além de serem, por si só, vagos e de força probatório duvidosa porque abstratamente considerados, não poderem deixar de ser absolutamente irrelevantes quando são desacompanhados de qualquer concretização, sendo esta a situação que ocorre no caso em apreço.

Com efeito, do teor completo do Relatório de Inspeção constata-se que, em momento algum a Administração Fiscal concretizou: quais foram as operações da mesma natureza que devem ser atendidas e que justificam que os conhecimentos e a experiência delas advenientes sejam relevantes no caso dos autos.

Não existiu o mínimo relevo às especificidades pessoais ou subjetivas e objetivas que rodeiam a atividade desenvolvida pelo impugnante, nem foram aferidos ou testados face a algumas deficiências contabilísticas encontradas se, ainda assim, através da colaboração do sujeito passivo, poderia realizar-se o apuramento do volume de negócios através da avaliação direta, recorrendo às chamadas correções técnicas.

Na fundamentação aduzida pela Administração Tributária não se encontram elementos de facto concretos e objetivos de onde se possa retirar, com uma certeza razoável, que os valores declarados pelo impugnante não correspondem aos valores reais.

Ou seja, o Relatório não enuncia sequer elementos de facto concretos suficientes para demonstrar as conclusões e ilações realizadas pela Administração Tributária, ou seja, quais as margens de comercialização "demasiado baixas para o sector" - não adianta quais "as margens médias do setor" nem quais "as margens apresentadas na contabilidade e declaradas pelo impugnante".

Aponta como causa concorrente, os custos contabilizados, referindo em abono da sua convicção que apenas foram considerados os custos com remunerações dos dois empregados e que não foram contabilizados os do impugnante e mulher, concluindo assim, genericamente, que não foram refletidos os encargos reais e efetivos.

Afigura-se-nos que a fundamentação é demasiado parca, neste sentido: «A decisão de tributação por métodos indiciários e presunções está sujeita a dois requisitos fundamentais: especificação dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, ou seja, indicação do concreto facto tipificado, no caso, nos arts. 51 nº 1, do CIRC e 82° do CI VA; a indicação do critério utilizado na determinação da matéria colectavel, ou seja, algum ou alguns dos elementos elencados nos citados normativos legais. Compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiciários e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação. (Ac. do TCAS n.º 00623/03, de 07-06-2005, in www.dgsi.pt).» - fim de citação “

O assim decidido merece a nossa inteira concordância, na verdade a Fazenda Publica limita-se a invocar no relatório que junta em anexo “…a demonstração do resultado bruto e margem de comercialização sobre o custo evidenciadas na declaração de rendimentos dos anos de 1995 e 1996, apresentados pelo sujeito passivo.”. sem, contudo, invocar os dados concretos que a levaram a concluir como o fez.

Comos se retira do acórdão deste Tribunal citado na sentença, são consideráveis as exigências impostas à Fazenda Publica na demonstração da verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiciários, não sendo permitido, por conseguinte, meros elencos de irregularidades nem com afirmações meramente conclusivas, ou seja, não basta dizer que, “não são contabilizados nos custos as remunerações do empresário e da mulher, nem as viaturas afectas à actividade”, para daí concluir que “metade da mão-de-obra é simplesmente omitida” ou que “há, simultaneamente, omissão de custos e de proveitos”.

Em suma, não basta detetar irregularidades na contabilidade do contribuinte para daí se passar automaticamente à aplicação de métodos indiciários, cumpre apontar que essas irregularidades existem e que impossibilitam a tributação por métodos diretos.

Concluímos, como o faz a sentença recorrida no sentido de que “a demonstração e justificação da necessidade do recurso aos métodos indiciários constituíam, nos termos do disposto no citado art. 81º do CPT, o pressuposto legitimador e fundamentador das correções efectuadas por parte da Administração Tributária” e, como ali, arrematamos no sentido de falta de fundamentação material as liquidações de IVA com recurso a métodos indiciários.

Improcedem assim, in totum as conclusões recursivas.

III - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negar provimento ao recurso, e manter a sentença recorrida.

Sem custas por delas estar isenta a FP, vencida nos autos - processo instaurado antes de 01/01/04 - artigo3.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os artigos 14.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o artigo 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

Registe e Notifique.

Lisboa, 11 de fevereiro de 2021


A Juíza Desembargadora Relatora Hélia Gameiro Silva, consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, as Juízas Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol.


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(1) Revogado, na parte que aqui releva pelo artigo 2.º do Dec. Lei n.º 398/98 de 17/12, diploma que aprovou a Lei Geral Tributária (LGT)

(2) In CPPT, Anotado e Comentado, 6º edição 2011, Volume II, Áreas Editora, em anotação 2 ao artigo 125.º - pag. 353

(3) Correspondente ao artigo 668.º do mesmo diploma em legal na redação e sistematização em vigor á data dos factos

(4) Neste sentido António Santos Abranches Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in CPC Anotado – Vol. I – Parte geral e Processo de Declaração – 2.ª Edição – Almedina – anotação 13. Ao artigo 615.º, pag.764

(5) Vide obra em 2, em anotação 10. b) ao artigo 125.º - págs. 363 e 364

(6) Cfr. CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139.