Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08459/15
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS AO PROCESSO EM FASE DE RECURSO.
RECURSO DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA.
CÔMPUTO DO PRAZO.
NULIDADE INSUPRÍVEL DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA.
ARTºS.63, Nº.1, AL.D), E 79, Nº.1, AL.B), DO R.G.I.T.
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS.
TIPO LEGAL CONTRA-ORDENACIONAL PREVISTO NO ARTº.114, NºS.1 E 2, DO R.G.I.T.
I.V.A.
“PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA DEDUZIDA” CONSTANTE DO ARTº.114, DO R.G.I.T.
CONSEQUÊNCIAS DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA.
Sumário:
1. Não havendo normas específicas para exame da junção de documentos em fase de recurso perante Tribunais superiores em processo penal, deve levar-se em consideração a legislação processual civil de aplicação subsidiária (cfr.artº.4, do C.P.Penal; artº.41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas; artº.3, al.b), do R.G.I.T.).
2. Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
a-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
b-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
c-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
d-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil);
e-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
3. A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal.
4. No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.al.d) supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº.1, do C.P.Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida.
5. O requerimento de interposição de recurso deve ser apresentado no Serviço de Finanças onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação, no prazo de vinte (20) dias (contado da data de notificação da decisão de aplicação de coima e não do termo do prazo de pagamento voluntário da mesma coima), atento o disposto no artº.80, nº.1, do R.G.I.Tributárias, devendo o cômputo do referido prazo ser calculado nos termos do disposto no artº.60, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aplicável “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), e não sendo tal prazo de natureza judicial, pelo que não se lhe aplicam as regras privativas dos prazos judiciais, como são as constantes dos artºs.138, nº.1, e 139, nº.5, do C.P.Civil, embora se suspendendo aos sábados, domingos e feriados.
6. Diz-nos o artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, além do mais, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima. Por sua vez, o artº.79, nº.1, do mencionado diploma (na esteira do artº.58, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), consagra os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são:
a-A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
b-A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
c-A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d-A indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”;
e-A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f-A condenação em custas.
7. A exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada. Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr.artº.32, nº.10, da C.R.Portuguesa) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T.
8. Concretamente, quanto à “descrição sumária dos factos” referida supra, não exige o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.Tributárias, a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, conteúdo que é exigido pelo artº.374, nº.2, do C.P.P., para as sentenças proferidas em processo criminal. Trata-se, neste artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. O que exige esta norma, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (artº.32, nº.10, da C.R.P.) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.
9. Com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” no artº.114, do R.G.I.T., o legislador pretendeu aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal.
10. A infracção imputada ao arguido no artº.114, nº.2, do R.G.I.T., não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei” (cfr.artº.114, nº.1, do R.G.I.T.). Assim, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida. Ora, compulsando a decisão administrativa de aplicação da coima (cfr.nº.6 do probatório), nenhuma referência se faz a tal situação prévia. Por outras palavras, devia constar da decisão de aplicação de coima a referência ao recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade de preenchimento da hipótese do artº.114, nº.2, do R.G.I.T. (a qual se reporta à conduta prevista no nº.1 do mesmo preceito).
11. Acresce que, em face das normas legais tidas como violadas na decisão de aplicação da coima - os artºs.26, nº.1 e 40, nº.1, al.b), do C.I.V.A. - não seria sequer possível concluir pelo preenchimento do tipo legal de contra-ordenação p.p. no artº.114, nºs.1 e 2, do R.G.I.T., pois no âmbito do I.V.A. os sujeitos passivos não têm de entregar à Administração Tributária a prestação que deduziram, mas, antes pelo contrário, somente têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o I.V.A. a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram, apenas se encontrando no tipo legal do artº.114, do R.G.I.T., referência compatível com o mecanismo de liquidação do I.V.A., no nº.3 do mesmo preceito e desde que o imposto tenha sido recebido, sendo que este nº.3 não foi levado em consideração na decisão de aplicação da coima que está na origem dos presentes autos.
12. Se a nulidade, referente à parte administrativa do processo contraordenacional, é constatada em recurso judicial da decisão de aplicação de coima, não deve ser decidida a absolvição da instância, mas sim a remessa do processo à autoridade administrativa para eventual sanação da mesma e renovação do acto sancionatório.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.89 a 98 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através da qual declarou nula a decisão recorrida, mais anulando todos os actos processuais subsequentes que dela dependam.
X

O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.108 a 116 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a sentença que declara a nulidade da decisão de aplicação de coima recorrida;
2-Refere a sentença proferida pelo tribunal ad quo que: “Decorre assim da alínea b) do referido art.º 79.º do RGIT que constitui requisito legal da decisão de aplicação da coima por parte da autoridade administrativa, a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas. (…) A decisão recorrida não menciona qualquer elemento que tenha contribuído para graduar a coima aplicada, nomeadamente, qual a situação económica do infractor; a qualificação da sua conduta; se o sujeito passivo retirou algum benefício económico da prática da infracção. Ora, nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, al. d) do RGIT, este vício da decisão que fixou a coima constitui nulidade insuprível da decisão administrativa.”;
3-Contudo, não nos podemos conformar com tal resolução por ser desajustada aos elementos probatórios constantes doa autos, nomeadamente a decisão datada de 2011-10-20, a informação constante de fls.18 a 26 do processado e o auto de notícia. Refere a decisão recorrida estar em causa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 79.º do RGIT – “ A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas.”;
4-Atente-se no entanto a que os elementos considerados em falta, constam do acto posto em crise;
5-Nesse iter que se segue ao levantamento pelo órgão competente do auto de notícia, o que fez nos termos do n.º 1 do art.º 57 do RGIT constam, além de outros, os elementos que caracterizam a infracção, o montante de imposto exigível: € 679.803,95, o valor da prestação tributária entregue: 0,00, o valor da prestação tributária em falta: € 679.803,95, a data de cumprimento da obrigação: 2003-08-11, o período a que respeita a infracção: 0306T e até o termo do prazo para cumprimento da obrigação em causa: 2003-08-18. Ou seja, tudo em conformidade com os previstos requisitos legais;
6-Como refere acerca da dedução de imposto em sumário o acórdão do STA proferido no processo 256/10 e datado de 02-06-2010, disponível em www.dgsi.pt:
“Os sujeitos passivos de IVA têm direito a deduzir o IVA por si suportado e incidente sobre as operações tributáveis efectuadas a montante, designadamente o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços, nos termos do artigo 19.º, n.º1, alínea c) do CIVA.
II - Em regra, a dedução deve ser efectuada na declaração do período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes (n.º 2 do artigo 22.º do CIVA).
III - Todavia, nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução são aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber (n.º 15 do artigo 71 do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos).
IV - O sujeito passivo não está impedido de apresentar a declaração de substituição em momento posterior a uma primitiva liquidação, devendo aquela ser considerada para efeitos de determinação do imposto devido, embora sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.”;
7-Como se pode pois concluir sem qualquer margem para dúvidas, sendo a declaração periódica de IVA a declaração correspondente ao imposto apurado pelo próprio sujeito passivo, a qual se deve presumir verdadeira e de boa-fé nos termos do art.º 75.º da LGT e, estando além do mais o despacho em crise fundamentado nessa declaração, encontra-se clara e suficientemente fundamentado, pois o imposto apurado e a pagar pelo sujeito passivo resulta já da operação consistente na dedução do IVA por si suportado e incidente sobre as operações tributáveis efectuadas a montante, designadamente o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços, nos termos do artigo 19, n.º 1, alínea c) do CIVA;
8-Acresce que, o sujeito passivo, em consonância, pagou até o imposto em falta embora posteriormente, pelo que se encontra devidamente ciente do montante e dos motivos que estiveram na origem desse seu pagamento extemporâneo;
9-Assim, caso houvesse imposto que se encontrasse por liquidar ou tivesse sido indevidamente liquidado nos termos legais, nada impedia o SP de apresentar a declaração de substituição. Fá-lo-ia contudo em momento posterior a uma primitiva liquidação, devendo ser aquela outra considerada para efeitos de determinação do imposto devido, embora sem prejuízo da penalidade que ao caso coubesse;
10-Como se conclui, o imposto a entregar resulta já da operação feita pelo SP e que se encontra indicada na DP, operação que tem como fim apurar qual o montante exacto a entregar nos cofres do Estado - método subtractivo ou do crédito de imposto que por via da liquidação e da dedução, se reflecte na declaração periódica. Aí constam já os montantes exactos não apenas da prestação deduzida, mas também do resultado - o montante de imposto apurado e a pagar ao Estado que corresponde ao valor excedente relativamente ao liquidado, incluindo-se nesses cálculos como se disse, a prestação deduzida nos termos da lei;
11-Nesta senda, a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos por errada apreciação da prova, procedeu à interpretação e aplicação correcta das normas aplicáveis reguladoras do caso em apreço, acolhendo indevidamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT e o disposto no artigo 63.º, n.º 1 al. d), do RGIT. Termos em que não se pode manter na ordem jurídica;
12-Pois que até em sentido contrário a jurisprudência tem considerado, não ser exigível pelo artº. 79.º, n.º1, al. b), do R.G.I.T., a concreta enumeração dos factos provados e não provados, mas uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamentam a decisão, o que se considera ter sido observado pelo órgão autuante que permitiu com a sua descrição factual que tal fosse suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente;
13-Para além do que, é ainda prejudicial a questão da tempestividade. Como se sustenta, a sentença proferida pelo Tribunal ad quo não procedeu ao efectivo saneamento o que prejudicou a boa instrução dos autos. Ou seja, tendo sido a arguida notificada da decisão administrativa no dia 27/09/2011 por aplicação de coima face à apresentação fora do prazo legal sem meio de pagamento, ou pagamento insuficiente da declaração periódica de IVA do período de 2003/06T, punível nos termos do art.º 114.º do RGIT, veio a mesma a deduzir recurso judicial que apresentou apenas em 28/10/2011, isto é, extemporaneamente. Assim, feitas as contas, o prazo de recurso da decisão proferida pela entidade administrativa terminara no dia 25 de Outubro de 2011, contado nos termos das disposições conjugadas dos arts. 59.º e 60.º, ambos do D.L. nº 433/82, de 27 de Outubro e artigo 80.º n.º 1 do RGIT;
14-Portanto, uma vez que a arguida apresentou o recurso na entidade administrativa no dia 28 de Outubro de 2011, fê-lo após o termo do prazo de que dispunha para a apresentação de tal acto. Sem poder socorrer-se de dilação incorrendo em multa pela prática de acto nos termos do disposto no art.145.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, verifica-se a intempestividade do seu pedido;
15-Tal excepção que deveria ter sido conhecida na fase de saneamento, também face às disposições do Código de Processo Civil supletivamente aplicável, impede a apreciação das questões de mérito;
16-Nestes termos e nos melhores de direito, não podendo o juiz deixar de se pronunciar sobre questões que deva apreciar e tendo conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, não pode a decisão proferida manter-se na ordem jurídica nos termos da alínea d) do art.º 615.º do CPC;
17-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
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A sociedade arguida apresentou contra-alegações (cfr.fls.122 a 128 dos autos), nas quais pugna pela confirmação do julgado, mais apresentando documentos comprovativos da data de envio, sob registo, do requerimento de interposição de recurso da decisão de aplicação de coima, o qual deve considerar-se tempestivo (cfr.documentos juntos a fls.130 e 131 dos autos), tudo sem estruturar conclusões.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.143 a 147 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.90 a 93 dos autos):
1-No dia 18/01/2004, na Direção de Serviços de Cobrança do IVA (DSCIVA), o Diretor de Serviços, Fernando ………………., verificou pessoalmente que o sujeito passivo, …………….., SA, não entregou juntamente com a declaração periódica meio de pagamento de forma a satisfazer o montante do imposto exigível no valor de € 679.803,95, referente ao período 03/06T, cujo termo final do prazo de cumprimento da obrigação fora 2003/08/18 ( cfr.documento junto a fls.6 e 7 dos presentes autos);
2-O auto de notícia, mencionado no ponto anterior, deu origem ao processo de contraordenação fiscal nº…………………, cuja parte administrativa correu os seus termos no 4º. Serviço de Finanças de Lisboa e foi autuado em 24/03/2004 (cfr.documento junto a fls.5 dos presentes autos);
3-Em relação à ora arguida foi instaurado processo de inquérito criminal nº.168/04.7IDLSB, o que determinou a suspensão do procedimento contraordenacional em 23/02/2004 (cfr.informação exarada a fls.60 a 62 dos presentes autos);
4- Por despacho judicial de 1/03/2011, foi determinado o arquivamento do processo de inquérito do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (Inqº nº 168/04.7IDLSB; Secção 0305), nos seguintes termos:






(cfr.documento junto a fls.18 dos presentes autos);
5-Em face do despacho final produzido no processo de inquérito, ponto anterior, o Chefe do 4º. Serviço de Finanças de Lisboa, em 23/9/2011, determinou o levantamento da suspensão dos autos de contraordenação, a que se faz alusão nos pontos 1 e 2 deste probatório (cfr.documento junto a fls.28 dos presentes autos);
6-Em 20/10/2011, foi proferida decisão de fixação da coima, onde consta o seguinte:







(cfr.documento junto a fls.33 dos presentes autos);
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos, com interesse para a questão em apreciação, constantes da acusação do Digno Magistrado do Ministério Público e dos alegados pelo recorrente, todos objeto de análise concreta, não se detetaram que fossem suscetíveis de afetar a decisão e que, importe registar como não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nas informações constantes dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
Com a resposta ao presente recurso (cfr.artº.413, nº.1, do C.P.Penal), a sociedade arguida juntou aos presentes autos dois documentos (cfr.fls.130 e 131 do processo) através dos quais, segundo alegam, visam fazer prova da tempestividade da interposição do recurso da decisão de aplicação de coima.
Assim, a primeira questão que se impõe decidir, de natureza adjectiva, consiste em saber da possibilidade legal de tal junção e da manutenção dos referidos documentos nos autos.
Não havendo normas específicas para exame da junção de documentos em fase de recurso perante Tribunais superiores em processo penal, deve levar-se em consideração a legislação processual civil de aplicação subsidiária (cfr.artº.4, do C.P.Penal; artº.41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas; artº.3, al.b), do R.G.I.T.).
Vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª. Instância, mas tão- somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal “ad quem” tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções que passamos a analisar.
Dispõe o artº.523, do C.P.Civil (cfr.artº.423, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância (actualmente até vinte dias antes da realização da audiência final - cfr.artº.423, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.
Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
1-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
2-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
3-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
4-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil);
5-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P.Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, Setembro de 2008, Almedina, pág.227 e seg.).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil (cfr.artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).
Revertendo ao caso dos autos, os documentos em causa devem considerar-se necessários para o exame e decisão da excepção de intempestividade do recurso da decisão de aplicação de coima, assim devendo admitir-se a sua junção, ao abrigo do princípio da investigação vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário), ao que se provirá no dispositivo do presente acórdão.
Quanto a tal factualidade remetem-se os sujeitos processuais para o aditamento ao probatório constante dos nºs.7 e 8 da factualidade provada infra estruturada.
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Levando em consideração a necessidade de exame da excepção de intempestividade suscitada pelo recorrente, este Tribunal julga provados mais os seguintes factos que se reputam relevantes para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.431, al.a), do C.P.Penal (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10):
7-Em 26/10/2011, a sociedade arguida foi notificada do despacho de aplicação de coima identificado no nº.6, mais se fazendo referência, no ofício de notificação, ao prazo de vinte dias consagrado no artº.80, do R.G.I.T., como aquele em que deve interpor o recurso (cfr.documentos juntos a fls.34 a 36 dos presentes autos);
8-Em 23/11/2011, através de correio registado dirigido ao 4º. Serviço de Finanças de Lisboa, foi remetida a petição de recurso interposto pela sociedade arguida da decisão de aplicação de coimas (cfr.data de registo constante do documento junto a fls.130 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença do Tribunal “a quo” declarou nula a decisão recorrida, mais anulando todos os actos processuais subsequentes que dela dependam.
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Desde logo, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que a sentença proferida pelo Tribunal "a quo" não procedeu ao efectivo saneamento do processo o que prejudicou a boa instrução dos autos. Que tendo sido a arguida notificada da decisão administrativa no dia 27/09/2011, veio a mesma a deduzir recurso judicial que apresentou apenas em 28/10/2011, isto é, extemporaneamente. Que feitas as contas, o prazo de recurso da decisão proferida pela entidade administrativa terminou no dia 25 de Outubro de 2011, contado nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 59 e 60, ambos do dec.lei 433/82, de 27/10, e artº.80, n.º1, do R.G.I.T. Uma vez que a arguida apresentou o recurso na entidade administrativa no dia 28 de Outubro de 2011, fê-lo após o termo do prazo de que dispunha para a apresentação de tal acto, pelo que se verifica a intempestividade do seu pedido (cfr.conclusões 13 a 16 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes de mais, releve-se que o não conhecimento da eventual caducidade do direito de acção em sede de recurso da decisão de aplicação de coima não consubstancia uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Avançando.
O requerimento de interposição de recurso visando decisão administrativa de aplicação de coima deve ser apresentado no Serviço de Finanças onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação, no prazo de vinte (20) dias (contado da data de notificação da decisão de aplicação de coima e não do termo do prazo de pagamento voluntário da mesma coima), atento o disposto no artº.80, nº.1, do R.G.I.Tributárias, sendo o cômputo do referido prazo calculado nos termos do disposto no artº.60, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aplicável “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.Tributárias), e não sendo tal prazo de natureza judicial, pelo que não se lhe aplicam as regras privativas dos prazos judiciais, como são as constantes dos artºs.138, nº.1, e 139, nº.5, do C.P.Civil, embora se suspendendo aos sábados, domingos e feriados (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/6/2011, rec.312/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/7/2011, rec.314/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.5770/12; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.535 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.145).
“In casu”, do exame da factualidade provada (cfr.nºs.7 e 8 do probatório) o termo inicial do prazo de interposição do recurso ocorreu em 27/10/2011 (uma quinta-feira - cfr.artº.279, al. b), do C.Civil). Efectuado o cômputo do prazo para interposição do recurso nos termos supra expostos, conclui-se que o mesmo teve o seu termo final no pretérito dia 24 de Novembro de 2011 (quinta-feira).
Sendo o requerimento de recurso enviado, através de correio registado, em 23/11/2011, é o mesmo tempestivo.
Em conclusão, julga-se improcedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção.
Aduz, igualmente e em sinopse, o recorrente que, ao invés do concluído na sentença recorrida e tendo em vista o entendimento doutrinal e jurisprudencial dominante a respeito da questão em apreço, afigura-se-nos que a questionada decisão de aplicação da coima não padece de qualquer nulidade, antes reunindo os requisitos previstos na lei. Que tendo a sentença recorrida decidido com base em entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, assim violando os artºs.63, nº.1, al.d), e 79, nº.1, al. b), do R.G.I.T., deverá a mesma ser revogada, com as legais consequências (cfr. conclusões 2 a 12 do recurso) com base em tal argumentação pretendendo concretizar novo erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
Diz-nos o artº. 63, nº.1, al.d), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, além do mais, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima. Por sua vez, o artº.79, nº.1, do mencionado diploma (na esteira do artº.58, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), consagra os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são:
1-A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
2-A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
3-A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
4-A indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”;
5-A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
6-A condenação em custas.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr.artº.32, nº.10, da C.R.Portuguesa) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7056/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/11/2014, proc. 7974/14; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.517 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.143 e 144).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da factualidade provada (cfr.nº.6 do probatório), o despacho administrativo de aplicação de coima exarado no presente processo não satisfaz os requisitos previstos na lei e enumerados supra, no que diz respeito à descrição sumária dos factos.
Expliquemos porquê.
Concretamente, quanto à “descrição sumária dos factos” referida acima, não impõe o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.Tributárias, a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, conteúdo que é exigido pelo artº.374, nº.2, do C.P.P., para as sentenças proferidas em processo criminal.
Trata-se, neste artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. O que exige esta norma, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (artº.32, nº.10, da C.R.P.) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/6/2007, rec.353/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7056/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.518).
No caso “sub judice”, conforme se retira do probatório (cfr.nº.6 da factualidade provada), é imputado ao arguido e ora recorrido a prática de uma infracção prevista e punida nos artºs.26, nº.1, e 40, nº.1, al.b), do C.I.V.A., e 114, nº.2, do R.G.I.T., a título de negligência.
A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do artº.114, nºs.1 e 2, do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2003 (versão original da Lei 15/2001, de 5/6), a qual tinha o seguinte conteúdo:

Artigo 114.º
(Falta de entrega da prestação tributária)

1-A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2-Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(…).


Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.).
No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
No âmbito do I.V.A., fala-se de dedução de imposto relativamente ao tributo que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos artºs.19 a 25, do C.I.V.A., não se referindo o legislador a qualquer situação em que o contribuinte entregue imposto que tenha previamente deduzido. De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à Fazenda Pública a prestação tributária que deduziram (o imposto que deduziram à face da definição dada no citado artº.11, al.a), do R.G.I.T.), mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer a entrega do imposto na medida em que excede o I.V.A. a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram. Nestas situações, o imposto que deve ser entregue não é o tributo que foi liquidado, mas antes o eventual saldo positivo a favor da A. Fiscal que se registe após a confrontação do volume global do imposto liquidado (recebido ou não a jusante) com o que foi pago pelo sujeito passivo aos seus fornecedores ou prestadores de serviços a montante.
Assim é de partir do pressuposto de que, com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” se pretendeu aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.813 e 814).
Revertendo ao caso dos autos, no que diz respeito à descrição sumária dos factos, o despacho administrativo de aplicação de coima proferido neste processo não satisfaz as exigências do examinado artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T.
A infracção imputada ao arguido não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei” (cfr.artº.114, nº.1, do R.G.I.T.). Assim, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida. Ora, compulsando a decisão administrativa de aplicação da coima (cfr.nº.6 do probatório), nenhuma referência se faz a tal situação prévia. Por outras palavras, devia constar da decisão de aplicação de coima a referência ao recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade de preenchimento da hipótese do artº.114, nº.2, do R.G.I.T. (a qual se reporta à conduta prevista no nº.1 do mesmo preceito).
Acresce que, em face das normas legais tidas como violadas na decisão de aplicação da coima - os artºs.26, nº.1, e 40, nº.1, al.b), do C.I.V.A. - não seria sequer possível concluir pelo preenchimento do tipo legal de contra-ordenação p.p. no artº.114, nºs.1 e 2, do R.G.I.T., pois, conforme mencionado supra, no âmbito do I.V.A. os sujeitos passivos não têm de entregar à Administração Tributária a prestação que deduziram, mas, antes pelo contrário, somente têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o I.V.A. a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram, apenas se encontrando no tipo legal do artº.114, do R.G.I.T., referência compatível com o mecanismo de liquidação do I.V.A., no nº.3 do mesmo preceito e desde que o imposto tenha sido recebido, sendo que este nº.3 não foi tido nem achado na decisão de aplicação da coima que está na origem dos presentes autos (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/9/2009, rec.540/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/11/2011, rec.855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc. 6925/13).
Importa, pois, concluir que o despacho de aplicação da coima, como bem se sentenciou na decisão recorrida, não satisfaz o requisito da descrição sumária dos factos a que se alude o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., assim enfermando da nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al. d), do mesmo diploma legal.
Haverá, agora, que examinar qual o efeito da decretada nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima exarada nos presentes autos.
A tal questão nos responde, em primeira linha, o artº.63, nº.3, do R.G.I.T.
Na sequência da declaração de uma nulidade insuprível, o processo não é necessariamente extinto, devendo ser praticados os actos necessários para que a mesma seja sanada. É isso que se infere do preceituado no artº.63, nº.3, do R.G.I.T., ao impor o aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos, sendo este regime aplicável à generalidade das nulidades previstas no nº.1, do preceito, entre os quais se inclui a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas. Assim, o efeito da declaração destas nulidades consiste na anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos, e não a absolvição da instância ou o arquivamento do processo contra-ordenacional. Os efeitos são estes mesmo que a declaração de nulidade ocorra na fase judicial do processo, após a apresentação do processo ao juiz, como evidencia a sistematização do R.G.I.T., dado que, da colocação sistemática do artº.63, deste diploma, se deve concluir que a mesma norma se aplica, tanto à fase administrativa, como à fase judicial do processo. Assim, se a nulidade, referente à parte administrativa do processo contraordenacional, é constatada em recurso judicial da decisão de aplicação de coima, não deve ser decidida a absolvição da instância, mas sim a remessa do processo à autoridade administrativa para eventual sanação da mesma e renovação do acto sancionatório. Por outras palavras, tais nulidades, na medida em que inquinam a acusação, ou seja, a decisão que aplica a coima, devem visualizar-se como excepções dilatórias que geram a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente e consequente devolução dos autos à autoridade administrativa que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório (cfr.artº.52, do R.G.I.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2009, rec.938/09; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/4/2010, rec.270/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.447).
Rematando, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a presente fundamentação, mais se anulando todo o processado subsequente ao despacho de aplicação de coima exarado a fls.33 dos presentes autos e devendo o processo baixar ao Tribunal “a quo” para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório.
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Condena-se o recorrente em custas.

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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23 de Abril de 2015


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)