Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1904/16.4BELSB-A
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/04/2017
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores: CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO
Sumário:I)-Nos termos do artigo 103.º-A, do CPTA, resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos (i) alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e (ii) ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.

II) - Da concatenação do art. 103.º-A, n.º 2, do CPTA, com o disposto no art. 342.º n.º 1, do C. Civil, decorre que recai sobre a entidade demandada e os contra-interessados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.

III) - A suspensão do acto de adjudicação impugnado e a consequente suspensão do procedimento tendente à celebração do contrato, que impede a imediata execução do serviço de fornecimento de Gás Natural a um conjunto de 50 veículos de recolha de resíduos sólidos num universo de 172 viaturas, embora constitua um prejuízo para o interesse público, consubstancia tão-somente um mero prejuízo – o efeito normal – decorrente do retardamento do início do fornecimento do GN a uma parte dos veículos que vêm efectuando a recolha de resíduos sólidos, os quais continuam a ser garantidos pelos serviços municipais –, e não um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei, “gravemente prejudicial para o interesse público” e que, como tal, deva ser imperiosa e urgentissimamente acautelado por via do incidente previsto no artigo 103.º, n.º 2, do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I- RELATÓRIO

O MUNICÍPIO DE LISBOA, e a Contra-Interessada VALOR ………………………………………, S.A., com os sinais dos autos, inconformados com a decisão do TAC de Lisboa que, no âmbito do processo de contencioso pré-contratual instaurado pela Douro………….- Medição e ………………….. S.A., indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo deduzido pela ora Recorrida, vieram interpor recurso jurisdicional ao abrigo do disposto nos artigos 142, n.º 5, 143.º, n.º 1, e 147.º do CPTA e 644.º n.º 1, al. a), parte final, e n.º 2, al. h), do CPC.

As alegações de recurso que O MUNICÍPIO DE LISBOA apresentou culminam com as seguintes conclusões:

“1. Em 20 de abril de 2017 foi proferida douta decisão que julgou improcedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo requerido pelo Réu Município de Lisboa nos presentes autos.
2. O concurso suspenso tem como objeto a "Aquisição de Gás Natural Comprimido (GNC) para os veículos da frota municipal" e não se vislumbra no petitório da Autora quaisquer interesses superiores aos do Réu.
3. Como refere o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, com data de 24 de novembro de 2016, disponível em www.dgsi.pt. o regime que parece resultar dos n° 2 e n° 4 do artigo 103º-A, à luz da letra da lei e da teleologia, é que a metodologia decisória deve passar pela ponderação racional de todos os interesses em presença e de todos os danos respetivos, ponderando os prejuízos a causar pela continuação do efeito suspensivo automático ou a causar pela retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória, sendo que, com base nestas premissas, o Juiz deve decidir levantar o efeito suspensivo da interposição da ação se concluir que os prejuízos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostrarem claramente superiores aos prejuízos que possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento.
4. Ao contrário do referido na douta decisão, o Réu no presente processo não se bastou em alegar "factos em abstraio, de provocar as consequências típicas havidas como prejuízo ou como causa do prejuízo invocado".
5. Ficou provado que o Réu dispõe de 50 viaturas na sua frota de recolha de lixo movidas a GNC e que o total de resíduos urbanos recolhidos anualmente é de 291.789 toneladas, o que, dividindo por 365 dias, dá cerca de 800 toneladas recolhidas diariamente.
6. No total de 172 viaturas, cerca de 1/3 das viaturas da frota do Réu para recolha de resíduos poderá ficar parado, ou seja, 266 toneladas de lixo não serão recolhidos diariamente, ou seja, cerca de 8000 toneladas ao fim de um mês.
7. Por parte da A., nenhum prejuízo ficou provado, tendo esta apenas meras expectativas, económicas com a eventual adjudicação do contrato.
8. O Tribunal motivou a presente decisão, na parte em que apreciou o mérito do incidente, na necessidade de ser realizada uma operação de ponderação dos prejuízos segundo um juízo de proporcionalidade e no facto de caber ao requerente não só o ónus de alegar e provar os factos concretos que demonstrem as condições legais que depende o levantamento do efeito suspensivo automático, bem como, a demonstração da gravidade dos danos que resultariam para o interesse público e/ou da desproporcionalidade dos danos - o que o Réu fez.
9. Ao contrário do referido pelo Tribunal o juízo de gravidade ou de proporcionalidade não tem de ser de certeza ou de probabilidade quase a tocar a certeza.
10. O Réu cumpriu com a exigência legal para o levantamento do efeito suspensivo automático, ou seja, provou que a manutenção da suspensão do ato impugnado é gravemente prejudicial para o interesse público, na medida em que propiciará a imobilização das viaturas movidas a GNC e provou ainda que as consequências lesivas são desproporcionais para os interesses envolvidos.
11. Na sua decisão o Tribunal refere que os prejuízos invocados pelo Município de Lisboa são meras possibilidades abstraías e que não está demonstrada "... a gravidade, em concreto, a exata magnitude dos prejuízos invocados..." (negrito e sublinhado nosso).
12. Esta exigência referida no artigo anterior, para o eventual deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, imputaria ao Réu uma muito difícil ou inultrapassável tarefa, consubstanciadora de uma probatio diabólica.
13. Como bem refere o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, com data de 21 de outubro de 2016, disponível em www.dgsi.pt. "Inquestionavelmente a continuidade do funcionamento eficaz do serviço de recolha do lixo é uma necessidade geral imperiosa, por irreparáveis os efeitos nocivos para a saúde e higiene pública previsivelmente advenientes da perturbação e descontinuidade dessa tarefa, em contraponto e sem qualquer dúvida em sobreposição ao interesse privado, de índole económica...".
14. O Tribunal absteve-se, contrariamente ao que se lhe impunha, da tarefa de analisar as provas interpretativamente.
15. Com base na prova por presunções judiciais, previstas nos artigos 349° a 351° do Código Civil, pensamos que o julgador pode preencher o requisito necessário para o levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no artigo 103-A, n.º 2 do CPTA, ou seja, que a manutenção do efeito suspensivo será gravemente prejudicial para o interesse público defendido pelo Réu no caso concreto.
16. De referir ainda, que o regime do contencioso pré-contratual ao remeter para o artigo 103-A, n.° 2, não exige uma prova stricto sensu - mas apenas uma prova sumária do direito ameaçado, não cabendo neste regime, urgente por natureza, a produção de prova em quantidade tal e de exigência técnica rigorosa, por parte do demandado e dos contrainteressados, que impossibilite o julgador de analisar a mesma no curto prazo legal que dispõe para decidir.
17. O Réu Município de Lisboa, fez prova no presente incidente dos superiores interesses públicos que defende face aos interesses da A..
18. A obrigação de gestão dos resíduos urbanos por parte do Réu - com a finalidade de garantir a saúde, segurança e higiene urbana, obviando nomeadamente aos riscos iminentes para a saúde pública decorrentes do abandono dos resíduos nos contentores ou na via pública - decorre da própria lei, nomeadamente, o Regime Geral da Gestão de Resíduos, Decreto-Lei n.° 178/2006, de 05 de Setembro, com um regime contra-ordenacional ambiental muito severo para o Réu, constituindo um direito fundamental e constitucionalmente protegido, artigo 66° da CRP.
19. É de conhecimento intuitivo geral o facto de uma ineficiente gestão de resíduos urbanos representar perigos vários para a saúde e para o meio ambiente.
20. Como refere o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte supra referido, de 21 de outubro de 2016, citando e aderindo à decisão proferida pelo TAF em processo com o n.° 123716.6BEPRT, em que foi decretado o levantamento do efeito suspensivo a propósito do dever que assiste ao Município em zelar pelo regular serviço de recolha de lixo «E um interesse notoriamente público, que não pode estar sujeito às vicissitudes de quebras contratuais ou a incertezas de continuidade ou às delongas de um procedimento concursal, mesmo que motivos legais o possam eventualmente inquinar. E é de um interesse público de extrema relevância, porquanto, não se admite sequer a hipótese de vir a ser perturbado ou interrompido sob pena de, como assevera o R., vier a estar em crise apropria higiene dos espaços públicos e, pior, a saúde pública.».
21. Acresce que, tal situação agravaria o não cumprimento das metas definidas para a recolha seletíva de resíduos urbanos da cidade, estipuladas na Diretiva Europeia 2004/12/CE, de 20 de dezembro de 1994 e no PERSU 2020, aprovado (Portaria n°187-A/2014, de 17 de Setembro), lesando gravemente os interesses públicos defendidos pelo Réu.
22. Resulta de toda a argumentação expendida no presente processo, e dos factos provados, que o único interesse da A. é de natureza exclusivamente económica, o que sucumbe, de forma evidente, perante o interesse público defendido pelo Réu e subjacente à contratação do objeto em causa, nos presentes autos.
23. Por fim, o Tribunal refere que o Réu dispõe de soluções alternativas para assegurar a continuidade do serviço uma vez que o CCP autoriza o recurso ao ajuste direto para celebração de qualquer espécie de contrato, através do "critério da urgência imperiosa" previsto no artigo 24°, n.° l, alínea c) do CCP, sendo que ao defender esta solução está ele próprio a reconhecer que a manutenção do efeito suspensivo automático é gravemente prejudicial para elevado interesse público sustentado pelo Réu nos presentes autos.
24. Sem prejuízo do que foi dito até agora, acresce que o Tribunal "agarrou-se" ao número de viaturas que constam no relatório da ERSAR junto aos autos pelo Réu, no total de 172, e não às 98 indicadas pelo Município de Lisboa na sua Contestação, sem atender à justificação prestada pelo Réu e à prova que consta no referido relatório da ERSAR.
25. A discrepância dos números foi explicada pelo facto de a ERSAR contabilizar todas as viaturas que no decorrer de 2015 realizaram transporte de resíduos, mesmo as viaturas descontinuadas para o serviço de recolha de resíduos urbanos e que apenas realizaram num dia especifico um único circuito de recolha de resíduos.
26. Por outro lado, e resulta ainda do Relatório da ERSAR o facto de o volume de consumos de GNC das viaturas do Réu afetos à recolha de resíduos ser bastante superior ao volume de consumos das viaturas movidas a gasóleo, o que comprova a argumentação levada a cabo pelo Réu e demonstra que o número de resíduos recolhidos pelo Réu é feito maioritariamente com recurso à frota de viaturas movidas a GNC.
27. Por todo o exposto, pelos factos dados como provados na douta decisão (sem prejuízo do que referimos supra no que se refere à falta de atendimento de restante prova produzida pelo Réu), pelo prejuízo que ficou provado por parte do MUNICÍPIO DE LISBOA Réu, em contraponto com o facto de nenhum prejuízo ter ficado provado por parte da A. e pelo facto de no presente incidente terem ficado provados os superiores interesses públicos defendidos pelo Réu face aos interesses da A., deve em consequência ser revogada a douta decisão proferida, em 20 de abril de 2017, sendo proferida nova decisão que julgue procedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo requerido pelo Réu.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, sendo revogada a douta decisão proferida, em 20 de abril de 2017, e proferida nova decisão que julgue procedente, por provado, o pedido de levantamento do efeito suspensivo requerido pelo Réu Município de Lisboa, nos termos supra expostos, tudo com todas as legais consequências.”


As alegações de recurso que a Contra-Interessada VALOR ………………………………, S.A., apresentou ostentam as seguintes conclusões:

“a) A Autora não tomou posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, nos termos do art.° 83.°, n.° 3, do CPTA, aplicável por analogia, por força da remissão operada nos termos do art.° 102.°, n.° 1, do mesmo Código;
b) A factualidade alegada nos art.°s 4.°, 10.°, 14.°a 18.° do requerimento de levantamento do efeito suspensivo automático apresentado pela Contra-Interessada, deverá ser considerada provada, ao abrigo do disposto no art.° 83.°, n,° 4, parte final, do CPTA;
c) A decisão recorrida não efectuou qualquer ponderação dos danos e prejuízos resultantes da manutenção do efeito suspensivo automático, como deveria ter feito, nos termos do art.° 103°-A, n.° 4, do CPTA;
d) Tendo a Contra-Interessada alegado, em síntese, que a paralisação da recolha de resíduos urbanos, emergente do diferimento da execução do acto de adjudicação impugnado pela Autora, irá criar situações de maus cheiros, pragas e infestações nas vias públicas, prejudicando a salubridade dos locais de deposição e zonas envolventes, bem como constituir um perigo para a segurança e saúde pública, com graves consequências para a saúde dos munícipes e para o ambiente e qualidade de vida na cidade de Lisboa - o que é do conhecimento geral, resulta das regras da experiência e foi admitido pelo Mmo. Juiz ã quo - não é possível concretizar a exacta magnitude e dimensão de tais prejuízos, nem tal concretização pode ser exigida à Contra-Interessada;
e) O que releva é a demonstração da grande probabilidade de ocorrerem perturbações graves da prestação do serviço de recolha de resíduos urbanos na cidade de Lisboa, com consequências nocivas para a saúde, ambiente e qualidade de vida, e tal demonstração foi efectuada pelas requerentes do levantamento do efeito suspensivo automático;
f) Na resposta que apresentou no incidente de levantamento do efeito suspensivo dos presentes autos, a Autora não alegou nem concretizou a verificação de quaisquer prejuízos, na sua esfera, eventualmente resultantes do levantamento do efeito suspensivo e, ainda que o tivesse feito, tais prejuízos seriam de natureza meramente patrimonial;
g) Ponderando os prejuízos resultantes para a saúde e higiene públicas emergentes da manutenção do efeito suspensivo automático do acto impugnado, que consubstanciam grave lesão do interesse público em presença, e os hipotéticos prejuízos da Autora emergentes desse levantamento, de natureza meramente patrimonial - que a Autora, aliás, não alegou nem concretizou - é inequívoco que os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo são consideravelmente superiores aos que podem resultar do seu levantamento, o que determina o levantamento do mencionado efeito suspensivo, à luz do critério de decisão resultante da conjugação do disposto no art.°103.°-A, n.°s 2 e 4, e 120.°, n.°2, do CPTA;
h) a suspensão automática dos efeitos do acto de adjudicação provoca um prejuízo de natureza patrimonial à Contra-Interessada, pois impede-a de celebrar o contrato de fornecimento a que legalmente tem direito, em virtude de a sua proposta ter sido classificada em primeiro lugar e de lhe ter sido adjudicado o fornecimento em apreço, o que constituem consequências lesivas claramente desproporcionadas para os interesses da Contra-Interessada que, a par do grave prejuízo para o interesse público, determinam igualmente o levantamento do mencionado efeito suspensivo, à luz do mesmo critério de decisão;
i) O recurso ao ajuste directo para o fornecimento de GNC aos veículos da frota municipal do Réu que asseguram a recolha de resíduos urbanos na cidade de Lisboa, não constitui uma solução alternativa que possa ser adoptada pelo Município de Lisboa sem que a mesma preencha os requisitos estabelecidos na lei - como é o caso claro da alínea f) do n.°1 do artigo 24. do Código dos Contratos Públicos - e que possa ser adoptada durante todo o período de pendência da acção dos presentes autos - como é o caso da alínea c) do n.°1 do artigo 24.° do Código dos Contratos Públicos;
j) A decisão recorrida viola o disposto nos art.°s 103.°-A, n.°s 2 e 4, e 120.°, n.° 2, ambos do CPTA;
k) A decisão recorrida devia ter interpretado e aplicado o disposto nos art.°s 103.°-A, n.°s 2 e 4, e 120.°, n.° 2, ambos do CPTA, no sentido de determinar o levantamento do efeito suspensivo automático decorrente da propositura da acção.”

A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, concluindo como segue:

“ENQUADRAMENTO E OBJECTO
I. A Autora apresentou a acção de contencioso pré-contratual para a impugnação de actos administrativos relativos ao procedimento por concurso público de aquisição de gás natural comprimido (GNC) para veículos da frota municipal - processo n.° 09/CPI/DA/CCM/2016, inclusive as normas e peças do procedimento, bem como o relatório final e a respectiva aprovação e decisão de adjudicação, figurando como partes o Réu e a Contra-interessada.
II. Nos termos dos art.°s 100.° a 103.°-B, todos do CPTA, logo foi atribuído aos autos o efeito suspensivo automático nos termos do art.° 103.°-A do CPTA: 1 -A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se esteja tiver sido celebrado.
III. Veio o Réu e a Contra-interessada pedir o levantamento do efeito suspensivo automático em 05-09-2016 e em 12-09-2016, respectivamente, porém, não alegaram aquelas sequer factos e prova bastantes para que fosse procedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático nos termos do n.° 2 do art.° 103.°-A, do CPTA.
IV. Sendo certo que, quer o Réu, quer a Contra-interessada, nem sequer demonstraram que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
V. E, segundo a decisão recorrida, porque o efeito suspensivo decorre directamente da lei, como consequência automática da impugnação judicial do acto de adjudicação, não há, no incidente de levantamento, lugar à discussão da legalidade desse acto mas sim à operação de ponderação de prejuízos segundo um juízo de proporcionalidade.
VI. Em suma, o levantamento do efeito suspensivo automático exige e depende, num primeiro momento, da demonstração, mediante a alegação e prova de factos concretos, por quem o requer, da gravidade (em termos absolutos) dos danos que resultariam para o interesse público e/ou da desproporcionalidade dos danos (quaisquer que sejam) que da manutenção do efeito suspensivo resultariam para os demais interesses envolvidos e, num segundo momento, de um juízo (relativo) de ponderação, por parte do julgador, dos prejuízos invocados,
VII. A decisão recorrida terá então assentado na prova dos factos levados ao probatório assenta nos documentos juntos e naqueles que constituem o processo administrativo (PA) apensado aos autos, uns e outros não impugnados, bem como na valoração da atitude de cada parte perante as alegações da parte contrária.
VIII. Por um conjunto de razões, entendeu a douta decisão recorrida que o Réu e a Contra-interessada não lograram demonstrar que a manutenção do efeito suspensivo será gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e, consequentemente, que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo são superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
IX. Face ao exposto, a douta decisão recorrida julgou improcedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo em causa.
X. E a nosso ver bem como trataremos de enunciar abaixo, pelo que deverão ser julgados improcedentes os recursos interpostos pelas Recorrentes Réu e Contra-interessada.
QUANTO À OMISSÃO DE FACTOS E PROVA PELO RÉU E CONTRA-INTERESSADA POR UM LADO,
XI. O art.° 103.°-A do CPTA prevê o seguinte: 1 - A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se esteja tiver sido celebrado.2 - No caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.° 3 - No caso previsto no número anterior, o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que o juiz decide no prazo máximo de W dias, contado da data da última pronúncia apresentada ou do termo do prazo para a sua apresentação. 4 -O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento. - negrito e sublinhado nosso.
XII. Sendo que o art.° 120.°, n.° 2, do CPTA refere que: 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
XIII. O art.° 103.°, n.° 2, do CPTA exige para o levantamento do efeito suspensivo automático para o efeito o preenchimento fundamentado do requisito: "o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos,
XIV. Esta possibilidade é concretizada no n.° 4 do artigo 103.°-A e pela remissão que o seu n.° 2 faz para o artigo 120.°/2 (requisito da ponderação de interesses em sede de tutela cautelar).
XV. Sucede que quer o Réu, quer a Contra-interessada, nos seus requerimentos, limitaram-se a referir, sem qualquer prova que permita sustentar as suas afirmações, quanto ao preenchimento do requisito (a) que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e quanto ao preenchimento do requisito (b) que ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
XVI. Nesta sede, releva evidenciar que o pedido de levantamento do efeito suspensivo da impugnação do acto de adjudicação constitui um requerimento processual, cabendo, como tal, a quem o apresenta trazer aos autos todos os factos relevantes à sua decisão (n°1 do artigo 5° do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 1° do CPTA), sendo que o mesmo se extrai do art° 342° do Código Civil ao estatuir que "àquele que invocar o direito cabe fazer prova dos f actos constitutivos do direito alegado".
XVII. Deste modo, cabia ao Réu e à Contra-interessada fazer prova dos prejuízos que invocam, porém não foi assim que fizeram nos requerimentos apresentados, pois nem fundamentaram os referidos requerimentos, como não fizeram sequer prova dos factos que alegaram, assim, não cumpriram o ónus do oferecimento de prova da realidade invocada.
XVIII. Nesse sentido já decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23-09-2016 disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89dlc0288c2dd49c802575c8003279c7/2517f363 ac477c258025806d00509535?OpenDocument.
XIX. Tendo presente o artigo 103°-A do CPTA e a circunstância de não resultar dos requerimentos do Réu e da Contra-interessada nenhum facto, dano e prova decorrentes da manutenção desse efeito suspensivo é suficiente para se concluir que não se verificam os pressupostos normativos para o levantamento do efeito suspensivo da impugnação do acto de adjudicação, devendo o mesmo ser indeferido.
POR OUTRO LADO,
XX. O Réu, por um lado, limita-se a invocar que o contrato de fornecimento de GNC para algumas das 50 viaturas de recolha de resíduos urbanos de Lisboa, no valor de 3.700.000,00€, de um total de 98 viaturas terminaria em 11-11-2016 precisa de visto do Tribunal de Contas, que a suspensão implicaria o não fornecimento de GNC para algumas das referidas viaturas de recolha de resíduos urbanos e a paralisação destas, e que tais factos implicariam a impossibilidade de recolha de resíduos urbanos e de lavagem dos contentores de resíduos na cidade, com consequências ao nível da insalubridade, saúde pública, ambiente, turismo, economia.
XXI. E a referir que o interesse público ficaria prejudicado e que tais consequências seriam desproporcionadas quanto ao interesse económico da Autora, sem alegar quaisquer danos concretos do não levantamento da suspensão em ponderação com os danos que advém do levantamento da suspensão.
XXII. Por outro lado, quanto ao requerimento da Contra-ínteressada, a mesma limitou-se a reiterar o que foi alegado pelo Réu, apenas tendo junto esta última prova quanto ao contrato anterior e que não é objecto dos presentes autos.
XXIII. Assim, da factualidade alegada pelo Réu e pela Contra-interessada não se consegue retirar qualquer facto concreto suscetível de se subsumir no conceito de situação "gravemente prejudicial para o interesse público", nem sequer o Réu e a Contra-interessada juntaram qualquer prova para os factos que invocam.
POR ÚLTIMO,
XXIV. Por douto despacho de 06-03-2017 o Tribunal notificou o Réu:
"...para juntar, em suporte de papel ou suporte informático, os relatórios ou a parte deles que contêm os dados que cita."
XXV. Ou seja, aquele douto despacho ordenou o Réu para vir juntar aos autos prova documental para os factos que invocam nos art.°s 7 a 14 do requerimento pelo qual, com base nos mesmos factos alegados, o Réu e a Contra-Interessada pediam o levantamento do efeito suspensivo automático.
XXVI. Portanto, partimos do pressuposto que a prova documental até então junta pelas partes não respeitavam o ónus da prova dos factos que invocavam, o que pura e simplesmente ditaria o indeferimento do requerido pelo Réu e Contra-interessada nos termos do art.° 103.°-A do CPTA.
XXVII. Ainda assim, sem prejuízo, pela leitura e confronto do requerimento e documentos juntos pelo Réu Município em 15-03-2017 e em 16-03-2017, não podemos deixar de chegar à conclusão que aquele veio agora dar o dito por não dito e fazer prova que afinal deverá ser indeferido o requerido levantamento do efeito suspensivo automático.
XXVIII. Note-se que nos art.°s 7.° a 14.° do requerimento do Réu de 05-09-2016 era invocado que: "W. A recolha de resíduos urbanos da cidade é assegurada por 98 viaturas, das quais 50 são movidas a GNC, o que representa 52% do total. 11. As viaturas supra identificadas realizam diariamente cerca de 60 circuitos de remoção de resíduos urbanos, dos 100 circuitos que se encontram definidos para toda a cidade de Lisboa, sendo que algumas destas viaturas, em virtude de serem mais recentes e eficientes, efetuarem dois circuitos diários no sistema de turnos. 12. Tais viaturas recolhem em cada dia, cerca de 450 toneladas de resíduos urbanos, sendo que tal quantidade representa aproximadamente 56% das cerca de 800 toneladas recolhidas diariamente na cidade de Lisboa. 14. Todos os valores elencados constam dos relatórios de avaliação da qualidade dos serviços, elaborados pela ERSAR - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos disponível em http:/ 7www.ersar.pt/website/."
XXIX. Ora, bem ao invés, nos art.°s 1 a 13 do requerimento de fls. 560 e 577 do processo electrónico dos autos extraímos precisamente o contrário do que havia sido alegado nos art.°s 7 a 14 do requerimento do Réu de 05-09-2016: "2. O Réu junta como Doe 1, parte do Relatório disponível no site da ERSAR com dados de 2015, contendo informação unicamente referente ao Réu, tendo sido ocultado a restante informação... 4. No relatório da ERSAR 2015... 6. Cumpre referir que efetivamente do Relatório da ERSAR 2015 não se extrai qual o número de viaturas do Réu movidas a GNC. 9. Decorre do Relatório da ERSAR 2015 supra referido, que o número de viaturas afeias à recolha de resíduos são de 172, ao contrário do indicado no requerimento de levantamento do efeito suspensivo automático em que o Réu indicou 98 viaturas, das quais 50 movidas a GNC."
XXX. Extrai-se que ao contrário do alegado no art.° 10.° do referido requerimento de 05-09-2016 a recolha de resíduos urbanos da cidade de Lisboa conta com 172 viaturas e não 98 viaturas, caindo por terra o argumento que "é assegurada por 98 viaturas, das quais 50 são movidas a GNC, o que representar 52% do total".
XXXI. O Réu nem se preocupa em justificar a discrepância limitando-se a confessar de facto que os "números" não batem certo.
XXXII. Os documentos juntos não foram sequer juntos completos ou nem sequer foram elaborados pela ERSAR, outrossim serão na sua grande maioria meros documentos estatísticos elaborados pelo Réu.
XXXIII. Em geral é bom de ver que os documentos juntos pelo Réu são meramente indicativos não fazendo qualquer prova do invocado por aquele quanto ao alegado prejuízo advindo da suspensão em virtude dos presentes autos.
XXXIV. Talvez para tanto, também, o Réu até refira que "indicou ainda prova testemunhal com conhecimento dos factos em questão", pois bem saberá que a prova produzida levará inevitavelmente ao indeferimento do requerido ao abrigo do art.° 103.°A do CPTA.
XXXV. Afinal de contas o Réu não fez prova documental nenhuma para o que alegava nos art.°s 7 a 14 do requerimento de 05-09-2016 para levantamento do efeito suspensivo automático, bem ao invés veio apresentar documentos em sentido contrário, pelo que deveria ser indeferido o requerido pelo Réu e Contra-Interessado ao abrigo dos n°s 2, 3 e 4 do art.° 103.°-A do CPTA.
DA OMISSÃO DE DEMONSTRAÇÃO E PONDERAÇÃO DOS PREJUÍZOS E DANOS
XXXVI. Ao invés do requerido pelo Réu e pela Contra-Interessada, por um lado, o interesse susceptível de ser lesado com o levantamento do efeito suspensivo automático poderá ser ponderado com base no contrato de fornecimento de GNC para algumas das 50 viaturas de recolha de resíduos urbanos de Lisboa, no valor de 3.700.000,006 (pelo período inicial de um ano até ao limite máximo de três anos).
XXXVII. Os pedidos nos presentes autos, quanto à petição inicial da Autora não defendem apenas o interesse privado, outrossim defendem também o interesse público pela violação patente deste por intermédio da violação do critério de adjudicação da proposta mais vantajosa, pelas invalidades suscitadas quanto ao modelo de avaliação e normas procedimentais e quanto ao factor "preço" e quanto ao factor "distância".
XXXVIII. De facto os presentes autos visam a impugnação de actos administrativos relativos ao procedimento por concurso público de aquisição de gás natural comprimido (GNC) para veículos da frota municipal - processo n.°09/CPI/DA/CCM/2016, inclusive as normas e peças do procedimento, bem como o relatório final e a respectiva aprovação e decisão de adjudicação pela ora Entidade Demandada,
XXXIX. Por outro lado, não se extrai de forma alguma que a análise das propostas tenha resultado de uma ponderação e de uma verdadeira valorização do factor "preço" em 80% em comparação com a ponderação e valorização do factor "distância",
XL. E partindo dos mesmos pressupostos, no factor preço a pontuação atribuída à Dourogás que terá apresentado um preço de 0,61 990€ é a mesma - 20 pontos -do que a pontuação atribuída à Valorsul que terá apresentado um preço de 0,69682€- 20 pontos-.
XLI. Em sentido inverso, no factor distância a pontuação atribuída à Dourogás que terá apresentado uma distância de 10,3 Km é inferior - 15 pontos - à que foi atribuída à Valorsul que terá apresentado uma distância de 9,32 Km - 20 pontos -.
XLII. Do modelo de avaliação e os factores e subfactores fixados e respectiva pontuação atribuída não resulta clara e objectivamente a adjudicação do procedimento segundo o critério da proposta mais vantajosa.
XLIII. Pelo exposto não estão a ser respeitados os art°s 74.°, 75.°, 132.°, n.° 1, al. n) e 139°, n°s 1 a 4, todos do CCP e os princípios que emergem do art.° 1.°, n.° 4, daquele diploma, quer pelas peças do procedimento, quer pelo relatório preliminar.
XLIV. Não respeitando as normas procedimentais a observância do critério de adjudicação definido e vertido em procedimento [o da proposta mais vantajosa] que sempre imporia a adopção de uma adequada fórmula de avaliação [e de cálculo] das propostas que, com rigor, reflectisse quer uma proporcional pontuação e valorização de cada um dos factores e subfactores (do preço e da distância), o que não aconteceu no caso concreto
XLV. Daí que, e consequentemente, a adjudicação não tenha recaído sobre a proposta mais vantajosa, o que mostra violado o disposto nos art°s 1.°, n.° 4, 74°, n.° 1, al. a), 75.°, 132.°, n.°1, al. n) e 139.°, todos do CCP e o princípio da economia vertido no art.°42.°/n° 6, da Lei de Enquadramento Orçamental, que impõe a satisfação das necessidades públicas mediante o menor custo possível.
XLVI. Tal ilegalidade, indutora da ordenação das propostas e da eventual adjudicação a uma [proposta] que não se apresenta como a mais vantajosa, nos termos do relatório preliminar, originará uma real alteração do resultado financeiro do procedimento.
XLVII. Sendo que nos termos do disposto no art.° 283.°, n.° 2, do CCP os actos procedimentais anteriores aos contratos têm como consequência a anulação posterior e eventual do contrato posterior.5
XLVIII. Tal é sancionável com a anulabilidade por aplicação do regime do art.° 163.°, n.°1, do CPA (em vigor desde 2015 nos termos dos art°s 8.°, n.°1 e 9 do Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de Janeiro que entrou em vigor em 7 de Abril do mesmo ano de 2015).
XLIX. Portanto, considerando os factos alegados pela Autora na sua petição inicial e a prova ali junta, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo mostram-se inferiores aos que podem resultar do seu levantamento.
L. Para o efeito o Réu e a Contra-interessada não alegaram e não provaram (cfr. art. 293° n.°1, conjugado com o art. 292°, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1°, do CPTA) - os prejuízos que lhe são causados pelo efeito suspensivo, o que não foi cumprido pelo Réu e pela Contra-interessada.
LI. Nesse sentido o acórdão o Tribunal Central Administrativo Sul de 14-07-2016 disponível em http://www.dgsi.pt/itca.nsf/170589492546a7fb8Q2575c3004c6d7d/fd855b05 859d369e80257ff4004f475d?OpenDocument.
5 Nesse sentido: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-05-2016 disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/695c8678d65cc2ca80257fc60036353c? OpenDocument; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 09-12-2011 disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89dlc0288c2dd49c802575c8003279c7/62e61436de74880d8025797a0039f5e 4 ?Open Document.
LII. Assim, pelo exposto e pelas diversas razões supra, no caso posto, não se verificam os pressupostos normativos previstos no art.° 103.°-A do CPTA para o levantamento do efeito suspensivo dos actos impugnados, devendo a douta decisão recorrida que o indeferiu manter-se, julgando-se improcedentes as alegações de recurso dos Recorrentes Réu e Contra-interessada.
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável deverão os recursos apresentados pelo Réu e pela Contra-interessada ser julgados improcedentes e não provados e manter-se a decisão recorrida, indeferindo-se o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art° 103. °-A do CPTA.”

Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, nada disse.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

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2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Dos Factos:

Na decisão recorrida, com interesse para a decisão consideraram-se provados os seguintes factos:

A) O Município de Lisboa abriu concurso público de aquisição de gás natural comprimido (GNC) para veículos da frota municipal (Processo n.° 09/CPI/DA/CCM/2016), segundo o Anúncio de Procedimental n.° 1847/16, publicado no Diário da República, 2a série, Parte L, n.° 59, de 24 de Março de 2016 (doc. l junto à petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido);
B) Ao concurso apresentaram proposta D……………… Natural – …………………., S.A., ora Autora, e a contra-interessada V……………….- Valorização …………………………………, S.A. (Relatório Preliminar do Júri, junto à p.i. como doc. 2 e cujo teor se dá por reproduzido);
C) Tendo ambas sido admitidas (Relatório Preliminar cit);
D) Analisadas, avaliadas e ordenadas as propostas, a da concorrente V......................, ora contra-interessada, ficou em 1° lugar e a da Autora em 2° (Relatório Preliminar cit);
E) Notificado o Relatório Preliminar às concorrentes, com o projecto de classificação final e de ordenação das propostas, para o exercício do direito de audiência prévia, a Autora pronunciou-se nos termos do requerimento que juntou à p.i. como doc. 3 e cujo teor se dá por reproduzido;
F) Em reunião realizada no dia 29 de Junho de 2016, o Júri elaborou o Relatório Final, no qual justificou a sua decisão de manter as conclusões do Relatório Preliminar e deliberou, por unanimidade, remetê-lo ao órgão competente para a decisão de contratar (doc. 4 junto à p.i. e cujo teor se d por reproduzido);
G) Posteriormente a Autora foi notificada da aprovação do Relatório Final do Júri (alegação não impugnada; fl.s do PA);
H) O valor do preço base do procedimento é de €3 700 000,00 (Anúncio de Procedimento n° 1847/2016 cit);
I) Em 23 de Outubro de 2013, foi celebrado entre o Município de Lisboa e V...................... - Valorização …………………………………………., S.A., contrato tendo por objecto "o fornecimento, pelo segundo outorgante ao primeiro outorgante de Gás Natural Comprimido (GNC) para veículos da frota municipal pelo período mínimo de um ano prorrogável até ao máximo de três anos" (cláusulas 1ª, ponto 1.1, e 3ª, 1ª parte, do Contrato N14.03/35/13, junto como doc. 1 anexo ao requerimento da V......................, de 12 de Setembro de 2016, relativo ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático e cujo teor se dá por reproduzido);
J) O número de viaturas afectadas à recolha de resíduos na cidade de Lisboa em 2015 foi de 172, das quais 50 viaturas movidas a gás natural comprimido (alegação não impugnada; doc. juntos aos requerimentos do Município, de 15 de Março de 2017 e de 16 de Março de 2017 e cujos teores se dão por reproduzidos);
K) O volume de resíduos urbanos recolhidos anualmente pelo Município de Lisboa é de 291 789 (doc. junto com o requerimento do Município de 16 de Março de 2016 cit.).
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Nada mais se apurou com interesse para a decisão.
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Motivação:
A prova dos factos levados ao probatório assenta nos documentos juntos e naqueles que constituem o processo administrativo (PA) apensado aos autos, uns e outros não impugnados, bem como na valoração da atitude de cada parte perante as alegações da parte contrária.
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2.2. Motivação de Direito

Como resulta do disposto nos artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do NCPC- sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso- as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Como é elementar, há que apreciar as questões que prioritariamente se imponham e cuja verificação impeça o conhecimento de quaisquer outras.
Na verdade, impõe-se ao tribunal o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, donde que urge apreciar a questão colocada pela Recorrente particular sobre se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado procedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no actual art. 103.º-A do CPTA.
Vejamos.
O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, no âmbito do processo de contencioso pré-contratual instaurado pela ora Recorrida contra o Município de Lisboa e a Contra-interessada, ora Recorrentes, julgou improcedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo deduzido por este último.
Na sentença recorrida, para fundamentar a procedência do pedido incidental, escreveu-se o seguinte:
“ (…)
No caso em apreço, os requerentes do levantamento do efeito suspensivo automático convocam, no essencial, os mesmos argumentos para sustentar o entendimento de que o não levantamento do efeito suspensivo automático, decorrente da impugnação judicial da decisão de adjudicação será gravemente prejudicial para os interesses que visam defender - para o interesse público, porquanto determinará a impossibilidade de fornecimento de gás natural comprimido para as viaturas de recolha de resíduos sólidos urbanos, criando situações de pragas ou infestações na via pública, prejudicando a salubridade dos locais de deposição e zonas envolventes, o que representará um perigo para a segurança e saúde pública e para o ambiente e qualidade de vida na cidade de Lisboa, com repercussão nas actividades económicas relacionadas com o turismo, tais como estabelecimentos hoteleiros e de restauração, que irão accionar as cláusulas de rescisão que constam dos contratos que celebraram com a Câmara Municipal de Lisboa (CML), pelo incumprimento da prestação de serviços de recolha de lixo; para a Cl, porque esta se vê impossibilitada de celebrar o contrato de fornecimento a que legalmente tem direito, sofrendo com isso "um prejuízo de natureza patrimonial" (artigo 29° do requerimento da Cl).
Ora a Cl não concretiza os prejuízos próprios, seus, tendo ficado muito mais longe ainda de demonstrar o carácter "manifestamente" desproporcionado desses (eventuais) prejuízos "de natureza patrimonial", que genericamente invoca. Daí ter-se, objectivamente, "encostado" (passe a expressão) aos argumentos aduzidos pelo Município para demonstrar os prejuízos para o interesse público, quando se lhe exigia, para efeitos de ponderação de interesses (que é uma ponderação de prejuízos), que revelasse a sua situação económica e patrimonial, com e sem o levantamento do efeito suspensivo automático, juntando, designadamente, os pertinentes documentos da sua contabilidade, os comprovativos dos encargos inerentes à sua actividade e com os impostos, etc.
Quanto aos prejuízos para o interesse público alegados por ambos os requerentes incidentais, importa salientar o seguinte.
Decorre da própria natureza das necessidades que a prestação dos serviços objecto do concurso visa satisfazer que se, por qualquer razão, as operações em que essa prestação se materializa não fossem executadas com a regularidade requerida o interesse público poderia, em tese, sofrer as consequências nocivas que o Município e a Cl invocam: que da acumulação de resíduos urbanos podem, em teoria, resultar alguns dos prejuízos invocados é facto do conhecimento geral, por resultar da experiência comum (basta pensar nos maus cheiros resultantes da acumulação de resíduos orgânicos, por ocasião das greves do pessoal de recolha de resíduos). Trata-se, no entanto, de uma possibilidade abstracta, aqui propositadamente dramatizada pelos requerentes do levantamento. O que não está demonstrado é a gravidade, em concreto, a exacta magnitude, dos prejuízos invocados e que seja provável que todos eles ocorram necessariamente, e com a dimensão que os requerentes pretendem fazer crer, e bem assim que o Município não tenha forma de as evitar ou minorar.
Se bastasse alegar factos susceptíveis, em abstracto, de provocar as consequências típicas havidas como prejuízo ou como causa do prejuízo invocado, estaria sempre justificado, e seria, portanto, obrigatório, em quaisquer circunstâncias, o levantamento do efeito suspensivo automático, tornando inútil a existência do instituto.
Sem a referida demonstração não é possível saber o peso dos prejuízos invocados na balança da ponderação.
Relativamente às soluções alternativas, importa ter em conta o seguinte.
Uma das características do serviço público que à Administração cabe assegurar é a continuidade da sua prestação: a satisfação das necessidades colectivas essenciais não se compadece com intermitência ou hiatos prolongados na prestação do serviço.
Consciente, embora, dos imponderáveis da contratação pública, designadamente da possibilidade de impugnação dos actos e documentos conformadores dos procedimentos de formação dos contratos públicos e da possibilidade de recurso por parte dos interessados, mesmo assim associou, no domínio ora em causa, à impugnação do acto de adjudicação o efeito suspensivo automático, sem prejuízo, embora, de a entidade pública demandada e/ou os contra-interessados pedirem o seu levantamento nos termos do art.° 103°-A do CPTA. Mas igualmente consciente de que nesses procedimentos pode estar em causa a satisfação de necessidades essenciais, não podia deixar a Administração (e reflexamente a comunidade) "de mãos e pés atados" (tolere-se-nos o uso da expressão), sem pôr à sua disposição ou sem lhe permitir, excepcionalmente, instrumentos jurídicos destinados a assegurar a continuidade da satisfação das necessidades colectivas a seu cargo.
No caso em pauta, não pode o Município, razoavelmente, dizer que desconhecia o quadro legal em que ia contratar quando lançou o concurso dos autos e as possíveis vicissitudes do procedimento de contratação. Se mesmo assim levou por diante a sua resolução, é de presumir que o fez porque previu meios alternativos de assegurar a satisfação do interesse colectivo a que se destinou o concurso plano B"), caso as coisas não corressem como previsto.
De todo o modo, o CCP autoriza o recurso ao ajuste directo para celebração de qualquer espécie de contrato, inter alia, "na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante' [art.° 24°, n.°1, al. c), do CCP]. É o designado "critério da urgência imperiosa", inspirado pela imprescindibilidade do recurso ao ajuste directo (cfr. neste sentido Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, p.p. 755-757).
Como assinalam estes Autores, "(...) o facto de as situações de urgência imperiosa concretamente existentes não satisfazerem todos os requisitos da alínea c) do art. 24. °/1 não significa, desde que se trate de interesses cuja cura está atribuída ao Estado [ou a outros entes, como as Regiões Autónomas e as autarquias locais] que fique vedada de todo a possibilidade de recurso ao ajuste directo: é que, se estiver aí em causa interesses essenciais seus, correspondentes nomeadamente à protecção de valores com tutela constitucional que lhe tenham sido legalmente confiados e que estejam ameaçados em algum se aspecto (qualitativa ou quantitativamente) fulcral pela demora das modalidades mais formalizadas e garantísticas, o recurso àquele procedimento é admitido ao abrigo da alínea f) deste mesmo art. 24. % de que curamos adiante' (ob. cit, p.p. 756/757 e 761). Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma manifestação do instituto de estado de necessidade.
Sublinhe-se, enfim, que o número de viaturas afectadas à recolha de resíduos na cidade de Lisboa em 2015 foi de 172, das quais apenas 50 são movidas a gás natural comprimido [al. J) do probatório].
Assim, mesmo que o Município não tivesse outras soluções alternativas (nomeadamente o recurso a ajuste directo), e as 50 viaturas ficassem mesmo inoperacionais por falta de gás natural comprimido, na pendência da acção principal (que é um processo urgente) e do efeito suspensivo automático -facto que não vem alegado - sempre seria legítimo perguntar se não seria possível gerir as restantes 122 por forma a minorar as consequências danosas do efeito suspensivo automático. Isto, supondo que os referidos números de viaturas se mantêm no ano em curso.
Por este conjunto de razões, entende-se que os requerentes não lograram demonstrar que a manutenção do efeito suspensivo será gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, designadamente para os interesses da Cl e, consequentemente, que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo são superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”

Estatui o art. 103.º-A do CPTA, sob a epígrafe “efeito suspensivo automático”, que:
1 - A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.
2 - No caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120.º
3 - No caso previsto no número anterior, o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que o juiz decide no prazo máximo de 10 dias, contado da data da última pronúncia apresentada ou do termo do prazo para a sua apresentação.
4 - O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
Decorre deste inciso legal, como bem se explicita no acórdão deste TCAS de 14.07.2016, proc. n.º 13444/16, que o levantamento do efeito suspensivo automático depende então da verificação dos seguintes requisitos:
a) Alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
b) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.
Releve-se que quanto ao requisito tipificado na alínea a), e tendo sobretudo em conta o disposto no art. 103º-A n.º 2, acima transcrito, faz correr o ónus alegatório pela entidade demandada e os contrainteressados de que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, tem de ser concatenado com o princípio gera, do ónus da prova ínsito no art. 342.º n.º 1, do C. Civil, por força do qual recai também sobre a entidade demandada e os contra-interessados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
É que, na senda do ensinamento de Rodrigo Esteves de Oliveira (cfr. A tutela “cautelar” ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos, in CJA, n.º 115, p. 24): “Além disso, há, com o novo regime legal, outras circunstâncias agravantes da posição da entidade demandada e do contrainteressado. É que não apenas o demandante oferece a sua pronúncia depois da ou das pronúncias daquelas, o que processualmente é uma vantagem, como a questão da prova, num incidente deste género, jogará muitas vezes um papel decisivo, e havendo a instituição legal de um efeito suspensivo isso significará que o ónus probatório impende sobre a entidade demandada e contra-interessado e, logo, que as dúvidas que o tribunal possa ter nessa matéria farão provavelmente pender o prato da balança a favor da manutenção do efeito suspensivo”.
(…) sendo, por outro lado, duvidoso que a entidade demandada possa adoptar a mesma via [invocação de estado de necessidade] se houver um «mero» prejuízo grave para o interesse público, na medida em que o legislador terá, ele mesmo, ponderado a possibilidade da existência de um prejuízo desses e não o afastou do alcance do efeito suspensivo (…)” (idem, p. 21-22).
Sobre a compatibilização entre os n.ºs 2 a 4 do art. 103.º-A do CPTA se pronuncia o Prof. Mário Aroso Almeida afirmando que esse incidente pode ser intentado pela entidade demandada ou pelos contra-interessados “com o argumento de que o diferimento da celebração e/ou execução do contrato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”, decidindo a final o juiz “por aplicação do critério da ponderação de interesses do n.º 2 do artigo 120.º” (cfr. Manual de Processo Administrativo, 2.ª ed., 2016, p. 390).
Sobre o critério da decisão judicial em sede deste incidente de levantamento do efeito suspensivo refere Rodrigo Esteves de Oliveira (cfr. ob. cit., pp. 24-25):
A questão que se coloca é saber se, no juízo de ponderação de interesses, o tribunal apenas pode ou deve atender a danos dessa valia ou gravidade do lado da entidade demandada ou dos contrainteressados, confrontando-os com os danos invocados pelo demandante, ou se, pelo contrário, do lado da entidade demandada e contrainteressados, são invocáveis quaisquer danos, mesmo os que não se subsumam nesses conceitos legais. Como bem observa Vieira de Andrade, os conceitos utilizados pelo legislador «operam, em regra, como limites absolutos», sendo duvidoso que isso seja «compatível com o "princípio da prevalência do interesse preponderante no caso concreto"). Com efeito, numa pura lógica de ponderação de interesses, como a que está inscrita no art. 103.º-A, n.º 4, os demandados não teriam de provar a verificação dos "requisitos" do n.º 2, mas apenas que os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo (sejam eles quais forem) são superiores, em valor e peso, aos que resultam do seu levantamento. O diferimento da execução do acto poderia, portanto, não ser gravemente prejudicial para o interesse público, mas apenas prejudicial, e poderia também não ser gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, mas apenas de consequências lesivas desproporcionadas, e ainda assim se justificar o levantamento, desde que, repete-se, fossem superiores aos danos invocados pelo demandante. Seria um sistema equilibrado.
No entanto, a ideia do legislador pode também ter sido a de replicar aqui uma solução próxima daquela que existe no art. 128.º do CPTA – em que também só se admite o levantamento administrativo da proibição provisória de executar o acto administrativo, mediante resolução fundamentada, quando o "diferimento da execução [seja] gravemente prejudicial para o interesse público" -, fazendo, portanto, com que apenas fossem considerados "candidatos positivos" à ponderação do n.º 4 do art. 103.º-A os danos que se subsumissem no seu n.º 2.
Admitimos que seja esta a única solução que compatibiliza a letra do n.º 2 com a letra do n.º 4, mas temos dúvidas se ela corresponde verdadeiramente à intenção do legislador.
Em segundo lugar, salvo se se tratar de um pequeno lapso, não se percebe muito bem a remissão que se faz no n.º 2 do art. 103.º-A para o n.º 2 do art. 120.º (critério da ponderação de interesses), quando do próprio art. 103.º-A consta o critério relevante para o efeito, a saber, no n.º 4, quando aí se estabelece (no contexto também de uma ponderação de interesses) que "o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento".
Não obstante as reservas doutrinárias que ressurgem das considerações acabadas de transcrever, perfilhamos o entendimento afirmado no Acórdão deste TCAS de 24-11-2016, tirado no Recurso nº 3747/16, que vai no sentido de que a norma contida no n.º 2 deste art. 103.º-A aponta para a uma intenção legislativa clara: o levantamento do efeito suspensivo vai depender da demonstração – alegação e prova – de que o “diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvido”. Tem pois, enquanto primeira premissa de interpretação e aplicação do preceito, que se estar perante uma situação de “grave prejuízo” (para o interesse público) ou de consequências lesivas “claramente desproporcionadas” (relativamente a outros interesses envolvidos).
Na esteira do mesmo aresto, a leitura do n.º 4 não poderá então fazer-se sem levar em linha de conta aquela qualificação dos danos elegíveis e que são identificados naquele n.º 2, sendo estes – os previstos no n.º 2 – que se vão sujeitar ao juízo de ponderação que aí se consagra: “ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento. Na verdade, cremos que é esse o espírito, que é de excepcionalidade, que se retira da Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, onde nos seus considerandos 22 e 24 se explanou que: “No entanto, para assegurar a proporcionalidade das sanções aplicadas, os Estados-Membros podem permitir que a instância responsável pela decisão do recurso não ponha em causa o contrato ou lhe reconheça determinados efeitos, ou todos eles, caso as circunstâncias excepcionais do caso em apreço exijam o respeito de certas razões imperiosas de interesse geral. Nesses casos deverão, em vez disso, ser aplicadas sanções alternativas. A instância de recurso independente da entidade adjudicante deverá analisar todos os aspectos relevantes a fim de estabelecer se existem razões imperiosas de interesse geral que exijam a manutenção dos efeitos do contrato”.// O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excepcionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas. No entanto, não deverá constituir razão imperiosa o interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa. [sublinhados nossos]”
Assim, tal como se entendeu no acórdão cuja fundamentação vimos acompanhando, o regime que entendemos resultar da leitura dos n.ºs 2 e 4 do novel art. 103.º-A do CPTA determina que o juízo de ponderação a efectuar e que envolve os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (um “juízo de ponderação de danos”, nas palavras de Rodrigo Esteves de Oliveira – cfr. ob. cit. p. 23), incida sobre os danos susceptíveis de se subsumir naquele n.º 2, isto é, em caso de o diferimento da execução se revelar “gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”.
Sendo assim, não basta a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas, sob pena de se afastar da previsão da lei elementos normativos, que exigem uma especial modalidade aplicativa (de particular gravidade ou de clara desproporcionalidade), que o legislador expressamente consagrou.
Volvendo ao caso concreto, tal como se expressou na decisão recorrida, é insofismável, perante a factualidade apurada que, quer o Réu, quer a Contra-interessada, nem sequer demonstraram que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos sendo certo que, como também flui da decisão recorrida, dado que o efeito suspensivo decorre directamente da lei, como consequência automática da impugnação judicial do acto de adjudicação, não há a possibilidade de presente incidente se discutir a legalidade desse acto mas unicamente de proceder à ponderação de prejuízos apelando a um juízo de proporcionalidade.
Assim e à guisa de conclusão, diremos que o levantamento do efeito suspensivo automático exige e depende, em primeiro lugar, da demonstração, mediante a alegação e prova de factos concretos, por quem o requer, da gravidade dos danos que resultariam para o interesse público e/ou a desproporcionalidade de todo o tipo de danos que da manutenção do efeito suspensivo resultariam para os demais interesses envolvidos sendo que só depois se impõe realizar um juízo de ponderação, por parte do julgador, dos prejuízos invocados.
Ora, nesse pendor, a decisão recorrida atentou na prova dos factos levados ao probatório com fundamento nos documentos juntos e nos constantes do PA apensado aos autos, nenhum dos quais foram especificamente impugnados, bem como na valoração da atitude de cada parte perante as alegações da parte contrária.
E foi nessas operações exegéticas que a convicção do julgador foi no sentido de que o Réu e a Contra-interessada não lograram demonstrar que a manutenção do efeito suspensivo será gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e, consequentemente, que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo são superiores aos que podem resultar do seu levantamento, tendo sido por essas razões que a decisão recorrida julgou improcedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo em causa.
E nenhum reparo nos merece o assim fundamentado e decidido.
Se não, vejamos.
O Réu, limitou-se a invocar que o contrato de fornecimento de GNC para algumas das 50 viaturas de recolha de resíduos urbanos de Lisboa, no valor de 3.700.000,00€, de um total de 98 viaturas terminaria em 11-11-2016 e que precisa de visto do Tribunal de Contas pelo que a suspensão implicaria o não fornecimento de GNC para algumas das referidas viaturas de recolha de resíduos urbanos e a paralisação destas, e que tais factos implicariam a impossibilidade de recolha de resíduos urbanos e de lavagem dos contentores de resíduos na cidade, com consequências ao nível da insalubridade, saúde pública, ambiente, turismo, economia.
Mais refere que o interesse público ficaria prejudicado e que tais consequências seriam desproporcionadas quanto ao interesse económico da Autora, sem alegar quaisquer danos concretos do não levantamento da suspensão em ponderação com os danos que advém do levantamento da suspensão.
Já a Contra-interessada, em substância limita-se a repetir o que foi alegado pelo Réu, apenas tendo junto esta última prova quanto ao contrato anterior e que não é objecto dos presentes autos.
Assim e tal como salienta a recorrida e flui do discurso fundamentador da decisão recorrida, da factualidade alegada pelo Réu e pela Contra-interessada não se consegue retirar qualquer facto concreto susceptível de se subsumir no conceito de situação "gravemente prejudicial para o interesse público", nem sequer o Réu e a Contra-interessada juntaram qualquer prova para os factos que invocam.
Acresce – e não menos importante – que através de despacho de 06-03-2017 o Tribunal notificou o Réu "...para juntar, em suporte de papel ou suporte informático, os relatórios ou a parte deles que contêm os dados que cita", o que o mesmo é dizer, para vir juntar aos autos prova documental para os factos que invocam nos art.°s 7 a 14 do requerimento pelo qual, com base nos mesmos factos alegados, o Réu e a Contra-Interessada pediam o levantamento do efeito suspensivo automático, o que traz implicado que para o julgador a prova documental já carreada para os autos não respeitava ou era insuficiente para cumprir eficazmente o ónus da prova dos factos que invocavam.
Ora, sucede que os documentos juntos pelo Réu Município em 15-03-2017 e em 16-03-2017, não são aptos a fundar o deferimento do requerido levantamento do efeito suspensivo automático.
Desde logo, tenha-se em conta que nos art.°s 7.° a 14.° do requerimento do Réu de 05-09-2016 era invocado que: "W. A recolha de resíduos urbanos da cidade é assegurada por 98 viaturas, das quais 50 são movidas a GNC, o que representa 52% do total. 11. As viaturas supra identificadas realizam diariamente cerca de 60 circuitos de remoção de resíduos urbanos, dos 100 circuitos que se encontram definidos para toda a cidade de Lisboa, sendo que algumas destas viaturas, em virtude de serem mais recentes e eficientes, efetuarem dois circuitos diários no sistema de turnos. 12. Tais viaturas recolhem em cada dia, cerca de 450 toneladas de resíduos urbanos, sendo que tal quantidade representa aproximadamente 56% das cerca de 800 toneladas recolhidas diariamente na cidade de Lisboa. 14. Todos os valores elencados constam dos relatórios de avaliação da qualidade dos serviços, elaborados pela ERSAR - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos disponível em http:/ 7www.ersar.pt/website/."
No entanto e como com assertividade refere a Recorrida, a partir dos art.°s 1 a 13 do requerimento de fls. 560 e 577 do processo electrónico dos autos extrai-se precisamente o contrário do que havia sido alegado nos art.°s 7 a 14 do requerimento do Réu de 05-09-2016: "2. O Réu junta como Doc. 1, parte do Relatório disponível no site da ERSAR com dados de 2015, contendo informação unicamente referente ao Réu, tendo sido ocultado a restante informação... 4. No relatório da ERSAR 2015... 6. Cumpre referir que efetivamente do Relatório da ERSAR 2015 não se extrai qual o número de viaturas do Réu movidas a GNC. 9. Decorre do Relatório da ERSAR 2015 supra referido, que o número de viaturas afeias à recolha de resíduos são de 172, ao contrário do indicado no requerimento de levantamento do efeito suspensivo automático em que o Réu indicou 98 viaturas, das quais 50 movidas a GNC."
Dúvidas não sobram, pois, de que, com a máxima objectividade, o que se pode extrair, contrariamente ao vertido no art.° 10.° do referido requerimento de 05-09-2016, que a recolha de resíduos urbanos da cidade de Lisboa conta com 172 viaturas e não 98 viaturas, caindo por terra o argumento que "é assegurada por 98 viaturas, das quais 50 são movidas a GNC, o que representar 52% do total".
À luz do exposto, as consequências para o interesse público aqui invocado não são imperiosas; não são gravemente prejudiciais. São consequências normais da inexecução imediata do contrato, que não são susceptíveis de comprometer de modo grave, de modo excepcionalmente relevante, o interesse público. Sendo que as alegadas consequências ao nível da tramitação do procedimento tendente à celebração de contrato e a respectiva execução, por si, não são sequer atendíveis, pois que são consequências naturais da suspensão e que o legislador – nacional e da União - obviamente equacionou quando traçou o regime da suspensão ope legis (e consciente dessas consequências, não deixou de cominar com a suspensão automática a impugnação do acto de adjudicação; mais expressamente se referindo à suspensão do contrato).
É que, na senda do alegado oportunamente pela ora Recorrida, (vide conclusões recursórias) ao invés do requerido pelo Réu e pela Contra-Interessada, por um lado, o interesse susceptível de ser lesado com o levantamento do efeito suspensivo automático poderá ser ponderado com base no contrato de fornecimento de GNC para algumas das 50 viaturas de recolha de resíduos urbanos de Lisboa, no valor de 3.700.000,006 (pelo período inicial de um ano até ao limite máximo de três anos), sendo que os pedidos nos presentes autos, quanto à petição inicial da Autora não defendem apenas o interesse privado, outrossim defendem também o interesse público pela violação patente deste por intermédio da violação do critério de adjudicação da proposta mais vantajosa, pelas invalidades suscitadas quanto ao modelo de avaliação e normas procedimentais e quanto ao factor "preço" e quanto ao factor "distância".
É que, ainda seguindo o ponto de vista da recorrida, os presentes autos visam a impugnação de actos administrativos relativos ao procedimento por concurso público de aquisição de gás natural comprimido (GNC) para veículos da frota municipal - processo n.°09/CPI/DA/CCM/2016, inclusive as normas e peças do procedimento, bem como o relatório final e a respectiva aprovação e decisão de adjudicação pela ora Entidade Demandada, não se extraindo de forma alguma que a análise das propostas tenha resultado de uma ponderação e de uma verdadeira valorização do factor "preço" em 80% em comparação com a ponderação e valorização do factor "distância", pois, partindo dos mesmos pressupostos, no factor preço a pontuação atribuída à Dourogás que terá apresentado um preço de 0,61 990€ é a mesma - 20 pontos -do que a pontuação atribuída à V...................... que terá apresentado um preço de 0,69682€- 20 pontos-. E, em sentido inverso, no factor distância a pontuação atribuída à Dourogás que terá apresentado uma distância de 10,3 Km é inferior - 15 pontos - à que foi atribuída à V...................... que terá apresentado uma distância de 9,32 Km - 20 pontos -. Ou seja, do modelo de avaliação e os factores e subfactores fixados e respectiva pontuação atribuída não resulta clara e objectivamente a adjudicação do procedimento segundo o critério da proposta mais vantajosa.
Pelo exposto não estão a ser respeitados os art°s 74.°, 75.°, 132.°, n.° 1, al. n) e 139°, n°s 1 a 4, todos do CCP e os princípios que emergem do art.° 1.°, n.° 4, daquele diploma, quer pelas peças do procedimento, quer pelo relatório preliminar.
Não respeitando as normas procedimentais a observância do critério de adjudicação definido e vertido em procedimento [o da proposta mais vantajosa] que sempre imporia a adopção de uma adequada fórmula de avaliação [e de cálculo] das propostas que, com rigor, reflectisse quer uma proporcional pontuação e valorização de cada um dos factores e subfactores (do preço e da distância), o que não aconteceu no caso concreto.
Daí que, e consequentemente, a adjudicação não tenha recaído sobre a proposta mais vantajosa, o que mostra violado o disposto nos art°s 1.°, n.° 4, 74°, n.° 1, al. a), 75.°, 132.°, n.°1, al. n) e 139.°, todos do CCP e o princípio da economia vertido no art.°42.°/n° 6, da Lei de Enquadramento Orçamental, que impõe a satisfação das necessidades públicas mediante o menor custo possível.
Tal ilegalidade, indutora da ordenação das propostas e da eventual adjudicação a uma [proposta] que não se apresenta como a mais vantajosa, nos termos do relatório preliminar, originará uma real alteração do resultado financeiro do procedimento.
Sendo que nos termos do disposto no art.° 283.°, n.° 2, do CCP os actos procedimentais anteriores aos contratos têm como consequência a anulação posterior e eventual do contrato posterior.5
Tal é sancionável com a anulabilidade por aplicação do regime do art.° 163.°, n.°1, do CPA (em vigor desde 2015 nos termos dos art°s 8.°, n.°1 e 9 do Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de Janeiro que entrou em vigor em 7 de Abril do mesmo ano de 2015).
Portanto, considerando os factos alegados pela Autora na sua petição inicial e a prova ali junta, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo mostram-se inferiores aos que podem resultar do seu levantamento.
Para o efeito o Réu e a Contra-interessada não alegaram e não provaram (cfr. art. 293° n.°1, conjugado com o art. 292°, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1°, do CPTA) - os prejuízos que lhe são causados pelo efeito suspensivo, o que não foi cumprido pelo Réu e pela Contra-interessada.
Nesse sentido o acórdão o Tribunal Central Administrativo Sul de 14-07-2016 disponível em http://www.dgsi.pt/itca.nsf/170589492546a7fb8Q2575c3004c6d7d/fd855b05 859d369e80257ff4004f475d?OpenDocument.
5 Nesse sentido: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-05-2016 disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/695c8678d65cc2ca80257fc60036353c? OpenDocument; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 09-12-2011 disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89dlc0288c2dd49c802575c8003279c7/62e61436de74880d8025797a0039f5e 4 ?Open Document.
Assim, pelo exposto e pelas diversas razões supra, no caso posto, não se verificam os pressupostos normativos previstos no art.° 103.°-A do CPTA para o levantamento do efeito suspensivo dos actos impugnados, devendo a douta decisão recorrida que o indeferiu manter-se, julgando-se improcedentes as alegações de recurso dos Recorrentes Réu e Contra-interessada.”
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável deverão os recursos apresentados pelo Réu e pela Contra-interessada ser julgados improcedentes e não provados e manter-se a decisão recorrida, indeferindo-se o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art° 103. °-A do CPTA.”
Com efeito, a suspensão do procedimento, se pode constituir um prejuízo para o interesse público, consubstancia um mero prejuízo – o efeito normal – decorrente do retardamento do início fornecimento de GNC como pretendido pelos serviços da autarquia. Mas daí não advém um prejuízo anormal, extraordinário ou, no dizer da lei, gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
Certamente só para algumas das 50 viaturas de recolha de resíduos urbanos de Lisboa, no valor de 3.700.000,006 (pelo período inicial de um ano até ao limite máximo de três anos), é que não será possível efectuar o fornecimento do GN, mas a recolha de resíduos urbanos continuará no ínterim a efectuar-se, não tendo sido alegada nenhuma razão ponderosa à face da lei que imponha, já, a suspensão do efeito automático consagrado no art. 103.º-A, n.º 1, do CPTA.
Em suma: do que vem alegado e considerando o material probatório carreado para os autos não resulta uma lesão assinalável para o interesse público causado pela imediata suspensão do acto impugnado.
Nestes termos, recaindo sobre o ora Recorrente Município de Lisboa o ónus de provar a existência de um grave prejuízo para o interesse público, a falta de prova desse requisito resolve-se contra si, nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1, do C. Civil, o que implica o indeferimento do incidente deduzido ao abrigo do art. 103.º-A do CPTA, pois a falta de prova desse requisito inviabiliza a possibilidade de realização da ponderação de interesses, prevista nos n.ºs 2 e 4, desse art. 103.º-A, pois que sendo esses requisitos de verificação cumulativa, a falta de preenchimento de qualquer deles resolve-se de acordo com as regras gerais do ónus da prova.
Destarte, não nos deparamos com uma situação de prejuízos graves, sérios e impeditivos de modo excepcional da prossecução do interesse público em presença, mas apenas de inconvenientes ou meros prejuízos decorrentes da suspensão imediata e automática dos efeitos derivados da impugnação judicial efectuada e que a esta são (naturalmente) inerentes.
Por esse prisma, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a decisão recorrida, a qual fez um correcto julgamento de facto e de direito.
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3. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Recorridos.
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Lisboa, 04 de Outubro de 2017


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José Gomes Correia

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António Vasconcelos
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Sofia David