Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9356/16.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/28/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:IVA;
ATIVIDADE ACESSÓRIA.
Sumário:Para efeitos de exclusão do cálculo do "pro rata" o reconhecimento do caráter acessório de determinada actividade não está apenas ligada à quantificação dos resultados gerados com as operações, mas sim aos recursos que utiliza e ao IVA que incorpora.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira
RECORRIDO: Empresa ....................................., SA.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida contra as adicionais de IVA relativas aos anos de 1992, 1993, 1994 e 1995.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
I.O contribuinte, Empresa ......................, SA, vem impugnar os actos de liquidação adicional de IVA relativo aos anos de 1992 a 1995, no valor de €379.239,00, alegando fundamentalmente que o acto é ilegal por violação da lei, por considerar que as operações financeiras que lhes subjazem constituem operações acessórias excluídas da dedução de imposto, pelo que as correcções que determinaram as liquidações impugnadas são ilegais, por violação do art.0 23°, n°5 do CIVA.

II.Alega que as correcções em causa resultaram da consideração de a impugnante não ter tido em conta, no cálculo da dedução de IVA, as operações de natureza financeira que praticou nos referidos exercícios, e que no entendimento da Administração Fiscal deveriam ter sido levadas ao denominador da fracção de cálculo da dedução.

III. Por sentença datada de 27.10.2015, ora recorrida, veio a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, conceder provimento à impugnação apresentada e, consequentemente, anular os actos de liquidação impugnados por entender que o volume de negócios relativo às operações financeiras, porque não constituem actividade económica na acepção do art.0 , nº 2 da Sexta Directiva, deve, consequentemente , ser excluído do cálculo do pro rata de dedução previsto nos artigos 22º e 23° do CIVA, pelo que as correcções efectuadas são ilegais.

IV. A questão principal é a aplicabilidade ou não do disposto no nº 4 do art.0 23 do CIVA, ou seja, do carácter de acessoriedade de uma actividade em relação à outra actividade.

V. No CIVA não existe nenhuma norma que defina quando é que uma actividade é acessória e, por consequência, quando é que os respectivos proveitos não devem entrar no cálculo de percentagem.

VI. Na Sexta Directiva também se verifica esta omissão.

VII. O entendimento da AT, perfilhado pelo Ministério Publico, é que o carácter de acessoriedade deve ser auferido pelo valor que as operações assumem com referência ao imposto em causa.

VIII. Porquanto, pese embora a inexistência na lei de um critério definidor do conceito de acessoriedade, a mesma deve-se pautar por critérios o mais objectivos ou concretos possíveis.

IX. Ou seja, a análise da acessoriedade deve assentar na maior ou menor importância dessa operação na actividade económica da sociedade (e não às condições subjectivas da realização das operações financeiras, como defende a impugnante).

X. O que importa é o impacto real da operação na actividade económica da sociedade, o impacto na órbita do imposto em que incide.

XI. E neste sentido, só se pode concluir que a impugnante praticava tais operações no âmbito comercial, enquadrando-se assim no nº 4 do art.23º do CIVA.

XII. Pelo que, o douto Tribunal a quo, ao ter decidido da forma como decidiu, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, violando o consagrado no artigo 0 23º, nº 4 do CIVA.

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso. deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada justiça!


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA em consequência de ação de fiscalização que concluiu que a Impugnante exercia actividade mista, praticando operações isentas de imposto e operações sujeitas a imposto e dele não isentas.

Com dispensa de vistos vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) A Impugnante tem por objecto social o exercício de qualquer indústria ou comércio permitidos por lei e, em especial, o estudo e planeamento de projectos de investimento e respectiva coordenação, promoção da constituição de empresas comerciais ou industriais de qualquer natureza, a prestação de serviços de estudo, assistência e apoio técnico-financeiro a empresas e a grupos de empresas - cf. artigo 3.0 do estatuto da Impugnante a fls. 66 dos autos;

B) A Impugnante encontra-se enquadrada no CAE 74140 relativo a actividades de prestações de serviços empresas sob matéria natureza económica ou financeira - cf. fls. 58;

C) A Impugnante tinha, em 23/12/1992, a sua sede na Rua ....................., em Lisboa - cf. fls. 98;

D) Por escritura pública celebrada em 23/12/1992 a Impugnante vendeu ao Estado Português o prédio sito na Rua ....................., em Lisboa, pelo valor de 662.420.000$00 - cf. fls. 99;

E) Nos anos 1992 a 1995, a Impugnante adquiriu e vendeu diversas participações sociais que não teve em conta no cálculo do IVA - cf. 23.º da petição inicial e fls. 94 a 98;

F) Em 9/8/2002 a Impugnante foi objecto de acção inspectiva tendo em vista a análise do crédito de imposto referente ao período de 93/12 - cf. fls. 60;

G) Concluiu a equipa de inspecção que a Impugnante, exercendo uma actividade mista, composta por operações isentas de imposto nos termos do n.º 28 do art.º 9.º do CIVA e operações sujeitas e dele não isentas nos termos do art.º 4.º do CIVA, e estando sujeita ao regime previsto no artigo 23.º do CIVA, deduziu indevidamente nos anos de 1992 a 1995 a totalidade do imposto suportado - cf. fls. 60;

H) Foram efectuadas correcções com base no cálculo da percentagem de dedução, partindo dos valores contabilísticos dos vários exercícios, aplicando a respectiva percentagem ao IVA dedutível, e apurado o imposto considerado deduzido indevidamente no valor de 8.902.794$00 no ano de 1992, 19.622.280$00 no ano de 1993, 15.926.234$00 no exercício de 1994 e 10.999.033$00 no exercício de 1995 - cf. relatório de fls. 60;

I) Foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros n. ....................., ....................., ....................., ....................., ..................... a ..................... e ..................... a ..................... - cf . fls. 10 a 53;

J) Em 29/8/1997 a Impugnante efectuou o pagamento das mencionadas liquidações no valor de 76.030.734$00 correspondentes a € 379.239 - cf. fls.10 a 53;

K) A Impugnante requereu a emissão de certidão da fundamentação das referidas liquidações - cf. fls. 54;

L) Após o que, instaurou a presente acção.
*
Factos não provados

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Na sequência de inspeção realizada a Empresa ....................., SA foram efetuadas liquidações adicionais de IVA dos anos de 1992, 1993, 1994 e 1995 que a Impugnante contestou alegando não existirem fundamentos legais para as correções efetuadas, por entender que as operações isentas não deveriam ser incluídas no cálculo referido no art.º 23º n.º 4 do CIVA, fundamentando-se para tanto no n.º 5 do art.º 24º do CIVA. A actividade principal da Impugnante é a prestação de serviços a terceiros, paralelamente a esta actividade, alienou o edifício onde se encontrava a sua sede, que a conduziram a efetuar algumas operações sobre valores mobiliários para a colocação das suas disponibilidades de tesouraria facto que decorre de possuir um certo património.
Pode assim admitir-se que a sociedade tinha uma actividade mista, na medida em que prestava serviços a terceiros e por outro geria um património. Só que a gestão desse património constituía uma actividade claramente acessória da actividade principal de prestação de serviços, pelo que se enquadram na letra e no espírito do n.º 5 do art. 23 do IVA, o que afasta a sociedade da natureza de sujeito passivo misto para efeitos de IVA, consentido-lhe a dedução integral do IVA suportado nas suas aquisições.

A MMª juiz julgou procedente a Impugnação com os seguintes fundamentos:
“Está em causa nos presentes autos, saber se as liquidações oficiosas de IVA impugnadas padecem do vício de violação de lei, por violação do artigo 23.º n.º 5 do CIVA.
A Impugnante invoca que, desde sempre, entendeu que no cálculo da dedução do IVA, não deviam ser incluídas as operações isentas, designadamente, as operações financeiras que praticou nos exercícios em causa nos autos, por constituírem operações acessórias da sua actividade principal, caindo assim no âmbito de incidência do n.º 5 do artigo 23.º do CIVA.
As correcções que determinaram as liquidações impugnadas decorreram da consideração pela Administração Tributária de que aquelas operações isentas deveriam ser tidas em conta, devendo constar no denominador da fracção de cálculo de dedução de IVA, uma vez que questiona o carácter acessório da actividade em relação à actividade principal, entendendo que a integração do conceito de principal e de acessório se opera e avalia pelo valor que assumem no conjunto das operações da sociedade, relevando em concreto o volume de negócios.
Vejamos.
O IVA constitui um imposto de base comunitária que condiciona a margem de liberdade do legislador nacional. À data dos factos vigorava segundo sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado consagrado na 6ª Directiva, a Directiva 77/388/CEE, do Concelho, de 17/5/1977, publicada no JO n.0 L 145 de 13/6/ 77, com as suas sucessivas alterações, que veio a ser revogada pela Directiva 2006/112/CE, designada por Directiva IVA (cf. anexo IX, parte A), embora não corresponda a uma alteração substancial, mas apenas a uma reorganização sistemática.
Estão sujeitas ao IVA as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território do país por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, bem como as importações de bens.
Como característica fundamental deste imposto, destaca-se o facto de ser um imposto plurifásico, porquanto incide em todas as fazes do processo produtivo , pois o IVA atinge toda a cadeia de actos de consumo através do método subtractivo indirecto em que o IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços (inputs) é deduzido ao cobrado nas transmissões efectuadas (outputs), garantindo assim que não ocorre a cumulatividade do imposto em nenhuma das suas fases da cadeia económica, garantindo ainda a sua neutralidade e proporcionalidade, na medida em que todo o IVA incidente sobre a transacção de bens e serviços utilizados nas actividades económicas tributadas é deduzido (cf. artigo 19.º do CIVA e 17.º da Directiva).
O princípio da neutralidade e da proporcionalidade é alcançado através do direito à dedução e do reembolso, constituindo a regra, no apuramento do imposto devido, a dedução do imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, conforme decorre do artigo 19.º do CIVA, contudo, o sistema contém certos desvios que se encontram consagrados nos artigos 20.º 21.º e 23.º do CIVA.
Ocorre em certos casos - os chamados sujeitos mistos - o exercício pelo mesmo sujeito passivo de actividades sujeitas a IVA, que conferem direito à dedução do IVA incorrido, e de actividades isentas ou que simplesmente não estão no âmbito de incidência da norma, que implicam uma limitação à dedução, prevendo o legislador os métodos aplicáveis na determinação da afectação adequada a cada uma delas.
No caso dos autos, está em causa a aplicação do método pro rata.
A Administração Fiscal fundamentou a correcção que deu lugar às liquidações impugnadas no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, por entender que o valor das operações financeiras realizadas pela Impugnante deveriam integrar o denominador da equação pro rata, partindo do pressuposto de que se tratava de um sujeito misto, que exercia actividades isentas que não conferem direito à dedução e actividades sujeitas. Mais, entendeu que ao ter desconsiderado a actividade isenta para efeito de cálculo da dedução de IVA a que julgou ter direito, a Impugnante deduziu indevidamente a totalidade do IVA incorrido, entendimento com o qual esta não se conforma, desde logo por considerar que não lhe é aplicável a qualificação de sujeito misto. Que apesar da exígua fundamentação constante do relatório de inspecção, invoca que na sequência da venda de um imóvel, se limitou a gerir o seu património social adquirindo participações sociais que vendeu, e como tal, considera tratar-se de operações financeiras isentas, que não devem ser incluídas no cálculo da dedução do IVA.
A correcção que deu lugar à liquidação impugnada decorreu do entendimento de que lhe era aplicável o n.º 4 do artigo 23.° CIVA.
Dispõe o artigo 23.º do CIVA na redacção vigente à data dos factos, resultante da redacção dada pelo art° 1° do Dec.-Lei n.0 195/89, de 12 de Junho e do Dec.-Lei 139/92, de 17/7:
"1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deêm lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, desde que previamente comunique o facto à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos sem prejuízo da possibilidade de esta lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida no n.) 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos ternos do artigo 19.º e n.º 1 do art. 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto. excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
5 - No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.
(...)"
Como decorre da citada norma, o legislador impôs determinadas limitações ao direito à dedução, que decorrem da 6ª Directiva, prevendo, além de outras, a não inclusão das operações acessórias imobiliárias e financeiras isentas de IVA, ou seja, o imposto é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual das operações que conferem direito à dedução, sendo excluída a dedução, com relevo para o caso sub judice, das mencionadas operações acessórias.
Assim, no cálculo da percentagem da dedução ou pro rata referido no n.º 4, não são incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.
No caso dos autos, vem invocado pela Impugnante, e não questionado pela Fazenda Pública que o bem imóvel transmitido constituía a sede da Impugnante, pelo que integra o activo imobiliário, sendo ainda alegado que as operações financeiras em causa constituíram uma operação de gestão patrimonial, uma vez que corresponderam à aplicação do valor realizado com a transmissão do aludido bem imóvel.
Mostra-se controvertida a qualificação das operações
financeiras realizadas, uma vez que a Impugnante as considera acessórias, por não fazerem parte do seu objecto social, erigindo este critério como o determinante para decidir da integração das mencionadas operações no denominador da equação que serve de cálculo do imposto dedutível e a Fazenda Pública considera que o critério a ter em conta deve ser quantitativo, isto é, deve ter em conta o peso daquelas operações na actividade global do sujeito passivo. O conceito de acessoriedade apurar-se-ia, assim, com base na sua representatividade no volume de negócios.
Atentas as características supra apontadas ao IVA, a exclusão da dedução daquelas operações acessórias visa ainda assegurar o respeito pelo principio da neutralidade, na medida em que a sua inclusão reduziria, de forma não consentânea com o que são normalmente os contributos de tais operações na utilização de recursos, já que possuem um nível de inputs negligenciável ou carácter esporádico.
Impõe-se assim integrar o conceito de acessório, cujo recorte há-de encontrar-se, com base, não no seu peso nos proveitos ou resultados gerados, pois desse modo estaríamos a desvirtuar o direito à dedução de forma intolerável reduzindo o ratio da dedução do IVA dedutível, mas antes com base na existência de IVA incorrido a montante.
Donde, a consequência a retirar da aplicação do princípio da neutralidade é a de que o carácter acessório deve ser definido com base nos custos e respectivo IVA. Ou seja, tendo em conta que a lógica do IVA é a da dedução de IVA incorrido nas operações tributadas e a não dedutibilidade do IVA incorrido nas actividades isentas, a acessoriedade advém do facto da inexistência de inputs, ou seja, de o sujeito passivo não suportar IVA e de não existirem custos na actividade do sujeito passivo ou estes terem significado pouco expressivo na sua actividade global.
A acessoriedade não está tanto ligada à sua quantificação na perspectiva dos resultados gerados com essas operações (outputs), como defende a Fazenda Pública, mas sim à sua especificidade quanto aos inputs que implicam, isto é, quanto a os recursos que utiliza, ao IVA que incorpora, sendo esse o factor a ter em conta, atento o princípio da neutralidade.
No entanto, mais importante do que delimitar o conceito de acessoriedade para determinar qual a norma a que o caso dos autos se subsume, importa questionar se as operações financeiras em causa, atenta a definição constante do artigo 4.ºda 6ª Directiva e artigo 2.º n.º 1a) do CIVA, que operou a sua transposição, constitui uma actividade económica para efeitos de IVA, uma vez que é esse o pressuposto da tributação.

O artigo 4.º n.ºs 1e 2 da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 estabelece o seguinte: "1.Por «sujeito passivo» entende-se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.º 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.
2. As actividades económicas referidas no n ° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica."
Importa saber se a sociedade Impugnante, ao comprar e vender participações sociais durante os anos de 1992 a 1995, exerceu ou não uma actividade económica na acepção do artigo 4.º n.º 2 da 6ª Directiva .

Não fornecendo a Directiva elementos de interpretação, nem remetendo a sua definição para os Estados Membros, a clarificação de tais conceitos tem vindo a ser efectuada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). A delimitação do conceito de actividade económica, bem como de actividade financeira com carácter acessório, tem sido concretizada em diversas decisões.
No caso Polysar (C-60/ 90 de 20/6/91) o TJUE entendeu que a detenção de participações por uma Holding que não exerça outras actividades para além das relacionadas com a detenção de acções em filiais, sem intervenção na gestão da participada, não integrava o conceito de actividade económica e por tal razão, não existia o direito à dedução. Mais considerou, que atento o enquadramento efectuado do caso concreto, não deve ser considerado sujeito passivo, na acepção dos artigos 4.º e 17.º da Sexta Directiva. Referindo que ''(...) a mera tomada de participações no capital de outras empresas não constitui a exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, uma vez que o eventual dividendo, fruto dessa participação, resulta da mera propriedade do bem."
Advertindo, no entanto, que caso existisse interferência na gestão a situação seria diferente.
A questão foi retomada no caso Sofitam (C-33/91, de 22 de Junho de 1993) em que estava em causa a dedução integral de IVA suportado na aquisições de bens e serviços efectuadas por uma sociedade holding cujas receitas compreendiam vendas de produtos sujeitos a imposto e dividendos, e o TJUE decidiu que se os dividendos não são contrapartida de qualquer actividade económica, são estranhos ao sistema do direito à dedução e não devem, por conseguinte, ser incluídos no denominador da fracção representativa do pro rata.
Nos casos Floridienne/ Berginvest (C-142/ 99 de 14 de Novembro de 2000) e Welthgrove, BV (2001) o TJUE foi mais além, e concretizou o conceito de interferência na gestão, considerando que só há interferência na gestão relevante para os efeitos do IVA quando existam transacções sujeitas a IVA, como seria o caso de, conexa com a detenção de participações sociais, existir a prestação de serviços administrativos, contabilísticos etc.
Assim, a "intervenção de uma holding na gestão das suas filiais apenas constitui uma actividade económica na acepção do artigo 4°, nº 2, da Sexta Directiva, na medida em que implique transacções sujeitas a IVA nos termos do artigo 2.º dessa directiva'' tratando-se de "simples reinvestimento", concluindo que no cálculo do direito à dedução incorrido, não se inclui a percepção de dividendos, que o "Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que devem ser excluídos do denominador da fracção que serve de base ao cálculo do pro rata de dedução:
- por um lado, os dividendos distribuídos pelas filiais a uma holding que está sujeita ao IVA relativamente a outras actividades e fornece a estas filiais serviços de gestão e,
- por outro, os juros pagos por estas últimas a esta holding relativos a empréstimos que esta lhes concedeu, quando estas operações de empréstimos não constituem, na acepção do artigo 4.º, n.0 2, da Sexta Directiva, uma actividade económica da referida holding."
Da recensão efectuada decorre que a inclusão no denominador da equação de cálculo pro rata depende de se tratar de operação económica na acepção do artigo 4.º, n.º 2, da Sexta Directiva e, tratando-se de operação económica, a sua exclusão do denominador da equação depende, ainda, da sua qualificação como acessória.
O Tribunal de Justiça, no caso da Empresa de Desenvolvimento Mineiro SGPS SA (EDM), anteriormente Empresa de Desenvolvimento Mineiro SA (EDM), e a Fazenda Pública, no acórdão de 29 de Abril de 2004 proferido no processo C-77/ 01, apreciando um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Central Administrativo, decidiu-se que "actividades que consistam na simples venda de acções e de outros títulos negociáveis, como participações em fundos de investimento, não constituem actividades económicas na acepção do artigo 4.º n.º 2, da Sexta Directiva 77/388/CE E do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, e, portanto, não são abrangidas pelo âmbito de aplicação desta directiva; aplicações em fundos de investimento não constituem prestações de serviços «efectuadas a titulo oneroso», na acepção do artigo 2.º n.º 1, da Sexta Directiva 77/388 e, portanto, também não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da mesma directiva; o montante do volume de negócios relativo a estas operações deve, consequentemente, ser excluído do cálculo do pro rata de dedução previsto nos artigos 17.0 e 19.0 da referida directiva." Concluindo, no entanto, que já assim não seria se se tratasse de uma holding pura, situação que não vem alegada nem provada.
No caso dos autos, aplicando a delimitação efectuada pelo TJUE, a detenção de participações sociais, ou a sua compra e venda não integra, o conceito de actividade económica, na acepção do artigo 4.º, n.º 2, da Sexta Directiva, uma vez que se limite a gerir os investimentos a exemplo dum investidor privado (cf. acórdãos de 20 de Junho de 1996, Wellcome Trust, C- 155/94, Colect., p. I-3013, n.º 36, e de 26 de Setembro de 1996, Enkler, C- 230/94, Colect., p. I-4517, n.º 20). Com efeito, não estamos perante actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas, ou a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo.
Atento o objecto da Impugnante e a falta de invocação e prova de que a Impugnante efectua as operações financeiras em causa no âmbito dum objectivo empresarial ou com finalidade comercial, caracterizada nomeadamente por uma preocupação de rentabilização dos capitais investidos, como sucede com as holdings puras, não pode considerar-se que estamos perante uma actividade económica na acepção da Directiva, e como tal, a inclusão no denominador do cálculo do pro rata o valor das operações financeiras, sob pena de desvirtuar a neutralidade pretendida pelo sistema IVA pois afectará a percentagem do IVA incorrido e que deve ser deduzido relacionado com a sua actividade económica, introduzindo factores de desigualdade de concorrência. Conduzir-se- ia a um resultado falseado da medida do direito à dedução, uma vez que normalmente constituem operações que, pela sua acessoriedade, derivada da negligenciável utilização dos inputs ou carácter esporádico, implicam uma reduzida ou nula utilização de bens ou serviços pelos quais o IVA é dedutível e iriam reduzir a percentagem da dedução, distorcendo o sistema, em violação do principio da neutralidade.
Neste sentido se pronunciou o Tribunal de Justiça da União Europeia (IJUE) no caso Securenta Gõttinger Immobilienanlagen und Vermõgensmanagement AG/ Finanzamt Gõttingen o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia no Processo C-437/06, decidiu que "Quando um sujeito passivo exerce simultaneamente actividades económicas, tributadas ou isentas, e actividades não económicas que não entram no âmbito de aplicação da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, a dedução do imposto sobre o valor acrescentado que incidiu sobre as despesas relacionadas com a emissão de acções e partici pações ocultas atípicas só é permitida na medida em que estas despesas possam ser imputadas à actividade económica do sujeito passivo, na acepção do artigo 2.º, n.º1, desta directiva. "

Também no caso António Jorge, Lda, a que corresponde o Processo C- 536/03, julgando pedido de reenvio prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo, decidiu o TJUE que "o artigo 19.º n.º 1, da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, opõe-se a que, no denominador da fracção que permite o cálculo do pro rata de dedução, seja incluído o valor de obras em curso efectuadas por um sujeito passivo no exercício de uma actividade de construção civil, quando esse valor não corresponda a transmissões de bens ou a prestações de serviços que já tenha efectuado, que tenham sido objecto

No caso dos autos, a Administração Tributária limita-se a invocar que a Impugnante constitui um sujeito misto, sem especificar em que baseia tal qualificação, sendo completamente omissa quanto a tal elemento e impunha­ se que o fizesse uma vez que lhe cabe o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a efectuar as liquidações adicionais, atento disposto nos artigos 74.º n.º 1 e 75.º n.º 1da LGT.

Com efeito, não obstante o objecto social declarado e a declaração da actividade que pretende exercer, nada obsta a que na prática sejam exercidas outras actividades, mesmo a título principal, e se assim for, o seu enquadramento para efeitos de IVA será o que decorrer da actividade efectivamente exercida. No caso dos autos a Impugnante declarou exercer actividades que se enquadram no CAE 74140 que actualmente corresponde à categoria de actividades de consultoria para os negócios e a gestão, resultando da segunda revisão aos CAE que compreende as actividades de consultoria, orientação ou assistência operacional às empresas ou a organismos em matérias muito diversas, tais como: relações públicas e de comunicação interna ou externa; planeamento, organização, controlo, informação e gestão; concepção de programas contabilísticos e de processos de controlo orçamental; consultoria em gestão fornecida por agrónomos, silvicultores e outros técnicos, às explorações agrícolas, à aquacultura e às zonas de regime cinegético especial; e estudos de impacto ambiental. Inclui ainda actividades de arbitragem e de conciliação entre órgãos de gestão e os representantes dos trabalhadores.

Concluindo, o montante do volume de negócios relativo às operações financeiras, porque não constituem actividade económica na acepção do artigo 4.º, n.º 2, da Sexta Directiva, deve, consequentemente, ser excluído do cálculo do pro rata de dedução previsto nos artigos 22.º e 23.º do C VA, pelo que as correcções efectuadas são ilegais, o mesmo sucedendo com as liquidações adicionais que nelas se fundamentaram.
Termos em que se conclui que os actos impugnados são ilegais, não se podendo manter na ordem jurídica, mostrando-se assim procedente a pretensão da Impugnante”.

Condensando a reflexão da MMª juiz, podemos relevar o seguinte:
- O princípio da neutralidade do IVA é alcançado através do direito à dedução e do reembolso;
- Os sujeitos que exercem atividades sujeitas a IVA, que conferem o direito à dedução do IVA incorrido, e actividades isentas (sujeitos mistos) estão sujeitos a limitação no direito à dedução;
- A AT considerou que o Impugnante era um sujeito misto e que por assim ser, deduziu indevidamente a totalidade do IVA suportado nos inputs. Deveria, na tese da AT, ter calculado o “pro rata” integrando no denominador o valor das operações financeiras realizadas, aplicando o disposto no n.º 4 do art.º 23º do CIVA.
- O bem imóvel transmitido constituía a sede da Impugnante, pelo que integra o seu activo imobilizado;
- É controvertida a natureza das operações financeiras, que a Impugnante considera meramente acessórias e por isso não devem integrar o denominador da fração;
- O caráter acessório deve ser definido com base na existência de IVA incorrido a montante e nos recursos que utiliza, e não com base no seu peso nos proveitos ou resultados gerados, pois desse modo desvirtuar-se-ia o direito à dedução de forma intolerável;
- A inclusão no denominador da equação de cálculo do pro rata depende de se tratar de operação económica na aceção do artigo 4º n.º 2 da Sexta Directiva e tratando-se de operação económica, a sua exclusão do denominado e da equação depende, ainda da sua qualificação como acessória;
- A AT limita-se a invocar que a Impugnante constitui um sujeito misto, sem especificar em que baseia tal qualificação;
- A compra e venda de participações sociais durante os anos de 1992 a 1995 não integra o conceito de actividade económica (com base em jurisprudência do TJUE acima citada), por não se ter provado que as operações financeiras em causa foram efetuadas no âmbito de um objectivo empresarial ou com finalidade comercial;
- Por tal razão, o respetivo valor não deve ser incluído no denominador da fração para cálculo do "pro rata".

A Autoridade Tributária discorda do decidido argumentando, em síntese, o seguinte:
- Não existe norma legal que defina quando uma actividade é acessória;
- Por isso, o caráter de acessoriedade deve ser aferido pelo valor que as operações assumem com referência ao imposto em causa;
- Por ser o critério mais objectivo e concreto possível;
- O que importa é o impacto real da operação na actividade económica da sociedade.

Sendo estes os dados da questão em análise neste recurso, podemos desde já adiantar que, salvo do devido respeito, o Exmo. Representante da Fazenda Pública não tem razão.

A sentença explicou muito bem e fundamentou com recurso a jurisprudência do TJUE, porque razão o caráter acessório de determinada actividade não está (apenas) ligada à quantificação dos resultados gerados com as operações, mas sim aos recursos que utiliza e ao IVA que incorpora.
Esta matéria foi bem analisada na sentença em termos que sufragamos e que se torna desnecessário repetir.

Em abono da tese defendida na sentença, também Filipe Duarte Neves defende que “o caráter acessório deve ser aferido em concreto, ou seja, em função da actividade efetivamente desenvolvida pelo sujeito passivo. Tal não significa que se pode afastar, sem mais, o volume das operações. Contudo, o que é decisivo é ponderar diversos indicadores (recursos afetos, iniciativas realizadas, objecto imediato, etc) de modo a identificar as actividades efetivamente exercidas a título principal e as que são meramente acessórias(1) ”.

De resto, como também dão conta Alexandra Martins e Lídia Santos (2), a própria AT abandonou o critério de acessoriedade baseado num critério quantitativo, (desde que o montante que não excedesse 5% do volume de negócios do sujeito passivo) e adotou no Ofício Circulado n.º 30103 de 23/4/2008, o critério que atende à natureza da atividade exercida pelo sujeito passivo e às condições concretas da realização das operações financeiras, aproximando-se assim da jurisprudência do TJUE.
Por outro lado, como muito bem referiu a sentença, antes de saber se a atividade é acessória ou não, devemos indagar previamente se, no caso concreto e tendo em conta a atividade desenvolvida pela Impugnante, a compra e venda de participações sociais durante os anos de 1992 a 1995 constitui uma actividade económica na aceção do art.º 4º n.º 2 da Sexta Directiva.
Para isso, ter-se-á de recorrer ao objecto social da Impugnante e à prova recolhida quanto às operações financeiras, de que modo eram realizadas e quais os objectivos visados.

O objeto social da Impugnante insere-se no CAE 74140 (3).
E quanto às operações financeiras realizadas pela Impugnante, a AT nada de relevante recolheu quanto ao modo e objectivos visados nessas operações, limitando-se a concluir o que consta da alínea F) dos factos provados.
Ou seja, não recolheu quaisquer elementos que permitam afirmar que a Impugnante efetuava as operações financeiras com objetivo empresarial ou com finalidade comercial, ou outra referida no n.º 2 do art.º 4º da Sexta Directiva.

E assim sendo, não se pode considerar que estamos perante uma atividade económica na aceção da Diretiva, pelo que, também por esta razão, o respetivo volume de negócios deve ser excluído do cálculo do "pro rata" de dedução previsto nos artigos 22º e 23º do CIVA, como bem decidiu a MMª juiz.

Nestas circunstâncias, improcedendo todas as conclusões, a sentença deverá ser confirmada.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCA em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas.

Lisboa, 28 de março de 2019.



(Mário Rebelo)


(Lurdes Toscano)


(​Patrícia Manuel Pires)

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(1) In Código do IVA e Legislação Complementar, 2012, “Vida Económica”, pp. 420.
(2) In Código do IVA e RITI, Almedina, 2014, pp. 289.
(3) No RIT diz-se que a Impugnante tem por “...objecto social o exercício de qualquer indústria ou comércio permitidos por lei, e, em especial, o estudo e planeamento de projectos de investimento e respetiva coordenação, a promoção de constituição de empresas comerciais ou industriais de qualquer natureza, a prestação de serviços de estudo, assistência e apoio técnico- financeiro a empresas e grupos de empresa”