Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1000/03.4BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRC
DESPESAS DOCUMENTADAS
PROVISÕES
Sumário:I. Um custo está devidamente documentado quando dos suportes documentais seja possível aferir qual a natureza da despesa, a finalidade da despesa e o destinatário da despesa.

II. O princípio da especialização de exercícios, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

III. As provisões constituídas para cobrir créditos em cobrança duvidosa, devem ser constituídas no exercício em que se constatou a incobrabilidade dos créditos, que não tem de coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora ou em que tal mora ultrapassou a duração de 6 meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança.

IV. As provisões para créditos em contencioso, destina-se a ocorrer a obrigações e encargos decorrentes de processos judiciais em curso, de harmonia com o princípio da especialização, só podem ser constituídas no exercício em que foi instaurada a ação judicial respetiva.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou a impugnação deduzida por T..., S.A., contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1997, parcialmente procedente quanto às correções relativas a combustíveis e a provisões, dela veio interpor recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença a quo, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que foi produzida prova que demonstra que a Impugnante incorreu efectivamente em custos contabilizados com combustíveis (“Combustíveis adquiridos à A...); custos relacionados com provisões para cobrança duvidosa e custos relacionados com a constituição de provisões para créditos em contencioso, considerando então que o conjunto da prova documental e testemunhal produzida foi de molde a afastar a fundamentação que suportou as correcções efectuadas pela AT em sede de procedimento inspectivo.
II. - No que tange às correções relacionadas com combustíveis (“Combustíveis adquiridos à A...), ressalvada a devida vénia, dissente do julgado esta RFP porquanto as meras listagens mensais emitidas pela entidade fornecedora dos combustíveis, não constituem prova suficiente da materialidade das deslocações que deram origem ao alegado consumo de combustíveis, não permitindo demonstrar que o consumo de combustível foi efetuado em proveito da Impugnante, porquanto tais registos deveriam estar documentados pelas faturas do combustível gasto, em cumprimento do disposto na alínea h), do n° 1 do art.° 41° do CIRC.
III. - Assim, estando em causa a comprovação de um fornecimento de combustíveis, sempre seria indispensável para demonstrar e quantificar com rigor e exactidão as despesas incorridas, o recurso a elementos que constassem de facturas, como sejam: valores unitários e totais; identificação do vendedor e comprador e as datas em que ocorreram cada um dos fornecimentos por viatura.
IV. - E, salvo o devido respeito, a prova testemunhal produzida nos autos, não permitiu confirmar a veracidade dos valores inscritos nos documentos que serviram de base ao registo contabilístico das pretensas despesas, porquanto apenas confirmaram a existência de tais documentos e que os trabalhadores da Impugnante se deslocavam em viaturas desta.
V. - Quanto às provisões constituídas para cobrir créditos em cobrança duvidosa, verificou a inspeção tributária que o risco de incobrabilidade surgiu no exercício económico em que o crédito estava em mora há mais de seis meses e que a Impugnante, tenha ou não considerado de cobrança duvidosa esse crédito, não procedeu à constituição da respetiva provisão.
VI. - Logo, afigura-se que bem andaram os serviços de inspeção tributária ao procederem às presentes correções, dado que e para que semelhante custo fosse aceite, a Impugnante não podia constituir provisões cujo montante acumulado anualmente, ultrapassasse a percentagens previstas no art.° 34°, na redação coeva.
VII. - Quanto às provisões para créditos em contencioso, constituídas nos termos da alínea b) do n° 1 do art.° 34° do CIRC no ano de 1997, verifica-se que esta condição - a interposição do contencioso subjacente - apenas se veio a verificar no ano seguinte (1998).
VIII. - Assim e por tal facto, forçoso se torna concluir que a provisão constituída com aquele fundamento não reunia os devidos pressupostos legais para o ter sido no ano de 1997, o que, em conclusão, significa, que estamos perante uma provisão que não podia ser considerada fiscalmente.
IX. - Decidindo em sentido diverso, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, tendo sido violados, entre outros, o disposto nos art.°s 23°; 33° a 35° e 41° do CIRC.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.


A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de dever ser julgada verificada a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, nos termos das disposições combinadas dos art. 280° n° 1 do C.P.P.T., 26°, al. a) do E.T.A.F. e 96° al. a), 97° n° 1, 98°, 99° n° 2, 576° n° 1 e 2, 577°, al. a), e 578° do C.P.C., estes aplicáveis por força do disposto no art. 2°, al. e), do C.P.P.T.

As partes foram notificadas do parecer do Ministério Publico, para se pronunciarem, querendo, sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal Central Administrativo Sul, não tendo nenhuma delas usado de tal faculdade.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber, se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na apreciação dos factos considerados provados e na aplicação do direito.

Todavia, tendo o Ministério Público no seu parecer suscitado questão sobre se este Tribunal Central Administrativo Sul é o competente para a apreciação do presente recurso, será esta que será apreciada em primeiro lugar.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) A ora impugnante encontra-se enquadrada na CAE 52443, dedicando-se à atividade de comércio a retalho de têxteis para o Lar (conforme resulta de fls. 242 do PAT em apenso).

B) Encontrando-se, para o efeito, coletada no regime geral de IRC, e no regime normal de IVA com periodicidade trimestral (conforme resulta de fls. 242 do PAT em apenso).

C) Em cumprimento da ordem de serviço n.° 64421 de 23/07/2001, foi efetuada a análise interna da declaração Mod. 22 do IRC do exercício de 1997, da empresa T... Lda., contribuinte n° 5... (conforme resulta de fls. 11 do PAT em apenso).

D) Foram ainda analisados os elementos enviados pela Impugnante, em resposta à notificação de 18/03/2002 (conforme resulta de fls. 11 do PAT em apenso).

E) Dessa análise resultaram correções meramente aritméticas:

«1. Conta 62212 - Combustíveis, acresce-se ao Resultado Liquido, o montante total de € 54.447,08 respeitante a custos que não se encontram devidamente documentados, nos termos da alínea h) do n.°1 do artigo 41° do CIRC, designadamente:
a) Por os documentos que serviram de suporte aos registos contabilísticos não identificarem o utente ou adquirente, nem as viaturas a que se destinaram tais aquisições, conforme lista anexa: "Doc.1”;
b) Por os documentos apresentados como sendo faturas da A... S.A., serem na realidade simples listagens discriminatórias dos consumos mensais por viatura, conforme lista anexa: “Doc. 2”.» (conforme resulta de fls. 11 do PAT em apenso).

F) Procedeu a correções: «2. Conta 62227 - Deslocações e Estadas:

2.1. Acresce-se ao Resultado Liquido o montante de € 44.932,15 correspondente a custos que não se encontram devidamente documentados, nos termos da alínea h) do n.° 1 do artigo 41° do CIRC, designadamente:
a) Por os documentos que serviram de suporte aos registos contabilísticos não identificarem a entidade pagadora, (ver “Doc.3");
b) Por os documentos apresentados como suporte dos lançamentos contabilísticos serem unicamente os extratos de conta corrente dos cartões B... e B... Débito dos sócios-gerentes da empresa, (ver “Doc.4”).
2.2. Acresce-se ao Resultado Liquido o montante de € 8.293,54, nos termos do artigo 23° do CIRC, correspondente a custos registados nesta conta com pessoas que ou não se comprovou que fazem parte dos quadros da empresa ou que não foram identificadas. Para esse efeito sô consideramos como custo a parte correspondente ao(s) trabalhador(es) identificado(s). (ver “Doc.5")» (conforme resulta de fls. 11 do PAT em apenso).

G) Corrigiram, também, os SIT: «3. Conta 67 - Provisões do Exercício:

3.1. Acresce-se ao Lucro Tributável o montante de € 6.398,46, conforme se discrimina no quadro anexo, “Doc. 6”, de acordo com os seguintes motivos:
a) O sujeito passivo reforçou no exercício, a Provisão para Créditos em Mora, no montante de € 3.484,09 (698.497$). Procedemos à correção de €2.711,54 (543.614$), porque de acordo com a data de vencimento dos créditos que serviram de base ao reforço de provisão e, com o princípio de especialização do exercício, preconizado no artigo 18° do CIRC, conjugado com o artigo 33°, a alínea c) do n°1 do artigo 34° e o n°2 do mesmo artigo do CIRC, para que o montante provisionado seja aceite fiscalmente como custo do exercício, a empresa não pode constituir provisão cujo montante acumulado anualmente, ultrapasse as percentagens previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n°2 do artigo 34°. Há ainda lugar a correções derivadas da falta de apresentação das faturas que deram origem ao crédito, o que os coloca na situação de encargos não devidamente documentados, nos termos da alínea h) do n °1 do artigo 41° do CIRC.
b) O sujeito passivo reforçou no exercício, a Provisão para Créditos em Contencioso, no montante de € 24.440,08 (4.899.796$). Procedemos à correção de € 3.686,46 (739.069$), porque de acordo com os elementos justificativos apresentados, não podem ser aceites fiscalmente, nos termos da alínea b) do n°1 do artigo 34° do CIRC, as provisões constituídas em 1997, cujos processos sô deram entrada em tribunal em 1998, ou cujos documentos comprovativos de existência de processos em contencioso não nos terem sido apresentados.
3.2. O sujeito passivo reforçou ainda a Provisão para Créditos em Contencioso no montante € 789,54 (158.289$), referentes a A..., J..., M... e F..., créditos estes que de acordo com os elementos apresentados pelo sujeito passivo não se encontram em contencioso, mas em mora, devendo a sua provisão ser incluída na Provisão para Créditos em Mora.» (conforme resulta de fls. 12 do PAT em apenso).

H) A Impugnante não exerceu o direito de Audição sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção, nos termos previstos no artigo 60° da LGT e no artigo 60° do RCIT (conforme resulta de fls. 13 do PAT em apenso).

I) Foi apurada correção à Matéria Tributável, para o Exercício de 1997, no montante de Euros 114.071,23 (conforme resulta de fls. 13 do PAT em apenso).

J) Foi elaborada a DC 22, em duplicado, referente ao Exercício em análise (conforme resulta de fls. 13 do PAT em apenso).

K) Sobre o RIT recaíram o parecer e o despacho de concordância, que aqui se dão por reproduzidos (conforme resulta de fls. 9 do PAT em apenso).

L) Foi elaborada a liquidação adicional n.° 8310033205 da qual resultou imposto a pagar e juros no valor de 59239,00 € (11876353 Pte) (conforme resulta de fls. 62).

M) O prazo para pagamento voluntário terminou em 06/11/2002.

N) A Impugnante, em 03/02/2003, deduziu reclamação graciosa (conforme resulta de fls. 64).

O) Na Divisão de Justiça contenciosa da DF de Lisboa foi elaborada a informação de fls. 242 do PAT em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

P) Considerou a AT na rúbrica “5. 1 - Combustíveis da “A... SA"

«Observando a documentação do custo em referência, verifica-se que se tratam de listagens mensais emitidas pela supra entidade, discriminando os abastecimentos de gasolina em litros e valor, por matrícula da viatura.
Constatando-se, deste modo, e contrariamente ao alegado, de que o suporte documental não se encontra representado por faturas mas através de uma relação de presumíveis fornecimentos. E por não ser fatura nem outro documento equivalente, mas sim de uma listagem/rol, o documento obviamente não possui qualquer identificação.
E a este propósito assinala-se que a Administração Tributária não aludiu aos requisitos do N°5 do art° 35° do CIVA, para fundamentar a correção, como induz a reclamante.
Donde resulta que se tratam efetivamente de custos não devidamente documentados, em consonância com os fundamentos dos Serviços.
Contudo, mesmo abstraindo do fator formal da documentação, previsto na alínea h) do n.° 1 do art.° 41.° do CIRC, e versando a análise do custo sobre o prisma da indispensabilidade do consumo dos combustíveis, para a obtenção dos proveitos e /ou manutenção da fonte produtora, regista-se o seguinte:
O facto de as matrículas das viaturas mencionadas nas listagens condizerem com os mapas de amortização, embora certifique que se tratam de viaturas pertencentes ao ativo imobilizado da empresa, no entanto não prova de modo algum que o consumo do combustível foi em proveito da reclamante.
Por outro lado nem os extratos bancários - que transparecem a saída de meios monetários para o pagamento das citadas "listagens", relevando o conceito de despesa - constituem prova da indispensabilidade do encargo, na medida em que não demonstra o destino das deslocações efetuadas com as viaturas das empresas.
Concluindo-se que não existe no processo documento algum que permita apreciar a prova material das deslocações que deram origem ao alegado consumo dos combustíveis, sendo inaceitável o custo ao abrigo do art° 23° do CIRC de acordo com o invocado pela reclamante, ao não ter demonstrado a sua indispensabilidade, mantendo-se a sua não dedutibilidade segundo o disposto na alínea h) do n° 1 do art.° 41° do CIRC.»

Q) Na análise à rubrica “5.2 - Combustíveis”, considerou a AT:

«a) Confrontando os fundamentos, verifica-se que - não obstante o documento não identificar o destinatário, nem mencionar a viatura - a reclamante não provou no processo o destino conferido ao combustível.
b) Ora não tendo a reclamante demonstrado no processo a invocada indispensabilidade do custo, nos termos do art.° 23° do CIRC, e perante o facto de os mesmos se encontrarem indevidamente documentados, a sua dedutibilidade encontra-se ferida nos termos da alínea h) do n.° 1 do artigo 41° do CIRC.
c) São aplicáveis a esta rubrica, as considerações proferidas no número anterior.»

R) Quanto a deslocações e estadas, considerou a AT:

«5. 3 - Deslocações e Estadas: 7 507,60 €”,
«a) Analisando a documentação anexada ao processo (faturas da agência de viagens, extrato de conta) não se vislumbra relação alguma entre as faturas apresentadas e cujos valores são completamente distintos, e, as verbas corrigidas;
b) ou seja não existe qualquer correspondência entre as faturas e os custos objeto de correção.
c) As verbas não foram aceites fiscalmente pelo simples facto de constarem exclusivamente nos extratos,
d) constatando-se em sede de processo de reclamação, que os correspondentes documentos continuam inexistentes,
e) embora pretenda a reclamante justificar os encargos com as faturas da agência de viagens, completamente alheias aos mesmos.
f) De realçar que nem as faturas apresentadas figuram nos citados extratos;
g) Perante total incoerência dos factos e provas, e persistindo a ausência de documentação, somos conduzidos a manter a correção com os mesmos fundamentos dos Serviços de Inspeção.
(...)
5. 5 - Deslocações e Estadas: 6 523, 62 €
Tratam-se de documentos do setor da restauração; considerando os fundamentos invocados em nada evidencia a indispensabilidade preconizada no art° 23° do CIRC, e não tendo a reclamante convenientemente justificado, mantém-se a correção.»

S) Em matéria de provisões considerou a AT:

«5. 6 - Provisões: 6 398, 00 €
Ponderando as alegações, conclui-se que :
a) Relativamente às provisões para créditos em mora, referente aos devedores “M... & Filhos" e “A...." - verifica-se que embora as dívidas remontem aos exercícios de 1993 e 1994, no entanto a reclamante não apresentou provas: a) de que os créditos são resultantes do exercício da atividade; b) se manteve relações comerciais com os alegados clientes no decurso dos anos de 1995 e 1996.
b) No que concerne à falta de apresentação de faturas inerentes a créditos de 3 clientes, os documentos apresentados (abaixo mencionados) como referente ao cliente “E...", Carta da advogada - figurando o nome de um devedor "L... Móveis e Decorações" Fotocópia do depósito bancário, sem qualquer menção do presumível “cliente" não são coincidentes com os elementos do cliente; nome, valor e cuja fatura é inexistente, não constituindo assim prova alguma.
c) Relativamente à provisão sobre os créditos em contencioso - não tendo a reclamante contrariado os fundamentos dos Serviços, mantém-se a correção.»

T) A Impugnante foi notificada do indeferimento parcial da reclamação graciosa em 03/11/2003 (conforme resulta de fls. 266/267 do PAT em apenso).

U) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 18/11/2003 (conforme resulta do carimbo aposto a fls. 2).

V) A Impugnante atribui aos seus empregados um cartão "G... FROTA”, o qual se encontra em nome da "A..., SA", e identifica a viatura a que se encontra adstrito, bem como a sua validade (conforme resulta do documento n.° 5 junto com a P.I. e dos depoimentos das testemunhas).

W) Cada cartão “G... FROTA” está indexado a uma viatura automóvel (conforme resulta do documento n.° 5 junto com a P.I. e dos depoimentos das testemunhas).

X) Por forma a abastecer os veículos automóveis respetivos, os empregados da ora impugnante, deslocam-se às Bombas da G... e abastecem em conformidade (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

Y) Após o abastecimento de combustível o cartão G... FROTA é entregue ao prestador de serviços, funcionando este como um verdadeiro cartão de crédito, ou seja, o pagamento não é feito no ato do abastecimento, limitando-se, portanto, o empregado/detentor do cartão a assinar o talão respetivo (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

Z) A G... fatura a A..., SA, a qual, por sua vez, fatura à ora Impugnante, ou seja, a A..., SA, assume a posição de intermediária entre a G... e a Impugnante (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

AA) Para inscrição na contabilidade a Impugnante utilizava como suporte:

i. Documento de Lançamento na Contabilidade;
ii. Cartão G... FROTA;
iii. Documento que representa a Faturação Mensal da A... SA à ora impugnante;
iv. Talões dos Postos Abastecedores;
v. Extratos do B... que atestam o pagamento dos abastecimentos de combustível;
(conforme resulta dos documentos n.°s 5 e 6 juntos com a P.I. e depoimentos das testemunhas).

BB) O documento emitido pela A..., SA, à ora impugnante detém os seguintes descritivos;

i. identificação da A..., SA;
ii. Data da Faturação;
iii. identificação do Cliente ao qual é faturada a prestação de serviços de abastecimento de combustíveis (no caso em apreço à T...);
iv. Número de Identificação Fiscal do Cliente;
v. Matrícula do Veículo Automóvel que efetuou o Abastecimento de Combustível;
vi. Montante a Debitar ao Cliente;
vii. Quantidade abastecida de Combustível;
viii. Designação do Combustível;

(conforme resulta do documento n.° 6 junto com a P.I. e depoimentos das testemunhas).

CC) A Impugnante dedica-se à atividade de comércio a retalho de Têxteis para o Lar, e que possuía, à data, lojas em Braga, Porto, Lisboa, Arraiolos e Almancil; Um Armazém em Miranda do Corvo; e outro em Lisboa, e que tinha, outrossim, de dar assistência às Lojas da Grupo “M...”, sitas em Braga, Matosinhos, Gaia, Coimbra, Lisboa, Palmela e Albufeira (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

DD) A Impugnante sempre frisou/salientou sistematicamente, a necessidade de cumprimento de todos formalismos aquando o abastecimento de combustível, designadamente, a solicitação de recibo e a inscrição da entidade adquirente, verdade é que, torna-se difícil compelir os trabalhadores ao cumprimento integral de todos os aspetos formais (conforme resulta do depoimento da 3.a testemunha).

EE) Sempre deu instruções aos seus empregados para solicitar o recibo de aquisição de combustível no ato do abastecimento, e sempre transmitiu/focalizou a necessidade do recibo identificar a pessoa adquirente, ou seja, a necessidade de identificação pela empresa abastecedora/prestadora de serviços da designação completa do adquirente efetivo do combustível (conforme resulta do depoimento da 3ª testemunha).

FF) No entanto, tal prática foi, como vimos, objeto de inadimplemento, até porque os empregados -“operacionais no terreno”, têm uma diminuta sensibilidade para as questões contabilístico-fiscais, desconhecendo, portanto, que a obrigação de inscrição do adquirente final do bem reveste uma relevância significativa (conforme resulta do depoimento da 3.a testemunha).

GG) Em matéria de deslocações e estadas a Impugnante juntou aos autos diversos documentos que resumiu no seguinte quadro:

Deslocações e Estadas no Estrangeiro (Em Escudos)
«Imagem no original»

HH) Deslocações e Estadas no Território Nacional (Em Escudos)
«Imagem no original»


II) A Impugnante juntou quadro demonstrativo dos custos que considera provados e dos que aceita que acresçam à matéria coletável:



JJ) Em apreciação da presente impugnação a Divisão de Justiça Contenciosa elaborou a informação de fls. 50 e segs. do PAT em apenso, que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos.

KK) Em matéria de deslocações e estadas, considerou a AT:

«c) Deslocações e Estadas (arts. 128° a 146° da p.i.):
A questão que originou a correção aos custos com deslocações e estadas foi o fato de a impugnante registar como custos despesas que tinham por base apenas o extrato bancário de cartões de crédito utilizados pelos sócios gerentes e não faturas ou vendas a dinheiro dessas despesas.
59° Em sede de impugnação veio agora a peticionária juntar vários documentos, tais como: faturas, talões de venda, vendas a dinheiro e documentos de pagamento com cartão de crédito, para justificar os custos corrigidos.
60° A impugnante no ponto 146 ° da p.i. apresenta um quadro com o n° dos documentos que junta em anexo, valor a provar, valor provado e diferencial aceite. Os documentos apresentados pela impugnante foram analisados exaustivamente, conforme documento 1 que se junta a esta informação, tendo-se concluído o seguinte:
61° A maior parte dos documentos apresentados não têm indicação do nome ou número de contribuinte da impugnante, na verdade foram despesas pagas com os cartões de crédito da empresa (utilizados pelos sócios gerentes), contudo, muitos desses documentos não foram emitidos em nome da empresa, nem sequer identificam o adquirente dos serviços e outros identificam o adquirente como sendo um dos sócios gerentes, exemplo disso são as faturas n° 4375, de 28/10/1997 no valor de 14.600$00 e 45606-01 de 5/11/1997 no valor de 8.500$00 (a folhas 457 e 465 dos autos), que se encontram em nome de M... e L....
62° Da análise dos factos constata-se que muitas das despesas pagas pela empresa não têm necessariamente a ver com custos desta mas sim dos sócios gerentes, pelo que não é aceitável que despesas particulares dos sócios e ou empregados sejam custos da empresa.
63° Dos valores, que a impugnante considera provados constam vários documentos nomeadamente faturas com combustíveis, também indevidamente documentados, que não foram contabilizados nas contas de deslocações e estadas mas sim em combustíveis, conta 6221215. Este facto foi já referido e exemplificado no ponto 56.° desta informação.
64° Concluiu-se também que todos os documentos de combustíveis, que a impugnante vem provar como sendo correções à rubrica de deslocações e estadas, são os mesmos que foram corrigidos na rubrica de combustíveis que constam das correções ora impugnadas no ponto b) Combustíveis sem indicação do adquirente.
65° Tal facto é inconcebível na medida em que os documentos que a impugnante junta como prova das deslocações e estadas tiveram outro tratamento, pois foram contabilizados na conta 6221215 e não em deslocações estadas, pelo que não podem agora servir de prova a custos contabilizados na rubrica de deslocações e estadas.
66° Da análise minuciosa aos referidos documentos constatou-se a existência de alguns que se encontram devidamente identificados, e que se resumem no quadro seguinte:


67° Nestes termos e uma vez que os documentos identificados no quadro supra contêm todos os elementos exigidos nos termos do artigo 35° do CIVA, nomeadamente identificação do fornecedor, adquirente e dos bens ou serviços adquiridos, vai aceitar-se o montante de € 1.218,22 relativamente à correção efetuada à rubrica de deslocações estadas. (...)»

LL) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 76 do PAT em apenso, que aqui se dão por reproduzidos.


Quanto à Motivação da Decisão de Facto, na sentença exarou-se o seguinte:

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos, informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, bem como dos depoimentos das testemunhas inquiridas, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
A 1.ª Testemunha é escriturário da A..., S.A., conhece o sistema documental que subjaz à utilização dos cartões G... Frota, que descreveu com algum detalhe. Esclareceu que o cartão G... Frota destina-se à viatura cuja matrícula nele consta, tem um código PIN e o funcionário que bastece a viatura assina um ticket sendo um para o funcionário e outro para o porto de abastecimento e identifica a matrícula do carro. Está limitado a 70 litros por cada abastecimento sem limite mensal.
A 2.ª Testemunha é escriturária e trabalha para a Impugnante há cerca de 13 anos e faz a contabilização dos documentos. Explicou o modo de como se processa a utilização do cartão G... Frota, nomeadamente que cada viatura tinha um cartão GF com a respetiva matrícula. O Cartão tem um número, o nome da Impugnante e a matrícula. É um cartão de crédito: é efetuado o abastecimento na G..., é fornecido um talão com a quantidade abastecida, o funcionário assina o talão que é entregue na contabilidade. A faturação do mês é paga por transferência bancária até ao dia 15 do mês seguinte. A A... emitia uma relação dos abastecimentos e o valor total era debitado na conta bancária. Esclareceu a necessidade da Impugnante em gastar combustíveis, pois, em 1997 a tinha lojas em Braga, Porto, duas em Lisboa, um armazém central em Miranda do Corvo, uma loja em Arraiolos, Almancil e um armazém em Lisboa. Tinha como cliente a M... com lojas em Albufeira, Gaia, Alfragide, Palmela, etc. Esclareceu também que o gerente da empresa não tinha viatura atribuída, mas tinha um cartão GF que não identificava a matrícula que pertenciam à administração e o valor que vem debitado não é considerado custo para a Impugnante.
A 3.ª testemunha é Técnico Oficial de Contas e Diretor Financeiro da Impugnante e esclareceu o processamento contabilístico associado à utilização dos cartões G... Frota. Nos combustíveis também poderiam ocorrer vendas a dinheiro, porque os cartões tinham expirado a validade, porque se tinham esquecido do cartão. Havia instruções rigorosas para que do talão constasse sempre o nome da empresa e a matrícula da viatura e número de contribuinte. Sucede que algumas vezes chegaram ao escritório talões que não identificavam a matrícula da viatura. Os abastecimentos em dinheiro são uma percentagem mínima em relação aos abastecimentos com cartão. Havia o cuidado de não levar a custos da Impugnante os casos em que os talões não respeitavam as instruções. Que em 1997 tinha lojas em Braga, Porto, um armazém central em Mirando do Corvo, no Cacém, um armazém no Cacém, Lisboa, Arraiolos e Almancil. Era dado apoio a todos os estabelecimentos M... em Braga, Matosinhos, Porto, Palmela e Guia e por isso precisavam das viaturas para se deslocarem e também para as entregas em casa dos clientes. Estes gastos são indispensáveis para a realização dos proveitos. A Impugnante sempre teve o cuidado de informar os seus empregados da necessidade do cumprimento dos requisitos formais dos documentos. Não há má fé, mas apenas descuidos dos funcionários. Os funcionários quando se deslocam estão sempre controlados pelo respetivo chefe, não andam descontroladamente. Todas as despesas eram sancionadas pelo respetivo chefe antes de irem para a contabilidade.


E quanto a factos não provados, consignou-se:

Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.


II.2 Do Direito

Tendo o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal suscitado a questão da incompetência deste Tribunal Central Administrativo, em razão da hierarquia, para conhecer do objeto do recurso por o mesmo versar exclusivamente matéria de direito, importa, pois, antes do mais, decidir esta questão.

Com efeito, a competência dos tribunais tributários, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede a de outra matéria [cf. artigo 16/1.2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 13º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 101.º e 102.º do Código de Processo Civil de 1961 (que correspondem, atualmente, os artigos 96º e 97º CPC) aplicáveis ex vi artigo 2.c).d) CPPT].

Ora, como é consabido, a infração às regras da competência em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. artigo 16/1 CPPT).

Nos termos do artigo 280/1 do CPPT (na redação aplicável), das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que o recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Nos termos do disposto nos artigos 26.b) e 38.a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a Secção do Contencioso Tributário do STA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; e a Secção do Contencioso Tributário do TCA conhece em segundo grau de jurisdição dos recursos de decisões dos tribunais tributários que não tenham como exclusivo fundamento matéria de direito.

É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados e não provados, face às ilações retiradas pelo Tribunal "a quo" (cf. Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal proferidos no processo n.º 738/09, de 16 de Dezembro de 2009, e no processo n.º 189/10, de 21 de Abril de 2010, disponíveis em www.dgsi.pt).

O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso (1).

No caso no caso em análise, nas conclusões das alegações de recurso apresentadas, verifica-se que a Recorrente, nomeadamente nas conclusões I) e IV), insurge-se contra a decisão recorrida também por deficiente valoração dos factos, discordando do decidido no que respeita ao juízo de apreciação da prova efetuada pelo Tribunal recorrido.

Assim se concluindo que os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito.

Termos em que improcede a questão prévia de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, suscitada pelo Ministério Público, há agora, pois, que conhecer do objeto do recurso.

Segue para apreciação do alegado erro de julgamento.

A Fazenda Pública não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada contra o indeferimento parcial da reclamação apresentada contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 1997.

Dissente do decidido relativamente às correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e relativas à desconsideração de custos relativos a “combustíveis adquiridos à A..., SA” e à correção relativa a provisões para créditos em cobrança duvidosa e a créditos em contencioso, imputando à sentença erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito.

A determinação do lucro tributável era feita de acordo com o disposto no artigo 17/1 CIRC, nos termos do qual o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC.

No artigo 23/1, do mesmo Código, especificavam-se quais gastos [antes, custos ou perdas] que a lei relevava. Assim, após uma ampla definição do conceito de gastos fiscais - os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o preceito fazia uma enumeração meramente exemplificativa.

No caso, não foi posto em causa que o custo ou gasto não fosse indispensável à realização de proveitos, até dada a dispersão geográfica das lojas e armazéns da empresa. Com efeito e como resulta dos factos dados como provados, a Impugnante, ora Recorrida tinha lojas em Braga, Porto, Lisboa, Arraiolos e Almancil, um armazém em Miranda do Corvo e outro em Lisboa, e que tinha, outrossim, de dar assistência às Lojas da Grupo “M...”, sitas em Braga, Matosinhos, Gaia, Coimbra, Lisboa, Palmela e Albufeira [cf. alínea CC) dos factos provados].

Mas foi questionada a documentação destinada a comprovar os mesmos. Com efeito, os custos apresentados têm por base a aquisição de combustível através da utilização de cartão G... Frota e de uma empresa intermediária, a A..., SA, não estando, pois, os abastecimentos em causa diretamente relacionados com as deslocações dos trabalhadores da empresa e com um veículo automóvel identificado pela matrícula.

Alega a Recorrente, tal como tinha sido entendimento dos Serviços de Inspeção, que os custos com abastecimentos de combustível não podem ser considerados por não terem por base faturas emitidas em nome da Impugnante, ora Recorrida, mas simples listagens de abastecimentos emitidas pela empresa intermediária. Concluindo, pois, que por esse motivo, não podiam ser aceites como custos ou gastos, por insuficiência da documentação de suporte.

Com efeito, nos termos do artigo 41/1.h) CIRC, não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: (...) os encargos não devidamente documentados e as despesas de caracter confidencial.

Todavia, a Recorrente não colocou em causa a matéria dada como provada, e na alínea AA) foi dado como provado que a Impugnante, ora Recorrida, tinha como documentos de suporte para inscrição na contabilidade: (i) documento de lançamento na contabilidade; (ii) cartão G... Frota; (iii) documento que representa a faturação mensal da A... SA, à Impugnante, ora Recorrida; (iv) talões dos postos abastecedores; (v) extratos bancários que atestam o pagamento dos abastecimentos de combustível.

Foi assim dado como provado que além das listagens emitidas pela empresa intermediária, que continham a data, identificavam a Impugnante, ora Recorrida, como cliente, com número de contribuinte, a matrícula do veículo automóvel abastecido, o montante e quantidade do abastecimento e qual o combustível [cf. alínea BB) dos factos provados], a Impugnante, ora Recorrida, para comprovar os gastos, tinha ainda como suporte documental os talões dos postos abastecedores de combustível.

A sentença recorrida que concluiu que dos suportes documentais é possível saber qual a natureza da despesa, a finalidade da despesa e o destinatário da despesa, pelo que tem de considerar-se devidamente documentada, não merece a censura que lhe é feita e é de confirmar nesta parte.

Com efeito, a sentença recorrida distinguiu corretamente entre despesas não documentadas e indevidamente documentadas, tendo concluído que no caso estamos perante despesas documentadas.

Não tem, pois, razão a Recorrente quanto a esta questão.


Vejamos agora quanto às provisões.

As provisões constituem um fundo criado pela empresa, levado a custos ou encargos do exercício, destinado a fazer face a prejuízos que se esperam, mas cujo valor não se conhece ainda com precisão (2).

Nas palavras de Rui Duarte Morais, as provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado, mas de montante incerto... a consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade:
-o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido);
-o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu-ainda que só meramente possível-custo). A não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua consideração por valor insuficiente) resulta numa violação deste princípio, na medida em que terá por efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele.

São, pois, despesas da empresa de incerta comprovação futura cuja aceitação para fins fiscais está definida na lei. As provisões desde que legalmente constituídas, nos termos do artigo 23.h) CIRC, são custos para efeitos fiscais.

Alega a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos e aplicação do direito, mormente o disposto nos artigos 33° a 35° e 41° do CIRC.

Relativamente às provisões constituídas para cobrir créditos em cobrança duvidosa, alega que a Impugnante, ora Recorrida, não procedeu à constituição da respetiva provisão no exercício em que o crédito estava em mora há mais de seis meses.

E alega ainda que as provisões foram corrigidas porque excessivas, tendo sido ultrapassado o limite ou percentagem prevista no artigo 34º CIRC [cf. conclusão VI].

Quanto às provisões para créditos em contencioso, estas também não podiam ser aceites porquanto os processos judiciais apenas foram instaurados no ano civil seguinte, ou seja, em 1998. Assim, em 1997 não estavam reunidos os pressupostos legais para a sua constituição [cf. conclusão VIII].

Diziam os artigos 33º e 34º CIRC, aqui em causa:
Artigo 33º
Provisões fiscalmente dedutíveis
1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a) As que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;
b) (…);
c) As que se destinarem a ocorrer a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os custos do exercício;
d) (…)
e) (…).
2 - As provisões a que se referem as alíneas a) a c) do número anterior que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo, considerar-se-ão proveitos do respetivo exercício.
Artigo 34º
Provisão para créditos de cobrança duvidosa
1 - Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do nº 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
2 - O montante anual acumulado da provisão para cobertura de créditos referidos na alínea c) do número anterior não poderá ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até l2 meses;
b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.


Assim, nos termos do artigo 34/2, se um cliente entra em mora a empresa deve começar gradualmente a constituir a provisão (3).

Os argumentos trazidos pela Recorrente, não são novos e foram já analisados na sentença recorrida, em termos que, desde já adiantamos, não merecer a crítica que lhes é feita, quanto à correção das provisões para créditos em mora há mais de seis meses.

Após discorrer sobre a doutrina e principal legislação aplicável, a sentença recorrida começa por identificar os créditos em mora há mais de seis meses. Diz:

Nos autos, estão em causa:
• Provisão no montante de € 1.227,78 (246.147$00) referente ao cliente A..., relativamente a uma fatura no valor de € 2.455,55 (492.293$00), com data de 7/11/94 (fls. 558 dos autos). Quanto a este cliente a impugnante em 8/6/1995 enviou uma carta que se junta aos autos a folha 559, onde solicita a liquidação da fatura em causa informando que passado 10 dias se o pagamento não fosse efetuado se remeteria o processo ao serviço contencioso.
• Provisão no montante de € 613,89 (123.073$00) referente ao cliente M... & Filhos, Lda., tendo por base uma fatura no valor de € 2.455,55 (492.293$00), com data de 3/61/93 (f1.560 dos autos). Quanto a este cliente a Impugnante em 15/2/1995 enviou uma carta que se junta aos autos a folha 561, onde solicita a liquidação da fatura em causa informando que passado 8 dias se o pagamento não fosse efetuado se remeteria o processo ao serviço contencioso.

Concluindo:

Ou seja, daqui parece resultar que a Impugnante tinha a possibilidade de considerar em risco de incobrabilidade os seus créditos que, no final do exercício de 1995, estavam em mora há mais de seis meses desde a data do vencimento, e constituir uma provisão para ocorrer a tal risco.
Porém, como se escreve no ac. do STA, de 30/4/2003, rec. n° 0101/03, «Não se retira, nem do princípio da especialização dos exercícios, nem das disposições legais em apreço, que a simples mora do devedor de seis meses e um dia implique, só por si, o risco de incobrabilidade, e torne exigível ao credor a constituição da provisão logo no exercício seguinte, sob pena de não mais poder constituí-la.
... no regime do CIRC, a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável, “não ao exercício da constituição dos créditos, mas sim ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade”. Ou seja, “não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade”.
O que nos diz a lei - artigo 34°, n° 1, alínea a), do CIRC - é que o crédito em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento pode ser considerado de cobrança duvidosa; e que, para o cobrir, pode ser constituída uma provisão fiscalmente dedutível - artigo 33°, n° 1, alínea a), do mesmo diploma - no exercício do ano em que o crédito seja considerado de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, mas não já em exercícios posteriores - artigo 18°, n° 1, ainda do mesmo diploma.
Ou seja, tudo está em saber em que exercício a incobrabilidade foi constatada e isso foi refletido na contabilidade da recorrida. Sendo que tal exercício não tem, necessariamente, que coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora, ou em que tal mora ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança.» (cfr., igualmente, entre outros e no mesmo sentido, os acs. do STA, de 21/11/2001, rec. 026080; de 18/572005, rec. 0132/05; de 18/5/2005, rec. 087/05; e do TCA, de 25/4/2004, rec. 04778/01 e de 11/102005, rec. 0407/03) - neste sentido veja-se o acórdão do TCAS, de 21/02/2006, proferido no recurso n.° 07016/02, consultável em www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos a AT não pôs em causa a verificação de quaisquer dos apontados requisitos; a divergência situou-se a um outro nível: as provisões não foram aceites apenas porque se entendeu que as mesmas se reportavam a exercícios anteriores.
Ora, nos termos do art. 18.°, n° 1, do CIRC, os proveitos e os custos (...), são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização de exercícios. (...).... as provisões, para serem fiscalmente aceites, devem ser constituídas no exercício em que se verifique o risco de incobrabilidade com o âmbito atrás referido.
A AT, ao não admitir como custo do exercício do ano de 1997 a provisão efetuada pela recorrida, fundamentou-se na violação do princípio da especialização, porém, tal procedimento só seria legal se ela afirmasse, e ficasse demonstrado, no presente processo, que a incobrabilidade dos créditos que motivaram a provisão foi constatada e isso refletido na contabilidade da recorrida em exercícios anteriores, o que não aconteceu.

Termos em que, nesta parte a presente impugnação é procedente.

A sentença recorrida apoiou-se na principal jurisprudência sobre a matéria com a qual concordamos e não merece, pois, a censura que lhe foi feita e será, pois, de confirmar nesta parte, como se provirá no dispositivo.

Com efeito e tal como analisado na sentença recorrida, o exercício em que foi constatada a incobrabilidade dos créditos não tem, necessariamente, que coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora, ou em que tal mora ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança.

Vejamos agora quanto às provisões para créditos em contencioso, no montante de € 3 686,46 (PTE 739.089$00), relativamente às quais se considerou na sentença recorrida não ser já possível a sua relevação no exercício de 1998.

Com efeito, como vimos já, nos termos do artigo 18/1 CIRC, os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.

Este princípio, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

O princípio da especialização dos exercícios ou do acréscimo, diz-nos que os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, e não à medida que sejam recebidos e suportados.

A matéria coletável era, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal (cf. artigo 16º CIRC).

Aqui não concordamos inteiramente com o decidido na sentença recorrida. Seguiremos antes o decidido neste TCAS, nomeadamente no recente Acórdão de 2021.06.09, no Proc. nº 08048/14, ainda inédito.

Trata-se aqui de provisões para riscos e encargos. Esta provisão destina-se a ocorrer a obrigações e encargos decorrentes de processos judiciais em curso que serão reconhecidos após o trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida.

A constituição da provisão deve estar apoiada em elementos objetivos e informações idóneas que justifiquem a natureza das obrigações e encargos derivados dos processos judiciais, o ano e o valor contabilizado. Só assim podem ser consideradas dedutíveis para efeitos fiscais.

Ora, os créditos em causa só foram judicialmente reclamados pela Impugnante, ora Recorrida, no ano seguinte, ou seja 1998. Logo, só nesse exercício poderiam ser constituídas, ao abrigo da norma do artigo 34/1.b) CIRC.

Com efeito, esta provisão destina-se a fazer face a obrigações e encargos decorrentes de processos judiciais em curso.

Assim, de harmonia com o princípio da especialização só no exercício em que foi instaurada a ação para os reclamar judicialmente é que podem ser constituídas.

Por outras palavras, tendo o crédito apenas sido reclamado judicialmente em 1998, era nesse exercício que se deveria fazer integralmente a contabilização da provisão, de acordo com artigo 34/1.b) CIRC e, não, total ou parcialmente, no exercício anterior de 1997.

A sentença, no segmento impugnado, que assim não decidiu, deve ser revogada.



Sumário/Conclusões:

I. Um custo está devidamente documentado quando dos suportes documentais seja possível aferir qual a natureza da despesa, a finalidade da despesa e o destinatário da despesa.
II. O princípio da especialização de exercícios, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.
III. As provisões constituídas para cobrir créditos em cobrança duvidosa, devem ser constituídas no exercício em que se constatou a incobrabilidade dos créditos, que não tem de coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora ou em que tal mora ultrapassou a duração de 6 meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança.
IV. As provisões para créditos em contencioso, destina-se a ocorrer a obrigações e encargos decorrentes de processos judiciais em curso, de harmonia com o princípio da especialização, só podem ser constituídas no exercício em que foi instaurada a ação judicial respetiva.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, e revogar a sentença recorrida na parte relativa às provisões para créditos em contencioso, no montante de € 3 686,46 (PTE 739.089$00), julgando-se improcedente a impugnação nessa parte, com as legais consequências e manter a sentença recorrida quanto ao demais.

Sem custas do recurso pela Recorrente, na parte em que decaiu, por delas estar isenta (artigo 3/1.a) do Regulamento das Custas dos Processos Tributários)

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 24 de junho de 2021


SUSANA BARRETO

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(1) Extrato do Ac. STA, 2ª Seção, de 2020.06.03, Proc nº 0251/10.0BELRS, disponível em www.dgsi.pt
(2) Ac. TCAS de 05-03-2020, Proc nº 2863/09.5BCLSB
(3) FERREIRA, Rogério, GESTÃO CONTABILIDADE E FISCALIDADE, 3ª Ed., I Vol., pág. 154