Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07708/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO/ JUROS INDEMNIZATÓRIOS/ OMISSÃO DE PRONÚNCIA/ QUESTÕES
Sumário:I.A nulidade por omissão de pronúncia prevista no artº 125º do CPPT [também prevista no actual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, a que correspondia o anterior artigo 668º, nº1, alínea d) do mesmo diploma], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

II. Não tendo a sentença tomado conhecimento da questão relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, pedidos pelo impugnante, não obstante ter julgado parcialmente procedente a impugnação de liquidação de IRS, padece a mesma de omissão de pronúncia geradora da sua nulidade parcial ( já que, não tendo havido recurso em relação à parte em que foi julgada parcialmente procedente a impugnação, formou-se caso julgado quanto a esse ponto).

III.O pedido de juros indemnizatórios formulado pelo impugnante na p.i. configura efectivamente uma questão autónoma, não prejudicada pela solução dada a outras.

IV. Uma coisa é os juros indemnizatórios não terem sido pedidos em sede de impugnação judicial e, ainda assim, poder ser reconhecido o direito aos mesmos em sede de execução do julgado; outra coisa é os juros terem sido expressamente peticionados em sede de impugnação judicial e o Tribunal não se ter pronunciado sobre tal, quando, como é incontornável, esse é ainda um pedido que cabe no âmbito da impugnação judicial (cfr. nº 4 do artigo 61º do CPPT). Neste ultimo caso – que é o que nos ocupa – se o Tribunal não se pronúncia, como aconteceu, é apodíctico que há uma omissão de pronúncia.

V. Tendo a sentença recorrida anulado as liquidações adicionais impugnadas por as mesmas resultarem de um erro imputável aos serviços, ou seja, a AT procedeu a correcções e consequente liquidação de imposto em violação da lei, são devidos juros indemnizatórios, por força do disposto no artº 43º da LGT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

Fernando ………….. e Maria ………………… Rosa, deduziram impugnação judicial das liquidações adicionais de IRS dos anos de 2001, 2002 e 2004, na parte em que as mesmas reflectem correcções aos subsídios que lhes foram atribuídos pelo INGA/ IFADAP, no âmbito do Regulamento da Intervenção “Medidas Agro-Ambientais” do Plano de Desenvolvimento Rural/ Plano Zonal de ………….., pedindo a sua anulação e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios sobre as quantias indevidamente pagas.

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja foi a impugnação judicial julgada procedente e anuladas “parcialmente as liquidações impugnadas”.

Inconformados com a sentença proferida, os Impugnantes dela vieram interpor o presente recurso jurisdicional. Formularam, para tanto, a seguinte e única conclusão:

“A douta sentença cometeu falta de pronúncia ao não reconhecer o direito aos impugnantes a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto e juros compensatórios indevidamente cobrados, desde a data do pagamento até à restituição e à taxa legal, como determina o Artº 43º da LGT, dado o notório erro imputável aos serviços da AT do qual resultou a cobrança adicional em causa, mas indevidamente.

Nestes termos e no melhor de direito e sempre com o douto suprimento de V. Excelências deve ser concedido provimento ao presente recurso, determinando-se o reconhecimento dos juros indemnizatórios pedidos.

Assim farão V. Exas. mais uma vez serena, sã e objectiva justiça”.


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Não foram produzidas contra-alegações.

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A Mma. Juíza a quo, pronunciando-se sobre a invocada nulidade, disse (cfr. fls. 209):

“(…)
E, na verdade, apesar de peticionados, a sentença nada diz quanto aos juros.

Todavia, visto o disposto no artigo 100º da LGT, em caso de procedência total ou parcial de processo judicial a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros.

Termos em que, não obstante a aparente carência temática da sentença, em boa verdade não existe omissão, porque pode ser suprida por simples operação material, na execução. Todavia prevalecerá sempre a douta e pleclara opinião de V. Excelências”.


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Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se (cfr. fls. 217 e 218) no sentido de ser negado provimento ao recurso. No essencial, a Ilustre Magistrada concorda com a posição defendida pela Mma. Juíza a quo, a que fizemos devida referência.

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) O impugnante Fernando ……………. dedica-se à cerealicultura (cf. artigo 1º da pi);
B) A escrita do Impugnante dos anos de 2001 a 2004, foi alvo de procedimento interno de inspecção;
C) Do relatório elaborado em 2005.11.07, pela Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Beja, constante de fls. 15 a 28 do PA, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. (…);
b. II.C.2 – Enquadramento fiscal
i. No âmbito do IRS: o sujeito passivo encontra-se sujeito a IRS, enquadrado na Categoria B, sendo tributado pelos seus rendimentos agrícolas, através do regime simplificado;
c. (…);
d. II. C.4. Análise dos elementos de escrita
i. (…);
ii. Através da análise dos documentos de suporte (…) dos valores inscritos no campo 411 – subsídios à exploração destinados a compensar preços de venda do anexo B do Modelo 3 de IRS dos exercícios de 2001 a 2004, detectou-se que, alguns dos valores ali considerados deveriam estar inscritos no campo 410 – prestações de serviços e outros rendimentos do mesmo anexo b, uma vez que não revestem a natureza de subsídio destinado a compensar preços de venda;
iii. (…);
e. III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
i. (…);
ii. III.2. Tal como foi referido no capítulo anterior, foram detectadas anomalias no que respeita à tributação dos subsídios atribuídos pelo INGA e IFADAP ao sujeito passivo;
iii. Tais anomalias distinguem-se entre omissão, errado enquadramento (subsídios à exploração destinados a compensar preços de venda ou prestações de serviços e outros rendimentos) e, não cumprimento com regras determinadas pelo artigo 31/7 do CIRS;
iv. Exercício de 2001
1. Neste exercício o sujeito passivo declarou no campo 411 do anexo B do modelo 3 de IRS o montante de € 91 829,46, respeitante a subsídios atribuídos pelo INGA e pelo IFADAP; no entanto, deste:
2. € 42 452,02, respeitam a Plano Zonal de Castro Verde, estão indevidamente inscritos neste campo, uma vez que o montante em causa não se destina a compensar preços de venda; pelo que deverá transitar para o campo 410 do anexo B;
3. € 9 344,61, respeitam a um projecto de investimento financiado pelo IFADAP (electrificação) estão, igualmente, indevidamente inscritos neste campo, dado que se trata de um incentivo ao investimento e não de um subsídio destinado a compensar preços de venda; um quinto deste valor deverá ser inscrito no campo 410, por forma a cumprir com o determinado pelo artigo 31/7 do CIRS; os restantes quatro quintos deverão ser tributados nos quatro exercícios seguintes, ou seja até 2005; deste modo deverá ser considerado no campo 410 do anexo B do modelo 3, o montante de € 1 868,92;
v. (…);
vi. Exercício de 2002
1. Neste exercício o sujeito passivo declarou no campo 411 do anexo b do Modelo 3 de IRS, o montante de € 63 249,07, respeitante a subsídios atribuídos pelo INGA e pelo IFADAP;
2. No entanto estão incluídos neste montante € 21 226,01, respeitantes ao Plano Zonal de Castro Verde, que estão indevidamente inscritos neste campo, uma vez que o montante em causa não se destina a compensar preços de venda;
3. Pelo que, este valor deverá transitar para o campo 410 do anexo B;
4. Deverá ainda ser considerado no campo 410 do anexo B deste exercício o montante de € 1 868,92 que corresponde a um quinto do valor do subsídio ao investimento recebido em 2001, por forma a cumprir o estabelecido no artigo 31/7 do CIRS;
5. (…);
vii. (…);
viii. Exercício de 2004
1. Neste exercício o sujeito passivo declarou no campo 411 do anexo B da modelo 3 de IRS, o montante de € 55 275,88;
2. No entanto, o somatório dos valores titulados pelos documentos comprovativos que nos foram apresentados pelo sujeito passivo (comunicações de pagamentos do INGA e do IFADAP) ascende a € 82 599,73, existindo uma divergência de € 27 323,85, que o sujeito passivo omitiu (…);
3. Por coincidência, foi também esse o valor que o sujeito passivo recebeu do IFADAP a título de subsídio de investimento (electrificação) e que tributou em apenas um quinto, inscrevendo no campo 410, o montante de € 5 464,77, cumprindo desta forma com o determinado mo artigo 31/7 CIRS (…);
4. Por forma a enquadrar e tributar devidamente os montantes recebidos pelo sujeito passivo, neste exercício, deverão ser feitas as seguintes correcções:
5. Inscrever no campo 410 do anexo B da Modelo 3, o montante de € 34 849,62, uma vez que não constituem subsídios destinados a compensar preços de venda;

6. Inscrever igualmente no campo 410 (…), o montante de € 1 868,92, que corresponde a um quinto do subsídio ao investimento recebido em 2001;
7. Retirar do campo 411, o montante de € 7 525,77; se o sujeito passivo tivesse contabilizado a totalidade dos subsídios recebidos, o valor a retirar deste campo seria o montante transferido para o campo 410, ou seja, € 34 849,62, no entanto, como foram omitidos 27 323,85, o valor que deve constar no campo 411 (…), é de € 47 750,11;
ix. VIII – Direito de Audição – fundamentação
1. (…);
2. No (…) termo de declarações, o sujeito passivo declara a sua concordância com as correcções propostas no projecto de relatório de inspecção, à excepção do que se refere à tributação do subsídio atribuído pelo IFADAP, no âmbito de um projecto de electrificação colectivo, uma vez que, segundo o sujeito passivo, não se trata de um verdadeiro subsídio, mas sim de um reembolso do capital investido no projecto de electrificação feito em substituição da EDP;
3. De referir que a obra depois de concluída foi entregue à EDP, não fazendo parte do património do sujeito passivo;
4. (…);
D) Em 2005.11.07, foi emitida a liquidação nº ……………….., de IRS do exercício de 2001, com valor a pagar de € 2 361,33 e demonstração e acerto de contas com saldo a pagar de € 3 089,23 e data limite de pagamento de 2005.12.21 (cf. fls. 44 a 45 dos autos e fls. 6 a 8 do PA);
E) Em 2005.11.07, foi emitida a liquidação nº ………………, de IRS do exercício de 2002, com valor a pagar de € 2 755,15 e demonstração e acerto de contas com saldo a pagar de € 2 0002,62 e data limite de pagamento de 2005.12.21 (cf. fls. 53 a 55 dos autos);
F) Em 2005.10.31, foi emitida a liquidação nº …………….., de IRS do exercício de 2004, com valor a pagar de € 6 881,14 e demonstração e acerto de contas com saldo a pagar de € 5 584,97 e data limite de pagamento de 2005.12.14 (cf. fls. 66 a 67 dos autos);
G) Em 2006.03.14, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, deu entrada a presente impugnação (cf. fls. 2 dos autos);

b) Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provado com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

IV – Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo”.


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2.2. De direito

Como resulta dos termos do recurso interposto, os Recorrentes reputam a sentença de nula, pedindo ao Tribunal que reconheça tal nulidade resultante da falta de pronúncia sobre o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios sobre as quantias impugnadas e indevidamente pagas.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer sobre a alegada omissão de pronúncia.

Nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no actual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, a que correspondia o anterior artigo 668º, nº1, alínea d) do mesmo diploma], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”. O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Ora, no caso em apreciação, temos, tal como resulta daquilo que deixámos dito, que a alegada omissão de pronúncia radica no apontado não conhecimento do direito a juros indemnizatórios, tal como peticionados na p.i, pelos impugnantes, ora Recorrentes.

Com efeito, nos artigos 38º a 41º do articulado inicial, pode ler-se o seguinte:

Juros indemnizatórios

38º

Nos termos do art. 43º da LGT os impugnantes têm direito a ser-lhes reconhecido o pagamento de juros indemnizatórios;

39º

Foi iniciativa da A. Fiscal proceder à liquidações correctivas e juros impugnados, notificando os impugnantes para efectuarem o seu pagamento;

40º

Como os impugnantes não são devedores em tal medida desses tributos, conferido lhe fica o direito aos juros indemnizatórios;

41º

Serão tais juros contados desde o dia do pagamento 19/12/05 até à data de restituição, com a aplicação da data (deve ler-se, taxa) anual de 4% sobre o montante indevidamente cobrado (…)”

Sucede, efectivamente, que a sentença recorrida não se pronunciou sobre tal, como, aliás, a Mma. Juíza a quo reconhece ao referir que “apesar de peticionados, a sentença nada diz quanto aos juros”.

Por conseguinte, não nos restam dúvidas que não apenas a sentença não tomou conhecimento da questão relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, como, também, que o conhecimento de tal questão não estava prejudicado pelo conhecimento de outras. Há, como tal, uma omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, nos termos das disposições legais atrás invocadas.

No caso concreto, e como facilmente se percebe, tal nulidade afecta unicamente uma parte da sentença que é claramente autonomizável, pelo que será adequado falar, a este propósito, de nulidade parcial. Neste sentido aponta o disposto no artigo 635º, nº5 do CPC (anterior 684º, nº4), nos termos do qual “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”.

Tal tem “como corolário que as partes autónomas da sentença relativamente às quais não ocorre qualquer nulidade nem foram incluídas no objecto do recurso jurisdicional, se manterão necessariamente, não podendo haver novo julgamento quanto a elas, mesmo que tenha que ser proferida nova sentença, na sequência de anulação parcial.

Por isso, desde que a nulidade da sentença afecte apenas uma parte autónoma desta e haja mais do que uma parte decisória, será dispensável que a nova sentença inclua o conteúdo da parte decisória da primitiva que se consolidou na ordem jurídica por falta de impugnação” (cfr. J. Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, pág. 374).

Fazendo o enfoque no caso concreto, conclui-se que a sentença é inalterável na parte em que anulou as liquidações adicionais, na exacta medida em que as mesmas foram contestadas (nessa parte, de resto, a decisão transitou em julgado), verificando-se a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, quanto ao reconhecimento do direito dos juros indemnizatórios peticionados.

Como está bem de ver, este entendimento afasta-se, portanto, e não acolhe, aquela que foi a linha de raciocínio da Mma. Juiz a quo aquando da sua pronúncia sobre a nulidade invocada, sentido este, de resto, sufragado pela EMMP. Ou seja, discorda-se do entendimento segundo o qual, apesar de, efectivamente, a apontada questão não ter sido apreciada e decidida, tal não resultaria numa omissão de pronúncia porquanto a mesma “pode ser suprida por simples operação material, na execução”, pois que, nos termos do “artigo 100º da LGT, em caso de procedência total ou parcial de processo judicial a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros”.

Com efeito, importa reter o seguinte: uma coisa é os juros indemnizatórios não terem sido pedidos em sede de impugnação judicial e, ainda assim, poder ser reconhecido o direito aos mesmos em sede de execução do julgado; outra coisa é os juros indemnizatórios terem sido expressamente peticionados em sede de impugnação judicial e o Tribunal não se ter pronunciado sobre tal, quando, como é incontornável, esse é ainda um pedido que cabe no âmbito da impugnação judicial (cfr. nº 4 do artigo 61º do CPPT). Neste ultimo caso – que é o que nos ocupa – se o Tribunal não se pronúncia, como aconteceu, é apodíctico que há uma omissão de pronúncia.


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Haverá, agora, que saber, de acordo com o artigo 665º do NCPC (anterior 715º do CPC), se se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do tribunal ad quem ao tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado – nos termos do nº 2 do artigo 665º do CPC, “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.

A competência conferida à 2ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1ª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova, de acordo com o disposto no artigo 662º, nº1 do NCPC e, a contrario, no nº 2, al. c), ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT - anterior 712.º, n.º 1, al. a). do CPC.

Ora, in casu, os autos fornecem todos os elementos de prova (concretamente documental) para decidir da questão colocada e cujo conhecimento foi omitido, impondo-se, apenas e para tal, ao abrigo do preceito citado no parágrafo anterior, aditar à matéria provada o seguinte facto que, repete-se, decorre dos documentos juntos aos autos:

H) – As liquidações adicionais m.i nos pontos D, E e F supra foram pagas em 19.12.05 (conforme resulta das vinhetas apostas nos documentos juntos a fls. 46, 55 e 68 dos autos).


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Estabilizada a matéria de facto, passa a conhecer-se, em substituição, o pedido de juros indemnizatórios formulado pelos impugnantes, aqui Recorrentes.

Vejamos, pois, se a eles têm direito.

Como é sabido, os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos (artigo 43º da LGT).

Dispõe o artigo 43º da LGT, no que para aqui importa que:

1- São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(…)

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios

Ora, no caso, e tendo presente o teor da sentença proferida pelo TAF de Beja, dúvidas não restam que as liquidações adicionais impugnadas foram anuladas, na parte contestada, por as mesmas resultarem de um erro imputável aos serviços, ou seja, a AT procedeu a correcções e consequente liquidação de imposto em violação da lei.

Com efeito, lê-se na sentença (além do mais, mas no que para aqui releva), que:

“Com a publicação da Lei nº 67-A/2007 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008), que deu nova redacção aos artigos 31/5 do CIRS e 53/6 do CIRC, e aos subsídios à exploração, em sede de regime simplificado de tributação, passou a ser aplicado o coeficiente 0,2, com efeitos retroactivos ao exercício de 2006.

E, por isso mesmo, segundo as boas regras da interpretação legal, nos termos do ofício circulado nº 20126, que remete para o despacho nº 1223/2007-XVII do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e tem por base o Parecer nº 59/07 do Centro de Estudos Fiscais, relativamente aos exercícios de 2005 e anteriores, no caso de os contribuintes terem atempadamente reclamado contra a liquidação do imposto, manda cumprir ao novo enquadramento tributário dos subsídios à exploração.

Assim, tanto que em sede de reclamação graciosa a Autoridade Tributária e Aduaneira, em cumprimento do ofício circular citado, deferiria a pretensão dos Impugnantes, não vemos razão para em sede contenciosa não declaráramos também a procedência da presente impugnação, pelos motivos de correcto enquadramento normativo que levaram à emissão da circular, como directiva geral dirigida à Autoridade Tributária”.

Ora, tal entendimento determinou, como se constata em sede de impugnação judicial, a anulação das liquidações sindicadas, na parte em que as mesmas foram contestadas.

Por outro lado, também ficou demonstrado, como resulta da matéria de facto provada (cfr. matéria de facto aditada), que o imposto adicionalmente liquidado foi pago em 19.12.05.

Trata-se, pois, de uma quantia (sublinhe-se, aquela que foi impugnada e anulada) indevidamente entregue ao Estado.

Assim, entende este Tribunal estarem, no caso concreto, preenchidos todos os pressupostos dos quais a lei faz depender o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos dos preceitos legais supra invocados, os juros em causa serão contados desde a data do pagamento indevido do imposto, isto é, desde19.12.05, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, sendo a sua taxa a mesma prevista para os juros compensatórios. (cfr. artigos 61º do CPPT e 43º da LGT).

Tanto basta, sem necessidade de mais, para concluir que o recurso merece provimento, reconhecendo-se aos impugnantes o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos expostos.

3 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

- dar por verificada a nulidade (parcial) da sentença, por omissão de pronúncia, quanto ao pedido de juros indemnizatórios;

- julgar em substituição, reconhecendo, nos termos que ficaram explicitados, o direito dos Recorrentes aos peticionados juros indemnizatórios.

Sem custas.

Lisboa, 10 de Julho de 2014.


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Pereira Gameiro)

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(Jorge Cortês)