Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12338/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:08/28/2015
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:LIMIAR AUTOMÁTICO DE ANOMALIA; LEILÃO ELECTRÓNICO; NOVA AUDIÊNCIA PRÉVIA;
LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO CONTEÚDO CONTRATUAL; DESVIO DE PODER CONTRATUAL
Sumário:
1. A circunstância de o preço apresentado se situar acima do limiar automático de anomalia, ex lege ou por autovinculação da entidade adjudicante, não constitui factor preclusivo da competência do júri concursal de abrir no procedimento o incidente de averiguação da seriedade e congruência das propostas sobre as quais, no seu entender, perfile de modo fundamentado e concreto um juízo de suspeita de anomalia sobre o preço contratual, juízo dubitativo de seriedade tomado à luz das circunstâncias vigentes e conhecidas no momento em que decorrem os preliminares pré-contratuais – cfr. artºs. 71º nºs 1, 2 e 3 e 72º nº 1 CCP.
2. A fase do leilão electrónico obriga a duas avaliações das propostas, uma avaliação prévia global em que intervém o júri e outra que decorre automaticamente do resultado do leilão, cfr. artºs. 140º nº 1 e 142º º 2 a) CCP; consequentemente há dois relatórios preliminares, embora expressamente o CCP apenas se refira ao relatório após o leilão no artº 146º nº 1.
3. Só há lugar a nova audiência prévia em caso de exclusão/readmissão e/ou alteração da ordenação das propostas, e não em todo e qualquer caso de alteração do teor do relatório preliminar – cfr. artºs. 124º nº 2 e 148º nº 2 CCP.
4. A obrigatoriedade de cumprimento da legislação laboral e parafiscal no que respeita ao pessoal que o adjudicatário venha a contratar, encontra as suas raízes no princípio da legalidade, na vertente da preferência de lei, que enforma toda a actividade da Administração - cfr. artº 266º nº 2 CRP, cuja inobservância tem por consequência a invalidade dos actos e omissões de actos, cuja prática a lei impõe.
5. Os custos variáveis da prestação do serviço de vigilância e segurança privada que integram aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência, enquadram-se no espaço de liberdade da Administração em matéria de conformação do conteúdo contratual.
6. O desvio de poder contratual apenas é susceptível de controlo jurisprudencial negativo.


A Relatora,
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:..……………………… SA, com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dele vem recorrer, concluindo como segue:


1. A Sentença recorrida assenta em três erros de julgamento, sendo certo que o último implica, de igual forma, uma situação de omissão de pronúncia.
2. O primeiro erro de julgamento assenta numa incorrecta interpretação da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP, na incorrecta apreciação do modo como a mesma foi aplicada in casu pelo Júri do procedimento.
3. O Júri do procedimento do qual a Recorrida foi excluída foi claro na invocação da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP na fundamentação (i) quer do Relatório preliminar (ii) quer da deliberação do dia 17 de julho de 2014.
4. O modelo de serviços proposto a concurso pela ……… violava, efectivamente, várias disposições legais e regulamentares aplicáveis:
i. Por um lado, a proposta da ……….. não cumpria os valores máximos de carga horária de trabalho dos vigilantes, postulando um carga horária anual de 1.903,96h, contrárias ao máximo permitido por lei, que se cifra em 1.845,00 horas;
ii. Por outro lado, a ……….. indicou um custo mensal com salários e um custo mensal com contribuições à Segurança Social inferiores aos legalmente devidos: perante um universo de 79,72 vigilantes necessários para a prestação do serviço, a proposta da Recorrida apresentou o valor de €13.734,82 mensais relativos a contribuições devidas à Segurança Social, inferiores aos exigíveis €14.179,68 mensais.
5. A Sentença ora recorrida aceitou a análise feita pelo Júri quanto à insuficiência de tais valores, isto é, assumiu a premissa de que os valores apresentados na proposta da Recorrida ……… se revelariam superiores ao máximo legal de horas anual que pode vir a prestar um vigilante e inferiores ao valor mensal relativo às contribuições para a segurança social concretamente exigíveis.
6. A partir daqui, não poderia a Sentença ter deixado de considerar como correcta a aplicação que o Júri fez a alínea f) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP e, por consequência, degradado em mera irregularidade, por convergência do princípio do aproveitamento do ato administrativo, a circunstância de não ter sido promovida nova audiência prévia subsequente à deliberação do Júri de 14 de julho de 2014.
7. A previsão contida na alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP convoca para a operação de análise das propostas todas as normas que integram o ordenamento jurídico e que são susceptíveis de parametrizar o conteúdo do contrato a celebrar.
8. Quando procede à análise das propostas, o Júri de um procedimento não se encontra assim limitado às obrigações que resultam do caderno de encargos ou do programa do procedimento, fazendo destes documentos corpos estranhos no ordenamento.
9. Assim, a decisão de exclusão de uma proposta pode resultar da informação que nela o concorrente inscreve quando apresenta um atributo ou um termo ou condição que, directa ou indirectamente, indicia ou comprova a violação de uma vinculação legal ou regulamentar; nesta hipótese, a função que a referida alínea f) do nº 2 do artigo 70º exerce nestes casos consiste em apelar a todo o bloco da juridicidade como parâmetro de aceitabilidade da proposta, exigindo a sua exclusão no caso de violação de uma vinculação legal ou regulamentar aplicável.
10. Não bulem contra a anterior premissa os eventuais contrargumentos assentes (i) no facto de, na base de tal interpretação, se exigir às entidades adjudicantes o exercício de competências de fiscalização que lhe são estranhas; (ii) na circunstância de a litera daquela alínea f) poder parecer implicar que o juízo de ilegalidade a ser formulado se limitaria a ilegalidades a ocorrer durante a execução contratual; (iii) na possibilidade de eventuais ilegalidades cometidas pelo adjudicatário poderem vir a ser reprimidas, nos termos gerais, no quadro da execução contratual.
11. Com efeito, é desde logo o conteúdo normativo do princípio da legalidade, o qual exige aos órgãos de administração que busquem sempre a solução que melhor se conforma com a lei, que permite esclarecer qual seja a solução jurídica a aplicar aos casos em que a entidade adjudicante detecte existir a certeza objectiva de que as prestações do contrato a celebrar, tal como foram configuradas na proposta a que o concorrente se vinculou irrevogavelmente (artigo 65.º do CCP), não podem ser executadas sem que o adjudicatário incorra numa ilegalidade.
12. Nenhuma preterição do princípio da legalidade das competências e das atribuições existe quando uma entidade adjudicante, no exercício das responsabilidades inelimináveis de análise de propostas que o legislador lhe cometeu nos termos previstos nos nºs. 1e 2 do artigo 70º, no nº 1do artigo 124.º, no n.º 2 do artigo 146.º e nos nºs 1e 4 do artigo 148.º do CCP, se depara com um conjunto de informações que lhe atestam, sem margem para dúvidas, que a adjudicação da proposta que tem em mãos conduziria à celebração de um contrato que não poderia ser executado sem desrespeito por normas legais ou regulamentares que vinculam uma ou ambas as partes.
13. A alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP habilita, assim, que cada entidade adjudicante verifique se o teor da proposta contém, explícita ou até implicitamente, informações que demonstram que o clausulado de um contrato celebrado na sequência da adjudicação dessa proposta seria desconforme com as vinculações legais e regulamentares a que as partes estão sujeitas.
14. Na medida em que a proposta se integra formalmente no contrato celebrado após a sua adjudicação (alínea d) do n.º 2 do artigo 96.º do CCP), é tudo menos irrelevante a presença de qualquer ilegalidade no teor da proposta, sempre que esta incida sobre a definição do conteúdo das pr estações ou sobre o modo de execução, e isto independentemente de ela afectar directamente as relações entre entidade adjudicante e adjudicatário ou unicamente as relações entre este e terceiros.
15. Essa definição, legal ou ilegal, é sempre, por força da lei, automaticamente integrada no próprio contrato que a entidade adjudicante celebra e ao qual vincula a sua actuação futura; logo, a adjudicação de uma proposta ilegal equivale, em virtude da opção que o legislador fixou no artigo 96.º do CCP, à celebração de um contrato correspondentemente ilegal.
16. Neste sentido, e em homenagem à subordinação ao princípio da legalidade, é falso que as entidades adjudicantes se encontrem impedidas de verificar a existência de uma ilegalidade numa proposta que analisa; é que dessa premissa decorreria a conclusão de que, ficando impedida de excluir uma proposta que sabe conter uma ilegalidade, a entidade adjudicante se encontraria vinculada à celebração de um contrato ilegal.
17. Nestes termos, num cenário (como é o dos autos) em que, embora a proposta não contenha directa e explicitamente uma condição de teor ilegal, a entidade adjudicante continue a verificar, com base no somatório das informações que dela constam, ser jurídicamente impossível que o clausulado proposto satisfaça normas legais ou regulamentares vinculativas para ela própria ou para o proponente, a alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP não deixa de ser aplicável: a entidade adjudicante terá confirmado ser impossível ao proponente, no caso de obter a adjudicação, executar as obrigações que assume com o contrato sem violar o bloco de juridicidade.
18. À luz desta interpretação da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP, pode assim manter-se por válida a doutrina há muito expendida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos da qual "é inaceitável a proposta que apresenta valores relativos a encargos sociais obrigatório inferiores aos valores mínimos previstos na respectiva convenção colectiva de trabalho. Tal inaceitabilidade, reconduzindo-se à ilegalidade da proposta, determina necessariamente a exclusão do concorrente" (cfr. o Acórdão de 2 de junho de 2005, Proc. nº 00748/05).
19. Nesta base, outra não poderia ter sido a análise do Júri e, subsequentemente, a decisão do MUNICÍPIO DA AMADORA no termos do procedimento ali tramitado: tendo em conta que, de acordo com os dados oferecidos na própria proposta da ………., a execução da mesma implicaria, irremediavelmente, a violação de disposições legais e regulamentares de ordem laboral e tendo em conta que o Júri se apercebeu, desde cedo, dessa mesma circunstância, está cumprida a previsão da alínea f) do nº 2 do artigo 70.º do CCP.
20. Nestes termos, e na medida em que o juízo sobre a insuficiência e contrariedade dos valores apresentados na proposta da …….. assumia já, perante o Júri do procedimento, patamares de certeza objectiva, revelar-se-ia verdadeiramente inútil fazer promover nova audiência prévia para o exercício do contraditório: a matéria constante dos autos revela que, mesmo nessa hipótese, o conteúdo dos actos anulados pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não poderia ser outro: a proposta da ……… sempre seria excluída, nunca esta empresa seria admitida à posterior fase de leilão electrónico e, por consequência, não poderia nunca o contrato a celebrar pelo MUNICÍPIO vir a ser celebrado com esta empresa.
21. A anterior conclusão, extraída no âmbito da interpretação conforme à legalidade que se realiza sobre a alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP não é contraditada pela alegação de que, a ser assim, o contrato a celebrar ganharia eventual eficácia erga omnes: o que resulta da aplicação daquela alínea f) do n.º 2 do artigo 70º do CCP não é a extensão da eficácia do conteúdo do contrato a celebrar a partes que dele são estranhas; o que está em causa é, antes, acentuar a vinculação a parâmetros que, por definição, (i) qualquer entidade pública deve esforçar-se por assegurar o respectivo cumprimento; (ii) qualquer entidade privada se encontra vinculada por via das disposições imperativas aplicáveis.
22. Por sua vez, perante a vinculação a parâmetros legais e regulamentares vinculativos e, por isso, indisponíveis perante qualquer empresa de segurança, não tem relevância o apelo à lógica de liberdade empresarial na modelação dos preços ou outras condições apresentadas em propostas a submeter em sede de procedimentos pré-contratuais de Direito Público.
23. Do mesmo modo, o exercício da atividade de análise pressuposta naquela alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP não significa converter as entidades adjudicantes em fiscais de toda a legalidade: as preocupações e objectivos da entidade adjudicante são, apenas e só, o de, naquele contrato, garantir que o prestador a seleccionar cumprirá as exigências (laborais ou outras) aplicáveis. Como se compreende, deste exercício não resulta a transformação do Júri num qualquer órgão inspectivo sobre a totalidade da actividade do concorrente. A análise subjacente à alínea f) do nº 2 do artigo 70.º do CCP é, pois, uma análise circunscrita aos concretos aspectos da execução contratual em causa.
24. Adicionalmente, não é irrelevante a circunstância de ser o próprio Direito Europeu da Contratação Pública a reivindicar a instrumentalização de toda esta área ao bom cumprimento de exigências laborais ou sociais; de forma particularmente clara, não deixe de se ter presente que, pese embora a respeito da exclusão de propostas com fundamento na apresentação de um preço anormalmente baixo, a Directiva 2014/24/UE postula que "essa exclusão deverá ser obrigatória nos casos em que a autoridade adjudicante tenha determinado que o preço ou custos propostos anormalmente baixos resultam do incumprimento do Direito da União, ou direito nacional compatível com ela, nos domínios do direito social, laboral ou ambiental, ou de disposições internacionais em matéria de direito do trabalho" (considerando 103).
25. Em suma: na prossecução da competência de análise das propostas prevista nos nºs. 1 e 2 do artigo 70º ao júri, primeiro, e ao órgão da entidade adjudicante competente para a decisão de contratar, depois, incumbe (respectivamente) propor e determinar a exclusão de uma proposta cuja análise objectivamente revele conter um preço insuficiente para o cumprimento das vinculações legais e regulamentares aplicáveis à entidade adjudicante e, ou, ao proponente, incluindo as vinculações no âmbito laboral.
26. Foi precisamente no estrito cumprimento desta missão que se orientou o Júri do procedimento tramitado junto do MUNICÍPIO DA AMADORA: verificando (no exercido de uma competência que lhe compete e que a Sentença recorrida não colocou em crise) que a proposta da concorrente ………, de acordo com a forma como foi apresentada a concurso, não oferecia as garantias de que esta empresa conseguiria cumprir, na execução dos serviços a contratar com o MUNICÍPIO, as vinculações legais e regulamentares a que se encontrava sujeita, a proposta da exclusão de tal proposta significa, afinal, o exercício de uma competência estritamente vinculada. Por esta razão, mesmo que à ……… não tenha sido conferido a possibilidade de, em nova audiência prévia, vir a pronunciar-se sobre o raciocínio expendido pelo Júri, o certo é tal exigência procedimental se degrada, por aplicação do costumado princípio do aproveitamento do acto administrativo: como se logrou demonstrar, a decisão de exclusão da proposta da ……… era, nos termos dos dados apresentados a concurso e das disposições legais (e também comunitárias) aplicáveis, a única concretamente possível.
27. O segundo erro de julgamento da Sentença recorrida assenta numa incorrecta aplicação da alínea b) do nº 2 do artigo 70º do CCP.
28. É que, para além da insuficiência dos valores e condições apresentadas na sua proposta, a ……… viu-se igualmente excluída do procedimento tramitado junto do MUNICÍPIO DA AMADORA pela circunstância de, quanto a diversos aspectos relativos à execução contratual, esta empresa vir a apresentar cifras não correspondentes com o exigido no Caderno de Encargos.
29. Com efeito, a ………, na sua proposta, vinculou-se a prestar um número de horas inferior ao exigido no Caderno de Encargos. Ou seja, a proposta da ……… viola um aspecto da execução do contrato a celebrar por aquele não submetido à concorrência: o número de horas de serviço a prestar: o Júri concluiu que a ………. propôs prestar, no prazo contratual de dois anos, 294.047,76 horas de serviço (regular e extra).Porém, de acordo com os artigos 22º e 23º do Caderno de Encargos, o número de horas de serviços pontuais a prestar é de 1.850,00 e o número de horas de serviços regulares a executar é de 292.324,25, perfazendo um total de 294.174,25 horas. Ou seja, a ……… propôs-se prestar 294.047,76 horas totais de serviço, quando o Caderno de Encargos exige a prestação de 294.174,25, o que corresponde a uma diferença de 126,49 horas.
30. Por outro lado, a proposta da ……… indicava um número de vigilantes necessários à execução do serviço (77,22) inferior ao que resulta da conjugação das cláusulas do Caderno de Encargos com a legislação e regulamentação vigentes (79,72).
31. Por sua vez, é incorrecta a conclusão alcançada pela Sentença recorrida nos termos da qual, quer em relação ao número de horas quer em relação ao número de vigilantes, os valores indicados nos artigos 22º e 23º do Caderno de Encargos teriam sido "determinado[s] por estimativa, podendo vir a ser inferior[es]".
32. É que o que entidade adjudicante pretendia com tais indicações era que os concorrentes se vinculassem, pelo menos, a prestar o número de horas de serviço estimadas, ficando cientes da possibilidade de lhes ser solicitada a prestação de mais horas além das previstas no Caderno de Encargos. Isso mesmo resulta, de resto, das partes finais dos nºs 2 e 3 dos referidos artigos 22º e 23º do Caderno de Encargos: tais horas poderiam vir a ser inferiores às indicadas "se, por motivos organizacionais do Município da Amadora, os serviços não forem necessários na totalidade, durante a vigência anual do contrato".
33. Por isso, a eventual celebração do contrato com a ……… acarretaria uma inevitável consequência: o incumprimento de tal contrato, pelo facto de, os serviços por si propostos não corresponderem ao exigido no Caderno de Encargos.
34. A procedência desta causa de exclusão da proposta da ……… ancorada na alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP - procederia em qualquer circunstância, isto é, independentemente de qualquer pronúncia em sentido contrário que a ……… pudesse ter apresentado em momento posterior à deliberação do Júri do dia 17 de julho de 2014.
35. A Sentença recorrida padece, por fim, de um terceiro erro de julgamento, o qual vem associado a uma clara situação de omissão de pronúncia.
36. Com efeito, a proposta da ……….. foi excluída pelo Júri do também com base na base na alínea c) do nº 2 do artigo 70.º do CCP, disposição que a tanto obriga nos casos em que se verifique uma situação de "impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respectivos atributos".
37. Na verdade, o Júri conclui pela impossibilidade de comparação daquela proposta com as demais, visto que a Nota Justificativa do Preço não discrimina todas as componentes dos custos integrantes dos preços dos serviços, nomeadamente "outros custos relacionados com o trabalho".
38. Ora, o fundamento constante da alínea c) do nº 2 do artigo 70º do CCP não se confunde nem é absorvido pela que consta da respectiva alínea j).
39. Logo em sede de Relatório preliminar que o Júri fez apelo à alínea c) do nº 2 do artigo 70.º do CCP: "face à nota justificativa do preço apresentada por este concorrente, o júri constatou o seguinte: no que concerne à componente «custos mínimos directos com o trabalho» (não obstante, o concorrente também não ter discriminado os «outros relacionados com o trabalho»), a nota justificativa é omissa relativamente aos encargos resultantes da Lei nº 70/2013, de 30 de agosto, na medida em que daquela nada é referido relativamente às entregas obrigatórias que o concorrente tem de realizar para o Fundo de Garantia e Compensação para o Trabalho". Neste sentido, acrescentou, "sendo a descrição dos custos mínimos directos com o trabalho, um aspecto essencial na análise das propostas, a não indicação daqueles custos impede a sua comparabilidade com as demais".
40. Como resulta dos factos provados (O)), quanto a este aspecto a ……… limitou-se a responder que "não irá apresentar a justificação pedida nos pontos 2 a 5 porquanto entende que não está legalmente obrigada a fazê-lo (...)"; com efeito, a ………. insurgiu-se quanto à necessidade de os concorrentes justificarem os valores apresentados naquelas rubricas de «outros custos relacionados com o trabalho», por oposição às rubricas relativas aos «custos base com o trabalho».
41. No entanto, a apreciação crítica do Júri relativamente aos cálculos justificativos e aos comprovativos dos «outros custos relacionados com o trabalho» apresentados na Nota Justificativa do Preço é em geral indispensável para determinar se os montantes indicados não estão em «zonas de certeza negativa» que, por muita margem de flexibilidade que se reconheça quanto à construção do preço e respetiva apreciação pelo júri, se terão de considerar ilegais porque impossíveis à luz de juízos básicos de razoabilidade ou verosimilhança.
42. No caso dos autos, a ……… não apresentou os componentes da rubrica "outros custos relacionados com o trabalho", impedindo o Júri do Procedimento de efectuar a análise crítica desses componentes, com o objectivo supra explicitado, contrariamente ao que acontece com as demais propostas.
43. Sem essa informação o Júri do Procedimento não tem meios de aferir da legalidade do único atributo das propostas: o preço. E a verdade é que, para assegurar os predicados da seriedade e firmeza que devem caracterizar as propostas, se deve permitir que o Júri do Procedimento apure a conformidade dos "outros custos relacionados com o trabalho" .
44. Se ao Júri do Procedimento é permitido pedir esclarecimentos e comprovativos, ao abrigo do nº 1 do artigo 72ºdo CCP, sobre os cálculos e elementos que estão na base da Nota Justificativa do Preço apresentada em obediência ao estabelecido nas peças do procedimento e se (ii) com base nesses esclarecimentos, o Júri pode identificar motivos de exclusão das propostas, seja porque conclui pela violação de normas seja porque conclui pela falta de seriedade da proposta, forçoso é concluir que a não prestação desses esclarecimentos implica a exclusão do concorrente relapso, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP: justamente o que sucedeu no caso concreto.
45. Não sendo verdade que a explicitação de tais custos implique a violação de quaisquer segredos comerciais: é que, no sector da segurança e vigilância humana, são amplamente conhecidos os tipos de custos e seus valores mínimos de mercado que normalmente se incluem na rubrica "outros custos relacionados com o trabalho", como o demonstra a própria Recomendação da ACT. E esses custos relacionam-se com o absentismo remunerado, com a obrigatoriedade legal da contratação de seguro de acidentes de trabalho, com a obrigatoriedade legal da contratação de seguro de responsabilidade civil, com a obrigatoriedade legal de formação, com a obrigatoriedade legal de fardamento, com a obrigatoriedade legal de contratação de serviços de saúde e segurança no trabalho, entre outros.
46. Tendo-se negado a transmitir ao Júri do Procedimento a decomposição da rubrica "outros custos relacionados com o trabalho", mesmo depois de solicitação nesse sentido, a ……… impediu o Júri do Procedimento de aferir da validade e seriedade de todos os componentes do único atributo da proposta, o que, por maioria de razão, impossibilitou que a sua proposta pudesse ser comparada com as demais.
47. Consequentemente, relativamente às propostas dos outros concorrentes, o Júri do Procedimento detinha todas as informações necessárias para proceder à análise da validade e seriedade do preço proposto; o mesmo não aconteceu relativamente à proposta da ……...
48. Andou pois bem o Júri do Procedimento ao excluir a ……… ao abrigo da alínea c) do nº 2 do artigo 70º do CCP, por não apresentação dos justificativos exigidos, necessários à análise do único atributo da proposta.
49. Sendo certo que quanto a este motivo de exclusão - que é o principal e primeiro conforme identificado pelo Júri logo em sede de Relatório preliminar - a ……… teve oportunidade de se pronunciar em sede de audiência prévia, não valendo aqui o argumento de ter sido frustrado ao direito da …….. à audiência no decurso do iter procedimental.
50. Assim, também por via da alínea c) do nº 2 do artigo 70º do CCP foi a proposta da …….. correctamente excluída, não se encontra tal decisão, a decisão de admissão ao leilão, o ato de adjudicação e o subsequente contrato celebrado com a ………… feridos de qualquer ilegalidade.
ASSIM SENDO,
51. Deve revogar-se a Sentença recorrida e, consequentemente, devem ser mantidos na ordem jurídica, por válidos:
(i) A decisão de exclusão da ……… do procedimento;
(ii) Todos os actos subsequentes, designadamente, a decisão de não admissão a leilão electrónico da proposta da ………. e a decisão de adjudicação da proposta da ……………;
(iii) O contrato celebrado pelo MUNICÍPIO e pela ………….., a 12 de setembro de 2014, relativo ao procedimento em crise nos presentes autos.

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A Recorrida ……………., SA, contra-alegou, concluindo como segue:

1. Atento o valor da acção de 2.443.256,94€ fixado no Acórdão de 16 de Fevereiro de 2015 (cfr. respectiva pág. 6) e na sentença de 16 de Dezembro de 2014 (cfr. respectiva pág. 6) a taxa de justiça devida pela interposição de recurso é de 734,40€ (artigos 6.0 n.º 2 e 3, 12.º n.02 e na Tabela 1-B do RCP), pelo que tendo a …………… pago apenas 306,00€, conciui-se pela omissão do pagamento da taxa de justiça (artigo 145.º n.02 do CPC) e pela não admissibilidade do recurso.
2. No Acórdão recorrido, tendo o Tribunal a quo decidido que o único atributo das propostas era o preço, que não foi prevista nas peças concursais qualquer exigência de justificação para o montante atribuído a cada uma das parcelas do preço, que os concorrentes podem fixar livremente o preço de acordo com a sua estratégia comercial e que não compete às entidades adjudicantes fiscalizarem se o preço proposto é ou não suficiente para fazer face aos custos com o trabalho (fls. 36 e 37 do Acórdão recorrido - em especial os três primeiros parágrafos de fls. 37), é patente que se pronunciou sobre a (i)legalidade da decisão de exclusão da proposta da …….. com fundamento na alínea c) do n.º2 do artigo 70.º do CCP, por a ………. não ter discriminado, na nota justificativa do preço, os "outros custos relacionados com o trabalho".
3. Pelo que não se verifica qualquer omissão de pronúncia. Quanto ao pretenso primeiro erro de julgamento
4. É absolutamente falso que o Tribunal a quo tenha reconhecido que o preço proposto pela …….. é insuficiente para fazer face aos custos com o trabalho: o Tribunal a quo não efectuou tal análise por ter concluído - acertadamente como se verá nas conclusões seguintes - que a questão prévia a essa (saber se, em termos gerais, a apresentação de preço inferior ao custo com o trabalho constitui causa justificativa de exclusão de proposta) é improcedente.
5. Com efeito, não há no CCP nem em legislação do nosso ordenamento jurídico qualquer disposição que delimite os termos em que o preço deva ser formado ou que imponha a decomposição do mesmo numa determinada estrutura fixa de custos (Acórdão do TCAS de 29-01-2015, processo 11661 /14 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
6. Atento o princípio da liberdade de gestão empresarial (artigo 61.º da CRP) e da autonomia da estratégia empresarial, os operadores têm o direito de organizar a sua actividade como bem entendam, de acordo com os seus próprios critérios e opções (Parecer de Mário Esteves de Oliveira)
7. Nada obriga o concorrente a organizar a sua gestão de custos de molde a imputar os custos com os trabalhadores nos preços dos contratos celebrados com os clientes aos quais esses trabalhadores serão afectos (Acórdãos do STA de 14-02-2013, processo 0912/ l2, do TCAS de 29-01-2015, processo 1 1661 /14 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira)
8. Já que é a totalidade das receitas obtidas pela empresa no cômputo geral da sua actividade (ou mesmo a totalidade do seu património) que deverá cobrir a totalidade das despesas geradas por essa actividade (Acórdãos do STA de 14-02-201 3, processo 0912/12 e do TCAS de 29-01-2015, processo 11661 /14).
9. Aliás, a imposição de um preço mínimo ou de imputação de certos custos num dado contrato constituiria uma barreira manifestamente falseadora e restritiva da concorrência e da liberdade comercial que impediria os agentes económicos mais eficazes de apresentar preços mais vantajosos, gerando uma subida artificial dos preços, com o inerente prejuízo para o interesse público (Acórdão do TCAS de 29-01-2015, processo 11661/14, Parecer Mário Esteves de Oliveira e Parecer de Nuno Ruiz).
10. Os acordos de preços e a imposição de preços mínimos geram distorções graves no mercado, impedindo que a formação do preço seja ditada pelo binómio procura/oferta, o que consubstancia infracção da concorrência grave e por objecto, prevista no artigo 9º da Lei nº 19/2012 (Parecer de Nuno Ruiz) .
11. Pelo que, cabe a cada concorrente construir e estruturar livremente o preço que propõe, podendo tal preço, simplesmente, espelhar a estratégia comercial do concorrente (Acórdãos do TCA Sul de 07-02-2013, processo nº 09611 /13 e de 29-01-2015, processo 11661/14)
12. Tal estratégia pode levar à apresentação de propostas que não envolvam a obtenção de lucro ou mesmo a assunção de prejuízos pontuais (Acórdão do STA de 14-02-2013, processo 0912/12 e do TCA Sul de 29-01-2015, processo 11661/14 e de 12-12-201 2, processo 08300/11)
13. Daí não decorre qualquer ilegalidade, designadamente, o incumprimento das obrigações retributivas e contributivas, porque o que releva é que os resultados económico-financeiros da empresa no cômputo geral da sua actividade sejam aptos a garantir esse cumprimento (Acórdãos do STA de 14-02-2013, processo 0912/12 e do TCA Sul de 29-01-2015, processo 11661/14 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
14. E porque o conteúdo contrato de prestação de serviços de vigilância e segurança humana não tem quaisquer implicações no que respeita às remuneraçõesa que os trabalhadores da empresa de segurança privada legalmente têm direito, nem no que respeita às contribuições obrigatórias para a Segurança Social (Acórdão do TCA Sul de 15-05-2015, processo 11706/14 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
15. Do entendimento supra exposto não deriva qualquer desconsideração do legislador nacional pelas problemáticas do cumprimento das obrigações laborais, contributivas, fiscais e sociais e do risco da degradação de propostas.
16. Porque, as entidades adjudicantes estão vinculadas a verificar se as autoridades públicas competentes declararam que o adjudicatário/co-contratante cumpre as suas obrigações retributivas e contributivas e não foi condenado pela prática de contra­ordenações laborais, quer na fase da adjudicação (artigos 55.º e 81º n.º l ai. b) do CCP), quer aquando da realização de cada pagamento (artigo 31º-A do Decreto-Lei 155/92).
17. Assim, o interesse público em não contratar e em não efectuar pagamentos a entidades que não cumprem tais obrigações está devidamente acautelado.
18. Seria manifestamente despropositado impor às entidades adjudicantes que se investissem no papel de fiscal de todo o ordenamento jurídico e que, ademais, procedessem a exercício de futurologia levando-as a, na fase de análise das propostas, prognosticar o cumprimento ou incumprimento futuro, pelos concorrentes, das suas obrigações retributivas e contributivas (Parecer de Mário esteves de Oliveira)
19. O método seleccionado pelo legislador nacional (referido na conclusão XVI) é o mais eficaz para assegurar, a todo o tempo, que aquele objectivo é cumprido.
20. O interesse público em não aceitar propostas que não sejam sérias ou credíveis também está devidamente assegurado pelo regime do preço anormalmente baixo, nos termos em que este foi fixado no CCP, uma vez que são atribuídos amplos poderes às entidades adjudicantes para fixar o que se entende por preço anormalmente baixo (artigos 1 15.º n.º 3, 132.º n.º 2 e 189.º n.º 3 do CCP), sendo de presumir que tal decisão é tomada de forma ponderada e reflectida e de acordo com os particulares conhecimentos de que aquela entidade é titular sobre o mercado/sector em que actua.
21. A legislação comunitária apenas prevê uma obrigatoriedade de os Estados-Membros assegurarem que, na execução dos contratos, os operadores cumprem as suas obrigações sociais, laborais e contributivas, o que, como referido nas conclusões XV a XIX está devidamente acautelado pelo legislador nacional.
22. Assim, a única limitação ao princípio da liberdade de formação de preços (e, ainda assim, não em termos absolutos mas sob condição da falta de uma justificação racional) é o preço anormalmente baixo, sendo este o único "preço mínimo" legal (Acórdãos do TCA Sul de 07-02-2013, processo n.º 0961 1/l3 e de 29-01 -2015, processo 1 1661/l4).
23. Não assiste à entidade adjudicante a possibilidade de questionar o preço que não é anormalmente baixo, nem lhe cabe imiscuir-se no modo como a empresa vendedora organiza os seus meios de produção e como calcula, imputa ou reparte os custos respectivos {Acórdão do TCAS de 29-01-201 5, processo 1 1 661/14)
24. Concluindo-se que a alínea f) do n.º2 do artigo 70.' do CCP não se aplica aos casos de preços que não reflectem os custos salariais e sociais {Parecer de Mário Esteves de Oliveira).De qualquer forma
25. É manifesta a improcedência das alegações da ………… no sentido da insuficiência do preço proposto pela ……….
26. O preço apresentado pela ………. não é anormalmente baixo atento o disposto no artigo 5.º do Caderno de Encargos e no artigo 71.º n.ºI ai. b) do CCP.
27. O preço da ……… (2.443.839,44€) corresponde a 99,973 do preço base e é superior ao preço proposto pelas duas únicas concorrentes admitidas ao leilão electrónico (……….. - 2.413.753,36€ e ………….. - 2.425.500,54€).
28. Como se pode entender que o preço mais elevado é que deve ser excluído por ser insuficiente para fazer face aos custos? Como pode a …………., que apresentou preço inferior ao da ……… defender que o preço da ………. é que é insuficiente para fazer face aos custos com a execução do contrato?
29. A …………. erra ao determinar o número mínimo de vigilantes e, consequentemente, o valor mínimo das retribuições.
30. Não há qualquer obrigatoriedade de considerar 25 dias de férias pois, face Código do Trabalho e ao CCT, a única certeza que há é que todos os trabalhadores têm direito, anualmente, a 22 dias de férias.
31. Não há qualquer obrigatoriedade de considerar as horas de formação, pois o Código do Trabalho não impõe uma obrigação de assegurar formação, em cada ano, a todos os trabalhadores, mas sim a l03 dos trabalhadores e admite uma possibilidade de diferir a efectivação da formação anual por dois anos (artigo 131.º nºs. 5 e 6).
32. A carga horária anual de trabalho efectivo é de 1.903,96 e não de 1.845 horas e, consequentemente, o número de vigilantes necessário é de 77,22 e não de 79,22.
33. O preço proposto pela ………. é suficiente para fazer face aos custos com as correspondentes retribuições desses 77,22 vigilantes.
34. Quanto ao pretenso segundo erro de julgamento O número de horas para os serviços extra e regulares foi determinado por estimativa, prevendo-se a possibilidade de ser realizado um número inferior por motivo de mudanças de instalações e de rectificações de horários (artigos 22.º e 23.º do Caderno de Encargos)
35. Do Caderno de Encargos não se extrai que o número total (estimado) de horas de serviços regulares a executar é de 292.324,25 porque aí não se estabelece um número total de horas, mas apenas os horários de funcionamento previsíveis das diversas portarias.
36. Acresce que, não consubstanciando o número de horas de serviço um elemento obrigatório das propostas, qualquer indicação nesse sentido não pode sequer ser relevada (Acórdão do TCA Sul de 18-1 1-2010, processo 06724/10)
37. O que se exigia nas peças concursais era que os concorrentes se vinculassem a prestar os serviços descritos no Caderno de Encargos conforme estes lhe fossem concretamente solicitados pela entidade adjudicante, durante todo o prazo de vigência do contrato, o que a ……… fez através da declaração de aceitação do Caderno de Encargos.
38. Não havendo no Caderno de Encargos qualquer indicação concreta e lixa do número de horas de serviços a prestar e sendo indiscutível que a ……… se comprometeu a realizar todos os serviços (regulares e extra) que lhe sejam solicitados pela entidade adjudicante, uma decisão de exclusão com base num pretenso número de horas estimado que nem sequer se extrai do teor das peças concursais seria manifestamente desproporcionada.
39. Pelo que não se verifica a previsão da alínea b) do n.º do artigo 70ºdo CCP. Quanto ao pretenso terceiro erro de julgamento
40. Como o único atributo das propostas é o preço o que há que avaliar e comparar é o preço e não os custos repercutidos no mesmo (Acórdão do TCA Sul de 12-05-2011 processo 12-05-201 1 )
41. Como referido nas conciusões V a XXIV não cabe ás entidades adjudicantes avaliar se o preço é suficiente para fazer face aos custos, até porque não se pode presumir que todos os operadores económicos têm que suportar os mesmos custos, designadamente os estabelecidos na Recomendação da ACT.
42. Mesmo quanto aos custos previstos na lei e cujo valor está fixado na lei os concorrentes podem beneficiar de incentivos e subsídios legais à contratação que se traduzem na dispensa de contribuições para a Segurança Social e/ou apoio financeiro correspondente a parte das retribuições dos trabalhadores {Acórdãos do TCAS de 29-01 - 2015, processo 1 1 661/14, de 20-03-2014, processo 10857/14 e de 07-02-2013, processo nº 09611 /13).
43. Quanto aos "outros custos mínimos com o trabalho" estes não têm qualquer valor mínimo fixado na lei que se imponha a todos os operadores, são custos, por natureza, variáveis, que dependem de inúmeros lactares ligados à capacidade de gestão, capacidade comercial e capacidade negocial dos concorrentes.
44. Quanto a tais custos não pode ser imposto a qualquer operador que suporte um determinado valor ou que utilize uma dada fórmula para calcular esses custos, designadamente, os determinados pelos parceiros sociais e constantes da recomendação da ACT que não tem qualquer valor vinculativo (Acórdão do TCA Norte de 06-12-2013, processo 02363/l 2.6BELSB e Parecer de Mário Esteves de Oliveira)
45. Aliás, a Recomendação da ACT, tal como emitida, constitui intromissão nos critérios de gestão e na capacidade negocial e organizativa das empresas e introduz uma forma inadmissível de fixação de preços mínimos, proibida pelo art.º 9º da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio {Parecer de Nuno Ruiz)
46. Atenta a natureza totalmente variável dos "outros custos relacionados com o trabalho" não se vê que "comparação" poderia ser feita entre os valores previstos pelos diversos concorrentes.
47. Aliás, a exigência de explicitação das fórmulas e métodos utilizados por um operador para a determinação do valor de cada um dos "outros custos relacionados com o trabalho" constitui imposição de divulgação de segredos de negócio e de informações estratégicas, pois obriga os concorrentes a explicarem a estratégia concorrencial que adaptam na formação de preços e imputação de custos (Parágrafo 86 das Orientações da Comissão Europeia sobre a aplicação do artigo 101 .º do Tratado, Parecer de Mário Esteves de Oliveira e Parecer de Nuno Ruiz)
48. Para mais, uma prática, seja qual for a sua forma, da qual resulte a possibilidade de obtenção de dados individualizados sobre as intenções em matéria de preços {o que se verifica com a divulgação, por todos os concorrentes, da nota justificativa de preços aos demais), é, pela sua própria natureza, prejudicial ao normal e correcto funcionamento da concorrência {deliberação da Autoridade da Concorrência de 16 de Dezembro de 2008, proferida no PRC 26/05 e Parecer de Nuno Ruiz)
49. O mecanismo previsto no artigo 66.º do CCP não obsta a tais efeitos porque a classificação dos documentos não é automática, estando dependente de prévia decisão da entidade adjudicante, que pode sempre não a determinar
50. O legislador apenas entendeu razoável impor ao concorrente que explique como compôs o preço, e que justifique a seriedade do mesmo se o preço for anormalmente baixo, o que está longe de ser o caso do preço da ………..
51. Mais se diga que, ainda que se entendesse que o Júri estava adstrito a avaliar e comparar os valores que os vários concorrentes previram a título de "outros custos relacionados com o trabalho", a conclusão que se extrairia dessa comparação é a de, a existir preços ou custos não sérios ou razoáveis, seguramente não são os da ………., já que a ………, nessa rubrica, previu o valor mensal de 14. l00,54€, a …………. 2.145,84€ e a …………. 9 .842,46€.
52. Pelo que não se verifica qualquer impossibilidade de avaliação da proposta da ………, não estando preenchida a previsão da alínea c) do n.º2 do artigo 70.º do CCP. Quanto à pretensa aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo
53. Não tendo a ………… impugnado o Acórdão recorrido na parte em que decidiu que a decisão de exclusão da proposta da ……… estava inquinada por vício de preterição de audiência prévia (fls. 20 a 32 do Acórdão), o princípio do aproveitamento do acto administrativo apenas poderia ser aplicável se se demonstrasse, sem margem para dúvidas, que o conteúdo do acto só podia ser um e que a pronúncia da ………., em sede de audiência prévia, não teria qualquer influência na decisão final (Acórdãos do STA de 26-10-2010, processo 0473/10, de 06-07-2011, processo 05/11 de 24-10-2012, processo 0548/12, do TCAN de 05-12-2014, processo 02171/09.1BEPR, do TCAS de 22-02-201 5, processo 11865/15 e de 24-02-2005, processo 12726/03 - cfr. também artº 163.º nº 5 al. a) e c) do CPA 2015),
54. Sem prejuízo do supra exposto quanto à improcedência das causas de exclusão, sempre se diga que a delimitação das causas de exclusão nas quais se recorre a conceitos indeterminados ou imprecisos confere alguma margem de discricionariedade à Administração, não sendo um acto absolutamente vinculado.
55. Não é possível afirmar, com certeza e sem margem para dúvidas, que caso a …….. tivesse oportunidade de expor à entidade adjudicante a posição expressa nas conclusões V a XXIV e XXXXVll quanto às situações que a jurisprudência e doutrina entendem que se podem enquadrar nas alíneas b) e f) do n.º2 do artigo 70.º do CCP, o entendimento da entidade adjudicante não se teria alterado.
56. Também não é possível afirmar, com certeza e sem margem para dúvidas, que caso a ……… tivesse oportunidade de expor à entidade adjudicante os argumentos exarados nas conclusões V a XL, a posição daquela entidade não se tivesse alterado quanto ao alegado preenchimento das alíneas b) e f) do nº '2 do artigo 70º do CCP.
57. O princípio do aproveitamento do acto administrativo não pode operar.
58. Pelo que, por força do disposto no artigo 147º do CCP e no artigo 100º do CPA/1991 sempre se concluiria pela invalidade da decisão de exclusão da proposta da ……….
59. O Acórdão recorrido deve ser mantido, com o que se fará Justiça.

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Com dispensa de vistos substituídos pelas competentes cópias entregues aos Exmos. Juizes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Em 1ª Instância foi julgada provada a seguinte matéria de facto:




DO DIREITO

O acórdão sob recurso vem assacado de incorrer em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento nas seguintes matérias:

i. interpretação e aplicação do artº 70º nº 2 f) CCP …… itens 2 a 26 das conclusões,
ii. interpretação e aplicação do artº 70º nº 2 b) CCP …… itens 27 a 34 das conclusões,
iii. interpretação e aplicação do artº 70º nº 2 c) CCP …… itens 35 a 50 das conclusões.

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Na sequência do acordo-quadro plural lançado pela Agência Nacional de Compras Públicas EPE para prestação de serviços de vigilância e segurança privada de instalações municipais, no que respeita ao procedimento concursal para adjudicação do Lote 3 para a Região de Lisboa e Vale do Tejo em que a entidade adjudicante é o Município da Amadora, foram dirigidos convites para apresentação de propostas aos co-contratantes do acordo quadro seleccionados; neste procedimento o critério de adjudicação é o do mais baixo preço e as propostas sujeitas a leilão electrónico, artsº. 140º a 145º ex vi 259º nº 3, CCP – vd. alíneas D (leilão electrónico) e E (critério de adjudicação) do probatório.

Por inerência da própria estrutura deste leilão invertido, isto é, em “(..) que os interessados em oferecer os seus bens ou serviços tomam o lugar de licitantes, disputando a celebração do contrato (..)”, só passam ao leilão electrónico as propostas objecto de avaliação positiva preliminar, nos termos gerais, pois “(..) o leilão electrónico pressupõe, como expressamente refere o nº 1 deste preceito [artº 140º], que as propostas já foram objecto de avaliação nos termos constantes do programa de concurso e do disposto no artigo anterior (..) Após o leilão electrónico, há lugar a nova avaliação que considere os seus resultados e, se isso deles decorrer, com uma nova pontuação global e consequente nova ordenação das propostas. (..)” o que significa que a ordenação para efeitos de adjudicação resulta automaticamente dos trâmites “electrónicos” desta segunda avaliação. (1)
No caso dos autos, esta avaliação preliminar global das propostas segue o critério de adjudicação do mais baixo preço, préviamente previsto no programa do procedimento do acordo-quadro (artº 259º nº 2 CCP), cfr. alínea D do probatório, sendo nesta fase preliminar de acesso ao leilão electrónico que se situa o litígio trazido a recurso.

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Consta do 1º Relatório Preliminar de 24 a 31/Março/2014, a fls. 975-993 dos autos, o iter fundamentador da avaliação preliminar global, com exclusão da proposta apresentada pela Recorrida e consequente não admissão à fase do leilão electrónico, levado ao probatório na alínea K.
A ora Recorrida exerceu o direito de pronúncia em sede de audiência prévia, levada ao probatório na alínea M, que o Júri ponderou mediante deliberação de 14.Julho.2014, a fls. 1042/1072 dos autos, em que manteve a proposta de exclusão, levada ao probatório na alínea Q.
À solicitação de esclarecimentos por parte do Júri em 30.Maio.2014 sobre o conteúdo dos custos da nota justificativa do preço proposto, a ora Recorrida respondeu ao ponto 1, e não apresentou resposta quanto aos restantes pontos 2 a 5, matéria levada ao probatório nas alíneas N e O.
Na referida deliberação de 14.Julho.2014 o Júri pronunciou-se sobre a resposta da ora Recorrida em sede de esclarecimentos à nota justificativa do preço proposto, conforme alínea Q do probatório.
A ora Recorrida deduziu em 25.07.2014 recurso hierárquico da deliberação de 14.Julho.2014, junto aos autos a fls. 1076/1078 e levado ao probatório na alínea R, recurso indeferido pelo Presidente da Câmara por despacho de 01.08.2014 exarado sobre o parecer que o fundamenta, junto a fls. 1081/1087 e levado ao probatório na alínea S.
O 2º Relatório Preliminar de 08.Março.2015 corresponde à fase de avaliação automática resultante do leilão electrónico de 07.08.2014, com a proposta de ordenação à luz do critério de adjudicação do procedimento, junto a fls. 1088/1097 dos autos.
No caso presente, o leilão electrónico de 07.08.2014 não teve licitantes, ou seja, os concorrentes aceites à fase do leilão entenderam não descer os preços unitários/hora/homem apresentados nas respectivas propostas, pois, como nos diz a doutrina que vem sendo citada, “(..) Com [a escolha do critério de adjudicação] pretende-se saber se, quando o procedimento comporta uma fase de leilão electrónico, a adjudicação está limitada ao preço ou pode, também, atender a outros elementos da proposta. Com [a delimitação do objecto da licitação], quer-se apurar, em concreto, o que pode ser submetido a leilão.
Se o critério de adjudicação escolhido for o do mais baixo preço, a questão não oferece dúvidas: o leilão só pode incidir sobre o preço. Cfr. artºs. 54º, nº 2, § 3º da directiva [2004/18/CE], e 74º nº 2 e 140º nº 2 CCP. (..)” (2)


1. juízo de suspeita de anomalia do preço contratual; pedido de esclarecimentos sobre as propostas; segredo de negócio;

No 1º Relatório Preliminar de 24 a 31/Março/2014, o Júri fundamentou os motivos de exclusão da proposta da ora Recorrida na omissão de duas componentes de custos na discriminação da nota justificativa do preço proposto, relativas a custos integrantes do preço nos termos do quadro discriminatório da nota justificativa do preço levada ao probatório na alínea I,

O segmento da fundamentação que ora importa é o seguinte:
“(..) A análise das propostas apresentadas pelos concorrentes, pelo Júri deste procedimento, incidiu, em primeiro lugar, na verificação da respetiva conformidade material e formal com o ordenamento jurídico em vigor, incluindo a lei e os regulamentos aplicáveis, nomeadamente a adstrição dos concorrentes às vinculações legais e regularmente impostas e, também, evidentemente, com as próprias peças do procedimento:
• Lei n.° 34/2013, de 16 de maio (que define o regime do exercício da atividade de segurança privada e demais legislação regulamentar aplicável, com especial ênfase para as recentes Portarias n.°s 272 e 273, de 20 de agosto de 2013);
• Código do Trabalho (nomeadamente, os artigos 269.° relativo ao acréscimo remuneratório em dia feriado e nos termos do Acórdão nº 602/2013, de 24 de outubro de 2013, publicado na I série, nº 206 do Diário da República e o artigo 283º, no que respeita aos seguros e demais legislação aplicável);
• Código Contributivo da Segurança Social (nomeadamente no que respeita à delimitação da base contributiva - artigo 46.° e valor da taxa contributiva global - artigo 53,°, da Lei n,° 110/2009, de 16 de setembro com as alterações introduzidas pela Lei de Orçamento de Estado para 2014 - Lei n.° 83-C, de 31 de dezembro e demais legislação aplicável);
• Lei n.° 102/2009, de 10 de setembro (que aprova o regime jurídico da promoção de segurança e saúde no trabalho), na 2,a alteração introduzida pela Lei nº 3/2014, de 28 de janeiro (que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 93/103/CE, do Conselho, de 23 de novembro);
• Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, mormente, nos contrato(s) coletivo(s) de trabalho celebrado(s) entre os parceiros sociais, como é o caso do Contrato Coletivo de Trabalho entre a AES (Associação de Empresas de Segurança) e a FETESE (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviço e outros) - alterações salariais e outras e texto consolidado, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.° 8, do ano de 2011 e o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AES e a STAD (Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços da Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas e Outros) - alteração salarial e outras e texto consolidado, publicado no Boletim do Trabalho Emprego n.° 17, do ano de 2011.
Refira-se ainda a este propósito que em 7 de maio de 2012, foi publicitada a Portaria n.° 131/2012, que determinou a extensão das condições de trabalho constantes das alterações aos Contratos Coletivos de Trabalho mencionados anteriormente a outros empregadores e trabalhadores não representados;
• A Lei n.° 70/2013, de 30 de agosto (que estabelece os regimes jurídicos do fundo de compensação do trabalho, do mecanismo equivalente e do fundo de garantia de compensação para o trabalho, aplicável às relações de trabalho reguladas pelo Código de Trabalho - artigo 2.° e artigo 12.°, daquele diploma).

Assim e face à nota justificativa do preço apresentada por este concorrente, o júri constatou o seguinte: no que concerne à componente "custos mínimos diretos com o trabalho" (não obstante, o concorrente também não ter discriminado os "Outros .. relacionados com o trabalho"), a nota justificativa é omissa relativamente aos encargos resultantes da Lei nº 70/2013, de 30 de agosto, na medida em que daquela nada é referido relativamente às entregas obrigatórias que o concorrente tem de realizar (enquanto de entidade empregadora), para o Fundo de Garantia e Compensação para o Trabalho e que correspondem a 0,075% da retribuição base e diuturnidades devidas a cada trabalhador abrangido pelo FCT ou ME (cr. o disposto no artigo 12,°, da Lei nº 70/2013, de 30 de agosto).
Ora, sendo a descrição dos custos mínimos diretos com o trabalho, um aspeto essencial na análise das propostas, a não indicação daqueles custos impede a sua comparabilidade com as demais.
Acresce que o concorrente, a respeito do valor indicado para a componente (20) "Outros custos relacionados com o trabalho" (nomeadamente os respeitantes ao absentismo remunerado, crédito de formação, seguros - acidentes de trabalho e de responsabilidade civil, fardamento e outros materiais de serviço, custos com SST, provisões de férias e subsídios, recrutamento, formação e estágio, coordenação e controlo operacional), e não obstante o Júri poder admitir que se trata de custos variáveis, e que, consequentemente, dependem da capacidade e mérito de gestão dos concorrentes (não existindo portanto quaisquer valores mínimos obrigatórios para estes), no entanto, considerou que o concorrente não se quis vincular aos mesmos, porquanto não apresentou qualquer prova factual da detenção e capacidade para os praticar, contrariamente aos demais concorrentes, o que mais uma vez, torna impossível a comparação da sua proposta com as dos outros concorrentes.
Assim, a discriminação das várias componentes dos custos integrantes dos preços dos serviços de vigilância privada que contribuem para a formação do preço constitui requisito essencial, cuja omissão conduz inexoravelmente à exclusão da proposta.
Face ao que antecede, o Júri deliberou por unanimidade considerar como inaceitável a proposta apresentada face à insuficiência de justificação relativamente aos encargos obrigatórios, sob pena de violação do princípio da igualdade, imparcialidade e concorrência, na sua vertente da comparabilidade, relativamente às demais propostas, propondo a exclusão do concorrente ao abrigo do disposto na alínea o), do nº 2, do artigo 145º, conjugado com as alíneas c) e f), do nº 2, do artigo 70º, do Código dos Contratos Públicos. (..)” - alínea K do probatório.

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As omissões imputadas à nota justificativa do preço proposto pela ora Recorrida em matéria das componentes “Custos mínimos directos com o trabalho" e "Outros custos relacionados com o trabalho", subsumidas no 1º Relatório Preliminar nas causas de exclusão previstas nos artºs. 70º nº 2 c) e f) e 145º nº 2 o) do CCP, foram objecto de observações na pronúncia da ora Recorrida levada ao procedimento no exercício do direito de audiência, na sequência da notificação do 1º Relatório Preliminar via plataforma electrónica de contratação – cfr. artºs. 122º, 146º, 123º e 147º, ex vi 140º nº 1 CCP – vd. alínea M do probatório.
Como referido, tendo em conta a formação dos preços unitários atento o quadro discriminatório levado ao probatório na alínea I, no seguimento da pronúncia da ora Recorrida por direito de audiência o Júri pediu esclarecimentos sobre o conteúdo dos custos da nota justificativa do preço apresentado, levados ao probatório na alínea N.
Nesta matéria dos esclarecimentos sobre a decomposição do preço proposto, único atributo levado à concorrência, o pedido formulado pelo Júri é explícito quanto ao respectivo âmbito, a saber:
“(..) 1. Justifique a ausência de discriminação de custos com a prestação de serviços extra, na nota justificativa do preço proposto, atenta a divergência existente entre os valores Indicados no formulário e no anexo II.
2. Explicite a forma de obtenção do valor na rubrica 3:"Carga horária anual do vigilante", na nota justificativa do preço proposto.
3.Que acréscimo(s) remuneratório(s) considerou na rubrica 16:"incremento de remuneração do trabalho em dia feriado"? Justifique.
4. Como justifica a ausência dos custos decorrentes da prestação de trabalho suplementar.
5. Justifique o valor atribuído para a rubrica 20:"Outros custos relacionados com o trabalho"(..)”.
A ora Recorrida respondeu numa parte, concretamente ao ponto 1, e recusou resposta quanto aos restantes pontos 2 a 5, matéria levada ao probatório na alínea O, como segue:
“(..) a ………. não irá apresentar a justificação pedida nos pontos 2 a 5 porquanto entende que não está legalmente obrigada a fazê-lo porquanto: - o seu preço não é anormalmente baixo; - a nota justificativa do preço que apresentou é clara; - a justificação dos factores que forma o preço traduz-se numa violação do segredo de negócio.(..)”,

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Neste ponto importa considerar duas vertentes,
(i) quanto ao âmbito de esclarecimentos sobre as propostas apresentadas, a solicitação do júri, artº 72º nº 1 CCP, e
(ii) até que ponto a entidade adjudicante é admitida a exercer o seu poder de exigência ao mercado administrativo em matéria de vinculações legais e regulamentares, artº 70º nº 2 f) CCP.

No tocante ao âmbito de esclarecimentos a solicitação do júri cabem no objecto da previsão do artº 72º nº 1 CCP “(..) tanto aqueles considerados necessários à análise quanto à avaliação das propostas, como refere o artº 72º/1 – que é o mesmo que dizer que podem ter como objecto qualquer questão ou assunto, formal ou material, a que as propostas respeitem (..)” no respeito, evidentemente, do enunciado de pressupostos de atendibilidade de esclarecimentos das propostas vazado no artº 72º nº 2 CCP: não contradizer os documentos juntos com a proposta, não alterar ou completar os atributos, nem suprir omissões constitutivas de exclusão nos termos do artº 70 nº 2 a) CCP; o que significa que não são admitidos esclarecimentos interpretativos em ordem a suprir deficiências de apresentação de atributos que contendam com a avaliação da proposta (causa de exclusão, artº 70º nº 2 c) CCP) salvo em matérias estritamente técnicas (que não jurídica, como é óbvio), nem integrativos em ordem a suprir omissões. (3)
Por outro lado e na medida em que no procedimento sejam fixados preços-base unitários e solicitada nota justificativa discriminatória dos custos referentes à formação dos preços apresentados, cabe ter em conta que “(..) há tantos parâmetros vinculativos da concorrência quanto os preços base unitários, pelo que a violação de qualquer um deles constitui causa de exclusão das propostas – mesmo que os outros dela constantes, ficando abaixo do respectivo preço unitário, permitissem compensar a carestia daquele. (..)” (4)

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No caso dos autos, o pedido de esclarecimentos formulado pelo Júri sobre a nota justificativa do preço apresentado não se coloca na perspectiva da violação do limiar automático de preço anormalmente baixo, na exacta medida em que o preço contratual da ora Recorrida se situa acima do limiar resultante do critério de adjudicação fixado no programa do concurso, artº 71º nº 1 b) CCP, por reporte ao preço base fixado.
Todavia, a circunstância de o preço apresentado se situar acima do limiar automático, ex lege ou por autovinculação da entidade adjudicante, não constitui factor preclusivo da competência do júri concursal de, discricionariamente e com fundamento nas disposições conjugadas dos artºs. 71º nºs 1, 2 e 3 e 72º nº 1 CCP, abrir no procedimento o incidente de averiguação da seriedade e congruência das propostas sobre as quais, no seu entender, perfile de modo fundamentado e concreto um juízo de suspeita de anomalia sobre o preço contratual proposto - não obstante, repete-se, se situar acima do limiar automático de anomalia resultante do critério previamente fixado -, por se lhe suscitarem dúvidas sobre a sua seriedade ou congruência, juízo dubitativo de seriedade tomado à luz das circunstâncias vigentes e conhecidas no momento em que decorrem os preliminares pré-contratuais. (5)
Efectivamente, em juízo de normalidade com suporte nas características concretas do bem ou serviço que a entidade adjudicante pretende adquirir no mercado, o preço proposto há-de ser suficiente para cobrir os custos correntes contabilisticamente necessários à execução do contrato, acrescidos da margem de lucro expectável pela pessoa singular ou colectiva, maxime, a sociedade comercial que se candidata à adjudicação.
E mais.
A componente do preço contratual reportada à margem de lucro não pode apresentar-se de tal modo esmagada no meio dos restantes custos correntes de execução do contrato para, a qualquer sujeito com conhecimentos próprios no âmbito do objecto contratual se lhe afigurar, como verosímil e em critério de probabilidade, que, contas feitas, a margem de lucro é obtida à custa de uma execução deficiente do produto ou serviço prestado pela Administração (aos contribuintes).
Em caso de adjudicação nas circunstâncias acabadas de referir, os vícios na execução do contrato serão originários de uma prática administrativa indevida por expressa no acto de adjudicação de proposta que, em si mesmo, continha todas as indicações objectivas de que não era séria e congruente para cumprir o contrato e que, seja o órgão competente para a decisão de contratar, artº 71º nº 2 CCP, seja o júri por delegação, artº 69º nº 2 CCP, deviam ter visto e não viram.
Naturalmente que se estiverem em causa valorações por recurso a juízos técnicos, em que o juízo jurídico sobre o preço anormalmente baixo, no sentido amplo do conceito que estamos a considerar, é incindível dos juízos próprios da lex artis na área a que o contrato a adjudicar se reporta, cumpre ter em atenção que, nestas circunstâncias concretas, “(..) o controlo da qualificação técnica pelo tribunal implicaria já uma apreciação da própria discricionariedade administrativa, pelo que deve ser rejeitado. (..)”. (6)
No sentido exposto, os acórdãos deste TCAS tirados nos recs. nºs 6985/10 de 17.FEV.2011 e 11994/15 de 09.JUL.2015, de que fomos Relatora.

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No que respeita à invocada violação de segredo de negócio, é uma realidade que o acesso integral às propostas, por todos os concorrentes e a todo o tempo, para que tende a conjugação dos princípios da concorrência, igualdade e transparência, levanta questões em matéria de confidencialidade das propostas, sendo que, “(..) Talvez pela dimensão do problema, o legislador comunitário foi sensível a esta questão e veio determinar que a entidade adjudicante não deve divulgar as informações que lhe tenham sido comunicadas pelos operadores económicos que estes tenham indicado como confidenciais – artº 6 da Directiva nº 2004/18/CE e artº 13 nº 2 da Directiva nº 2004/17/CE. Veja-se também o artº 42º nº 3, da Directiva nº 2004/18/CE e o artº 49 nº 2, parte final, da Directiva nº 2004/17/CE. (..)” (7)
Esta possibilidade de classificação de documentos da proposta “por motivos de segredo comercial, industrial, militar ou outro”, sem previsão no regime jurídico da contratação pública anterior ao CCP, mostra-se expressamente regulada no artº 66º do Código, a solicitação do interessado e mediante decisão do órgão competente para a decisão de contratar, pelo que não tendo sido objectivamente requerida pela ora Recorrida no domínio do concreto procedimento nos prazos e termos constantes do citado normativo, não tem fundamento legal para ser invocada em via contenciosa.

*

Pelas razões de direito supra expostas e em referência à questão suscitada no item 45 das conclusões, falha suporte legal para a recusa de resposta aos pontos 2 a 5 da solicitação de esclarecimentos formulada pelo Júri à ora Recorrida, levada ao probatório na alínea O.


2. leilão electrónico; relatório preliminar; nova audiência prévia;

Como já referido, em deliberação de 14.Julho.2014 o Júri pronunciou-se sobre a resposta da ora Recorrida aos esclarecimentos solicitados sobre o conteúdo dos custos da nota justificativa do preço proposto, sendo que a ora Recorrida respondeu ao solicitado no ponto 1 e não apresentou resposta quanto aos restantes pontos 2 a 5, matéria levada ao probatório nas alíneas N e O.
A deliberação de 14.Julho.2014 foi levada ao probatório na alínea Q no segmento em que o Júri se pronunciou por outros motivos de exclusão em acréscimo dos constantes do 1º Relatório Preliminar de 24 a 31/Março/2014.
Quanto aos componentes da nota justificativa do preço apresentado, foram considerados os seguintes motivos de exclusão da proposta:
(i) preço contratual superior ao preço-base fixado no Caderno de Encargos, subsumido na causa de exclusão prevista no artº 70º nº 2 d) CCP,
(ii) número de horas regulares e extra de serviço para o prazo de duração do contrato inferior ao determinado no Caderno de Encargos, subsumido na causa de exclusão prevista no artº 70º nº 2 b) CCP,
(iii) carga horária anual e mensal de cada vigilante contabilizada em valor hora superior em violação de disposição expressa do Contrato Colectivo de Trabalho vigente no sector, aferido em função do regime de férias/faltas/formação contínua, subsumido na causa de exclusão prevista no artº 70º nº 2 f) CCP,
(iv) contabilização do número de vigilantes inferior ao constante das cláusulas técnicas do CE, subsumido na causa de exclusão prevista nos artºs 70º nº 2 c) e f) e 146º nº 2 o) CCP,
(v) subavaliação do custos dos salários base dos vigilantes a afectar (79,22) para o prazo de duração do contrato, subsumido na causa de exclusão prevista no artº 70º nº 2 f) CCP,
(vi) acréscimo de remuneração por trabalho em dia feriado inferior ao devido, em violação de disposição expressa do Contrato Colectivo de Trabalho vigente no sector, levando em conta o período de suspensão e o número médio mensal de horas de trabalho, subsumido na causa de exclusão prevista no artº 70º nº 2 f) CCP.

Na medida em que manteve a proposta de exclusão e não admissão da ora Recorrida à fase do leilão electrónico, importa à solução do caso trazido a recurso inserir esta deliberação de 14.Julho.2014 na ritologia procedimental, o que levanta algumas dificuldades de enquadramento no direito objectivo.

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Na circunstância do concreto procedimento, a fase do leilão electrónico obriga a duas avaliações das propostas, uma avaliação prévia global em que intervém o júri e outra que decorre automaticamente do resultado do leilão, cfr. artºs. 140º nº 1 e 142º º 2 a) CCP; consequentemente, pelo menos segundo parte da doutrina, há dois relatórios preliminares, embora expressamente o CCP apenas se refira ao relatório após o leilão no artº 146º nº 1.
Como nos diz a doutrina “(..) a inexistência de um relatório preliminar, em momento anterior ao leilão, não significa que não se deva excluir as propostas inaceitáveis, ouvindo, desde logo, os respectivos concorrentes. (..)”. (8)
Posição assente em razões de lógica procedimental, na medida em que “(..) a entidade adjudicante tem todo o interesse em fazer esta audiência prévia antes do leilão, pois dificilmente se salvará um concurso cujo leilão se tenha já realizado e no qual se venha a concluir, depois dessa realização, que uma proposta deve ser readmitida. (..)” (9)
Não estando expressamente regulados os termos do citado relatório preliminar da avaliação prévia global das propostas, o específico regime por que se devem reger os actos jurídicos inerentes à audiência prévia tem de ser procurado no lugar paralelo, fazendo funcionar a analogia conforme disposto no artº 10º C. Civil.
Tal implica, a nosso ver e salvo melhor opinião, submeter o caso presente da avaliação prévia global das propostas e consequente audiência prévia dos concorrentes ao regime expressamente previsto no CCP para as respostas em audiência prévia e dever de ponderação do júri das observações exaradas pelos concorrentes, na medida em que o núcleo fundamental que assemelha o caso presente e o caso regulado permite a mesma estatuição. (10)
Ou seja, remete-se para o regime das disposições conjugadas dos artºs. 124º nº 2 e 148º nº 2 CCP, no sentido de que a formalidade da audiência prévia na fase do relatório preliminar, artºs. 123º nº 1 e 147º CCP, dará origem à elaboração do relatório final e notificação (dos interessados) para uma segunda audiência prévia quando o júri, em via de ponderação das observações críticas dos concorrentes e ao redefinir no relatório final a posição sustentada no antecedente relatório preliminar, proponha (i) a exclusão de proposta antes admitida ou vice-versa, i.e., admita proposta cuja exclusão antes propusera, bem como (ii) altere a anterior ordenação das propostas, artºs. 124º nº 2 e 148º nº 2 CCP.
Como salienta a doutrina, “(..) have(rá) tantas audiências prévias quantas as necessárias para que se possa dizer que, relativamente à respectiva posição no procedimento, todos os interessados tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a versão final do relatório. (..)”. (11)
No enquadramento dos artºs. 124º nº 2 e 148º nº 2 CCP quanto a esta modalidade de participação instrutória dos interessados no procedimento pré-contratual, só há lugar a nova audiência prévia em caso de exclusão/readmissão e/ou alteração da ordenação das propostas, e não em todo e qualquer caso de alteração do teor do relatório preliminar.
Aplicando este regime ao relatório preliminar da avaliação prévia global, artº 140º nº 1 CCP, é desde logo patente que as circunstâncias do caso trazido a recurso não integram a hipótese legal dos artºs. 124º nº 2 e 148º nº 2 CCP, pois na deliberação de 14.Julho.2014 (alínea Q do probatório) na sequência da apreciação crítica das observações da ora Recorrida em sede de pronúncia em audiência prévia e da resposta aos esclarecimentos solicitados sobre a nota justificativa do preço proposta, o Júri manteve a proposta inserta no 1º Relatório Preliminar de 24 a 31/Março/2014 (artº 140º nº 1 CCP) de exclusão da proposta e não admissão à fase do leilão electrónico, levado ao probatório na alínea K.
O mesmo é dizer que, no caso concreto, antes do procedimento avançar para a avaliação das propostas em leilão electrónico, o Júri não tinha o dever jurídico de convidar o concorrente interessado, no caso, a ora Recorrida, para nova audiência prévia em função do teor da deliberação de 14.Julho.2014, exactamente porque esta manteve a proposta de exclusão e não admissão à fase subsequente do leilão exarada no 1º Relatório Preliminar de 24 a 31/Março/2014.

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O que significa que em referência à questão suscitada nos itens 6 e 26 das conclusões de recurso, não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo de enquadrar a matéria no “vício de forma por violação da audiência prévia”, segmento a fls. 1937 dos autos, na medida em que, pelas razões expostas, nesta matéria o procedimento não enferma de invalidade.


3. componente retributiva de base convencional e componente fiscal; vinculações legais e regulamentares;

No caso em apreço trazido a recurso, o pedido de esclarecimentos solicitados é dirigido aos custos de pessoal a alocar à prestação do serviço de segurança e vigilância privada, na componente retributiva de base convencional e na componente das contribuições à segurança social, de natureza parafiscal.

Como já se afirmou no acórdão deste TCAS tirado no rec. nº 7691/11 de 12.AGO.2011, de que fomos Relatora, o princípio da irredutibilidade da retribuição vem consagrado no artº 129º nº1 d) do CT, aprovado pela Lei 7/2009 de 12.02 (anterior artº 122º d) do CT aprovado pela Lei 99/2003), normativo que apenas excepciona do âmbito de imperatividade garantística da prestação contratual por banda do trabalhador “os casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulação colectiva de trabalho”.

Tal significa confinar as excepções a este princípio (i) às hipóteses expressamente contempladas no Código do Trabalho e (ii) aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Nesta matéria, em análise comparativa com o regime do artº 21º da LCT, diz-nos a doutrina “(..) Por outras palavras: deixou de ser lícita a diminuição da retribuição, que não resulte de modificações contratuais, por mero acordo das partes. (..)”, bem como “(..) decorre da norma a sua índole convénio-dispositiva, nos termos e para os efeitos do artº 5º do CT: assim, não pode ser reduzida a retribuição por contrato de trabalho, salvo nos casos previstos na lei. (..)”, isto é, na medida em que limita a redução da retribuição ao domínio negocial que tenha por fonte a contratação colectiva, o artº 122º d) CT integra-se no campo das “(..) normas que não podem ser afastadas pelos contratos de trabalho, mas podem ser afastadas por convenção colectiva de trabalho. (..)” (12) (13)

Salvo o devido respeito por entendimento distinto, a obrigatoriedade de cumprimento da legislação laboral – e parafiscal, naturalmente, dado que se trata de obrigação de direito público - no que respeita ao pessoal que o adjudicatário venha a contratar, encontra as suas raízes no princípio da legalidade, na vertente da preferência de lei, que enforma toda a actividade da Administração, cfr. artº 266º nº 2 CRP, cuja inobservância tem por consequência a invalidade dos actos e omissões de actos, cuja prática a lei impõe.

Atento o disposto no artº 96º nº 2 CCP, uma vez adjudicada a proposta, os respectivos elementos constitutivos (maxime, atributos, termos e condições) assumem a natureza de clausulado contratual, o que significa que os elementos essenciais da proposta em desconformidade com disposições legais imperativas contêm, de per si, a capacidade de se reflectir no contrato, afectando-o de invalidade por ilegalidade consequente, sendo, por isso, caso de exclusão da proposta integrável na previsão do artº 70º nº 2 f) CCP, além de que, em sede de contratação pública, a apresentação de preço contratual competitivo fundado no incumprimento dos mínimos legais de retribuição do trabalho e imposições fiscais e parafiscais configurar, a nosso ver, o falseamento da concorrência, passível, igualmente, de exclusão da proposta nos termos do artº 70º nº 2 g) CCP. (14)

Desconformidade que no caso presente vem reflectida na análise da nota justificativa do preço proposto pela ora Recorrida na medida da sub-avaliação e insuficiência dos custos mínimos directos de base legal e convencional com a prestação de trabalho, contabilizados para a execução das prestações durante o prazo do contrato relativamente à componentes da remuneração dos vigilantes, referidas pelo Júri, como referido supra, no 1º Relatório Preliminar de 24 a 31/Março/2014 e deliberação de 14.Julho.2014, confirmada pelo órgão adjudicante, o Município da Amadora, em via de indeferimento da impugnação administrativa por despacho do Presidente da Câmara de 01.08.2014.


4. liberdade de modelação do conteúdo contratual; custos variáveis;

Conforme segunda vertente atrás assinalada, importa saber até que ponto a Entidade Adjudicante é admitida a exercer o seu poder de exigência ao mercado administrativo em matéria de vinculações legais e regulamentares para invocar positivamente a respectiva inobservância e fazer funcionar a causa de exclusão do artº 70º nº 2 f) CCP.
No caso, a questão coloca-se quanto aos custos variáveis do sector da prestação de serviços de segurança e vigilância privada pois que, nos termos expostos, relativamente aos custos legais obrigatórios a respectiva inobservância claramente implica a operatividade da citada causa de exclusão da proposta.
Quanto aos custos variáveis da prestação do serviço de vigilância e segurança privada que integram aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência reflectidos no preço a pagar, único atributo das propostas, cabe referir que tais custos variáveis integrantes da nota justificativa do preço proposto levados ao procedimento adjudicatório se enquadram no espaço de liberdade da Administração em matéria de conformação das prestações contratuais, sendo que do ponto de vista da Entidade Adjudicante a “discriminação das várias componentes dos custos integrantes dos preços dos serviços de vigilância privada que contribuem para a formação do preço constitui requisito essencial” – 1º Relatório Preliminar de 24 a 31/Março/2014, alínea K do probatório.
Esta liberdade competencial de estruturação do procedimento adjudicatório tem base normativa expressa; no que respeita ao programa no artº 132º nº 4 CCP, permitindo que nele sejam incorporadas “quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.”, e para o caderno de encargos no artº 42º nº 4 CCP, concedendo abertura a que no tocante aos aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência “os parâmetros base .. podem dizer respeito a quaisquer aspectos da execução do contrato .. e devem ser definidos através de limites mínimos e máximos, consoante os casos, sem prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”.

*

Neste quadro, importa analisar em que medida e até que ponto a Entidade Adjudicante pode ir na liberdade de decisão no tocante à estipulação do conteúdo do contrato administrativo. (15)
A medida é dada, necessariamente, pelo interesse público posto a cargo da Entidade Adjudicante na decorrência das funções legalmente cometidas à pessoa colectiva pública, isto é, das atribuições fixadas por lei para cuja prossecução, a cargo dos respectivos órgãos, a lei necessariamente concede um elenco expresso de competências traduzidas nos meios jurídicos necessários ao concerto desempenho daquelas atribuições.
Quanto ao alcance da liberdade de modelação do conteúdo contratual nas peças procedimentais no uso da margem de livre decisão conferida por lei no quadro da autonomia pública em matéria de contratação, maxime, no CCP, cabe à Administração observar os limites internos do poder discricionário ou, noutra formulação, os limites imanentes da margem de livre decisão, decorrentes dos princípios constitucionais, além do já referido dever de prossecução do interesse público, o princípio da proporcionalidade na vertente da racionalização dos meios a utilizar pelos serviços, cfr. artºs. 266º nºs. 1 e 2 e 267º nº 5 CRP.


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Como referido, no 1º Relatório Preliminar de 24 a 31/Março/2014 o Júri destaca o grau de “exigência definida no convite relativamente à nota justificativa do preço proposto” relativamente à “discriminação das várias componentes dos custos integrantes dos preços dos serviços de vigilância privada que contribuem para a formação do preço constitui requisito essencial, cuja omissão conduz inexoravelmente à exclusão da proposta”, incluindo nesta exigência os custos variáveis relativos ao serviço de vigilância e segurança privada que o Município da Amadora pretende adquirir no mercado concorrencial.
Quanto aos pressupostos de que depende o uso da margem de livre decisão expressa na inclusão de custos variáveis na descriminação da nota justificativa do preço definida no convite, o caso concreto não evidencia a violação de quaisquer limites internos por parte da Entidade Adjudicante.
Primeiro porque é a própria lei no CCP que atribui abertura competencial às entidades adjudicantes permitindo liberdade de conformação do procedimento adjudicatório no respeito pela concorrência entre os operadores do mercado e das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, vd. artºs. 42º nº 4 e 132º nº 4 CCP, donde, no que ora importa ao caso trazido a recurso, liberdade de escolha na definição dos limites mínimos ou máximos vinculativos das propostas em aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência, a saber, o preço a pagar pela entidade adjudicante.
Segundo, porque a discriminação dos itens de custos variáveis insertos na nota justificativa do preço proposto, nomeadamente “para a componente (20) "Outros custos relacionados com o trabalho" (nomeadamente os respeitantes ao absentismo remunerado, crédito de formação, seguros - acidentes de trabalho e de responsabilidade civil, fardamento e outros materiais de serviço, custos com SST, provisões de férias e subsídios, recrutamento, formação e estágio, coordenação e controlo operacional)”, tem conexão directa com custos implicados com a prestação de serviços de segurança e vigilância privada, v.g. na Recomendação de 12.Abril.2012 da Autoridade para as Condições do Trabalho no sector desta actividade, a que o Júri faz referência na deliberação de 14.Julho.2014.
Por conseguinte, a opção tomada no procedimento em matéria de custos variáveis insertos na nota justificativa do preço proposto, na medida da observância por parte da Entidade Adjudicante dos limites imanentes da margem de livre decisão não se mostra eivada de desvio de poder contratual.
E, como salienta a doutrina “(..) O desvio de poder contratual é apenas susceptível de controlo jurisprudencial negativo. O juiz pode constatar que a escolha (..) haja sido ditada por um motivo principalmente determinante que em nada se prenda com uma pretensão de dar um destino racional aos meios disponíveis para a acção administrativa. Mas não pode substituir-se à Administração para julgar da racionalidade das valorações efectuadas a não ser através de um juízo negativo de proporcionalidade.
(..) Desde que a valoração teleológica tenha sido efectuada no quadro da prossecução do interesse superior da racionalização dos meios a utilizar, não existem outros parâmetros para uma revisão da legalidade. (..)” (16)
É o caso no que respeita à opção de incluir para efeitos de discriminação das várias componentes dos custos na nota justificativa da formação do preço proposto os custos variáveis relativos ao serviço de vigilância e segurança privada, matérias abrangidas pela margem de livre decisão de actuação administrativa, no uso da discricionariedade de modelação nas peças procedimentais do conteúdo do contrato.
No mesmo sentido o acórdão deste TCAS tirado no rec. nº 11587/14 de 16.04.2015, de que fomos Relatora.

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Do que vem dito decorre que a proposta da ora Recorrida apresentou um preço contratual em violação dos parâmetros base fixados no procedimento adjudicatório, impossibilitando a operação de avaliação da mencionada proposta, relativamente ao tronco comum de pressupostos de análise fixados no procedimento no tocante ao único aspecto levado à concorrência, tal como as demais apresentadas ao procedimento pelos restantes concorrentes, o que configura causa de exclusão nos termos previstos no artº 70º nº 2 b) e c) CCP.

Deste modo, a proposta de decisão tomada no procedimento pelo Júri na fase de avaliação preliminar global das propostas no 1º Relatório Preliminar de 24 a 31/Março/2014, no sentido de exclusão da proposta apresentada pela Recorrida e consequente não admissão à fase do leilão electrónico, confirmada em via de indeferimento de impugnação administrativa da deliberação de 14.Julho.2014 por despacho do Presidente da Câmara de 01.08.2014, alíneas K, Q, R e S do probatório, mostra-se válida e eficaz, tal como o acto de adjudicação e contrato celebrado com a ora Recorrente.

Pelo exposto, procedem todas as questões trazidas a recurso nos itens 2 a 50 das conclusões.



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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso e revogar o acórdão proferido.
Custas a cargo do Recorrido.


Lisboa, 28.AGO.2015

(Cristina dos Santos) ………………………………………………………..

(Rui Pereira) ………………………………………………………………..

(Lurdes Toscano) ……………………………………………………………



(1) Luís Verde de Sousa, O leilão electrónico na contratação pública, CEDIPRE - Estudos de Contratação Pública/IV, Org. Pedro Gonçalves, págs. 232/238;Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, 4ª ed. Almedina, pág.395;
(2) Luís Verde de Sousa, O leilão electrónico … pág. 268.
(3) Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina /2011 págs. 600/603, 939.
(4) Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos…, pág.638.
(5) João Amaral e Almeida, As propostas de preço anormalmente baixoEstudos de Contratação Pública, III/CEDIPRE, Coimbra Editora/2010, págs. 118/119.
(6) Mário Esteves de Oliveira, Lições de direito administrativo, Lisboa/1980, pág. 355.
(7) Margarida Olazabal Cabral, Procedimentos clássicos no Código dos Contratos Públicos, CJA nº 64, pág. 23.
(8) Luís Verde de Sousa, O leilão electrónico … págs.280/283.
(9) Margarida Olazabal Cabral, O concurso público no Código dos Contratos Públicos - Estudos de Contratação Pública - I, CEDIPRE, Coimbra Editora/2008, págs.215/217.
(10) Oliveira Ascensão, O Direito – introdução e teoria geral, Fundação Calouste Gulbenkian, pags.402/403.
(11) Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, 4ª ed. Almedina, pág.395; Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos…, págs. 996/1001.
(12) Pedro Martinez, Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Madeira de Brito, Guilherme Dray, Gonçalves da Silva, Código do Trabalho – Anotado, Almedina/2007, pág. 292; Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho – Anotado, Coimbra Editora/2010, págs. 338/339.
(13) M. Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, Almedina/2005, pág.216.
(14) João Amaral e Almeida/Pedro Fernandez Sanchez, Temas de contratação pública, I, Coimbra Editora /2011, págs.318/321;
(15) Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Almedina/2013 (reimpressão da ed./1987), págs. 124, 479, 655, 666 a 670.
(16) Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia …, pág. 667.