Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09177/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/16/2017
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:ACIDENTE AUTO-ESTRADA
PRESUNÇÃO DE INCUMPRIMENTO
Sumário:I – Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho

II – Assim, é sobre a concessionária que se provou ser a Ré, que recai o ónus da prova de haver cumprido as obrigações de segurança a que se acha vinculada e não ao lesado que incumbe provar que aquela as não cumpriu.

II) - A concessionária tinha o dever de proceder a quaisquer adaptações que se mostrassem necessárias à utilização da via em condições de segurança ainda que implicasse criar barreiras entre esta e vias de domínio municipal independentemente do lugar em que se encontrem essas vias, criando o papel de primeiro e único obstáculo ao arremesso de objectos para a via, o que não foi efectivado pela concessionária.

IV) - Resultando provado que a passagem aérea em causa não dispunha de qualquer malha de protecção além das barras de protecção existentes, em que a finalidade era a de “guarda corpos” para os utilizadores dessa passagem superior, considera-se verificado o requisito da culpa, aqui intrinsecamente ligado ao da ilicitude, por decorrer da violação de especiais deveres de vigilância.

V) – Assim, impõe-se concluir que o arremesso de uma pedra do viaduto que transpõe a via IC 19 que foi embater no veículo conduzido pelo Autor causando o acidente, ocorreu porque, atentas as características da altura e do espaçamento da barras verticais do "guarda corpos" do viaduto e segundo a experiência comum, essa vedação não era adequada a impedir o arremessamento de objectos, nem, consequentemente a garantir a segurança da circulação da via inferior, podendo, por isso, afirmar-se no plano naturalístico, os danos em causa se apresentam como consequência normal, típica e provável do facto ilícito imputável à Ré (omissão de vigilância e medidas de segurança adequadas) ou dito de outra forma, que este facto ilícito não é de modo algum, indiferente à ocorrência do acidente do qual resultara os citados danos".
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I- RELATÓRIO

PAULO ……………………, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, uma acção administrativa comum contra a L……………… –AUTO ESTRADAS ……………, S.A [actualmente denominada A…………… GRANDE LISBOA- …………………….. LISBOA, S.A.] pedindo a condenação da ré no pagamento, a título indemnizatório, da quantia de € 16.300,00, «acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da entrada da acção até efectivo pagamento e ainda no que se liquidar em execução de sentença, com as legais consequências».

A Entidade Demandada contestou defendendo a improcedência da acção, e requereu a intervenção principal passiva da «Companhia de ………………………….. S.A.-Sucursal em Portugal».

Por despacho de 23.03.2011, foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros e ordenada a sua citação, a chamada contestou pugnando pela improcedência da acção e requereu a citação do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, para deduzir pedido de reembolso ou exercer eventual direito de regresso.

O Autor respondeu que não se encontra inscrito na Segurança Social, o que foi confirmada por esta Entidade.

Em 18.05.2011, foi proferido despacho saneador, no qual após se ponderar que a apreciação da matéria de facto não reveste especial complexidade, dispensou-se a realização de audiência prévia e sugeriu-se um data para a audiência de julgamento.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi, em 04.10.2011, proferido despacho a seleccionar a matéria de facto assente. As partes foram notificadas e quer o Autor quer a Ré dele vieram reclamar, tendo as respectivas reclamações sido decididas em despacho pré sentencial de 08.02.2013, nos termos do qual se deferiu parcialmente a reclamação apresentada pelo Autor e se indeferiu a reclamação exibida pela Ré.

Seguidamente, foi proferida sentença [rectificada por despacho de 11.07.2012] onde se decidiu: «…julgar procedente a presente acção e, em consequência:
a) Reconhece-se ao Autor o direito a ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente que o vitimou, no dia 19.8.2009, pelas 22h 20m, quando conduzia o seu veículo automóvel pelo IC 19;
b) Condena-se a corre, C…………………..S.A - Sucursal em Portugal, a pagar ao Autor o montante indemnizatório, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros desde a data da propositura da ação até efetivo e integral pagamento, deduzida a quantia de € 3.000,00 relativa à franquia por participação do sinistro;
c) Condena-se a Ré A…………. ……………., S. A. a pagar ao Autor o valor dos danos patrimoniais e não patrimoniais que vier a ser liquidado e couber no montante de € 3.000,00, relativo à franquia por participação do sinistro, acrescido de juros desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento.»

Inconformada com o decidido, a Ré, A........ ……………., S.A., interpôs recurso para este Tribunal Central, tendo na respectiva motivação formulado as seguintes conclusões:

«1.ª) A ora Recorrente requer a reapreciação da matéria de facto, em especial no que respeita ao "Art.º22 da contestação da Ré / art.10° da contestação da seguradora" (despacho judicial datado de 04.10.2011);
2.ª) O Tribunal recorrido, atendendo à prova produzida na audiência de discussão e julgamento (depoimento das testemunhas da recorrente e certidão da Câmara Municipal da Amadora) e uma vez que foi cumprido o disposto no art.264° n°3 do CPC, deveria ter dado uma resposta com conteúdo explicativo ao referido quesito;
3.ª) Ainda assim, o tribunal recorrido teve em conta a certidão da Câmara Municipal da Amadora junta aos autos, mas sem que tivesse retirado todas as ilações do mesmo;
4.ª) A sentença recorrida fez uma errada e errónea interpretação da lei, em especial do art.2° da Lei n°2110/1961, de 19 de Agosto (com a redacção dada pelo Decreto-Lei n°360/77, de 1 de Setembro) e do art.32° do mesmo diploma legal, pois a interpretação sustentada pelo Tribunal não tem qualquer suporte na letra da lei (art. 9° n°2 do Cód. Civil);
5.ª) A interpretação desses normativos legais, para além de contrariar expressamente a letra da lei, olvida que essas competências atribuídas por lei às câmaras municipais são irrenunciáveis e inalienáveis (Acórdão TCA Norte - de 02.03.2012, proferido no Proc. n.° 00083/05.7BEVIS);
6.ª) Uma estrada municipal serve essencialmente os cidadãos desse espaço territorial de uma câmara municipal e os interesses prosseguidos por esta pessoa colectiva pública, razão pela tem de ser vigiada e protegida (através da instalação de redes/vedações) por essa mesma entidade;
7.ª) E é por essa mesma razão que uma estrada municipal não integra a concessão explorada e mantida pela ora Recorrente, a qual termina nos nós de ligação (Base V do Contrato de Concessão), não tendo esta qualquer obrigação de vigiar ou instalar vedações em vias rodoviárias que não integram tal concessão;
8.ª) Aceitar a tese perfilhada na sentença recorrida (a obrigação de vigiar o arruamento municipal de onde foi arremessada a pedra e aí instalar vedações caberia à Recorrente), traduzir-se-ia na violação do princípio da reposição do equilibro financeiro (art.180°, alínea a) do CPA - diploma vigente à data da celebração do contrato de concessão e entretanto revogado pelo CPP - e art.314° do CPP - Código dos Contratos Públicos);
9.ª) Isto é, uma vez que tal obrigação não consta da equação financeira do contrato de concessão de obras públicas que a ora Recorrente celebrou, a sua eventual imposição só seria admissível mediante imposição pelo Concedente (e não pelo tribunal recorrido), mediante o pagamento de indemnização (Ramón Parada);
10.ª) Por outro lado, tal eventual obrigação (de vigiar estradas municipais e aí instalar vedações) não pode ser exigível à Recorrente pois o IC 19 é um lanço rodoviário explorado apenas durante 5 (cinco) anos, não existindo uma "associação duradoura e especial do particular à realização do fim administrativo de tal modo que a sua actividade fique vinculada à regularidade e à continuidade do serviço" (Marcello Caetano); e
11.ª) Acresce que a interpretação sustentada pelo Tribunal recorrido viola expressamente o disposto na Base XXVIII, n°5, alínea a) do Contrato de Concessão que estipula que "As passagens superiores em que o tráfego seja exclusivo ou importante serão também vedadas lateralmente em toda a sua extensão";
12.ª) O diminuto tráfego pedonal existente no Viaduto do Alto da Amadora não justificava a obrigação de instalação de vedações nesse local, conforme foi relatado por testemunhas da ora Recorrente;
13.ª) Ainda que se entendesse existir um conflito entre as normas "em jogo", teria de ser dada primazia à Base XXVIII, n°5, alínea a) do Contrato de Concessão, a qual assume natureza de norma especial face ao art.º32° da Lei n°2110/1961;
14.ª) "Regressando" ao princípio da reposição do equilíbrio financeiro, na equação inicial só estava incluída, como obrigação para a ora Recorrente, a instalação de passagens superiores/viadutos onde o tráfego pedonal fosse exclusivo ou importante, o que exclui necessariamente o Viaduto do Alto da Amadora;
15.ª) Olvida por completo a sentença recorrida que o dever de manutenção e vigilância da ora Recorrente é uma mera obrigação de meios;
16.ª) Isto é, a ora Recorrente não se comprometeu perante o Estado ou perante os utentes a evitar todo e qualquer acidente mas sim a envidar esforços para acautelar a segurança da circulação rodoviária (Carneiro da Frada);
17.ª) Dever este que foi pontualmente cumprido no sinistro em análise nos presentes autos (cfr. WW), XX) e YY) do probatório);
18.ª) Se tal dever foi cumprido pela Recorrente, não lhe pode ser imputada a ocorrência do sinistro em análise nos presentes autos e, consequentemente, não pode ser condenada ao pagamento de qualquer indemnização ao autor/recorrido; e
19.ª) Em suma, o Tribunal a quo, para além de não ter decidido em consonância com normas legais que eram aplicáveis à situação sub iudice, fez também uma errada e errónea interpretação dos preceitos legais "em jogo", razão pela qual deve ser a sentença recorrida ser revogada pelo presente Tribunal.
NESTES TERMOS,
Deve o presente recurso ser declarado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença proferida pelo Tribunal recorrido.»

O Autor, aqui Recorrido, apresentou contra-alegações, nelas formulando as seguintes conclusões [renumeradas a partir do ponto 3, por lapso na sua enunciação]:

«1 - A recorrente pretende cindir/dividir o VIADUTO em questão em duas partes: o tabuleiro/arruamento que o encima que não é sua responsabilidade e a restante obra de arte, que o é,
2 - Ora, a certidão camarária junta aos autos, como documento autentico que é, faz prova plena do facto atestado,
3 - e a interpretação da declaração constante da mesma, leva à conclusão lógica, que tal asserção não pode ser feita e não tem suporte,
4 - antes pelo contrário, resulta da mesma que o VIADUTO, enquanto um todo, não integra o arruamento municipal.
5 - As testemunhas referidas, não evidenciam qualquer razão de ciência, para terem alegado, como o fizeram, que não lhes competia vigiar o VIADUTO, como realmente não vigiaram,
6 - pelo que não há que alterar a resposta ao quesito 22° da contestação da A........ e 10º da interveniente, nomeadamente com o aditamento explicativo proposto.
Por outro lado,
7 - a Recorrente A........, como concessionária do IC 19, tinha o dever de vigilância e segurança do Viaduto do Alto da Amadora, enquanto obra de arte incluída na concessão, nomeadamente do seu tabuleiro superior,
8 - que não cumpriu,
9 - pelo que é responsável pelo danos ocorridos em consequência do acidente dos autos.
10 - Não foram violadas quaisquer disposições legais.
Termos em que, deve a apelação ser julgada improcedente, mantendo-se sentença recorrida, com as legais consequências.»

Recorreu, igualmente a interveniente Seguradora, apresentando na sua alegação as seguintes conclusões:

«1. A decisão ora recorrida, considerou que, tendo em conta as normas da Lei 2110/1961 e aquelas que resultam das Bases da Concessão a favor da A…………… Grande Lisboa, não podem restar dúvidas que ao município cabe zelar pela utilização de caminhos que se encontram sob a sua jurisdição, em condições de segurança para os seus utentes, adotando as medidas necessárias à prossecução dessa finalidade concreta;
2. Mais considerou que a concessionária do IC19 tem o dever de manter, expensas suas, o bom estado de funcionamento e segurança do objeto concessionado, realizando as adaptações que, para o efeito, se tornem necessárias;
3. Um vez que do auto de ocorrência, e ao contrário do prescrito no artº12º, nº2 da lei 24/2007, não decorrem as causas do acidente, o tribunal "a quo" considerou que não se operou a inversão do ónus da prova, tendo analisado os factos à luz das regras enunciadas no RRCEE e dos artigos 483° e seguintes do Código Civil, considerando que se encontravam preenchidos todos requisitos da obrigação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, assistindo ao Autor, ora Recorrido, o direito de ser indemnizado pelos danos que sofreu.
4. Como resulta da sentença, foi junta aos autos uma certidão emitida pela Câmara Municipal da Amadora da qual consta que arruamento denominado Avenida ………………….. é municipal, sendo a "responsabilidade desta Edilidade a conservação do mesmo".
5. O Viaduto foi construído pela EP- Estradas de Portugal, S.A., tendo sido inaugurado pela Câmara Municipal da Amadora em Março de 2000.
6. De acordo com o art.32° da Lei das Autarquias Locais, " a plataforma das vias municipais será protegida em todos os locais que ofereçam perigo para o trânsito por meio de resguardos apropriados, tais como redes".
7. Não se pode entender que este artigo apenas pretende acautelar que o arruamento municipal se encontra em condições para que os seus utilizadores, peões e veículos ai circulem em condições de segurança e comodidade.
8. A via em causa, que atravessa o denominado IC 19, não pode ser vista isoladamente do contexto físico em que se insere, ou seja, (e como bem refere a sentença), por baixo da passagem aérea não passa um rio ou existe um vale, mas sim uma via com características de auto estrada.
9. Aquando da construção do viaduto, em 2000, já existia o IC19, no essencial, com as mesmas características que hoje possuí, apesar de, na época em causa, ainda não ter sido atribuída a concessão da sua exploração à A........ Grande Lisboa.
10. Tendo as Estradas de Portugal procedido à sua construção e sendo o Município da Amadora responsável pela sua manutenção, sempre caberia a uma destas entidades o dever de colocar uma rede com as características apropriadas não só para proteger o trânsito que desloca no arrumamento mas também proteger a circulação rodoviária na via que se encontra por baixo do viaduto.
11. Desde 1961 que é atribuição das câmaras municipais, a construção, conservação, reparação, polícia (fiscalização), cadastro e arborização das estradas e caminhos municipais (artigo 2° da Lei 2110 de 19.08.1961)
12. A colocação das "redes" que, de acordo com o artigo 32° da Lei das Autarquias locais, cabe aos municípios, não pode olvidar que por baixo do arruamento passa uma via com características equiparadas a uma auto-estrada ou via rápida, não podendo, tão pouco ser esta norma não pode ser interpretada restritivamente, no sentido da colocação da rede apenas visar a proteção do trânsito que se processa no arruamento.
13. Tal entendimento seria de sufragar se, por baixo do viaduto existisse um vale ou até um rio, caso em que aí sim, as redes apenas teriam de proteger as pessoas que passam no tabuleiro do viaduto.
14. Verificando-se a existência de uma via por baixo de um viaduto, as "redes" devem não só proteger os peões que transitam no tabuleiro do mesmo mas também impedi-los de praticar atos que lesem aqueles que circulam na via por baixo desse mesmo viaduto, designadamente por via do arremesso de pedras ou outros objetos.
15. As redes colocadas no arruamento em causa, em 2000, aquando da sua construção, não permitem proteger a circulação no IC19, pelo que, as entidades responsáveis pelo mesmo não cumpriram as obrigações de fiscalização das infra-estruturas rodoviárias.
16. Assim, o Município da Amadora não cumpriu o seu dever de fiscalização, mediante a aplicação de redes adequadas.
17. A responsabilidade pela colocação das redes adequadas e a sua fiscalização não cabe à concessionária mas sim a tal Município, ou então às Estradas de Portugal EP pois foram estas entidades que não cumpriram o seu dever de vigilância e de segurança tal como decorre da Lei das Autarquias Locais e da Lei 24/2007. (cfr por todos Ac. do TAC Norte de 1.7.2010, tirado no processo 00199/07.5BEPNF que pode ser consultado em www.dgsi.pt.
18. A ora Recorrente e a sua segurada, A........ Grande Lisboa, provaram, em termos razoáveis e médios, que cumpriram os seus deveres de fiscalização da via e que não foi por qualquer ação ou omissão daquela segunda ou dos seus propostos que o ocorreu acidente com a viatura do Autor.
19. Termos em que a sentença deve ser revogada por que ilegal por infração ao disposto nos artigos 483° e 487° do Código Civil, do artigo 2° da Lei 2110 de 19.08.1961 e do art°32° da Lei das Autarquias Locais e substituída por uma outra que absolva a Recorrente e a sua segurada do pedido.
20. O Recorrido pediu a condenação da Recorrente e A........ Grande Lisboa no pagamento da quantia de € 16.300,00, sendo que € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais e€ 11.300,00 a título de danos patrimoniais, formulando um pedido líquido mas não logrou fazer prova desse mesmo montante líquido.
21. Os danos que o Recorrido alegou, mas não provou, eram perfeitamente determináveis e, a terem ocorrido, poderiam, facilmente, ter sido provados no âmbito deste processo e não relegados para liquidação em execução de sentença.
22. Se o Recorrido peticionou um valor líquido, a verdade é que podia e devia até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento provar como apurou tal valor, pois, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, " aquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado" (art. 342° n°1 do Código Civil).
23. O art.569° do Código Civil permite expressamente a formulação de pedidos genéricos, a liquidar posteriormente, mas neste caso não estamos perante um pedido ilíquido e dificilmente determinável, enquanto que, nos termos do disposto no art.661°, n°2, do C.P.Civil, "se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que seja já líquida".
24. Nos termos do disposto no art. 564°, n°2, do Código Civil "na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior".
25.Da conjugação destes preceitos resulta que, para que o Tribunal relegue, para decisão ulterior a fixação do montante da indemnização referente a certos danos, é sempre necessário que se alegue e faça prova, na ação, da sua existência, embora não seja, nesse momento, ainda, possível, a sua quantificação do seu exato montante.
26.Neste sentido a jurisprudência tem entendido, em termos que se afiguram pacíficos que: "A liquidação em execução de sentença só é possível quando o autor desconhece as consequências do facto ilícito por não serem conhecidas ainda ou estarem ainda em resolução ao tempo da propositura da ação" (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.9.97, in BMJ 469., pág. 655., Acórdão do mesmo Tribunal de 16.2.98, in BMJ n.° 474, pág. 550, Acórdão do STJ de 26.09.95 (BMJ, 449, p.293),
27. Seguindo este mesmo entendimento o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2006 considerou que "resulta claramente do disposto do art.662° n°2 do CPC, que só quando não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade do pedido é que será lícito remeter-se para liquidação em incidente ou em execução de sentença, mas essa falta de elementos deverá resultar não do fracasso da prova, na ação declarativa, sobre o objeto ou quantidade, mas sim como consequência de ainda não se conhecerem, com exatidão, as unidades componentes da universalidade ou ainda não se terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da ação declarativa, como acontece, por exemplo, nos acidentes de viação de que resultam ferimentos graves de difícil ou morosa recuperação, mas que não é, obviamente, o gizado nos presentes autos.
28. No caso dos presentes autos, todos os factos e danos alegadamente ocorreram antes da ação declarativa ter sido proposta tendo o Recorrido ao seu dispor todos os elementos para fazer prova dos factos por si articulados.
29. Ainda de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdão em 29.09.1997, pelo qual" a liquidação em execução de sentença só é possível quando o autor desconhece as consequências do facto ilícito, por não serem ainda conhecidas ou estarem em resolução ao tempo da propositura da ação, sendo violadora do princípio do caso julgado a decisão que remeta para a execução de sentença, quando o autor, não obstante formular o pedido, não consegue provar as consequências do facto danoso" (em BMJ, 469, p. 655).
30. De acordo, com este entendimento cumpre concluir que apenas na hipótese de os danos invocados judicialmente se encontrarem por qualquer forma em evolução, ainda que não estabilizados, será admissível recorrer ao mecanismo previsto no n°2 do art.661° do Código de Processo Civil, o que manifestamente não é a hipótese em apreço.
31. Tendo em consideração que o Recorrido peticiona nos presentes autos a quantia de € 11.300,00, sendo que € 4.500,00 corresponde a três meses de vencimento acrescido de € 6.800,00 pela perda do veículo, tratando-se, portanto, de danos de natureza patrimonial matematicamente contabilizáveis, o chamamento à colação do disposto na sobredita disposição consubstanciaria a atribuição ao mesmo de uma desproporcional e infundada prerrogativa de replicar - provavelmente com o mesmo insucesso - todo o procedimento e diligências probatórias efetuadas nos presentes autos.
32. Quanto aos danos não patrimoniais na esteira do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 31.03.2004, "só não sendo possível o recurso à equidade é que se pode recorrer à liquidação de sentença dos prejuízos, caso não haja elementos para fixar o objeto ou a quantidade" (em www. dgsi.pt).
33. Daqui que, salvo diferente opinião, se deve entender que a douta sentença nunca poderia ter relegado para execução a liquidação de danos. Ao decidir como decidiu, violou, a douta sentença o disposto no n°2 do art. 661 do Código de Processo Civil e no n°2 do art.564° do Código Civil, pelo que a sentença deve ser revogada e substituída por uma outra que fixe os montantes da indemnização de acordo com a prova produzida na audiência de discussão e julgamento.
Termos em que:
Tendo o presente recurso ser julgado procedente, e por via disso ser a sentença Recorrida revogada e substituída por outra que absolva a ora Recorrente e a A........ do pedido, como é inteira JUSTIÇA!»

O Recorrido, contra-alegou, aí concluindo como segue:

«1 - O disposto no art.661, 2, C.P.C, tanto se aplica ao caso do A. ter inicialmente formulado pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como no caso de ter logo formulado pedido específico, mas não se chegou a coligir dados suficientes para se fixar com precisão e segurança o objecto ou a quantidade da condenação, razão pela qual nada obste que a sentença condene em quantia a liquidar em execução de sentença.
2- a R. A........, como concessionária do IC 19, tinha o dever de vigilância e segurança do Viaduto do Alto da Amadora,
3 - que não cumpriu,
4 - pelo que é responsável pelo danos ocorridos em consequência do acidente dos autos.
5 - Não foram violadas quaisquer disposições legais.

Termos em que, deve a apelação ser julgada improcedente, mantendo-se sentença recorrida, com as legais consequências.»

*
O DMMP junto deste tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº1 do CPTA, mas remeteu-se ao silêncio.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO

2. 1 DOS FACTOS

A decisão recorrida deu com assente, e, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:

«A) No dia 19.08.2009, pelas 22h 20m, o A. conduzia o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca «Peugeot 406», matricula …………………, de que é dono, pelo Itinerário Complementar (IC) 19, designada pela Radial de Sintra, no sentido Lisboa - Sintra - resposta à matéria do Art 1° da petição inicial/ arts27° e 30° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
B) Ao chegar ao km 4 (ponto quilométrico 3+950) do mesmo IC 19, ao passar por baixo da passagem aérea que é o viaduto do Alto da Amadora que atravessa/transpõe aquele IC, o seu veículo foi atingido por uma pedra - resposta à matéria do Artº2° da petição inicial/ arts30° e 32° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora,
C) com mais de 1,5 kg de peso - resposta à matéria do Artº3° da petição inicial,
D) que alguém desconhecido arremessou do referido viaduto – Artº4° da petição inicial/ artº33° da contestação da Ré/ artº17° da contestação da Seguradora,
E) e que embateu no lado superior esquerdo do para-brisas do seu veículo -resposta à matéria do Artº5° da petição inicial,
F) que partiu e entrou no mesmo - resposta à matéria do Artº6° da petição inicial,
G) tendo atingido o Autor na testa e olho esquerdo - resposta à matéria do Artº7° da petição inicial,
H) perdendo o Autor a consciência - resposta à matéria do Artº8° da petição inicial,
I) tendo o veículo, completamente desgovernado e descontrolado, ido embater noutros veículos que seguiam à sua frente (um Rover RT45 com matrícula ……………… e uma carrinha Renault com matrícula ……………) - resposta à matéria do Artº9° da petição inicial/ artsº37° e 38° da contestação da Ré/ art 10° da contestação da Seguradora,
J) imobilizando-se, por fim, a cerca de 200m do referido Viaduto, junto ao rail de proteção sito no lado direito atento o seu sentido de marcha - resposta à matéria do Artº10° da petição inicial.
K) O Viaduto do Alto da Amadora é uma via em que circulam veículos automóveis e peões e que atravessa/transpõe longitudinalmente o IC 19, sendo ladeado por gradeamentos de proteção em ferro laterais (guardas de proteção) - resposta à matéria do Artº11° da petição inicial/ artº13° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora,
L) compostos por 3 barras horizontais: uma inferior que dista 12cm do solo; uma intermédia a 60 cm desta; e outra superior a 15 cm da intermédia - resposta à matéria do Artº12° da petição inicial,
M) existindo apenas entre as barras intermédias e as inferiores, barras verticais paralelas com 18 cm de intervalo entre si - resposta à matéria do Artº13° da petição inicial.
N) Tais guardas de proteção são desprovidas de qualquer malha de vedação resposta à matéria do Artº14° da petição inicial/ artº12° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora,
O) sendo a sua altura total de 1,10m - resposta à matéria do Artº15° da petição inicial/ artº11° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
P) O lanço rodoviário em questão apresenta piso em betão betuminoso e em bom estado de conservação - resposta à matéria do Artº23° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
Q) O IC 19, após o Viaduto do Alto da Amadora e no sentido Lisboa - Sintra, apresenta-se com uma inclinação descendente - resposta à matéria do Artº17° da petição inicial/ artº31° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
R) O IC 19 faz parte da rede nacional complementar de estradas-itinerário complementar, integrando a rede nacional de auto estradas, conforme resulta do disposto nos art.º4° e 5° do DL n° 222/98, de 17.7, que aprovou o Plano Rodoviário Nacional (P.R.N.), designadamente das listas II e IV anexa ao referido decreto - resposta à matéria do Artº17° da petição inicial.
S) O DL n°242/2006, de 28.12, aprovou as bases da concessão da conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Grande Lisboa - resposta à matéria do Artº20° da petição inicial/ artº14° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
T) A concessão foi atribuída à Ré (artº2° do citado diploma) - resposta à matéria do Artº21° da petição inicial/ artº15° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora).
U) Por Resolução do Concelho de Ministros n°171/2006, de 14.12, publicada no Diário da República, 1ª série, de 29.12.2006, foi aprovada a minuta do referido contrato de concessão, retificada pela Declaração de Retificação n° 4-A/08, de 5.1, publicada no Diário da República, 1a série, de 9.1. - resposta à matéria do Artº22° da petição inicial/ artsº16° e 17° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
V) A 10.1.2007 foi celebrado o contrato de concessão entre o Estado Português e a Ré Artº23° da petição inicial/ artº18° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
W) Nos termos da Base II, n°4, al d) do DL n°242/06, integra o objeto da concessão, para efeitos de exploração e conservação, sem cobrança de portagem aos utentes, o lanço de auto-estrada e conjunto viário A 37/IC 19 Buraca (IC 17) - Ranholas (IC 30) - resposta à matéria do Artº24° da petição inicial/ artº19° da contestação da Ré/artº10° da contestação da Seguradora.
X) O IC 19 faz parte da concessão explorada e mantida pela Ré - resposta à matéria do Artº24° da petição inicial/ artº21° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
Y) O Viaduto do Alto da Amadora integra também a concessão explorada e mantida pela Ré, conforme mapa junto como doc n°8 com a contestação da Ré, cujo conteúdo legal se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (vide tracejado a azul) - resposta à matéria do Artº22° da contestação da Ré/artº10° da contestação da Seguradora.
Z) Auto-estrada é definida como "secção corrente, nós de ligação e conjuntos viários associados que integram o objeto da Concessão" (Base I, n°1, al g) - resposta à matéria do Art.º25° da petição inicial.
AA) Estipula a Base V do citado diploma legal, sob a epígrafe «Estabelecimento e bens que integram a Concessão», o seguinte:
1 - O estabelecimento da Concessão é composto:
a) Pela Auto - Estrada;
b).......
2 - Integram a Concessão, para além do estabelecimento da Concessão...os nós de ligação, as obras de arte.... - resposta à matéria do Artº26° da petição inicial.
BB) Estipula a Base VII do mesmo diploma sob a epígrafe «Delimitação física da Concessão» que integram a concessão para efeitos de conservação e exploração, os nós de ligação e os troços de estrada que completarem os nós de ligação (n°3), e todas as obras de arte de transposição da Auto-estrada, mesmo que não sejam construídas pela Concessionária...». (n°7) - resposta à matéria do Artº27° da petição inicial.
CC) A Concessionária, ora R., tem o dever de manutenção, conservação, fiscalização e vigilância do IC 19 (Base XLIV, n°1 e 4 do D.L.242/06) -resposta à matéria do Artº28° da petição inicial.
DD) A Base XLIV dispõe que: " 1- A Concessionária obriga-se a manter, durante a vigência do contrato de Concessão e a expensas suas, a Auto-estrada e os demais bens que constituem o objeto da Concessão em bom estado de funcionamento, utilização, conservação e segurança, nos termos e disposições aplicáveis do presente Contrato, realizando, nas devidas oportunidades, as reparações, renovações e adaptações que, de acordo com as mesmas disposições, para o efeito se tornem necessárias e bem assim todos os trabalhos e alterações necessários para que o concessionado satisfaça cabal e permanentemente o fim a que se destina" - resposta à matéria do Artº30° da petição inicial.
EE) O Autor vive da actividade que exerce, de intermediário, comprando para terceiros imóveis em vendas judiciais e fiscais, auferindo quantia mensal não apurada - resposta à matéria do Artº33° da petição inicial.
FF) Em consequência do referido acidente, o Autor foi transportado para o Hospital S. Francisco Xavier, onde lhe foi diagnosticado traumatismo da região periorbitária esquerda, com perda de conhecimento e fratura da grande asa do esfenoide à esquerda, coaptada - resposta à matéria do Art 34° da petição inicial.
GG) Esteve mais de 15 dias sem poder sair de casa e dependente de terceiros, para comer, beber, receber tratamento várias vezes por dia - resposta à matéria do Artº35° da petição inicial.
HH) Só ao fim de três meses retomou a sua vida de trabalho - resposta à matéria do Artº36° da petição inicial.
II) O Autor suportou imensas dores bem como muita preocupação, sendo grande a sua angústia, revolta e sofrimento - resposta à matéria do Artº37° da petição inicial,
JJ) irritação e aborrecimento com a perda de tempo causados e ainda pelo facto de não poder circular com a sua viatura, dada a perda total da mesma, tanto na sua atividade profissional como nos momentos de lazer - resposta à matéria do Artº38° da petição inicial.
KK) Desde o acidente o Autor sofre dores de cabeça acompanhadas de um mal-estar com agonias, vómitos e perdas de equilíbrio, o que tem vindo a diminuir com o tempo, mas ainda sente e pode sentir para toda a vida, por isso, continua medicado - resposta à matéria do Artº39° da petição inicial.
LL) O veículo QA sofreu danos na sua parte dianteira, conforme fotos juntas como doc n°19 com a contestação da Ré, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - resposta à matéria do Artº39° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
MM) O veículo QA tinha à data do acidente um valor comercial não apurado -resposta à matéria do Artº42° da petição inicial.
NN) Os danos por ele sofridos tinham um custo de reparação não apurado -Artº43° da petição inicial.
OO) O veículo foi considerado perda total, tendo o A. vendido o mesmo por €1.100,00 - resposta à matéria do Artº45° da petição inicial.
PP) A 1.9.2009 o A. comunicou à R. o referido acidente bem como o local onde estava a sua viatura, solicitando que esta assumisse a responsabilidade do acidente - resposta à matéria do Artº47° da petição inicial,
QQ) o que esta negou - resposta à matéria do Artº48° da petição inicial,
RR) tendo o Mandatário do A. por carta de 23.10.2009 solicitado à R. o informasse qual a seguradora que cobria o evento - resposta à matéria do Artº49° da petição inicial,
SS) tendo a mesma respondido nos termos da carta que se junta como doc n°26 da petição inicial - resposta à matéria do Artº50° da petição inicial.
TT) A Ré é uma sociedade anónima que tem por objeto "o exercício, em regime de concessão de obra pública, das atividades de: a) Conceção, projeto, construção, aumento de vias, financiamento, conservação e exploração, com cobrança de portagem aos utentes, dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, identificados como A16/IC16 Nó da Crel (IC 18) - Lourel (IC30) e A16/IC30 Ranholas (IC19) - Linho (EN9); b) Conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração, com cobrança de portagem aos utentes, exceto ao tráfego local, do lanço de auto-estrada, e conjuntos viários associados, identificado como A16//IC30 Linho (EN9) - Alcabideche (IC15); c) Exploração, conservação e aumento do número de vias, com cobrança de portagem aos utentes, exceto ao tráfego local, do lanço de auto-estrada, e conjuntos viários associados, identificado como A16//IC30 Lourel (IC16) - Ranholas (IC19); d) Exploração e Conservação, sem cobrança de portagem aos utentes, dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, identificados como A16/IC16 Lisboa (IC17) - Nó de Belas (IC18), A30/IC2 Sacavém (IP1) - Santa Iria de Azóia (IP1), A36/IC17 Algés - Sacavém (IP1) A37/IC19 Buraca (IC17) - Ranholas (IC30), A40/IC22 Olival Basto (IC17) - Montemor (IC18) e IP7 - Eixo Rodoviário Norte-Sul" - resposta à matéria do Art 8° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora e certidão do registo comercial, junta como Doc1 com a contestação da Ré e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais).
UU) Em março de 2000, foi inaugurado o Viaduto do Alto da Amadora pela Câmara Municipal da Amadora - resposta à matéria do Artº9° da contestação da Ré/artº10° da contestação da Seguradora.
VV) A sua construção foi realizada pela EP - Estradas de Portugal, S.A. -resposta à matéria do Artº10° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
WW) De acordo com o Manual de Operação e Manutenção, os funcionários da Ré deverão passar de 3 em 3 horas em cada local dos lanços rodoviários que integram a Concessão (cfr. ponto 5 do doc n°9 junto com a contestação da Ré) -resposta à matéria do Artº24° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
XX) Em 19.08.2009 (data do sinistro), o lanço rodoviário IC19 foi patrulhado diversas vezes pela ora Ré, em consonância com o Manual de Operação e Manutenção da Auto-estrada, aprovado pelo Concedente - resposta à matéria do Artº25° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
YY) Pelas 16:20 e 20:45, passou uma carrinha da Concessionária no local do "futuro" sinistro e nenhuma anomalia fora verificada e comunicada à Central de Comunicações - cfr. Relatório de Patrulhamento do CAM - Central de Comunicações de 19.08.2009, junto como doc n°10 com a contestação da Ré, cujo conteúdo se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (resposta à matéria do Arts 26° e 29° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora).
ZZ) O sinistro foi participado à Polícia de Segurança Pública Comando Metropolitano de Lisboa (Divisão de Trânsito de Lisboa - Esquadra de Sinistralidade Rodoviária), que compareceu no local e elaborou o correspondente Auto de Participação de Acidente, pese embora o acidente não tenha sido presenciado pelo agente que o elaborou ("Relativamente às causas que levaram à produção do acidente as mesmas serão averiguadas em sede de inquérito") - resposta à matéria do Arts 46° e 47° da contestação da Ré/ artº12° da contestação da Seguradora.
AAA) No local do sinistro esteve também presente um funcionário da ora Ré -resposta à matéria do Artº48° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
BBB) A ora Ré celebrou um contrato de seguro com a A…………Europe, S.A. Sucursal em Portugal, atual …………………… S.A - Sucursal em Portugal conforme consta da Apólice n°…………………., datada de 11.01.2009, junta como doc n°20 com a contestação da Ré e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - resposta à matéria do Artº79° da contestação da Ré/ artº1° da contestação da Seguradora.
CCC) A referida apólice abrange a "Exploração, operação e conservação dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados já construídos e/ou em serviço desde o início da Concessão da Grande Lisboa: (...) A37/IC19 - Buraca (IC17) - Ranholas (IC30), com a extensão de 15,8 km" (cláusula 2a do doc n°20) - resposta à matéria do Artº80° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora.
DDD) Nos termos das Condições Particulares, foi convencionado que, na anuidade de 2009/2010, por cada sinistro participado, a Corre A........ Grande Lisboa, segurada da ora Interveniente, suportaria uma franquia de €3.000 -resposta à matéria do Artº2° da contestação da Seguradora.

Consta ainda da sentença recorrida que «Não se consideram provados outros factos com relevância para a decisão a proferir.»

*

3- MOTIVAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos de acção administrativa comum, sob a forma sumária, vem o Autor pedir a condenação da Ré, A……………. Grande Lisboa – Auto-estradas da Grande Lisboa, S.A., no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação ocorrido no IC 19 na sequência de ter sido atingido por uma pedra arremessada do Viaduto do Alto da Amadora.
Nos termos e com os fundamentos fáctico-jurídicos supra expostos, a na sentença sob recurso julgou-se procedente a acção e, em consequência:
a) Reconheceu-se ao Autor o direito a ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente que o vitimou, no dia 19.8.2009, pelas 22h 20m, quando conduzia o seu veículo automóvel pelo IC 19;
b) Condenou-se a ………………… S.A - Sucursal em Portugal, a pagar ao Autor o montante indemnizatório, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento, deduzida a quantia de € 3.000,00 relativa à franquia por participação do sinistro;
c) Condenou-se a Ré A…………. Grande Lisboa, S. A. a pagar ao Autor o valor dos danos patrimoniais e não patrimoniais que vier a ser liquidado e couber no montante de € 3.000,00, relativo à franquia por participação do sinistro.
As Recorrentes A………….. e Companhia de Seguros não se conformam com o assim fundamentado e decidido, pedindo, antes de tudo, a “revisão” do julgamento da matéria de facto, em especial no que respeita ao "Art.º22 da contestação da Ré / art.10° da contestação da seguradora" (despacho judicial datado de 04.10.2011) pela seguinte ordem substancial de razões:
-O Tribunal recorrido, atendendo à prova produzida na audiência de discussão e julgamento (depoimento das testemunhas da recorrente e certidão da Câmara Municipal da Amadora) e uma vez que foi cumprido o disposto no art.264° n°3 do CPC, deveria ter dado uma resposta com conteúdo explicativo ao referido quesito;
-O tribunal recorrido teve em conta a certidão da Câmara Municipal da Amadora junta aos autos, mas sem que tivesse retirado todas as ilações do mesmo olvidando que as competências atribuídas por lei às câmaras municipais são irrenunciáveis e inalienáveis;
-Uma estrada municipal serve essencialmente os cidadãos desse espaço territorial de uma câmara municipal e os interesses prosseguidos por esta pessoa colectiva pública, razão pela tem de ser vigiada e protegida (através da instalação de redes/vedações) por essa mesma entidade;
-Uma estrada municipal não integra a concessão explorada e mantida pela ora Recorrente, a qual termina nos nós de ligação (Base V do Contrato de Concessão), não tendo esta qualquer obrigação de vigiar ou instalar vedações em vias rodoviárias que não integram tal concessão.
Contra a alteração da matéria de facto nesses termos se insurge o A e ora recorrido sustentando que da certidão junta pela CM resulta que o IC 19 faz parte da concessão explorada e mantida pela Ré - resposta à matéria do Artº24° da petição inicial/ artº21° da contestação da Ré/ artº10° da contestação da Seguradora e que o Viaduto do Alto da Amadora integra também a concessão explorada e mantida pela Ré, conforme mapa junto como doc n°8 com a contestação da Ré, cujo conteúdo legal se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (vide tracejado a azul) - resposta à matéria do Artº22° da contestação da Ré/artº10° da contestação da Seguradora.
Como diz ainda o recorrido, a recorrente pretende cindir/dividir o VIADUTO em questão em duas partes: o tabuleiro/arruamento que o encima que não é sua responsabilidade e a restante obra de arte, que o é, mas a certidão camarária junta aos autos leva à conclusão lógica, que tal asserção não pode ser feita e não tem suporte, antes pelo contrário, resulta da mesma que o VIADUTO, enquanto um todo, não integra o arruamento municipal.
Daí a conclusão extraída pelo recorrido: não há que alterar a resposta ao quesito 22° da contestação da A........ e 10º da interveniente, nomeadamente com o aditamento explicativo proposto.
Vejamos, então, se o tribunal a quo fundamentou a sua decisão num pressuposto de facto errado que veio a influenciar a posterior apreciação jurídica, sendo que na resposta definitiva a esta questão ditará a sorte do recurso nas várias outras vertentes.
E a razão parece estar do lado do A. e do julgador pois da análise da certidão junta pela CM resulta que o IC 19 faz parte da concessão explorada e mantida pela Ré (da conjugação do teor do Artº24° da petição inicial, com o do artº21° da contestação da Ré, a que no artº10° da contestação da Seguradora adere, capta-se, até uma “confissão” das Rés) no sentido de que o Viaduto do Alto da Amadora integra também a concessão explorada e mantida pela Ré, conforme mapa junto como doc n°8 com a contestação da Ré, cujo conteúdo legal se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (vide tracejado a azul) - resposta à matéria do Artº22° da contestação da Ré/artº10° da contestação da Seguradora.
Ademais, embora seja matéria de direito que não devesse ser “levada” ao probatório, das alíneas R) a DD) é veraz que IC 19 faz parte da rede nacional complementar de estradas-itinerário complementar, integrando a rede nacional de auto estradas, conforme resulta do disposto nos art.º4° e 5° do DL n° 222/98, de 17.7, que aprovou o Plano Rodoviário Nacional (P.R.N.), designadamente das listas II e IV anexa ao referido decreto
Depois, é importante atentar no DL n°242/2006, de 28.12, que aprovou as bases da concessão da concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Grande Lisboa e não restam dúvidas de que a concessão foi atribuída à Ré.
Com efeito, ao abrigo do artº2° desse diploma através de Resolução do Concelho de Ministros n°171/2006, de 14.12, publicada no Diário da República, 1ª série, de 29.12.2006, foi aprovada a minuta do referido contrato de concessão, rectificada pela Declaração de Rectificação n° 4-A/08, de 5.1, publicada no Diário da República, 1a série, de 9.1, havendo, a 10.1.2007, sido celebrado o contrato de concessão entre o Estado Português e a Ré.
Nos termos da Base II, n°4, al d) do DL n°242/06, integra o objecto da concessão, para efeitos de exploração e conservação, sem cobrança de portagem aos utentes, o lanço de auto-estrada e conjunto viário A 37/IC 19 Buraca (IC 17) - Ranholas (IC 30).
Ora, como já se disse, o IC 19 faz parte da concessão explorada e mantida pela Ré e sendo certo que o Viaduto do Alto da Amadora integra também a concessão explorada e mantida pela Ré, conforme mapa junto como doc n°8, releva ainda para o caso a definição de Auto-estrada como "secção corrente, nós de ligação e conjuntos viários associados que integram o objecto da Concessão" (Base I, n°1, al g).
Enfatize-se ainda que a Base V do citado diploma legal, sob a epígrafe «Estabelecimento e bens que integram a Concessão», estabelece:
1 - O estabelecimento da Concessão é composto:
a) Pela Auto - Estrada;
b).......
2 - Integram a Concessão, para além do estabelecimento da Concessão...os nós de ligação, as obras de arte.... - resposta à matéria do Artº26° da petição inicial.
Por seu turno, explicita-se na Base VII do mesmo diploma sob a epígrafe «Delimitação física da Concessão» que integram a concessão para efeitos de conservação e exploração, os nós de ligação e os troços de estrada que completarem os nós de ligação (n°3), e todas as obras de arte de transposição da Auto-estrada, mesmo que não sejam construídas pela Concessionária...». (n°7)l.
Por seu lado, a Concessionária, ora R., tem o dever de manutenção, conservação, fiscalização e vigilância do IC 19 (Base XLIV, n°1 e 4 do D.L.242/06)
E, por força da Base XLIV " 1- A Concessionária obriga-se a manter, durante a vigência do contrato de Concessão e a expensas suas, a Auto-estrada e os demais bens que constituem o objecto da Concessão em bom estado de funcionamento, utilização, conservação e segurança, nos termos e disposições aplicáveis do presente Contrato, realizando, nas devidas oportunidades, as reparações, renovações e adaptações que, de acordo com as mesmas disposições, para o efeito se tornem necessárias e bem assim todos os trabalhos e alterações necessários para que o concessionado satisfaça cabal e permanentemente o fim a que se destina" - resposta à matéria do Artº30° da petição inicial.
Em suma e como consta da fundamentação jurídica da sentença:
-Resulta do Decreto-Lei n° 242/2006, de 28.12, que aprovou as bases da concessão da conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Grande Lisboa à Ré, Lusolisboa - Auto Estradas da Grande Lisboa, S.A. (atualmente A........ Grande Lisboa, Auto Estradas da Grande Lisboa, S.A.), que a via em que ocorreu o acidente - IC 19 - integra o objeto da concessão tendo a natureza de auto estrada, conforme decorre da análise combinada do provado em W) e X), e Z) e BB), respetivamente.
Mais resultou provado que o Viaduto do Alto da Amadora (tecnicamente designado como obra-de-arte especial) do qual foi arremessada a pedra que atingiu o veículo QA em que seguia o Autor, também integra a concessão - cfr. ais. Y) e AA).
Relativamente aos elementos objeto da concessão recai sobre a concessionária o dever de manter, a expensas suas, o bom estado de funcionamento, utilização, conservação e segurança, realizando, nas devidas oportunidades, as reparações, renovações e adaptações que, de acordo com as mesmas disposições, para o efeito se tornem necessárias e bem assim todos os trabalhos e alterações necessários para que o concessionado satisfaça cabal e permanentemente o fim a que se destina - ai. DD) do probatório (sublinhado nosso).
Do que vem dito, decorre com clareza e segurança que, por força do regime legal da concessão em apreço e como se demonstrou na sentença, o IC 19 faz parte da concessão explorada e mantida pela Ré, não havendo razão para alterar a resposta ao quesito 22° da contestação da A........ e 10º da interveniente, nomeadamente com o aditamento explicativo proposto, o que vale por dizer que a decisão sob escrutínio não merece a censura que se analisa e lhe foi desferida pela Ré a interveniente.
Improcedem, pois, os recursos nessa parte, o que importa que, de seguida, se aquilate e a sentença errou quanto à interpretação e aplicação das normas jurídicas convocadas pelo caso concreto.
*

O tribunal a quo fundamentou assim o decidido:
“…
As questões que se impõe ao tribunal resolver são:
a) Aferir da possibilidade legal de responsabilizar a Ré pelo acidente e, em caso afirmativo,
b) Determinar o montante da indemnização devida ao Autor.
Vejamos, então.
(…)
Atendendo ao modo como o Autor configura a causa, o facto eventualmente gerador da responsabilidade tem a natureza de comportamento omissivo, uma vez que alega que a Ré, enquanto concessionária, não cumpriu os seus deveres de vigilância, designadamente porque não colocou malhas de proteção no Viaduto do Alta da Amadora, de modo a impedir que fosse arremessada a pedra que atingiu o seu veículo, causando o acidente, facto este (comportamento omissivo) que vem provado nos autos no cotejo das als. K) a O) do probatório, onde se diz que o Viaduto é ladeado por gradeamentos de proteção em ferro, sendo a sua altura de 1,10m.
Sobre a ilicitude dispõe o artigo 9° do RRCEE, cuja formulação abrange a violação de deveres de cuidado.
No entendimento do Autor, a ilicitude decorre do incumprimento do dever de vigilância, dever esse que resulta diretamente das normas constantes da concessão, maxime da Base XLIV, de acordo com a qual a concessionária se obriga a manter o objeto da concessão em bom estado de funcionamento, utilização, conservação e segurança, para que o concessionado satisfaça o fim a que se destina - cfr. al. DD) dos factos provados. A este pressuposto da responsabilidade voltaremos, de seguida, juntamente com a análise do pressuposto da culpa.
Centremo-nos então na culpa, que assenta na imputação do facto ao agente, através de um juízo de censura por falta da diligência devida.
Nos presentes autos suscita-se a questão de saber se, num sinistro como o ocorrido, por arremesso de uma pedra de uma via superior àquela em que circulava o lesado [cfr. os factos provados em B) a J)], a concessionária é responsável pelos danos daí advenientes.
Resulta do Decreto-Lei n° 242/2006, de 28.12, que aprovou as bases da concessão da conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, manutenção e exploração dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Grande Lisboa à Ré, Lusolisboa - Auto Estradas da Grande Lisboa, S.A. (atualmente A........ Grande Lisboa, Auto Estradas da Grande Lisboa, S.A.), que a via em que ocorreu o acidente - IC 19 - integra o objeto da concessão tendo a natureza de auto estrada, conforme decorre da análise combinada do provado em W) e X), e Z) e BB), respetivamente.
Mais resultou provado que o Viaduto do Alto da Amadora (tecnicamente designado como obra-de-arte especial) do qual foi arremessada a pedra que atingiu o veículo QA em que seguia o Autor, também integra a concessão - cfr. ais. Y) e AA).
Relativamente aos elementos objeto da concessão recai sobre a concessionária o dever de manter, a expensas suas, o bom estado de funcionamento, utilização, conservação e segurança, realizando, nas devidas oportunidades, as reparações, renovações e adaptações que, de acordo com as mesmas disposições, para o efeito se tornem necessárias e bem assim todos os trabalhos e alterações necessários para que o concessionado satisfaça cabal e permanentemente o fim a que se destina – al. DD) do probatório (sublinhado nosso).
Não obstante o enquadramento acabado de descrever, entendem a Ré e a Interveniente que à concessionária apenas cabe vigiar e garantir a manutenção da "obra-de-arte", enquanto estrutura integrada na concessão, e não o arruamento que passa por cima, que é da responsabilidade do Município da Amadora, sendo da sua competência, e não da concessionária, a adequação do "guarda-corpos" e eventual malha de proteção na lateral do viaduto onde se encontra o arruamento.
Já o Autor entende que o arruamento denominado Avenida Aero Club de Portugal, de acordo com a certidão emitida pela Câmara Municipal da Amadora, junta aos autos no decurso da audiência de julgamento, é municipal, mas que o mesmo "engloba o viaduto sobre o IC 19, o qual foi denominado por Viaduto Aero Club de Portugal, que se julga encontrar sob jurisdição das Estradas de Portugal, SA, e portanto responsável pela conservação e exploração", o que significa que o viaduto não é da responsabilidade camarária.
A determinação da responsabilidade pela vigilância do Viaduto do qual foi arremessada a pedra a que se referem as als. B) e C) dos factos provados assume a maior relevância uma vez que só concluindo pela responsabilidade da Ré fará sentido avançar na aferição da culpa.
A conservação, reparação e polícia das estradas e caminhos municipais tem o seu regime legal definido na Lei n° 2110/1961, de 19.08, cujo art. 2°, n°1, na redação do Decreto-Lei n° 360/77, 01.09, determina que se trata de atribuições das câmaras municipais, atribuições que se encontram também espelhadas no art. 64°, n° 2, al, f) da Lei das Autarquias Locais (Lei n° 169/99, de 18.09). O art. 32° da mesma lei dispõe que "A plataforma das vias municipais será protegida em todos os locais que ofereçam perigo para o trânsito por meio de resguardos apropriados, tais como ... redes".
Fazendo uso das regras sobre interpretação de normas, constantes do art. 9° do CC, alcança-se que aquilo que o legislador quis colocar sob a alçada dos municípios, em termos de conservação, reparação e fiscalização, ou vigilância, foi, tão só, a via ou arruamento municipal, devendo acautelar que a mesma se encontra em condições para que os seus utilizadores, peões e veículos, aí circulem em condições de segurança e comodidade, tomando todas as medidas necessárias nesse sentido. O mesmo é dizer que cabe ao município assegurar que as vias municipais se encontram em condições de cumprir a finalidade para que foram construídas.
Assim, considerando que por cima da "obra de arte" que faz parte do objeto da concessão existe um arruamento que pertence à freguesia da Venteira, concelho da Amadora, em termos de construção de uma vedação naquela passagem aérea, o objetivo primeiro há de ser a proteção relativamente à queda de pessoas que por ela transitem.
É por isso que a maior parte dos gradeamentos das pontes e viadutos têm uma altura inferior à de um homem normal e têm entre cada uma das grades um espaço grande, embora não permissivo à passagem de um corpo humano. Na sua generalidade, as guardas laterais têm características muito idênticas àquela que se encontra no viaduto do qual foi arremessada a pedra que foi atingir o veículo do Autor e o próprio Autor [cfr. os factos de K) a O)].
A variável que vem pôr em causa esta realidade é o facto de por baixo da passagem aérea não passar um rio ou não existir um vale, v.g., mas sim uma via com as características de auto estrada, a que é inerente a frequência de passagem de veículos automóveis ligeiros de passageiros sem reboque a 100 Km/ h (art 27° do Código da Estrada, aprovado pelo DL nç 114/94, de 3.5, na redação dada pelo DL n° 44/05, de 23.2).
Ora, o facto de, por baixo da "obra de arte" que suporta o arruamento municipal, existir um itinerário complementar não pode funcionar como uma agravante para os deveres de vigilância do município.
Fazer recair sobre o município os encargos inerentes ao isolamento da via municipal em relação ao itinerário complementar que passa por baixo seria equivalente a operar uma transferência de competências e responsabilidades da concessionária para o município. Não foi isso que o legislador pretendeu.
Perscrutando as normas da Lei 2110/1961 e aquelas que resultam das Bases da Concessão, designadamente a que atrás sublinhámos (Base XLIV), não podem restar dúvidas que ao município cabe zelar pela utilização das estradas e caminhos que se encontram sob a sua jurisdição, em condições de segurança para os seus utentes, adotando as medidas necessárias à prossecução dessa finalidade concreta, e que, por sua vez, a concessionária da IC19 tem o dever de manter, a expensas suas, o bom estado de funcionamento e segurança do objeto concessionado, realizando, as adaptações que, para o efeito, se tornem necessárias.
A ser de outro modo existiriam implicações não só do ponto de vista da responsabilidade, de relevância determinante no caso, mas também financeiras, na medida em que o município se veria na contingência de ter de despender de recursos seus, naturalmente direcionados à prossecução das suas atribuições, com a prossecução de atribuições de outra entidade.
No sentido de que foi esta a mens legislatoris, e independentemente de se aplicar ou não no presente caso, atentos os seus pressupostos de facto (o que se verá se seguida), vai o disposto na al. a) do art.º12° da Lei n°24/2007, de 18.07, que estabelece uma presunção de culpa da concessionária relativamente a diversas fontes de perigo para a circulação rodoviária em auto estradas, itinerários principais e itinerários complementares, designadamente no que tange a objetos arremessados para a via. Na verdade, a norma não distingue sobre a origem do arremesso dos objetos, tendo aqui perfeita aplicação o brocardo "onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete distinguir'". Assim, tanto abrange o arremesso da lateral da via, como do separador central ou, ainda, de passagens aéreas.
O que o legislador pretendeu foi, em qualquer caso, responsabilizar a concessionária quando não sejam cumpridas as suas obrigações de garantir o uso da via em condições de segurança.
Resulta pois, em abstrato, que no caso de se verificarem os demais pressupostos, a responsabilidade emergente do acidente recai sobre a concessionária, e não sobre a entidade responsável pela via que passa por cima da "obra de arte" que ficou designada por "Viaduto Aero Club de Portugal", vulgarmente conhecido por "Viaduto do Alto da Amadora".
Aqui chegados, é hora de aferir se a concessionária atuou, ou não, de acordo com os parâmetros de diligência que lhe eram exigíveis.
A via em causa está abrangida pelo conceito de auto estrada [cfr. al. Z) dos factos, no cotejo com as als. R) e W)] e a Ré é sua concessionária.
Estabelece a al. a) do art. 12° da Lei 24/2007 (na parte que aqui releva) que, "nas auto estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a objetos arremessados para a via...".
Esta norma pôs cobro à querela jurisprudencial que se vinha arrastando em que se discutia se a responsabilidade das concessionárias das auto estradas pela reparação dos acidentes nestas ocorridos sem culpa dos utentes, é de natureza contratual ou, ao invés, de natureza extracontratual ou aquiliana, divergindo as soluções jurisprudenciais num e noutro sentido.
Inerente a esta controvérsia e constituindo a sua razão de ser, está a questão de saber sobre quem recai o ónus da prova dos requisitos da responsabilidade civil, solução que varia consoante se adote uma ou outra daquelas naturezas.
De acordo com a referida norma, quer se entenda que a responsabilidade da concessionária é contratual, quer se entenda que é aquiliana, o ónus da prova passou a recair sobre esta. Ou seja, o lesado deixou de ter que provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso (responsabilidade contratual), ou a culpa (responsabilidade extra contratual), passando a recair sobre a concessionária o ónus de provar que cumpriu as regras de segurança, nomeadamente, quando o acidente ocorrido na auto estrada tenha sido devido a apedrejamento.
O legislador consagrou, deste modo, a inversão do ónus da prova da culpa da concessionária, pelo que, nos acidentes em auto estradas concessionadas, cuja causa seja alguma das previstas na norma em questão, é sobre a concessionária que recai o ónus da prova de ter cumprido as obrigações de segurança a que se acha vinculada, e não ao lesado que incumbe provar que aquela as não cumpriu.
No entanto, a Ré e a Seguradora Interveniente, vêm sustentar a inaplicabilidade desta norma, em virtude da autoridade policial não ter verificado a causa do acidente.
Vejamos se lhes assiste razão.
Ficou provado em ZZ) que o sinistro foi participado à Polícia de Segurança Pública, que compareceu no local e elaborou o correspondente Auto de Participação de Acidente, pese embora o acidente não tenha sido presenciado pelo agente que o elaborou que nele redigiu que "Relativamente às causas que levaram à produção do acidente as mesmas serão averiguadas em sede de inquérito", não relatando que o veículo sinistrado tenha sido atingido por uma pedra arremessada da via superior.
O n°2 do artigo 12° determina que «para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente ... ».
Com a finalidade de assegurar a causa do acidente como inclusiva nas alíneas a) a c) do n°1 do art. 12°, o n° 2 desta norma impõe uma determinada formalidade para que recaia sobre a concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança nos casos de objetos arremessados ou existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais ou existência de líquidos na via, não resultantes de condições climatéricas anormais. Assim, a falta de confirmação pela autoridade policial, que tomou conta da ocorrência, de uma daquelas situações afasta a possibilidade de aplicação do n°1 do artigo 12°.
Faltando o elemento confirmatório não há lugar à inversão do ónus da prova.
Afastada a aplicação da presunção de culpa enunciada no n°1 do mencionado art.12°, por falta de verificação do requisito vazado no n°2, resta-nos analisar os factos à luz das regras enunciadas no RRCEE e, na medida do que for aplicável, nos artigos 483° e seguintes do Código Civil.
Como se disse atrás, tem sido largamente discutido pela doutrina e jurisprudência se a responsabilidade das concessionárias, em matéria de acidentes de viação ocorridos em auto estrada, por motivo de entrada de animal na faixa de rodagem, arremesso de pedras ou poças de água, tem a natureza contratual ou extracontratual, sendo certo que a doutrina e jurisprudência se têm inclinado, maioritariamente, para a responsabilidade civil extracontratual, posição à qual aderimos, pelo que é através deste pressuposto que passamos a analisar a causa petendi.
O contrato de concessão consta do Anexo ao Decreto-lei n° 242/2006, de 28.12 relevando para a apreciação da questão em análise das bases VII e XLIV, constantes dos factos provados em BB), CC) e DD).
Do cotejo daquelas normas resulta a obrigação legal e contratual da concessionária manter as auto estradas em bom estado de conservação, de assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação e de manter serviços de vigilância. Contudo, são obrigações assumidas perante o Estado (na qualidade de concedente), sendo que tais normas não definem qualquer regime específico ou excecional de responsabilidade da concessionária perante os utentes das vias, antes remetendo para a lei geral a responsabilidade pela culpa e pelo risco por quaisquer prejuízos causados a terceiros (Base LXXIII).
Assim a responsabilidade da concessionária e da sua seguradora fica dependente da inobservância das obrigações prescritas naquelas Bases, inobservância que se exige, de acordo com as regras gerais, culposa.
Ora, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, em geral, compete ao lesado a prova da culpa - art. 487°, n°1 do CC - a menos que se entenda ser aplicável a presunção de culpa vertida no art. 493°, n°1 CC.
Determina o n°1 do artigo 493° do CC que «Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, ...responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua».
Esta norma responsabiliza por culpa presumida quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar, relativamente aos danos por ela causados, sendo de integrar no conceito de coisa imóvel não só as faixas de rodagem, como as portagens, zonas de descanso, sinalização vertical diversa, as vedações e tudo o mais que esteja sob a alçada da concessão, recaindo sobre a concessionária a presunção de culpa quando, por falta de vigilância do imóvel, ocorra um acidente.
Era assim que, antes da entrada em vigor da Lei n° 67/2007, a jurisprudência vinha resolvendo, de modo quase uniforme, situações como a que temos em apreço, tendo o RRCEE positivado tal solução no n° 3 do art. 10°, onde se lê que «Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância».
Assim, tendo por assente que sobre a concessionária recai o dever de assegurar permanentemente, em boas condições de segurança, a circulação e de manter serviços de vigilância, não nos parece razoável olhar apenas para a estrutura física da auto estrada desenquadrada de todo o contexto envolvente. O mesmo é dizer, que aquela especial responsabilidade, que recai a cada momento sobre a concessionária, não pode ter por referência apenas a via de circulação em si - composta pelas faixas de rodagem -mas também, e necessariamente, a todas as coisas que fazem parte do conjunto do objeto concessionado.
Existem separadores, placas de sinalização, estruturas físicas para cobrança de portagens, sinalização de emergência, vedações e obras de arte, como os viadutos (que visam, na maioria dos casos, assegurar a ligação de localidades que ficam atravessadas pela auto estrada, ou a ligação entre diferentes localidades) de que a concessionária é a detentora, nessa qualidade, respondendo por culpa presumida quando o seu incorreto funcionamento estiver na origem de um acidente.
Deste modo, recai sobre a concessionária o dever de proceder a quaisquer adaptações que se mostrem necessárias à utilização da via em condições de segurança, ainda que tal implique criar barreiras entre esta e vias de domínio municipal, independentemente do lugar em que se encontrem essas vias - contíguas à auto estrada ou superiores à mesma.
A Ré, procurando demonstrar que cumpriu os deveres de vigilância que sobre si impendiam, provou que de acordo com o Manual de Operação e Manutenção, os funcionários da Ré deverão passar de 3 em 3 horas em cada local dos lanços rodoviários que integram a concessão, o que sucedeu no dia do acidente, tendo o lanço rodoviário IC19 sido patrulhado diversas vezes, já que, pelas 16:20 e 20:45 passou uma carrinha da concessionária no local onde viria a ocorrer o sinistro e nenhuma anomalia fora verificada e comunicada à Central de Comunicações - cfr. WW), XX) e YY) do probatório.
Pese embora os patrulhamentos levados a cabo pela A........, que serão seguramente eficientes e suficientes para a deteção de toda uma panóplia de circunstâncias que podem interferir na qualidade e segurança do trânsito, só muito excecionalmente essas medidas de prevenção serão eficazes a ponto de evitarem o arremesso de objetos para a via.
Compete à vedação o papel de primeiro e único obstáculo ao arremesso de objetos (ou entrada de animais) para a via. Competência essa que será tanto mais eficaz quanto melhor consiga responder em altura, impedindo transposições e desincentivando o arremesso de objetos e em qualidade de implantação e tipo de rede, evitando rompimentos.
Se é certo que estas exigências devem ser perspetivadas em termos de razoabilidade, pois para conseguir evitar qualquer queda ou arremesso de pedras ou objetos só transformando a auto estrada em túnel, também é certo que não pode aceitar-se que a concessionária nenhuma responsabilidade tenha pelo facto de as barras de proteção do viaduto terem, 18 cm de distância entre si [cfr. al. M)] e uma altura de 1,10m [cfr. al. O)], sem qualquer malha de proteção [cfr. al. N)], permitindo a passagem de pedras, ou outros objetos, de dimensões consideráveis.
Ora, no meio de tanta relatividade em relação àquilo que fosse de exigir ao "agente zeloso e cumpridor" (conceito a que se refere o n°1 do art. 10° do RRCEE, em vez do bom pai de família que o direito civil toma por referência) em termos de proteção adequada do viaduto, consideramos que tal era conseguido se, por exemplo, fossem colocadas malhas de vedação na passagem aérea com altura superior à de um homem (por hipótese 2 metros) e uma malha apertada de modo a impedir a passagem de uma mão humana, ficando assim excluídas as ocasionais quedas de pedras, sendo certo que "os atiradores voluntários sempre teriam de fazer um grande esforço de arremesso que os poderia levar a pensar nas consequências do seu ato" - cfr. Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Revista «O Advogado», n°05 - dezembro de 2000.
De quanto vem dito, conclui-se que era razoável exigir da entidade concessionária que assegurasse que nada fosse arremessado para a via, a partir da referida passagem aérea, em termos de poder causar danos aos veículos que transitam na via IC 19, e às pessoas que se encontrem dentro dos mesmos.
As diligências de vigilância desenvolvidas pela concessionária não foram de eficácia suficiente para derrubar a força da presunção de culpa.
O viaduto que transpõe a via onde ocorreu o acidente foi construído e mantido em condições que permitiam, como permitiram, que pessoas mal intencionadas daí procedessem ao apedrejamento de veículos, como efetivamente sucedeu no dia 19.08.2009 com o veículo conduzido pelo Autor.
Resultando provado que a mencionada passagem aérea não dispunha de qualquer malha de proteção para além das barras de proteção aí existentes, cuja finalidade era a de "guarda corpos" para os utilizadores dessa passagem superior, considera-se verificado o requisito da culpa, aqui intrinsecamente ligado ao da ilicitude, por decorrer da violação de especiais deveres de vigilância.
No que tange aos danos, vêm alegados danos patrimoniais e não patrimoniais. Relativamente aos últimos, resultou provado nos autos que, tendo sido atingido na testa e no olho esquerdo pela pedra arremessada do viaduto, o Autor perdeu aconsciência [cfr. als. G) e H)]. Transportado ao Hospital foi-lhe diagnosticado traumatismo da região periorbitária esquerda, com perda de conhecimento e fratura da grande asa do esfenoide à esquerda, coaptada [cfr. al. FF)], tendo ficado mais de 15 dias sem poder sair de casa e dependente de terceiros, para comer, beber e receber tratamento várias vezes por dia [cfr. al. GG)]. Suportou imensas dores, muita preocupação, sendo grande a sua angústia, revolta e sofrimento, irritação e aborrecimento com a perda de tempo causados e ainda pelo facto de não poder circular com a sua viatura, dada a perda total da mesma, tanto na sua atividade profissional como nos momentos de lazer [cfr. als. II) e J J)]. Acresce que desde o acidente que sofre dores de cabeça acompanhadas de um mal estar com agonias, vómitos e perdas de equilíbrio, o que tem vindo a diminuir com o tempo, mas ainda sente e pode sentir para toda a vida, por isso, continua medicado [cfr. al. KK)].
Para além destes danos, de natureza não patrimonial, o Autor sofreu, também danos patrimoniais decorrentes da perda de vencimento da sua atividade profissional de intermediário na área do imobiliário, bem como os relativos ao veículo automóvel em que seguia e que foi considerado perda total [cfr. als. EE), HH), LL) e OO)].
Nos termos do disposto no n° 3 do art. 3° do RRCEE, a obrigação de indemnizar abrange os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.
Relativamente aos danos não patrimoniais, nos termos gerais de direito, refletidos no art. 496°, n°1 do CC, nem todos os danos não patrimoniais são ressarcíveis, só o sendo aqueles que sejam suficientemente graves para justificar a tutela do direito.
In casu, os danos sofridos pelo Autor, como lesões corporais, dores, angústia, sofrimento, mau estar físico e tratamentos, são dignos de ressarcimento, a esse título, porque suficientemente graves, como vem sendo decidido nas diversas instâncias e jurisdições.
Também os danos patrimoniais são ressarcíveis nos termos gerais, decorrendo dos artigos arts.562°, 564° e 566° do CC que deve seguir-se a chamada teoria da diferença entre aquilo que o lesado perdeu por causa do acidente e o que, natural e previsivelmente, não teria perdido se não tivesse ocorrido o acidente.
Atenhamo-nos agora no nexo de causalidade.
Como se extrai do Ac. do STA de 09.07.2009, Rec. 921/08, "O nexo de causalidade, pressuposto da responsabilidade civil, consiste na interação causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563° do C.Civil). Existirá, assim, nexo causal sempre que, no plano naturalístico, o facto em causa seja condição sem a qual o dano não teria ocorrido, e que o mesmo seja, em abstrato, causa adequada do dano (...). Com efeito, entre o facto e o dano tem de existir um nexo de causalidade, avaliável em função da teoria da causalidade adequada, (...) prevista no art. 563° do Código Civil. Positivamente, existirá nexo de causalidade quando a ação ou omissão em causa seja suscetível de se mostrar, à face da experiência comum, como adequada à produção do dano, havendo fortes possibilidades de o originar. Os danos devem apresentar-se como consequência normal, típica e provável do facto ilícito."
Não se levantam dúvidas de que os danos provados são consequência do referido acidente, como aliás resulta do provado em EE), cuja causa primeira foi, como já se apurou acima, a conduta omissiva da Ré no que tange ao cumprimento dos seus deveres de proteção dos utentes da via.
A dita passagem superior não se encontrava resguardada eficazmente, não possuindo qualquer vedação em malha estreita, porque a Ré negligenciou as condições de segurança da mesma em relação ao tráfego na via inferior, tornando possível atuações como a que ocorreu, de arremesso de objetos para a mesma.
É irrelevante, como já se explanou largamente, que sobre o viaduto exista uma estrada municipal.
No caso sub judice, temos de concluir que o arremesso de uma pedra do viaduto que transpõe a via IC 19, que foi embater no veículo conduzido pelo Autor causando o acidente, ocorreu porque, atentas as características da altura e de espaçamento das barras verticais do "guarda corpos" do viaduto, e segundo a experiência comum, tal vedação não era adequada a impedir o arremessamento de objetos, nem, consequentemente, a garantir a segurança da circulação da via inferior, podendo, por isso, afirmar-se que, no plano naturalístico, os danos em causa se apresentam como consequência normal, típica e provável do facto ilícito imputável à Ré (omissão da vigilância e medidas de segurança adequadas), ou, dito de outra forma, que este facto ilícito não é, de modo algum, indiferente à ocorrência do acidente do qual resultaram os referidos danos.
Mostra-se, assim, preenchido o requisito relativo ao nexo de causalidade.
Sendo os requisitos da obrigação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual de natureza cumulativa, como se começou por dizer, e concluindo-se pelo preenchimento de todos eles, assiste ao Autor o direito a ser indemnizado pelos danos que comprovadamente sofreu.
Do quantum indemnizatório.
A indemnização há de ser fixada tendo em conta os critérios estabelecidos nos n°s l e 2 do art. 3° do RRCEE, de acordo com os quais deve ser reconstituída a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.
Na fixação da indemnização há que procurar reconstituir-se na medida do possível a situação anterior à ofensa sendo que nos danos não patrimoniais há que valorizar o sofrimento e a dor de acordo com a dignidade da pessoa humana e tendo por base índices como sejam a condição social e económica do lesado, do lesante, a personalidade deles, à alteração da rotina diária das pessoas por força das lesões e tratamentos, o sofrimento inerente aos tratamentos.
O Autor vem pedir a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 16.300,00, sendo € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, e € 11.300,00 a título de danos patrimoniais.
Relativamente aos danos não patrimoniais o Autor peticiona uma quantia não inferior a € 5.000,00, relegando a reparação dos danos que persistem na atualidade para execução de sentença, por não ser possível determinar a sua gravidade.
A título de danos patrimoniais alega ter direito, a título de lucros cessantes, à quantia de € 4.500,00, correspondente a três meses de vencimento no valor de € 1.500,00/mês, acrescidos de € 6.800,00 pela perda do veículo (danos emergentes).
No entanto, apesar de ter resultado provado nos autos que o Autor sofreu danos relativos a perda de vencimentos, bem como pela perda do veículo [cfr. als. EE), HH), MM), NN) e OO)], não resultou provado o montante desses danos.
O art.569° do CC permite expressamente a formulação de pedidos genéricos, a liquidar posteriormente de acordo com os cânones gerais do incidente de liquidação. Por isso, se o lesado tem a faculdade de prescindir da prova no momento processual inicial, para quantificar os danos exatos que sofreu, podendo fazê-lo mais tarde, por paridade de razão isso também lhe será facultado quando formular um pedido líquido e não lograr fazer a prova daquele montante líquido.
Pressuposto essencial é a demonstração da existência de prejuízos, o resto já tem que ver com a contabilidade da sua amplitude.
Tal como referiu, em defesa desta interpretação, o acórdão do STJ 29.01.98, relatado pelo Conselheiro Sousa Inês, in BMJ 473°-445, referenciado no Ac. do STJ de 18.04.2006, "a mais elementar razão de sã justiça, de equidade, veda a solução de se absolver o réu apesar de demonstrada a realidade da sua obrigação; mas também se revela inadmissível, intolerável, que o juiz profira condenação à toa".
Por isto, o legislador ditou a regra da condenação no que se liquidar em execução de sentença - cfr. art. 661°, n° 2, do CPC.
Assim, entende-se ser de relegar a liquidação do montante indemnizatório para execução de sentença.
Da transferência da responsabilidade.
No caso em apreço a Ré transferiu a responsabilidade civil extracontratual para a AIG Europe, S.A. Sucursal em Portugal (atual C....... Europe S.A - Sucursal em Portugal), através de contrato de seguro titulado pela Apólice n.° P……………, datada de 11.01.2009 - cfr. al. BBB) do probatório.
A referida apólice abrange os danos resultantes do acidente sofrido pelo Autor, mediante franquia de € 3.000, a suportar pela Ré A........ Grande Lisboa - cfr. al. CCC) e DDD) do probatório.
Assim, ao montante indemnizatório que vier a ser liquidado em execução de sentença, haverá que ser deduzido o valor de € 3.000,00 relativo à franquia, cujo valor deverá ser suportado pela Ré, de acordo com as Condições Particulares relativas à anuidade de 2009/2010, não se repercutindo o mesmo sobre o lesado, por terem as partes disposto de modo diferente do regulado no artigo 14° das Condições Gerais.
De quanto vem exposto, conclui-se que a presente ação administrativa comum sob forma sumária procede por provada, assistindo ao Autor o direito de ser indemnizado pelos danos sofridos, nos termos em que se vier a liquidar em execução de sentença.”

Antecipe-se que a precedente fundamentação é para nós irrepreensível a todos os títulos
Tenha-se presente que uma acção onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma auto-estrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais resultantes de arremesso de objectos para essa via, derivada da omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão, enquadra-se no âmbito de aplicação da previsão do art. 1º n.º 5, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, o que determina a competência dos tribunais administrativos em razão da matéria para julgar o litígio, nos termos do art. 4º n.º 1, al. i), do ETAF.
Segundo Rui Ataíde “Compete, pois, à concessionária comprovar que cumpriu os deveres no tráfego ajustados aos riscos que lhe cabe gerir: inspecções periódicas da rede de vedação, seguidas das imediatas reparações que se apresentem necessárias, patrulhamentos permanentes de vigilância e rápida remoção de qualquer obstáculo à circulação, controlo de nós de acesso e entrada na auto-estrada, etc.” – Acidentes em Auto-Estradas: Natureza e Regime Jurídico da Responsabilidade dos Concessionários, “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Carlos Ferreira de Almeida”, Volume II, 2011, pág. 177
Ainda no entendimento deste autor “A concessão institui uma relação contratual duradoura de cumprimento devidamente escalonado no tempo, permitindo à concessionária definir antecipadamente o modo de execução dos encargos que assumiu” (op. cit., pág. 182).
Realce-se que a Lei n.º 24/07, de 18-07, veio definir os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, fazendo recair sobre o concessionário, em caso de acidente rodoviário, de que resultem danos, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança quando os sinistros sejam causalmente imputados: a objectos arremessados para a via ou existentes na faixa de rodagem (alínea a)), atravessamento de animais (alínea b)) e líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais (alínea c)) – cf. art. 12.º, n.º 1 –, instituindo um regime especial, que altera o regime geral do ónus da prova que vem estabelecido no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, o que parece atestar, outrossim por esta via, a natureza pública que o legislador pretendeu estabelecer para as actividades executadas pelas concessionárias das auto-estradas e itinerários principais.
No que tange à responsabilidade civil por actos ilícitos e culposos preceitua o artigo 7º nº1 do referido diploma legal que “O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.”
E, por força do preceituado no nº 1 do artigo 8º do diploma em apreço “os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas, com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles que estavam obrigados em razão do cargo”, explicitando o nº 2 do mesmo normativo que “o Estado e demais pessoas colectivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respectivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as acções ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”
Releva, ainda, a estatuição do art. 9º do citado diploma legal ao dispor que “consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.”
E, consoante o disposto no artigo 10º do referido compêndio legal “a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor”, acrescentando o nº 2 desse mesmo normativo que, “sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos”, acentuando o nº 3 do mesmo preceito que “para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sem que tenha havido incumprimento dos deveres de vigilância.”
Da concatenação de todos os preceitos legais transcritos, impõe-se tirar a conclusão de que a responsabilidade civil da Administração por facto ilícito assenta, assim, em pressupostos idênticos aos enunciados no artigo 483.º e 563º, ambos do Código Civil, a saber
(i) O facto
(ii) A ilicitude
(iii) A culpa
(iv) O dano
(v) O nexo de causalidade entre o facto e dano
Assim, ainda à guisa de enquadramento das questões a apreciar neste recurso e tal como foi pressuposto na sentença recorrida, sendo a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto humano (acção ou omissão) ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência directa e necessária daquele.
Adite-se que a ilicitude (objectiva) do facto humano, poderá consistir na violação de direitos subjectivos, violação de normas de protecção e de normas técnicas, abuso do direito, não cedência em caso de colisão de direitos, ofensa ao crédito ou ao bom nome, art. 485º-2 CCivil; e a ilicitude da acção ou omissão administrativa reside, desde logo, naquilo que for susceptível de configurar, por critérios de razoabilidade e tendo em vista os ditames da ética, o perigo do aproveitamento ou do favorecimento da verificação do dano - cfr. ac. do STA (Pleno) de 1/10/2003 in Proc° nº 48035).
Em matéria de nexo de causalidade, o art. 563.º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada de Von Kries; na falta de opção legislativa explícita por qualquer das suas formulações, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos, deve-se optar pela formulação negativa correspondente aos ensinamentos de Ennecerus-Lehmann segundo a qual, a condição deixará de ser causa do dano, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano» - vd. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, página 861, e Ac.STA de 4-12-2003, P. nº 0557/03; a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano; é esse processo que há-de caber na aptidão geral ou abstracta do facto para produzir o dano; para haver dano indemnizável, é necessário que o recorrente demonstre que o acto administrativo ilegal o atingia num direito ou posição juridicamente tutelada de natureza substantiva, ou seja, demonstre que, se porventura a Administração tivesse optado pela "conduta alternativa legal", o seu interesse final ou substantivo invocado na petição teria sido satisfeito; a violação de normas ou de princípios procedimentais não dá origem a responsabilidade civil se os preceitos procedimentais violados não tiverem qualquer referência à posição jurídica material do interessado, isto é, se o bem jurídico lesado, em que se traduz o dano, não estiver compreendido no âmbito de protecção das normas violadas.
Por outro lado, já que observar a imputação do facto ao lesante a título de dolo ou de negligência, sem exclusão do juízo de censura indiciado (ilicitude subjectiva e culpa).
O dever jurídico de guardar e vigiar a cargo da concessionária já ficou sobejamente demonstrado acima e, sem mácula, na muito bem fundamentada sentença recorrida, onde também está exaustivamente sustentada a ilicitude, pressuposto inarredável também em virtude da sorte dos recursos sobre a matéria de facto e que já foi acima ditada.
Assim, o dever jurídico impendente sobre a concessionária no caso concreto tem a ver com direitos subjectivos e/ou normas de protecção de terceiros em relação às pessoas e bens que circulantes na área concessionada, pelo que os danos em causa ocorreram no círculo de interesses que aquele dever jurídico visa tutelar.
E também está aqui provado o cit. nexo causal adequado na perspectivada dada atrás, entre a violação objectiva do dever legal de vigiar/conservar e os danos resultantes de um arremesso de um objecto que provocou o acidente de que foi vítima o A. que sofreu o dano (isso é, o prejuízo que o lesado sofre nos seus interesses materiais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar).


Há, pois, causalidade adequada, nestes termos.
E no que tange à culpabilidade, a mesma poderia ser presumida no caso presente, ao abrigo do art. 491º CCivil (As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido), porque o Estado não fez a prova ali exigida.
Havendo ilicitude no facto humano ocorrido, com nexo causal entre esse facto e os danos, pode sequer efectuar-se a censurabilidade do facto
Relembrando, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas por danos decorrentes de actos ou omissões no exercício de funções administrativas, salvo o disposto em leis especiais, rege a Lei n°67/2007, de 31 de Dezembro - Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEE).
No tocante à responsabilidade por facto ilícito, que é a que ao caso dos autos releva, dispõe o n°1 do artigo 7° do referido diploma legal que «O Estado e demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes (....)».
Este preceito deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 22° da CRP, que dispõe que «O Estado e as demais entidades são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».
O n°5 do art.1° da mesma lei estende o regime nela previsto «...à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado... por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo-», norma com especial relevância no caso dos autos uma vez que vem demandada uma entidade de natureza societária (pessoa colectiva de direito privado) que, de acordo com o disposto na Base III da concessão, tem a concessão de uma obra pública, visando a prossecução de fins iminentemente públicos.
Em suma: a responsabilidade civil por actos de gestão pública corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, previsto no artigo 483° do CC, sendo seus pressupostos, de verificação cumulativa, conforme supra se mencionou: i) o facto - comportamento ativo ou omissivo de natureza voluntária; ii) a ilicitude - ofensa de direitos ou interesses de terceiros ou disposições legais destinadas a protegê-los; iii) a culpa - nexo de imputação do facto ao agente em sede de juízo de censura por falta de diligência exigida tendo por parâmetro a diligência de um funcionário ou agente médio; iv) a existência de um dano - lesão de ordem patrimonial ou moral e, v) o nexo de imputação objectiva entre a conduta e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada - cfr. Acórdão do TCA Sul, de 07.04,2011, proferido no processo n° 02749/07, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, sustentou a recorrente A........ ter feito prova de que agiu sem ilicitude e sem culpa, assim ilidindo a presunção – cfr. artº 350º nº 2 do Código Civil -invocando que:
-a eventual obrigação (de vigiar estradas municipais e aí instalar vedações) não pode ser exigível à Recorrente;
-na Base XXVIII, n°5, alínea a) do Contrato de Concessão que estipula que "As passagens superiores em que o tráfego seja exclusivo ou importante serão também vedadas lateralmente em toda a sua extensão";
-O diminuto tráfego pedonal existente no Viaduto do Alto da Amadora não justificava a obrigação de instalação de vedações nesse local, conforme foi relatado por testemunhas da ora Recorrente;
-existe um conflito entre as normas "em jogo", teria de ser dada primazia à Base XXVIII, n°5, alínea a) do Contrato de Concessão, a qual assume natureza de norma especial face ao art.º32° da Lei n°2110/1961;
-“Regressando" ao princípio da reposição do equilíbrio financeiro, na equação inicial só estava incluída, como obrigação para a ora Recorrente, a instalação de passagens superiores/viadutos onde o tráfego pedonal fosse exclusivo ou importante, o que exclui necessariamente o Viaduto do Alto da Amadora;
-Olvida por completo a sentença recorrida que o dever de manutenção e vigilância da ora Recorrente é uma mera obrigação de meios;
-Isto é, a ora Recorrente não se comprometeu perante o Estado ou perante os utentes a evitar todo e qualquer acidente mas sim a envidar esforços para acautelar a segurança da circulação rodoviária (Carneiro da Frada);
-Dever este que foi pontualmente cumprido no sinistro em análise nos presentes autos (cfr. WW), XX) e YY) do probatório); e
-Se tal dever foi cumprido pela Recorrente, não lhe pode ser imputada a ocorrência do sinistro em análise nos presentes autos e, consequentemente, não pode ser condenada ao pagamento de qualquer indemnização ao autor/recorrido.
Questão com contornos parecidos à dos presentes autos foi tratada já em dois Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29 de Abril de 2014 – Proc. 1230/11.5TBVIS.C1 e de 14 de Abril de 2015 – Proc. 9/13.
Entendemos, por tudo quanto já se deixou dito e se dirá a seguir, que não tem qualquer razão.
Em reforço, excerta-se o seguinte bloco do discurso fundamentador vertido no segundo aresto citado, com pertinência e utilidade para demonstrar os bem fundado da decisão recorrida:
“ (…)
A jurisprudência e a doutrina têm vindo a divergir quanto ao grau de exigência da prova a efectuar pela concessionária com vista à elisão da presunção de incumprimento dos seus deveres.
A jurisprudência maioritária dos tribunais superiores, nomeadamente ao nível desta relação tem vindo a considerar não bastar à concessionária a demonstração de que foi diligente, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto que levou à intromissão do animal na via e que tal processo lhe foi inteiramente alheio. (o mesmo se aplica à situação dos autos, dizemos nós).
Pela nossa parte, e embora reconhecendo serem as concessionárias quem em melhores condições se encontram para averiguar das circunstâncias que rodeiam os acidentes com obstáculos na via, tarefa facilitada pela obrigatoriedade de confirmação das causas do acidente pelas autoridades policiais prevista no nº2 do art. 12º, da Lei nº 24/2007, não iremos tão longe, sob pena de estarmos agora a transferir agora a concessionária a tal prova diabólica ou impossível que anteriormente se atribuía ao lesado, deturpando a natureza culposa da responsabilidade que impende sobre aquela.
É entendimento comum na jurisprudência que não basta a prova genérica do cumprimento dos deveres de segurança para afastar a presunção de incumprimento contida no nº1 do artigo 12º
(…)
Como refere Rui Mascarenhas Ataíde, “compete, pois à concessionária comprovar que cumpriu os deveres no tráfego ajustados aos riscos que lhe cabe gerir: inspecções periódicas da rede de vedação seguidas das imediatas reparações que se apresentem necessárias, patrulhamentos permanentes de vigilância e rápida remoção de quaisquer obstáculos à circulação, controlo dos nós de acesso e entrada na autoestrada, etc.. Feita a prova de se terem cumprido em concreto os deveres impostos pela diligência normativa, o risco dos acidentes de causa ignorada corre, forçosamente, por conta dos utentes”.
É óbvio que a obrigação de “assegurar permanentemente a circulação da AE em boas condições de segurança e comodidade”, não pode ter o sentido de lhe ser exigível uma omnipresença na autoestrada, bastando-nos a prova de comportamentos preventivos ou reparadores situados na faixa delimitada por aquilo que, de acordo com as circunstâncias, seja razoavelmente exigível, “pode mostrar-se relevante a demonstração de um esforço que exteriorizem designadamente, os meios humanos e técnicos postos ao serviço das referidas obrigações de segurança, o modo como foram concretamente aplicados, a previsibilidade dos fenómenos causadores de risco para a circulação, as cautelas adoptadas tendo em conta a maior ou menor previsibilidade ou os alertas que tenham sido dados”.
Ora, pelo que alegou, a recorrente nem admitiu sequer a sua responsabilidade por entender que por força do contrato de concessão estava excluída, não negando aquilo que é uma evidência quanto ao estado do viaduto e das comprovadas falhas de protecção, rupturas, ou aberturas e ausência de patrulhamentos.
Ou seja, porque afastou desde sempre a sua responsabilidade pelas razões supra sumariadas, acaba por admitir que não foram adoptados pela entidade “responsável” os procedimentos genéricos adoptados adequados e suficientes para evitar o arremesso de pedras ou outros objectos na via e à sua rápida remoção.
O certo é, que segundo o aresto que se citou e transcreveu em parte, os procedimentos exigíveis e o grau de cuidado necessário – tipo de vedação a adoptar, periodicidade das inspecções às vedações, bem como a periodicidade dos patrulhamentos, etc. –, terão de ser aferidos em função das características da zona e do tipo de acções possíveis num plano naturalístico de serem praticadas como as que envolvem o arremesso para a via de objectos, como aconteceu no caso concreto.
É a concessionária quem em melhores condições se encontra para avaliar o risco da ocorrência desse tipo de situações, e em consequência, tomar as providências necessárias a diminuir ao mínimo as hipóteses da sua introdução na autoestrada, alegando quais as providências por si tomadas, a fim de o tribunal apreciar se as mesmas são abstractamente adequadas a remover eficazmente o perigo decorrente das acções do tipo da que motivou o acidente dos autos.
A isto as recorrentes, Ré e interveniente, opõem que não impendia sobre a concessionária essa responsabilidade ancoradas na sobreditas razões e que se resumem a que o viaduto não estava integrado na concessão o que já se demonstrou não corresponder à realidade.
Assim, não se mostrando ilidida a presunção de incumprimento, sobre a Ré impende o dever de indemnizar, tal como foi decidido pelo tribunal recorrido.
Ademais, no caso em apreço não basta para que se mostre ilidida a presunção consagrada na alínea b) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, os argumentos – nem sequer sustentados em factos dados como assentes na decisão recorrida – aduzidos pela recorrente, para afastar a presunção de culpa.
Num juízo de normalidade, para que tal presunção fosse afastada seria necessário que fossem alegadas e provadas as medidas tomadas pela recorrente para, numa via com as características supra enunciadas, evitar o arremesso de objectos na via, a existência de mecanismos de segurança que, de forma rápida, neutralizassem o potencial perigo que representa a prática dessas acções, nomeadamente através da existência de “piquetes” de intervenção, constituídas por trabalhadores da recorrente ou por esta contratados nos termos do regime da contratação pública, com o fito de assegurar tal rápida intervenção, o que não foi confessadamente feito. pelo que deve improceder o recurso, não violando a sentença recorrida as normas aplicáveis.
A questão decidenda era a de saber se num acidente como o constatado, por arremesso de uma pedra de uma via superior àquela em que circulava a viatura do lesado a concessionária é responsável pelos danos daí resultantes.
Por tudo quanto vem dito, resultando provado que o Viaduto do Alto da Amadora do qual foi arremessada a pedra que atingiu o veículo do recorrido integra a concessão, é forçoso concluir que a via onde se registou o acidente está abrangida pelo conceito de auto estrada e a recorrente ser sua concessionária.
E, estabelecendo a al. a) do art°12° da Lei n°24/2007 que "nas auto estradas com ou sem obras em curso e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a objectos arremessados para a via...", dúvidas não podem subsistir de que é sobre a concessionária que recai o ónus da prova de haver cumprido as obrigações de segurança a que se acha vinculada e não ao lesado que incumbe provar que aquela as não cumpriu.
Incumbia, pois, à concessionária o dever de proceder a quaisquer adaptações que se mostrassem necessárias à utilização da via em condições de segurança ainda que implicasse criar barreiras entre esta e vias de domínio municipal independentemente do lugar em que se encontrem essas vias.
Com o também refere o EPGA no seu douto Parecer, Competia, assim, o papel de primeiro e único obstáculo ao arremesso de objectos para a via, o que não foi efectivado pela concessionária. Assim e como se salienta na sentença recorrida "Resultando provado que a mencionada passagem aérea não dispunha de qualquer malha de protecção além das barras de protecção existentes, em que a finalidade era a de guarda corpos" para os utilizadores dessa passagem superior, considera-se verificado o requisito da culpa, aqui intrinsecamente ligado ao da ilicitude, por decorrer da violação de especiais deveres de vigilância".
Mostra-se, igualmente provado a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais e a obrigação de indemnizar abrange-los ao serem os danos provados consequência do acidente.
Assim e como se salienta na sentença recorrida..."concluir-se que o arremesso de uma pedra do viaduto que transpõe a via IC 19 que foi embater no veículo conduzido pelo Autor causando o acidente, derivou porque, atentas as características da altura e do espaçamento da barras verticais do "guarda corpos" do viaduto e segundo a experiência comum, essa vedação não era adequada a impedir o arremessamento de objectos, nem, consequentemente a garantir a segurança da circulação da via inferior, podendo, por isso, afirmar-se no plano naturalístico, os danos em causa se apresentam como consequência normal, típica e provável do facto ilícito imputável à Ré (omissão de vigilância e medidas de segurança adequadas) ou dito de outra forma, que este facto ilícito não é de modo algum, indiferente à ocorrência do acidente do qual resultara os citados danos".
Termos em que se confirma inteiramente a fundamentação da sentença, bem como o seu dispositivo em que se reconhece ao Autor o direito a ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente que o vitimou, no dia 19.8.2009, pelas 22h 20m, quando conduzia o seu veículo automóvel pelo IC 19; se condena-se a corre, C....... Europe S.A - Sucursal em Portugal, a pagar ao Autor o montante indemnizatório, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento, deduzida a quantia de € 3.000,00 relativa à franquia por participação do sinistro e ainda se condena a Ré A........ Grande Lisboa, S. A. a pagar ao Autor o valor dos danos patrimoniais e não patrimoniais que vier a ser liquidado e couber no montante de € 3.000,00, relativo à franquia por participação do sinistro, acrescido de juros desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento.

*
3.- DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento aos recursos, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelas recorrentes.
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Lisboa, 16-03-2017
(José Gomes Correia)
(António Vasconcelos)
(Pedro Marchão)