Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03501/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/25/2009
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DE IRC.
CUSTOS DE EXERCÍCIO NOS TERMOS DO ARTº 23º DO CIRC
EMPRÉSTIMOS EFECTUADOS A EMPRESAS DE GRUPO SOCIETÁRIO
RELAÇÕES ESPECIAIS
Sumário:I. - Nos termos do art. 23° do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.
II. - O art° 17° n° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
III. - É para definir o grupo dos elementos negativos que o art° 23° do CIRC enuncia, a título exemplifícativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.
IV. - A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.
V. -Tendo-se a AT limitado a proceder a uma análise interna da declaração modelo 22 do exercício em causa, não analisando a contabilidade da recorrente, nem que fosse só pela dúvida quanto à existência do facto tributário, nos termos do estatuído no artigo 100° do CPPT, não poderia deixar de anular-se o acto tributário sindicado pois, é manifesto, que existe um «non liquet» sobre aquele "custo financeiro" em termos de não se poder afirmar, com segurança, que por não directamente relacionado com a actividade normal da impugnante, não se configure, em tal situação, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos.
VI. -E competindo aos Serviços de Fiscalização no âmbito de análise interna ou externa o controlo da matéria colectável, determinada com base em declaração do contribuinte, deviam os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correcções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do art. 18° do CIRC, não sejam consideradas componentes negativas ou positivas do lucro tributável do exercício da sua contabilização.
VII. -É que, sob pena de se permitir uma duplicação de colecta para a mesma realidade e de violação do princípio constitucional de tributação pelo lucro real (artigo 104°/2 da CRP), deveria a AT proceder à correspondente correcção de sentido inverso, ou simétrica, nas accionistas envolvidas da recorrente, quando é certo que, ao corrigir IRC na recorrente, a AT deveria também tê-lo feito na sua accionista, nos termos do n° 4 do artigo 57° do CIRC (vigente à data dos factos).
VIII. - De acordo com o disposto no artº 57º do CIRC , a DGCI poderá efectuar correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações.
IX. -Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se por "relações especiais", a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas.
X. - Compete à Fazenda Pública o ónus da prova da existência dessas relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, devendo o acto ser anulado se tal prova não for feita.
4.- A correcção a que se refere o art. 57º do CIRC não pode, pois, assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AF que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo do art. 57º do CIRC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo:
A)– O Relatório

1.- T ..., SA, com os sinais dos autos, inconformada com a sentença proferida pela Mª Juíza do TAF de Almada que, julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IRC do exercício do ano de 1999, e anulou o acto impugnado, dela recorreu formulando as conclusões seguintes:
a) A sentença recorrida enferma de várias vicissitudes que evidenciam a superficialidade da análise e dos factos que estavam em discussão no tribunal recorrido, não os tendo valorado e ponderado devidamente, o que teve uma directa repercussão na decisão desfavorável então proferida para a recorrente;
b) O tribunal a quo não podia deixar de analisar, avaliar e ponderar com sensatez e sabedoria os factos que estão em causa no caso em apreciação, em conformidade com a prova produzida;
c) Como se apura da contabilidade da recorrente, os juros suportados, no valor de 664.751,08 €, prendem-se na sua totalidade com empréstimos bancários obtidos, contas correntes caucionadas e descobertos bancários;
d) Estes encargos financeiros são custos efectivos do exercício, tendo os empréstimos bancários suportados pela recorrente sido sempre considerados custos fiscalmente aceites na sua totalidade, pela própria Administração Tributária, por se enquadrarem na alínea c) do n° 1 do artigo 23° do CIRC, uma vez que se encontravam devidamente documentados através de comprovantes externos e por serem indispensáveis ao normal funcionamento da actividade da recorrente, com vista a obtenção dos seus proveitos;
e) Por outro lado, o saldo devedor da accionista G ...
e Inovação de Transportes, SA (participante em 100% no capital social da recorrente), em 99.12.31, que representava a quase totalidade do valor considerado a título de empréstimos e que ascendia a 22.337.944,67€ (4.478.355.823$00), apesar de ter sido relevado na conta "25291.10020", não se tratava efectivamente apenas de um saldo originado por empréstimos concedidos pela recorrente;
f) Aquele saldo engloba, para além de outras verbas, o montante de 16.757.898,18€ (3.359.656.944$00) reportado a 96.12.30, que não correspondia a qualquer empréstimo da recorrente, porquanto se tratava de um empréstimo concedido pela S ... SA à sociedade G ..., àquela data participada desta última;
g) O montante em causa englobado naquele saldo adveio do facto da sociedade S ... SA ter sido objecto de fusão com a recorrente, em 30 de Dezembro de 1996, pelo que o referido saldo devedor veio a ser transferido para a conta corrente da G ..., em 97.11.30.
h) De facto, a S ... havia contraído um financiamento junto de duas instituições de crédito (CISF - Banco de Investimento, SA, e Caixa Central - Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL) no montante de 17.757.205,14€ (3.560.000.000$00), com vista a financiar a sua actividade;
i) Assim, o montante de 16.757.898,18€ (saldo, em 96.12.30, à data da fusão) não pode configurar um empréstimo a empresas do grupo pela recorrente (T ...), uma vez que o valor em causa tinha sido objecto de empréstimo à sociedade G ... pela sociedade então denominada S ..., factos não considerados pela Administração Tributária e ignorados pelo douto tribunal a quo, que não procedeu à análise de tais factos e que são determinantes à obtenção de uma correcta e justa decisão e que só poderia ter sido favorável à recorrente;
j) A desconsideração dos custos em causa deveria ter tido por parte do tribunal a quo uma análise cuidada e correcta no sentido de perscrutar qual a verdadeira necessidade na manutenção dos empréstimos para a obtenção dos respectivos proveitos;
k) A sentença recorrida não considerou a boa aplicabilidade do conceito da indispensabilidade dos custos de que trata o artigo 23° do CIRC ao caso sub judice, uma vez não ponderou nem analisou devidamente uma situação que se traduziu em posições (obrigações) financeiras, no montante de 22.337.944,67€, entre a recorrente e a sua v. accionista, estabelecidas em anos anteriores, envolvendo inclusive obrigações resultantes de uma operação de privatização por parte do Estado;
L) Perante a inaplicabilidade do conceito da indispensabilidade dos custos como preconizado pela doutrina e jurisprudência emanada do STA, o poder judicial está a permitir que o Estado proceda ilegalmente a uma duplicação da tributação de IRC para a mesma realidade, pela não aceitabilidade do custo fiscal em causa na recorrente, acrescido do facto de que a administração fiscal não procedeu à correspectiva correcção de sentido inverso nos contribuintes co-envolvidos (a accionista da recorrente);
m) A decisão ao não dar provimento ao pedido constante da impugnação judicial, desconsiderou as circunstâncias da situação concreta, possibilitando, que o Estado proceda a uma eventual cobrança indevida de IRC, de modo a colocar-se em situação de enriquecimento sem causa, uma vez que segundo o critério usado, de que se discorda, por ilegal, o Estado ao corrigir IRC na recorrente deveria também tê-lo feito na sua accionista, nos termos do n° 4 do artigo 57° do CIRC (vigente à data dos factos);
n) Assim, o tribunal recorrido não podia deixar de percepcionar bem os factos em causa, a fim de decidir com justiça, pelo que só poderia ter concluído que qualquer correcção ou tributação adicional em IRC teria de ser efectuada ao abrigo do artigo 57° do CIRC (actual artigo 58°).
o) Ora, não tendo a decisão recorrida feito uma correcta aplicação do que dispõe o artigo 23° do CIRC aos factos objecto de impugnação judicial, bem como dos princípios ínsitos no artigo 55° da Lei Geral Tributária, cabe aos venerandos desembargadores promoveram uma correcta aplicação do direito e da justiça ao caso concreto, e assim ser feita a devida justiça.
Nestes termos, deve o presente recurso anular a sentença recorrida proferida por não ter em consideração regras e princípios fundamentais do sistema jurídico - tributário e ser a douta sentença recorrida substituída por decisão que conclua pela procedência da impugnação judicial, declarando ilegal a liquidação adicional do IRC, relativa ao ano de 1999, quanto aos factos impugnados e, em consequência, mandar anular a respectiva liquidação, como é de elementar JUSTIÇA.
Não foram produzidas contra -alegações.
O EPGA emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser provido pelos fundamentos a que infra se fará alusão.
Com os vistos dos senhores juízes adjuntos cumpre decidir.

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B – A fundamentação

2. A questão decidenda:
É a de saber se a decidida anulação do acto impugnado acarreta para a sociedade em causa um beneficio contra legem, por se mostrar completamente oposta ao espírito do art. 23° do Código de IRC, ao permitir a inclusão, na esfera jurídica da impugnante, a manutenção dos custos suportados em face de empréstimos obtidos no intuito de oferecimento de vantagens patrimoniais a terceiros, reportando-se a correcção efectuada pela administração tributária relativamente ao valor dos juros suportados pela impugnante e declarados na declaração mod. 22 do exercício de 1999 que a administração tributária não aceitou e que a impugnante contesta.
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3. Os factos:
O quadro processual em que surgiu a questão decidenda é o seguinte, tudo com base na análise e apreciação da prova testemunhal produzida, nos documentos juntos aos autos e nos que constituem o processo administrativo:
1 -Em resultado da análise interna à declaração de rendimentos de IRC do exercício de 1999 os serviços de inspecção efectuaram correcções no montante de € 740.881,05 (cfr. relatório de fls. 104/116 do processo administrativo em apenso).
2 - O valor referido no ponto anterior resulta de correcções às reintegrações e amortizações não aceites como custo no valor de €88.486,88, de € 664.751,08 de juros suportados relativos a empréstimos bancários e não aceites como custo e de €2.394,23 referente a tributação autónoma de cheques -auto (cfr. fls. 104 e 104/verso do apenso).
3 -A sociedade esclareceu que os saldos verificados nas contas 25 diziam respeito a "operações correntes, pagamentos de conta e ordem e remessas de fundos temporárias para suprir carências pontuais de tesouraria entre as empresas do grupo.". Mais esclareceu não terem sido cobrados juros e indicou os saldos devedores das seguintes empresas:
- Transro - Gestão Oper. Transportes - - 97.719..331 $50
- Transciber - Gestão Inf. Transportes - - 26.963.078$80
- EIS - Empa Ind. Mecânica do Sul - - 21.791.090$00
- G ... - Gestão Inov. Transportes - - 4.478.355.839$40
- Fertagus - Travessia Tejo - -14.523.000$00 Perfazendo o total de 4.639.352.339$60 (cfr. fls. 112).
4- A fundamentação constante do relatório para a correcção referente aos juros suportados relativos a empréstimos bancários e não aceites como custo é a seguinte "A empresa evidencia um saldo devedor na conta 25- Accionistas no montante de 4.527.109.992$00. Segundo informações prestadas pela empresa, verificou-se que se tratam de empréstimos concedidos a empresas do grupo dizendo respeito a "operações correntes, pagamentos por conta e ordem e remessas de fundos temporários para suprir carências pontuais de tesouraria", (...) A fim de verificar se, realmente, se tratavam de empréstimos com carácter "pontual", foi solicitado ao sujeito passivo o extracto das contas 25 referentes às empresas que beneficiaram dos referidos empréstimos.
Após análise desses extractos, conclui-se não se tratar de operações de carácter pontual, nas antes de operações continuadas e com "carácter duraduro". Foi também referido pelo sujeito passivo, que pela realização destas operações não foram cobrados juros. Verificou-se igualmente que a conta 23 - Empréstimos Obtidos, evidenciava em 3J/12/1999 um saldo credor de 2.108.333.340$00. Sobre esse montante, o sujeito passivo suportou e contabilizou como custo do exercício o valor de 133.270.627$00 referente a juros. Conjugando as situações descritas, verifica-se que se o sujeito passivo não tivesse procedido aos empréstimos às empresas do grupo, não feria necessidade de um endividamento perante terceiros e consequentemente não suportaria o montante de juros. Neste sentido, não se aceitam como custos de exercício o montante de 133.270.627$00 (€664.751,08) por não se considerarem estes encargos financeiros como sendo indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nos termos do art. 23° do C1RC" (cfr. fls. 107/108).
5 - Na sequência das correcções referidas nos pontos anteriores, foi efectuada, em 21/05/ 2003, a liquidação n° 8310005842 referente ao IRC do exercício de 1999 de que resultou imposto a pagar no montante de € 336.835,33 cuja data limite de pagamento ocorreu em 07/07/2003 (cfr. fls. 18).
6 - Em 07/07/2003 foi efectuado um pagamento nos termos da alínea a) do n° 4 do art. 86° do CPPT com referência à liquidação n° 8310005842 através da guia de pagamento n° 82005556645 no montante de €33.163,78 (cfr. fls. 21 do apenso).
7 -Em 03/10/2003 foi apresentada junto do Serviço de Finanças de Almada 2 a petição de impugnação de fls. 2/17.
8 -Houve uma redução dos empréstimos bancários do ano de 1996 para 1999 (cfr. depoimento da 1a testemunha).
9 -A G ... era detentora do capital dos T ... e em 2001 foi incorporada nos T ... por fusão (cfr. depoimento da la testemunha).
10 -A G ... tinha um saldo devedor da S ... e no momento da incorporação por fusão nos T ... esse saldo transitou para os T ... (cfr. depoimento da 1ª testemunha).
11 -A G ... prestava serviços de assesoria na gestão aos T ... (cfr. depoimento da 1ª testemunha).
12-Em 09/01/1995 foi outorgado o "contrato de mútuo sindicato a curto prazo com penhor de títulos e outras garantias" entre a S ...-Gestão e Inovação de Transportes, SA, Joaquim Jerónimo. Lda., Sigestral, Lda., e Covas e Filhos, Lda., e as seguintes instituições: CISF Banco de Investimento, SA., e Caixa Central - Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL nos termos constantes do documento de fls. 51 /72.
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A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como dos depoimentos das testemunhas (melhor identificadas na acta de inquirição de fls. 144/145) e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.
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Os depoimentos das testemunhas foram essencialmente conclusivos e referentes a factos ocorridos desde 1995 e 1996 tendo as testemunhas sido confrontadas com os documentos juntos com a impugnação judicial mas que nada acrescentaram aos dados neles constantes.
A impugnante não logrou provar factos que contrariem a correcção efectuada pela administração tributária relativamente aos juros suportados dos empréstimos bancários e contabilizados na conta 6811 no montante de 133.270.627$00 (€664.751,08).
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4. - O Direito:
Entende a recorrente que a sentença errou ao seguir a tese da Administração Tributária, considerando que os juros com os empréstimos contraídos não podem ser relevados como custos fiscais, por não serem necessários para a obtenção dos proveitos e manutenção da fonte produtora, uma vez que a recorrente fez empréstimos às suas associadas identificadas no ponto 3 do probatório, sem juros, pelo que se a recorrente não tem feito empréstimos às empresas associadas não teria necessidade de um endividamento perante terceiros e, consequentemente não suportaria os juros no montante de €664.751,08.
Adversamente, considera a recorrente e o EPGA que esta conclusão é incorrecta desde logo porque o custo com os juros, devidamente suportados por documentos externos constitui, sem dúvida, um custo fiscal, nos termos do estatuído no artigo 23.°/l/c) do CIRC, quando é certo que o saldo devedor da accionista G ... e Inovação de Transportes, SA, detentora do capital da recorrente, conforme ponto 9 do probatório, representava a quase totalidade do valor considerado a título de empréstimos e que ascendia a €22.337.944,67.
Por outro lado, apesar de este saldo ter sido registado na conta «25291.10020» não está demonstrado, nomeadamente através da factualidade constante do probatório, que apenas tivesse sido originado por empréstimos concedidos pela recorrente, como refere a recorrente e resulta, indiciariamente, dos factos levados ao probatório sob os números 8 a 12.
Vejamos.
É patente na posição das partes e do julgador, que não está em causa a existência real e efectiva dos encargos em discussão nem o facto de terem sido suportados pela ora impugnante, ficando apenas por saber se se verifica em relação a eles o requisito da indispensabilidade, condição da sua aceitação como custos dedutíveis em sede de IRC.
Ao que parece, a A.T. não considerou todos os encargos declarados pela ora impugnante como custos fiscais, isto é, como custos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora (art°. 23° do CIRC).
O que impressionou a AT e o Mº Juiz terá sido a circunstância de a ora recorrente ao ter concedido empréstimos, revela que os empréstimos que contraiu junto de terceiros em cada um dos ditos exercícios excederam nessa medida as necessidades da empresa ou ao menos a sua capacidade de os aplicar na exploração. Vistas as coisas noutra perspectiva: a ora impugnante não teria decerto recorrido ao crédito se não tivesse concedido aqueles empréstimos ou se não o tivesse feito nos montantes em que o fez.
Para concluir que, por isso e posto que o objecto social da impugnante não é a concessão de crédito, os encargos financeiros com empréstimos obtidos de terceiros só podem legalmente ser havidos como custos abrangidos pela al. c), 1a parte, do n°1 daquele artº 23° e como tais aceites para efeitos fiscais, na parte e medida em que correspondam a recursos efectivamente empenhados na actividade estatutária da empresa, de acordo com o princípio da especialidade. É que, se assim não fosse, todas as empresas, seriam tentadas a contrair empréstimos com o fito de financiar os seus sócios ou terceiros, na certeza de que os encargos inerentes a esses empréstimos seriam deduzidos em sede de IRC a título de custos - o que não é aceitável do ponto de vista de justiça fiscal, na sua vertente de princípio da igualdade na repartição dos encargos fiscais.
Segundo a lógica argumentativa da sentença, afigura-se-nos que assiste razão à recorrente nos termos perfilados no douto parecer do EPGA junto desta instância.
Na verdade, a recorrente nas conclusões de recurso vem discutir a interpretação factual e jurídica feita na decisão recorrida, entendendo que esta se mostra completamente oposta ao espírito do art. 23° do CIRC.
Nesse sentido, parece existir uma discrepância entre a interpretação dos factos dados por provados e a respectiva integração nos preceitos legais citados em contraponto com a decisão final de anulação do acto impugnado.
Parece ser certo que a permitir-se a inclusão de custos para efeitos de IRC decorrentes de uma actividade anormal na vida societária não encontra apoio nos textos legais citados, uma vez que não ficou demonstrada a indispensabilidade dos empréstimos concedidos aos sócios, na gestão corrente da impugnante. E isso porque tais pagamentos não podem considerar-se, à partida, normais e que não ficou provada a sua indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora e/ou a produção do lucro.
Mas, sem paradoxo, há que dar razão à impugnante.
Nos termos do artº 10º do CIRC (cuja epígrafe é Custos ou perdas) “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:...”
Como se vê do artº 17º nº 1 do CIRC, uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
Assim, é porque é mister definir cada um destes grupos de elementos que o presente artigo enuncia, a título exemplificativo, os custos ou perdas, os elementos que, para efeitos de IRC, são considerados como componentes negativas do resultado líquido do exercício.
Decorre do estipulado que é consagrado um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que, devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. Após a fixação desse critério, enuncia o preceito, a título exemplificativo, volta-se a dizer-se, os custos ou perdas de maior projecção.
O princípio rector do art° 17° n° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
É para definir o grupo dos elementos negativos que o art° 23° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.
Não havendo dúvida de que os questionados "custos financeiros" não estão directamente relacionados com a actividade normal da impugnante pois os mesmos são totalmente estranhos à mesma, tem de aceitar-se que inexiste, em tal situação, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos.
O IRC visa tributar o lucro da organização, o acréscimo patrimonial experimentado durante o período tributário (art. 17°. n° l e art. 3°. n° l. al. a) e n° 2. do circ) em que são desconsideradas as entradas dos sócios por se tratarem de incrementos patrimoniais não produzidos pela empresa e as retiradas, as diminuições patrimoniais operadas em benefício dos sócios causa societatis, em virtude de não representarem custos ocasionados pela actividade da empresa.
Assim, dúvidas não podem sobrar de que face ao art. 23° do circ os custos fiscais, em regra, são os gas­tos derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização, que não consubs­tanciem uma diminuição patrimonial ditada pelo existência de uma participa­ção social da parte do seu beneficiário directo ou indirecto (atribuição causa societatis). Só não cobram relevo fiscal os custos registados na parcela da actividade empresarial mas a ela alheios, sendo antes relativos à vida privada dos sócios.
Deste modo tem de aquilatar-se se, no caso concreto, as operações económicas em causa não radicaram em razões empresariais, mas na ilícita concessão de vantagens a terceiros ou de benefícios em favor do património pessoal dos sócios.
Ainda que se concedesse que a relevância fiscal de um custo não depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou sequer da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), terá de aceitar-se que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é empresarial ou privada.
«In casu», não resulta claro que a impugnante beneficiou o património pessoal dos identificados terceiros em detrimento do empresarial, pelo que não é líquida a conclusão de que a sociedade impugnante geriu este último de forma inadequada à tutela dos seus interesses.
Em tal desiderato, impõe-se considerar aqueles pagamentos são tendencialmente normais e imprescindíveis à manu­tenção da fonte produtora dado que se comprova a adequação e conveniência à acti­vidade e tutela da impugnante .
Na verdade e como decorre da factualidade assente (cfr. Pontos 8 a 12 do probatório), ocorreu uma redução dos empréstimos bancários do ano de 1996 para 1999, sendo que a G ... era detentora do capital dos T ... e em 2001 foi incorporada nos T ... por fusão quando a G ... tinha um saldo devedor da S ... e no momento da incorporação por fusão nos T ... esse saldo transitou para os T .... Acrescente-se que a G ... prestava serviços de assesoria na gestão aos T ... e em 09/01/1995 foi outorgado o "contrato de mútuo sindicato a curto prazo com penhor de títulos e outras garantias" entre a S ...-Gestão e Inovação de Transportes, SA, Joaquim Jerónimo. Lda., Sigestral, Lda., e Covas e Filhos, Lda., e as seguintes instituições: CISF Banco de Investimento, SA., e Caixa Central - Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL.
Tendo isso presente e ainda que, como emerge do ponto 1 do probatório, a AT se limitou a proceder a uma análise interna da declaração modelo 22 do exercício de 1999, não analisando a contabilidade da recorrente, como assertivamente refere o EPGA, nem que fosse só pela dúvida quanto á existência do facto tributário, nos termos do estatuído no artigo 100° do CPPT, a sentença recorrida não poderia deixar de anular o acto tributário sindicado pois, é manifesto, que existe um «non liquet» sobre aquele "custo financeiro" em termos de não se poder afirmar, com segurança, que por não directamente relacionado com a actividade normal da impugnante, não se configure, em tal situação, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos.
E também colhe, na circunstância, o expendido pelo EPGA no seu douto parecer: “…mesmo que se entendesse que a AT tinha de fundamento legal para proceder à correcção técnica em causa, então, não cumpriu a filosofia dos procedimentos que a própria se impôs, por via do Ofício - Circulado 14, de 1993.11.23 da DSIRC.
De facto, tal instrução administrativa determina que "...competindo aos Serviços de Fiscalização no âmbito de análise interna ou externa o controlo da matéria colectável, determinada com base em declaração do contribuinte, devem os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correcções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do art. 18.° do CIRC, não sejam consideradas componentes negativas ou positivas do lucro tributável do exercício da sua contabilização".
De facto, sob pena de se permitir uma duplicação de colecta para a mesma realidade e de violação do princípio constitucional de tributação pelo lucro real (artigo 104.°/2 da CRP), deveria a AT proceder à correspondente correcção de sentido inverso, ou simétrica, nas accionistas envolvidas da recorrente, questão que nem sequer foi levantado pela AT.”
Na mesma linha se insere o alegado pela recorrente (vd. Conclusões k) a N) -) de que a sentença recorrida não considerou a boa aplicabilidade do conceito da indispensabilidade dos custos de que trata o artigo 23° do CIRC ao caso sub judice, uma vez não ponderou nem analisou devidamente uma situação que se traduziu em posições (obrigações) financeiras, no montante de 22.337.944,67€, entre a recorrente e a sua v. accionista, estabelecidas em anos anteriores, envolvendo inclusive obrigações resultantes de uma operação de privatização por parte do Estado.
É que assim se permite uma duplicação da tributação de IRC para a mesma realidade, pela não aceitabilidade do custo fiscal em causa na recorrente, acrescido do facto de que a administração fiscal não procedeu à correspectiva correcção de sentido inverso nos contribuintes co -envolvidos (a accionista da recorrente) quando é certo que, ao corrigir IRC na recorrente, a AT deveria também tê-lo feito na sua accionista, nos termos do n° 4 do artigo 57° do CIRC (vigente à data dos factos).
Conclui-se, pois, que na concreta situação deveriam ponderar-se as consequências da natureza das relações estabelecidas entre a impugnante e a referida accionista, impondo-se concluir que qualquer correcção ou tributação adicional em IRC teria de ser efectuada ao abrigo do artigo 57° do CIRC (actual artigo 58°).
Dispunha o artº 57º, nº 1 do CIRC, na redacção vigente à data em que ocorreram os factos, que “A Direcção - Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude de relações especiais entre o contribuinte e outra empresa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações”.
Decorre do inciso legal transcrito que a AF pode introduzir correcções ao lucro tributável declarado desde que existam relações especiais entre o contribuinte e outra empresa que levou ao estabelecimento de condições diferentes das que se fixariam entre pessoas independentes.
Assim, são os seguintes os pressupostos legais para que a DGCI possa corrigir a matéria colectável ao abrigo do art. 57º do CIRC, por forma a que seja respeitado o princípio de plena concorrência consagrado no art. 9º da Convenção Modelo OCDE de que Portugal é membro:
I. a existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa;
II. que entre ambos se estabeleceram condições diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes;
III. que tais relações especiais são causa adequada das ditas condições;
IV. que aquelas conduziram a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência (cfr. sobre esta mesma temática, os acs. do STA, de 6/11/96, Rec. 20.188 e de 9/12/98, Rec. 19.858).
Como se expendeu no acórdão deste T.C.A. proferido no recurso contencioso nº 1572/98 (confirmado no S.T.A. por acórdão de 23.05.01/Rec.nº 25915), «o citado art. 57º do CIRC, embora considerado, pela doutrina, uma norma de carácter genérico, já que a lei não define o que entende por relações especiais (pois só a partir do DL nº 5/96, de 29/01, que aditou o art. 57º-C do CIRC, a lei passou a referir quando considera existirem relações especiais, embora só para situações de subcapitalização, pelo que se têm levantado dúvidas sobre a sua aplicação noutras situações), nem indica a metodologia a adoptar para determinação do preço de plena concorrência, conferindo, desse modo, à AF uma certa flexibilidade, não contém, todavia, um “cheque em branco” para a AF usar como bem entenda, nem qualquer inversão do ónus da prova, pelo que, tratando-se de uma norma de incidência, cabe à AF a prova dos pressupostos ali previstos, interpretando-a de acordo com as orientações da OCDE na matéria.
Não se trata, também, de uma avaliação indirecta do lucro tributável, que só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na lei (cf. art. 51º a 56º do CIRC), até porque, nas situações enquadráveis no art. 57º do CIRC, a contabilidade das empresas, em regra, retrata a realidade das operações, não carecendo de credibilidade que justifique o uso de presunções.
Estamos, pois, aqui no âmbito da avaliação directa.
Assim, face à presunção de veracidade da contabilidade e das declarações do contribuinte (art. 78º do CPT), cabe à AF o ónus de prova dos pressupostos que justificam a correcção bem como do valor do preço de plena concorrência.».
Flui do exposto que a correcção a que se refere o art. 57º do CIRC não pode assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AF que prove os supra mencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria colectável do contribuinte ao abrigo do art. 57º do CIRC. (1).
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C. - Decisão:

Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogando a sentença recorrida e julgando a impugnação procedente, anulando-se, em consequência, o acto impugnado.
Custas pela recorrida.
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Lisboa, 25/11/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)

(1) Esta possibilidade de correcção da determinação do lucro tributável a que se refere o art. 57º do CIRC, configura-se, na opinião do Dr. Nuno Sá Gomes (As Garantias dos Contribuintes, CTF 371, 127 e sgts.), como um poder quase discricionário da AF, pelo que esta deve descrever os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.