Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:397/12.0BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:11/26/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO EM AUTOESTRADA;
DEVER DE VIGILÂNCIA;
CANÍDEO;
PRESUNÇÃO LEGAL DE INCUMPRIMENTO;
ARTIGO 12.º, N.º 1, B) DA LEI 24/2007, DE 18/07.
Sumário:I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivo(por omissão), segundo o artigo 486.º do CC.

II. Desde que exista o dever legal de atuar, a omissão dos atos devidos é suscetível de determinar a obrigação de reparar o dano causado.

III. Cabe à Ré, na qualidade de concessionária da conservação e exploração da autoestrada A22, a obrigação de zelar pela segurança da circulação, devendo tomar todas as medidas necessárias para cumprir esse objetivo, onde se inclui o dever de vigilância em relação aos animais.

IV. A Ré ao não diligenciar no sentido de impedir a entrada de animais na faixa de rodagem na A22, através da vedação segura e eficaz, incumpriu a obrigação de zelar pela segurança da circulação rodoviária, sendo, consequentemente, responsável pelos danos daí decorrentes.

V. Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, b) da Lei n.º 24/2007, de 18/07, em caso de acidente rodoviário nas autoestradas, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que, entre outras, a respetiva causa diga respeito a atravessamento de animais, como no presente caso.
VI. Nem o sistema de videovigilância colocado em alguns pontos da autoestrada, nem a presença física de elementos humanos, que passam em cada duas horas pelo troço em que ocorreu o acidente, se revelaram eficazes a assegurar o cumprimento da obrigação de vigilância e de impedir o atravessamento de animais na via e, consequentemente, a impedir o facto ilícito.
VII. A circunstância de a Ré não ter conseguido identificar o local de entrada do animal na via é comprovativa de que o sistema de vigilância adotado não é suscetível de assegurar o cumprimento da obrigação de vigilância da via, designadamente, em relação à entrada e atravessamento de animais.
VIII. Não ilidindo a Ré a presunção do incumprimento (artigo 12.º, n.º 1, b) da Lei n.º 24/2007, de 18/07) e a presunção de culpa (artigo 10.º, n.ºs 2 e 3 do RRCEE), por não provar que adotou mecanismos eficazes e eficientes de fiscalização e de vigilância da autoestrada em que ocorreu o acidente, não conseguindo evitar a entrada do animal na via, nem identificar o local da sua entrada, não mantendo em corretas condições de segurança a via onde ocorreu o embate da viatura com o animal, nem tão pouco demonstrou que apesar de terem sido tomadas todas as medidas sempre ocorreria o acidente (v.g. por excesso de velocidade da viatura ou por condução sob o efeito de álcool), considera-se provada a culpa da Ré, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349.º e 350.º, nºs. 1 e 2, do CC.
IX. A causa de atravessamento de animal na via não foi concebida pelo legislador da Lei n.º 24/2007, de 18/07 como podendo ficar a dever-se a facto fortuito que afaste a responsabilidade da Ré.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

M.............., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 15/10/2016, que, no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma sumária, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, instaurada contra a E…………………., julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido de condenação a pagar ao Autor a indemnização no valor de € 5.603,35, acrescida de juros calculados, à taxa legal, a partir da citação e até efetivo pagamento.


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Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1- Face à matéria de facto provada (e não provada) nos presentes autos, a Ré, ora Apelada, não logrou afastar a presunção constante da alínea b (do nº 1 do artigo 12° da Lei nº 24/2007 de 18 de Julho.

2 - A Ré logrou efectivamente demonstrar a realização de um cumprimento genérico de algumas das suas obrigações de vigilância e de conservação das vedações, decorrentes do contrato de concessão, nomeadamente naquele troço da auto-estrada.

3 - Embora tal demonstração possa criar a dúvida sobre a responsabilidade da Ré concessionária, não conduz à prova efectiva de que a culpa não lhe pode ser imputada.

4 - Da prova produzida não resultou provado de que modo o cão entrou na Auto- Estrada A22 (Via do Infante de Sagres), não tendo ainda resultado da prova apresentada que a rede instalada no local impedia efectivamente a entrada de um cão com o porte daquele que esteve envolvido no acidente a que os autos respeitam.

5 - Não tendo sido alegado tal facto e não resultando da prova produzida que a rede em causa tinha esta capacidade, é irrelevante que não tenha sido detectada pelos funcionários da Ré qualquer anomalia da rede no local onde ocorreu o acidente.

6 - É também irrelevante a existência de patrulhamentos, se não ficar demonstrado que estão instalados na auto-estrada em causa os meios técnicos que visem impedir a entrada de canídeos na via.

7 - Competia à Ré a demonstração dos específicos meios que instalou na auto­ estrada para prevenir a entrada de canídeos com o porte daquele que foi interveniente no acidente dos autos, bem como da sua apetência para evitar a entrada de animais e bem assim para detectar e remover os mesmos da via de imediato.

8 - Em face da jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, a Ré teria ainda que demonstrar que o cão surgiu na auto-estrada de uma forma incontrolável, por um motivo de força maior, nomeadamente através de um acto de terceiro que não podia impedir.

9 - Não sendo conhecida a efectiva do aparecimento inusitado do animal na faixa de rodagem, é a favor do Autor e ora Apelante (lesado e utente) e não da Ré (concessionária), que a respectiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.0 24/2007, conjugado com o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil.

10 - Como resulta dos factos provados B), C), D) e E), a causa do acidente foi o surgimento de um canídeo na Auto-estrada A22 (Via do Infante) por onde o Apelante circulava.

11 - A confirmação da causa do acidente foi verificada no local por autoridade competente, no caso a GNR, que elaborou o respectivo relatório (nº 108/10.

12 - Pelo facto de o Apelante não ter provado "a velocidade a que circulava na altura, que não lhe foi possível desviar-se, ou sequer que tivesse travado e que circulava com a atenção e prudência necessária" não pode extrair-se a conclusão, como fez o Tribunal a quo, de que não é possível concluir que o que motivou o dano foram as faltas de condições de segurança exigidas à Ré enquanto concessionaria da A22.

13 - Tal entendimento constitui um desvirtuamento do disposto no preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, uma vez que ao Autor apenas competia provar, como fez, que a causa do acidente foi a existência de um canídeo na Auto- Estrada e que tal foi verificado no local onde o acidente ocorreu pela autoridade competente, no caso a GNR.

14 - O Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do direito aos factos, quando decidiu que a factualidade apurada não permite descortinar a ocorrência do facto que possa considerar-se como ilícito e como tal os pressupostos de que depende a responsabilidade da Ré pelos danos sofridos pelo Autor.

15 - Estando provado que o valor da reparação do veículo propriedade do Autor ascende a € 5.603,35 (alínea G dos fatos provados), deverá a douta sentença agora em crise ser revogada e proferida decisão que condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 5.603,35, acrescida de juros contados desde e a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento.

16 - Consequentemente deverá ainda ser a Ré, ora Apelada, condenada no pagamento das custas judiciais e demais encargos do processo.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença e proferindo-se decisão que condene a Ré no pedido.


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O ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, tendo aí concluído do seguinte modo:

“Não deverá o recurso jurisdicional apresentado pelo Réu ser aceite, nem tão pouco convolado em reclamação para a conferência uma vez que foi largamente excedido o prazo para tal;”.

Pede que o recurso apresentado não seja aceite.


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Por despacho datado de 12/12/2016 foi decidida a tempestividade do recurso, por o recurso ter sido apresentado dentro do prazo legal.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Entende que a sentença recorrida não fez uma correta apreciação dos factos, optando por uma solução de natureza jurídica que não se mostra conforme ao regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Alega que de acordo com o artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18/07, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a atravessamento de animais.

A Ré não logrou afastar a presunção em causa, além de não lhe bastar demonstrar que foi diligente, tendo de estabelecer positivamente o evento concreto que levou à intromissão do animal na via e que tal processo lhe foi inteiramente alheio, não bastando, por isso, a prova genérica do cumprimento dos deveres de segurança para afastar a presunção.

Conclui que a sentença não fez uma correta apreciação dos factos, nem a uma correta subsunção desses factos ao direito.


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A Ré, ora Recorrida, veio pronunciar-se sobre o parecer emitido concordando que de acordo com o artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18/07, lhe cabe o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança respeitante ao atravessamento de animais, mas alega que tudo fez em sede de patrulhamentos, dia e noite nos 130 Km da via A 22, sendo-lhe impossível ter um guarda permanente que obstaculize a intromissão pelos nós, de animais.

Defende que deve ser mantida a sentença recorrida.


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O processo vai, com vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento no tocante à responsabilidade civil da Ré, por não ter afastado a presunção constante do artigo 12.º, n.º 1, c) da Lei n.º 24/2007, de 18/07.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) No dia 17 de Agosto de 2010, pelas 5.50horas, ocorreu um acidente de viação onde foi interveniente o Autor, de nacionalidade espanhola, proprietário e condutor do veículo de matrícula .............. (cfr docs nºs 1 e 2 juntos com petição inicial);

B) O veículo referido na alínea precedente, no dia e hora supra mencionados, circulava na Auto-Estrada A22 Via do Infante Sagres, no sentido Albufeira/Faro (cfr docs nºs 1 e 2 juntos com a petição inicial);

C) No dia e hora supra mencionados o veículo identificado na alínea A) embateu frontalmente com um animal de raça canina (cfr doc nº 2 junto com a pi);

D) A via onde circulava o veículo identificado na alínea A) está abrangida pelo contrato de concessão de serviço público celebrado com a E.............., S.A. (por acordo);

E) No Relatório nº 108/10 elaborado pelo guarda da GNR, R............., pode ler-se designadamente que “No dia 17 de Agosto de 2010 pelas 06H00 fui informado pela central do DT Faro que na A22 ao Km 71,7 no sentido de marcha Albufeira/ Faro, um veículo teria atropelado um animal de raça canina.

Chegado ao local, deparei-me com um animal de raça canina morto na berma e vinte metros à frente um veículo parado na berma” (cfr doc nº 1 junto com a petição inicial);

G) No orçamento da “C............., S.A.”, concessionário da Mercedes-Benz respeitante à viatura automóvel, marca Mercedes-Benz, de matrícula .............., o valor a saldar é de € 5.603,35 (cfr docs nº 2 e 5 ambos juntos com a petição inicial);

H) Em 9 de Julho de 2012, a Ré elaborou “Relatório” da ocorrência referida em A) (cfr doc nº 1 junto com a contestação);

I) O acidente deu-se a seguir ao túnel do Areeiro, no sentido Albufeira/ Faro, o nó de Loulé encontra-se a 2,5 km, é um nó aberto e a via tem uma rede lateral de protecção (cfr testemunho de R.............);

J) Em serviço, às 6.00h foi solicitado para um acidente que ocorreu ao km 71, na E............. (cfr testemunho de P.............);

K) Do nó de Loulé até ao local do acidente distam 2 km e esse troço tem uma câmara de videovigilância ao km 69 e ao km 73 (cfr testemunho de P.............);

L) Chegou ao local, deparou com uma viatura danificada, o cão morto, elaborou um relatório, tirou fotografias, averiguou que o animal tinha microship, sinalizou o local e verificou a vedação dos dois lados da via que tem 1,5 m de altura, e não constatou nenhum dano (cfr testemunho de P.............);

M) Durante a noite passou de 2 em 2 h pelo local onde ocorreu o acidente (cfr testemunho de P.............);

N) A Via do Infante tem 10 painéis de informação que são activados quando existe um animal na via (cfr testemunho de P.............);

O) Ao km 69 fica o nó de Loulé de entrada na A22 existe uma câmara de videovigilância e outra no nó aeroporto/ Faro, a 3 km, não tendo sido detectada a entrada do animal nem apuraram por onde entrou (cfr testemunhos de P............. e de F.............);

P) A Ré tem uma brigada de manutenção que verifica diariamente as vedações entre as 8.00 h e as 17.00 h e têm 12 veículos que constituem a brigada de manutenção e vigilância a circular 24 h (cfr testemunho de F.............).


*

Não se provou

1 – Que o Autor circulava na A22 pela via direita;

2 – A que velocidade conduzia o Autor a viatura automóvel na altura do embate e se cumpria todas as regras estradais;

3 – Que no momento do aparecimento do cão na via de trânsito onde circulava o Autor, circulavam na via da esquerda, no mesmo sentido de marcha daquele, outros veículos automóveis;

4 – Era impossível o Autor desviar-se para a faixa contígua aquela em que circulava para evitar a colisão da viatura automóvel que conduzia e o cão;

5 – O cão entrou pelas redes laterais da via;

6 – O cão entrou pelos nós de acesso da via.

Motivação

O Tribunal firmou a sua convicção:

- com base nos documentos dos autos;

e,

- com base nos depoimentos das testemunhas.

Assim, os depoimentos de cada uma das testemunhas, R............., P............. e F............., pela percepção e memorização privilegiada que tiveram, revelaram, no seu depoimento, conhecimento convincente dos factos a que foram ouvidas.

Tendo em conta as máximas indiciárias apuradas e a prova produzida, deram ao Tribunal, na sua compreensão global, a verdade material dos factos.”.

DE DIREITO

Erro de julgamento no tocante à responsabilidade civil da Ré, por não ter afastado a presunção constante do artigo 12.º, n.º 1, c) da Lei n.º 24/2007, de 18/07

A questão suscitada no presente recurso resume-se em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento no tocante à responsabilidade civil extracontratual da Ré, concessionária do contrato de concessão de serviço público que inclui a via em que se deu o acidente de viação, quanto a saber se a mesma é responsável pelos danos causados na viatura, em consequência do embate ocorrido com um canídeo, com o fundamento alegado pelo Autor de existir a omissão ilícita do dever de conservação e segurança da circulação, impedindo a entrada de animais na faixa de rodagem na A 22.

Tendo a sentença recorrida absolvido a Ré do pedido, o Autor, ora Recorrente, vem atacar a sentença recorrida, estando em causa aferir do erro de julgamento da sentença na apreciação dos factos e na aplicação do direito.

Compulsada a sentença recorrida, dela decorre que foi julgado inexistir o facto ilícito e culposo da Ré, faltando por isso, os pressupostos da ilicitude e da culpa, enquanto requisitos da obrigação de indemnizar.

Decidiu-se na sentença recorrida que o atropelamento do animal e o dano no veículo foram causados por um animal, por motivos alheios à ação e à vontade da Ré, responsável pela segurança da via em que um protocolo de vigilância e segurança permanente é efetivo e que a prova produzida nos autos é manifestamente insuficiente para provar o que o Autor vem peticionar, mais se decidindo que a factualidade apurada não permite descortinar a ocorrência do facto que se possa considerar como ilícito, concluindo pela falta dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Ré.

Explanados sumariamente os fundamentos de direito da sentença recorrida importa agora considerar as razões invocadas pelo Recorrente no presente recurso.

No presente recurso está em causa apreciar do invocado erro de julgamento em relação aos pressupostos da responsabilidade civil da ilicitude e da culpa, julgados não verificados pela sentença recorrida.

1. Importa antes de mais atender à factualidade relevante, dada por assente na sentença recorrida, para com base nela proceder à aplicação do Direito.

Em 17/08/2010, pelas 05H50, na Auto-estrada A22, Via do Infante Sagres, no sentido Albufeira/Faro, o Autor conduzia o veículo automóvel de que é proprietário, tendo embatido frontalmente com um animal de raça canina.

O acidente deu-se a seguir ao túnel do Areeiro, no sentido Albufeira/Faro, em relação ao qual o nó de Loulé se encontra a 2,5 km, é um nó aberto e a via tem uma rede lateral de proteção.

Mais se apurou que do nó de Loulé até ao local do acidente distam 2 km e esse troço tem uma camara de videovigilância ao km 69 e ao km 73.

No relatório elaborado pela GNR pode ler-se que no dia 17/08/2010, pelas 06H00 foi informado pela central do DT Faro que na A22, ao Km 71,7, no sentido da marcha Albufeira/Faro, um veículo teria atropelado um animal de raça canina e que chegado ao local se deparou com um animal de raça canina morto na berma e que a vinte metros à frente estava um veículo parado na berma.

Chamada ao local, a Ré deparou-se com uma viatura danificada, o cão morto e foi elaborado um relatório e tiradas fotografias, sendo verificado que o local tinha vedação dos dois lados da via, a qual que tem 1,5 m de altura, sem ser constatado qualquer dano.

Não tendo sido possível ao condutor evitar o embate com o animal, o mesmo causou danos no veículo automóvel, no valor de € 5.603,35.

Ficou demonstrado que durante a noite, a Ré passou de 2 em 2 horas pelo local onde ocorreu o acidente e que existindo camaras de videovigilância, não foi detetada a entrada do animal, nem se apurou por onde entrou.

Mais ficou provado que a Ré tem uma brigada de manutenção que verifica diariamente as vedações entre as 08H00 e as 17H00 e que tem 12 veículos que constituem a brigada de manutenção e de vigilância a circular durante 24 horas.

Por outro lado, não se provou por onde o cão entrou na autoestrada, assim como a velocidade em que circulava o veículo ou sequer que fosse impossível ao Autor desviar-se para a faixa contígua àquela em que circulava para evitar a colisão.
Explanados os factos essenciais importa agora proceder à aplicação do Direito, no sentido de aferir do alegado erro de julgamento em relação aos pressupostos da responsabilidade civil.

2. Nos termos gerais, a responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra. A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é devedor e o lesado credor, vide Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª ed. Almedina, 2001, pp. 473 e segs..

A lei constitucional, no que respeita à responsabilidade das entidades públicas, consagra no artigo 22.º da Constituição o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas e a regra da solidariedade entre a Administração e os seus funcionários ou agentes, por danos causados no exercício das suas funções, no sentido de o Estado servir como garante da reparação dos danos – a este respeito veja-se Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, Parte IV, Direitos Fundamentais, pp. 286 e segs..

No presente caso, trata-se de aferir a responsabilidade da concessionária de serviço público da SCUT do Algarve, recaindo sobre ela a vigilância, conservação e exploração da via abrangida pelo contrato de concessão, a autoestrada A22, Via do Infante Sagres.

No que respeita à delimitação do Direito aplicável, considerando a data dos factos, ocorridos em 17/08/2010, tem aplicação o Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas (RRCEE), aprovado em anexo pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, por ser o regime vigente.

Prevê-se no artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 do RRCEE que “1. A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial.

2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.”.

Acresce, com relevo, para o presente litígio, o disposto no artigo 1.º, n.º 5 do RRCEE:

5 - As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.”.

No presente caso, releva ainda o disposto na Lei n.º 24/2007, de 18/07, que define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis aos utentes estabelecidos ou a estabelecer.

Em particular, referente à “Responsabilidade”, estabelece o disposto no artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18/07, o seguinte:

1 - Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:

a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais;

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.

3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:

a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;

b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;

c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.”.

3. Efetuando o enquadramento de facto e de direito, importa analisar os requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, que a sentença recorrida julgou não se verificarem.

No domínio dos atos da função administrativa, os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, não diferem substancialmente dos previstos na lei civil, decalcados no artigo 483.º, n.º 1 do CC, de verificação cumulativa, distintos e autónomos, a saber: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª ed. Almedina, 2001, pp. 510).
A este respeito é firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – vide, entre outros, os Acórdãos de 17/01/2002, proc. nº 44476; de 06/03/2002, proc. nº 48155; de 28/06/2002, proc. nº 47263 e de 09/07/2002, proc. nº 46385.

Cada um dos citados pressupostos desempenha uma função essencial e distinta no regime das situações geradoras do dever de reparação do dano.

3.1. Desde logo, em relação ao facto, há muito que a doutrina e a jurisprudência admitem a responsabilidade dos entes públicos decorrentes não só da prática de atos jurídicos, como da realização de operações materiais, pelo que o facto ilícito tanto pode consistir num ato jurídico, como num ato material.

Do mesmo modo, tanto pode estar em causa, a responsabilidade civil decorrente de atos, como de omissões, pois a conduta do agente geradora do dano tanto pode consistir num comportamento comissivo, como numa omissão, segundo o artigo 486.º do CC.

O citado regime abrange não só os atos materiais e omissões que ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, como ainda os atos ou omissões que ofendam as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração.
Desde que exista o dever legal de atuar, a omissão dos atos devidos é suscetível de determinar a obrigação de reparar o dano causado.

No caso dos autos, efetuando o enquadramento normativo da factualidade dada por assente e segundo, está em causa a omissão de vigilância em face do perigo que constitui a presença de animais na via pública, em particular, numa via destinada à circulação automóvel, como é a autoestrada, podendo provocar acidentes de viação.

Cabe à Ré, na qualidade de concessionária da conservação e exploração da autoestrada em questão, a obrigação de zelar pela segurança da circulação, devendo tomar todas as medidas necessárias para cumprir esse objetivo.

Por isso, tem deveres de agir para evitar danos a terceiros, como são os utentes da autoestrada, cuja violação constitui o cometimento de um facto ilícito.

Recai sobre a Ré o dever de vigilância em relação aos animais ou um dever como o que exerce uma atividade perigosa.

Segundo o Autor, a Ré ao não diligenciar no sentido de impedir a entrada de animais na faixa de rodagem na A22, através da vedação segura e eficaz, incumpriu a obrigação de zelar pela segurança da circulação rodoviária na referida autoestrada A22, sendo, consequentemente, responsável pelos danos daí decorrentes.

Sobre a responsabilidade das entidades públicas ou entidades privadas dotadas de poderes públicos, as mesmas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

Não se afigura controvertido que recaem sobre a Ré diversas obrigações de vigilância em relação a animais e de segurança rodoviária.

Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, b) da Lei n.º 24/2007, de 18/07, em caso de acidente rodoviário nas autoestradas, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que, entre outras, a respetiva causa diga respeito a atravessamento de animais, como no presente caso.

Pelo que, no respeitante ao facto, não existem as menores dúvidas de estarmos perante uma atuação de vigilância e de criação das condições de segurança rodoviária que é exigida e reclamada da Ré.

3.2. Concernente à ilicitude, segundo o artigo 9.º, n.º 1 do RRCEE, consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Nos termos do probatório assente e conforme a antecedente explanação da matéria de facto, resulta apurado que o aparecimento do animal em plena faixa de rodagem foi a causa direta do embate e dos danos provocados na viatura propriedade do Autor.
Assim, o que decorre da factualidade apurada é que o embate sofrido na viatura e os consequentes danos causados, ficaram a dever-se ao aparecimento súbito de um animal em plena faixa de rodagem quando a viatura aí circulava.
Decorre da normalidade dos factos e das regras de experiência comum que a existência de um animal na via, constitui um fator que agrava o risco que em geral a condução automóvel comporta, sendo certo que já por si se impõem aos condutores especiais precauções para circular em segurança.
Tanto mais que à hora em que ocorreu o acidente, pelas 05H50, seria ainda de noite, apontando as regras de experiência comum que não seria possível ao condutor avistar, em toda a sua extensão, a via por onde circulava, senão o que permitem as luzes do automóvel, ou seja, com grande proximidade em relação à própria viatura.
Como se disse no Acórdão do STA, n.º 0792/05, de 03/11/2005: “A boa circulação rodoviária está sempre dependente de dois factores distintos que se complementam, um físico-material, a via e o seu estado (leito, margens e sinalização) e outro, de carácter humano, traduzido na forma como os condutores a abordam. O acidente rodoviário, excepcionadas as situações inesperadas ou de força maior, é consequência de um desses factores ou da conjugação de ambos. Veja-se que o art.º 5 Código da Estrada (CE) impõe a sinalização dos locais e obstáculos que possam oferecer perigo a cargo daqueles que lhes tiverem dado causa (…)”.
A questão a decidir é a de saber se existe uma omissão ilícita do dever de vigilância da Ré.
Nos termos do artigo 493.º, n.º 1 do CC, “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que no houvesse culpa sua.”.
Este preceito é aplicável no âmbito da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, como o tem decidido a jurisprudência pacífica do STA e contém uma presunção legal de responsabilidade e não apenas de culpa, já que a censurabilidade incide sobre a omissão do dever de vigilância, cfr. neste sentido o Acórdão do STA, de 19/10/2010, Processo n.º 0465/09.
Não é possível presumir a culpa sem, concomitantemente, presumir o incumprimento desse dever objetivo em que se consubstancia a ilicitude, designadamente quando esta assenta na infração das obrigações de agir e das regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração de que fala o artigo 9.º do RRCEE, neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do STA, de 07/07/2010, Processo n.º 222/10 e de 19/10/2010, Processo n.º 0465/09.
Não nos suscita qualquer espécie de dúvidas e por isso podemos afirmar que um animal na via de circulação automóvel constitui, como os factos o demonstram, um perigo ou um fator de risco acrescido para a circulação automóvel.
Por isso, recaem legalmente sobre a Ré especiais deveres de vigilância em relação à existência de animais nas vias de circulação automóvel.
Para qualquer condutor automóvel a existência de um animal na faixa de rodagem, ainda que pequeno, exige cuidados especiais, pois tratando-se de um veículo em circulação, qualquer obstáculo na faixa de rodagem, consoante a suas características, poderá ser causador de uma perda da direção do veículo, podendo causar o embate ou o despiste na viatura, com os consequentes danos provocados.
No caso, estamos na presença de um cão, que apareceu na faixa de rodagem, provocando o embate na viatura que aí circulava, pelo que, forçoso se impõe dizer que a condução na estrada em causa oferece ainda maiores riscos.
Como resulta da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, foi o surgimento do animal na faixa de rodagem e embatendo na parte da frente do veículo, que determinou o embate ocorrido, tendo provocado danos na viatura.
Com efeito, como decorre do artigo 9.º do RRCEE a ilicitude consiste na violação de regras legais ou regulamentares ou ainda na violação de regras de ordem técnica e de prudência comum que deveriam ser tidas em conta.

Para o caso em apreço, existem normas legais, mais concretamente, as normas gerais previstas nos artigos 493.º e 502.º do CC, em relação aos danos causados por coisas, animais ou atividades e aos danos causados por animais, respetivamente, fazendo recair sobre a Ré, concessionária da autoestrada em que ocorreu o acidente de viação, o dever de vigilância de quaisquer animais, fazendo-a responder pelos danos que o animal causar.

A que acresce o aludido artigo 12.º, n.º 1, b) da Lei n.º 24/2007, de 18/07, enquanto regime particular aplicável.
Ao contrário do decidido pela sentença recorrida, a existência de um animal na via, enquanto causa do acidente e dos danos produzidos na viatura, faz incorrer a Ré na violação do dever de vigilância, incorrendo da prática de um facto ilícito.
Nos termos do citado artigo 12.º, n.º 1, b) da Lei n.º 24/2007, de 18/07, a Ré responde civilmente perante terceiros por ofensa de direitos destes ou de disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultante do incumprimento das obrigações de segurança, quando a sua respetiva causa diga respeito a atravessamento de animais.
Estando em causa uma autoestrada concessionada, impendia sobre a Ré a obrigação legal de proceder à vigilância da via e assegurar a segurança na sua circulação, pelos meios e forma adequados às circunstâncias da situação, ou seja, acautelar a circulação rodoviária, aumentando a segurança na via.
O artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/2017, de 18/12 estabelece uma verdadeira presunção legal de incumprimento, sem que a matéria de facto apurada nos autos a permita ilidir.
A Ré apenas não responde civilmente se tivesse conseguido inverter a presunção de incumprimento que sobre si recai, o que a matéria de facto apurada, nos exatos termos que constam do julgamento de facto da sentença recorrida e supra analisados, não permitem.
As presunções legais constituem uma derrogação das regras sobre o ónus da prova, invertendo-o.
Assim, nos termos do artigo 350.º do CC:
1. Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”.
Assim, face aos citados preceitos legais, cabia à Ré demonstrar que, no presente caso, cumpriu o dever de vigilância relativamente à referida via e que os danos sofridos pelo Autor não decorreram de culpa sua, ou que se teriam igualmente produzido mesmo que não houvesse culpa sua.
Como decidido no Acórdão do STA, datado de 27/09/2019, Processo n.º 0765/14.2BECBR, “Esse art. 12º prevê que, no caso de «atravessamento de animais» ocorrido «nas auto-estradas» e motivador de um «acidente rodoviário», cabe à concessionária da via em causa «o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança»”.
Apesar de se dar como provado que o local da autoestrada em que ocorreu o embate com o animal contar com uma rede lateral de proteção e que as mesmas estavam intactas nesse local, tal não se mostrou eficaz a impedir que o animal tivesse entrado nesse local ou noutro que não foi apurado, pois é incontroverso que o animal entrou na autoestrada.
Além disso, não conseguiu a Ré apurar o local de entrada do animal na via, nem a data ou o momento em que isso ocorreu, o que revela que os sistemas de vigilância adotados não asseguram eficazmente essa vigilância.
Quer o sistema de vigilância física por parte dos funcionários da Ré, quer o sistema de videovigilância não foram capazes nem de avistar o animal e de o localizar e aprisionar ainda em vida, nem tão pouco, através da visualização das respetivas imagens, de identificar o local por onde entrou mesmo já depois de o acidente ter ocorrido, como se extrai da matéria de facto apurada.
Tais factos são reveladores de que, não obstante o sistema de videovigilância colocado em alguns pontos da autoestrada, nem a presença física de elementos humanos, que passam em cada duas horas pelo troço em que ocorreu o acidente, se revelaram eficazes a assegurar o cumprimento da obrigação de vigilância e de impedir o atravessamento de animais na via e, consequentemente, a impedir o facto ilícito.
A circunstância de a Ré não ter conseguido identificar o local de entrada do animal na via é comprovativa de que o sistema de vigilância adotado não é suscetível de assegurar o cumprimento da obrigação de vigilância da via, designadamente, em relação à entrada e atravessamento de animais.
A realidade comprovada é que o animal entrou na autoestrada e foi a causa direta dos danos sofridos na viatura do Autor, tal como o atestam o relatório elaborado pela GNR e o próprio relatório da Ré, com a presença do animal morto, a cerca de 20 metros da viatura.
Donde, não existirem quaisquer dúvidas de que os danos causados na viatura são consequência do embate com o animal que apareceu na faixa de rodagem, pelo que, os prejuízos sofridos pelo Recorrente derivam de uma conduta omissiva em relação ao dever de vigilância da presença de animais na via, por ser o embate da viatura com o animal que acabou por determinar o acidente.
Pelo que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, mostra-se verificado o requisito da ilicitude, incorrendo a Ré na prática omissiva ilícita do dever de vigilância de animais na via rodoviária, por não ter conseguido inverter a presunção de responsabilidade que sobre si impende.
Estava a Ré legalmente obrigada a vigiar adequadamente o atravessamento e a presença de animais na via, pelo que, tendo esse dever sido omitido, não pode tal omissão deixar de lhe ser imputável, traduzindo-se numa omissão violadora das citadas disposições legais que consagram o dever de vigilância, em face do disposto artigo 12.º, n.º 1, b) da Lei n.º 24/2007, de 18/07 e por isso considerada ilícita face ao disposto no artigo 9.º do RRCEE.
Sobre a omissão ilícita na jurisprudência do STA, cfr. os Acórdãos de 25/03/1999, Processo n.º 41297; de 13/05/1999, Processo n.º 38081 e de 14/03/2002, Processo n.º 48394.
Sobre a ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil, Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 7.ª edição, Almedina, pp. 578 e 579, propõe que a ilicitude considera a conduta objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica e que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um ato que, seguramente, ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano (pp. 518).
Com interesse vide o Acórdão do TCAS, de 17/12/2017, Processo n.º 06817/10, sobre a matéria de acidente de viação causado pelo atravessamento de animal na via e a omissão do dever de sinalização da via pública.
Assim, recaía sobre a Ré o dever de fiscalizar e vigiar a via e de garantir a segurança necessária a evitar a existência de animais, tendo violado o dever legal, que sobre si pendia, incorrendo, consequentemente, numa omissão ilícita.
Nestes termos, não se pode manter o julgamento constante da sentença recorrida em relação ao pressuposto da ilicitude, por verificação de uma omissão ilícita imputável à Ré.

3.3. No que se refere ao pressuposto da culpa, agir com culpa, significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito.
A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor (Antunes Varela, obra cit., pp. 559).
Dispõe o artigo 10.º do RRCEE sobre o pressuposto da culpa, nos seguintes termos:
1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.
3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância. (…)”.
O Código Civil consagra a propósito da responsabilidade extracontratual, a tese da culpa em abstrato ou em sentido objetivo, pelo modelo de um homem-tipo ou padrão de um sujeito ideal, a que os romanos davam a designação de bonus pater famílias, isto é, o tipo de homem normal que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade (Antunes Varela, obra cit., pp. 567).
No que concerne ao padrão do bom pai de família, o mesmo foi adaptado pela jurisprudência administrativa, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, por ser tido inadequado, por insuficiente, para os titulares de cargos públicos.
Assim, foi a jurisprudência pacificamente considerando atender ao padrão não de um qualquer funcionário, mas antes associando-o ao comportamento exigível a um funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres – cfr. Acórdãos do STA, de 27/09/1994 e de 25/03/1999, proc. nº 41297.
Ao utilizar-se este critério, facilitou-se, pois, a prova da culpa pelo lesado.
A jurisprudência e doutrina administrativas, no âmago dos atos de gestão pública, desenvolveram ainda o conceito de culpa do serviço, distinguindo-a em culpa anónima e culpa coletiva, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, pelo que apenas aplicável à responsabilidade civil dos poderes públicos, aferindo-o tomando em consideração os standards de atuação e de rendimento, ou seja, aquilo que habitualmente se pode esperar de uma organização, na pressuposição de que funcione normalmente e não desprezando as características próprias de cada serviço, designadamente a sua disponibilidade de meios pessoais, materiais e financeiros, sem, todavia, converter acriticamente esses fatores em argumentos de desresponsabilização (Margarida Cortez, obra cit., pp. 96).
Para a demonstração da culpa não é necessário comprovar a violação desses deveres por órgãos ou funcionários e agentes determinados, sendo bastante a falta do próprio serviço, globalmente considerado – a este respeito vide o Acórdão do STA de 26/11/2003, proc. nº 654/03.
Conforme jurisprudência consolidada, à responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas, designadamente no que respeita à violação dos deveres de fiscalização e conservação das vias de trânsito, é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.º, n.º 1 do CC. – cfr. Acórdãos do STA, de 01/06/2000, proc. nº 46068; do Pleno de 25/10/2000, proc. 37510; de 20/03/2002, proc. nº 45831 e de 03/10/2002, proc. nº 45621.
Tanto mais, perante a consagração expressa dessa presunção no artigo 10.º, n.º 2 do RRCEE, para além do que decorre da aplicação do n.º 1, do artigo 487º, do CC e daí a admissão de presunções legais de culpa nos termos do n.º 1, do artigo 493º, do CC, por parte das entidades públicas.
Pelo que, beneficiando o Autor da presunção de culpa da Ré, sobre quem recai a obrigação de vigilância e da criação das condições de segurança na circulação automóvel da autoestrada, ao Autor lesado apenas incumbe demonstrar a realidade dos factos que servem de base à presunção, ou seja, a ocorrência do facto causal dos danos.
Não ilidindo a Ré a presunção do incumprimento (artigo 12.º, n.º 1, b) da Lei n.º 24/2007, de 18/07) e a presunção de culpa (artigo 10.º, n.ºs 2 e 3 do RRCEE), por não provar que adotou mecanismos eficazes e eficientes de fiscalização e de vigilância da autoestrada em que ocorreu o acidente, tanto mais que não conseguiu evitar a entrada do animal na via, nem sequer identificar o local da sua entrada, não mantendo em corretas condições de segurança a via onde ocorreu o embate da viatura com o animal, nem tão pouco demonstrou que apesar de terem sido tomadas todas as medidas sempre ocorreria o acidente (v.g. por excesso de velocidade da viatura ou por condução sob o efeito de álcool), considera-se provada a culpa da Ré, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349.º e 350.º, nºs. 1 e 2, do CC.
Deste modo, é indiferente saber quem produziu a respetiva prova, pois impendendo sobre a Ré uma presunção legal de culpa, a respetiva ilisão (juris tantum) só é feita com a prova do contrário, não bastando a mera contraprova, pelo que, o non liquet prejudica a pessoa contra quem funciona a presunção – neste sentido, Acórdão do STA, de 30/11/2004, proc. nº 320/04.
No caso dos autos, nenhuns factos são demonstrados a respeito da culpa do condutor do veículo, nem logrou a Ré demonstrar que dispõe de mecanismos eficazes de vigilância da autoestrada.
Nem ainda, logrou a Ré provar qualquer das circunstâncias previstas no artigo 12.º, n.º 3 da Lei n.º 24/2007, de 18/07, como decidido na sentença recorrida.
De resto, deve atentar-se que a causa de atravessamento de animal na via não foi concebida pelo legislador da Lei n.º 24/2007, de 18/07 como podendo ficar a dever-se a
facto fortuito que afaste a responsabilidade da Ré.
Pelo que, é inequívoca a culpa inerente à omissão da atuação, no sentido de não ter conseguido a Ré ilidir a presunção de culpa que sobre ela incide nos termos do n.º 1 do artigo 493.º e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º do RRCEE, reconhecendo-se ter existido da sua parte uma omissão culposa, em função da presunção legal de culpa, sendo por isso ilícita a omissão do dever funcional que lhe era exigível de adotar um sistema eficaz de vigilância que permita evitar a entrada de animais na autoestrada, enquanto fator impeditivo da segurança na circulação do veículo.
Estando em causa danos causados por coisas ou atividades a respeito das quais existe o dever de vigilância, incumbe a quem tem esse dever provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua ou que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir, o que a factualidade apurada não permite atestar.
Assim, o comportamento omissivo, que constitui facto ilícito gerador dos danos sofridos pelo Autor, é também ele culposo.
Em suma, não estando demonstrado que o condutor do veículo, nomeadamente através de eventual violação de alguma disposição do Código da Estrada, tivesse contribuído para a produção do acidente, temos de aceitar que o acidente se deveu ao facto de a Ré ter omitido um sistema eficaz de vigilância, de modo a evitar a criação de maior risco e perigo na circulação automóvel, como decorre da existência de animais na via.
Sendo ao lesado que invoca o direito a quem incumbe alegar e provar os factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, é sobre o Autor que impende o ónus de alegar e provar os factos relativos a todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente, em relação à existência de culpa, salvo no caso de beneficiar de presunção de culpa, como no presente caso.
Beneficiando dessa presunção, o Autor não precisava de alegar ou provar os factos demonstrativos da existência de culpa da Ré (cfr. artigos 349.º e 350.º do CC), cabendo antes à Ré ilidir essa presunção, o que não logrou fazer.
Como se entendeu no Acórdão do STA, datado de 14/10/03, recurso n.º 736/03, “ocorrendo a situação da presunção de culpa prevista no art.º 493, n.º 1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre por via da presunção legal ali estabelecida em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos a que der causa resultantes de algum acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa”.
Nestes termos, forçoso se impõe concluir pela verificação do pressuposto da culpa em relação à Ré.

3.4. No que respeita ao pressuposto do dano, quanto a saber quais os prejuízos indemnizáveis, diz expressamente o artigo 563.º do CC que a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, ou seja, a indemnização terá de se reportar aos danos derivados do facto ilícito que obriga à reparação, adotando-se para o efeito a “doutrina da causalidade adequada” na sua formulação negativa reiteradamente afirmada no STA, (cfr. a título de exemplo os de 27.06.2001, rec. n.º 37410, 06.03.2002, rec. n.º 48155, 27.6.2002, rec. n.º 479-02 e de 29.10.2002, rec. n.º 177-02), segundo a qual “parece razoável que o agente só responda pelos resultados, para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária” (ac. Ac. do STA, de 02/11/2003, rec. 323/02).
Nesse sentido, estabelece o artigo 3.º do RRCEE, nos termos do qual:
Artigo 3.º
Obrigação de indemnizar
1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.
3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.”.
Perante os factos dados como demonstrados, é patente que o montante peticionado pelo Autor se reportam a danos ou prejuízos que advieram do acidente, estando em causa o ressarcimento dos danos patrimoniais traduzidos nos estragos causados na viatura.
Pelo que, encontra-se igualmente demonstrado o pressuposto do dano, gerador da obrigação de indemnizar.

3.5. Por último, em relação ao nexo de causalidade, nos termos em que antecedem, também não se podem suscitar dúvidas sobre a verificação de tal requisito da responsabilidade civil.
A questão que importa analisar consiste em saber se a omissão do dever de vigilância e da criação das condições de segurança rodoviária, foi a causa do acidente em discussão nos autos, o que se prende com a aferição do pressuposto do nexo de causalidade.
Ou seja, se a concreta omissão negligente constitui causa direta e necessária da produção do resultado danoso ou, se pelo contrário, a omissão ilícita se mostrou de todo indiferente para a verificação do dano, tendo o dano sido provocado em virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que influíram no caso concreto.
In casu resulta da matéria de facto provada que foi o aparecimento do animal na via que provocou o embate na viatura, causando danos na viatura, estando o animal na origem do acidente.
Não se apurou qualquer outra causa direta ou indireta para a produção do acidente.
Consagra o artigo 563.º do CPC, a teoria da causalidade adequada, adotando-se a sua formulação negativa proposta por Enneccerus-Lehman, nos termos da qual o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto, convergindo a jurisprudência e a doutrina na sua adoção – cfr. a título meramente exemplificativo os Acórdãos de 06/03/2002, proc. nº 48 155; de 27/06/2001, proc. nº 37410 e de 22/10/2003, proc. nº 534/03.
De acordo com as regras de experiência comum, em abstrato, o aparecimento de um animal na via destinada ao trânsito automóvel, para mais numa autoestrada em que a velocidade legalmente permitida é maior, tem aptidão por si só para provocar o embate e os danos na viatura, pelo que, não existindo quaisquer outras circunstâncias que o justifiquem, é a atuação omissiva da Ré causa adequada do acidente ocorrido, verificando-se assim também o pressuposto do nexo de causalidade da responsabilidade civil.
Considerando que os danos provocados tiveram por origem o embate causado pelo aparecimento do animal na via, tem de se entender que a omissão do dever de vigilância constitui uma causa produtora e adequada dos danos provocados, sendo a omissão ilícita da Ré, dos deveres de vigilância e de segurança da via causa adequada do dano.
Para tanto assume-se um critério imputacional da ação humana, tendo por referência o dever imposto e o risco associado.
Cabe ao lesado provar os factos de onde resulte que o resultado danoso foi causado pelo aparecimento do animal na via e pelo seu embate na viatura, que existiu violação de norma legal, regulamentar ou da legis artis aplicável, e que o resultado provocado se localiza no âmbito dos perigos que o escrupuloso cumprimento do dever pretende evitar.
Se pela violação das normas legais ou técnicas aplicáveis é aumentado ou potenciado o risco do dano e se os danos ou lesão provocada se localiza no círculo dos perigos que as normas aplicáveis pretendem evitar, deve concluir-se pela prova da causalidade entre a omissão e o dano.
Ademais, em face da interpretação conjugada do disposto nos n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 24/2007, de 18/07, tem de afastar-se o caráter totalmente excecional, extraordinário, imprevisto, anómalo, anormal ou inusitado do aparecimento do animal na via, sendo, por isso, in casu de recusar a verificação de um caso fortuito ou anormal.
Em face das concretas circunstâncias de facto, foi o aparecimento do animal na via e o seu embate na viatura, a causa direta dos danos.
Pelo que, verifica-se o requisito do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
Deste modo, em face de todo o exposto, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento quanto à apreciação e valoração dos factos e da aplicação das respetivas regras de direito ao julgar não verificado os pressupostos da ilicitude e da culpa, procedendo in totum as conclusões do presente recurso.

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Nestes termos, estão demonstrados todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual da Ré, que determinam a sua condenação na obrigação de indemnizar, nos exatos termos peticionados pelo Autor, na quantia de € 5.603,35, a título de danos patrimoniais decorrentes do embate do animal com a viatura, acrescida de juros legais, a contar da citação, ocorrida em 25/06/2012 (fls. 34 do processo físico), até efetivo pagamento, nos termos do n.º 3 do 805.º do Código Civil.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos emana da prática de atos jurídicos e da realização de operações materiais, e pode decorrer quer de atos comissivos (por ação), quer omissivos (por omissão), segundo o artigo 486.º do CC.
II. Desde que exista o dever legal de atuar, a omissão dos atos devidos é suscetível de determinar a obrigação de reparar o dano causado.

III. Cabe à Ré, na qualidade de concessionária da conservação e exploração da autoestrada A22, a obrigação de zelar pela segurança da circulação, devendo tomar todas as medidas necessárias para cumprir esse objetivo, onde se inclui o dever de vigilância em relação aos animais.

IV. A Ré ao não diligenciar no sentido de impedir a entrada de animais na faixa de rodagem na A22, através da vedação segura e eficaz, incumpriu a obrigação de zelar pela segurança da circulação rodoviária, sendo, consequentemente, responsável pelos danos daí decorrentes.

V. Nos termos do artigo 12.º, n.º 1, b) da Lei n.º 24/2007, de 18/07, em caso de acidente rodoviário nas autoestradas, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que, entre outras, a respetiva causa diga respeito a atravessamento de animais, como no presente caso.
VI. Nem o sistema de videovigilância colocado em alguns pontos da autoestrada, nem a presença física de elementos humanos, que passam em cada duas horas pelo troço em que ocorreu o acidente, se revelaram eficazes a assegurar o cumprimento da obrigação de vigilância e de impedir o atravessamento de animais na via e, consequentemente, a impedir o facto ilícito.
VII. A circunstância de a Ré não ter conseguido identificar o local de entrada do animal na via é comprovativa de que o sistema de vigilância adotado não é suscetível de assegurar o cumprimento da obrigação de vigilância da via, designadamente, em relação à entrada e atravessamento de animais.
VIII. Não ilidindo a Ré a presunção do incumprimento (artigo 12.º, n.º 1, b) da Lei n.º 24/2007, de 18/07) e a presunção de culpa (artigo 10.º, n.ºs 2 e 3 do RRCEE), por não provar que adotou mecanismos eficazes e eficientes de fiscalização e de vigilância da autoestrada em que ocorreu o acidente, não conseguindo evitar a entrada do animal na via, nem identificar o local da sua entrada, não mantendo em corretas condições de segurança a via onde ocorreu o embate da viatura com o animal, nem tão pouco demonstrou que apesar de terem sido tomadas todas as medidas sempre ocorreria o acidente (v.g. por excesso de velocidade da viatura ou por condução sob o efeito de álcool), considera-se provada a culpa da Ré, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349.º e 350.º, nºs. 1 e 2, do CC.
IX. A causa de atravessamento de animal na via não foi concebida pelo legislador da Lei n.º 24/2007, de 18/07 como podendo ficar a dever-se a facto fortuito que afaste a responsabilidade da Ré.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e em julgar a ação procedente, condenando a Ré, E............. –………, SA, no pedido de pagamento de indemnização, em consequência dos danos patrimoniais sofridos, no valor de € 5.603,35, acrescida de juros legais, a contar da citação, ocorrida em 25/06/2012, até efetivo pagamento.

Custas pela Ré, em ambas as instâncias.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Alda Nunes e Pedro Marchão Marques.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)