Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2485/11.0 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS.
CUSTOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS.
AUTOFACTURAÇÃO.
Sumário:Mesmo em regime de autofacturação, a invocação da falta de requisitos de validade das facturas, previstos no CIVA, não é, só por si, fundamento da não aceitação fiscal, em IRS, dos custos cujos lançamentos estão documentados na contabilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
J ……………. e I ……………….., casados entre si, vieram deduzir impugnação judicial com vista à anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), e respectivos juros compensatórios, do ano de 2009, no montante total de EUR: 157.376,47, por entenderem verificar-se errónea qualificação dos factos tributários. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.520 e ss. (numeração do processo em formato digital-sitaf), datada de 22 de Dezembro de 2021, julgou a impugnação improcedente e absolveu a Fazenda Pública do pedido. Inconformados, os impugnantes vieram interpor recurso desta decisão, tendo na alegação apresentada e, inserta a fls. 548 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), formulado as conclusões seguintes:
«I- A Administração Tributária na sequência de uma acção de fiscalização à actividade do impugnante marido - CAE 46771 “comércio por grosso de sucatas e desperdícios” -, efectuou diversas correcções ao rendimento tributável declarado dos exercícios de 2009, por não ter aceite (na parte que, aqui, releva) «custos contabilizados com autofacturas de diversos fornecedores de onde resultou nota de liquidação adicional de IRC. No montante total de € 385.012,95;
II- A correção efetuada pela AF teve por base as alíneas b) e g) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, por remissão do art. 32.º do CIRS, sendo em termos quantitativos a infração à alínea b), a de valor mais significativo (cerca de 87% do total) e esta não se refere a encargos não devidamente documentados que resulta do facto do s.p. não ter cumprido os requisitos do art. 36.º do CIVA, essenciais para a A.F. controlar a denominada autofacturação.
III- Em sequência, foi emitida a liquidação de IRS do ano de 2009, nota de liquidação …………..532.
IV- Nos termos do Relatório de Inspecção da AT são os seguintes os fundamentos para não aceitar os custos, a saber:
a) “2. No decurso da sua actividade empresarial adquiriu “sucata” a vários fornecedores tendo recorrido à denominada “auto-facturação”, prevista no n.º 11 do artigo 36.º do CIVA em que a elaboração das facturas ou documentos equivalentes é efectuado pelo próprio adquirente dos bens.
No entanto, esta disposição legal obriga ao cumprimento de 2 condições, nomeadamente, a existência de um acordo prévio, na forma escrita entre as partes; e o adquirente provar que o transmitente dos bens tomou conhecimento da emissão da factura e aceitou o seu conhecimento.”
b) “3. Nos termos do oficio circular 30098/06 que estatui as regras especiais de tributação de desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis, obriga a que todos os SP que efectuem transmissão deste tipo de bens, prevista no Anexo E do CIVA a que se refere a alínea i), do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, estejam abrangidos pelo regime normal de tributação, não podendo beneficiar da isenção prevista no artigo 53.º do CIVA.
c) 5.º “O documento suporte da denominada auto-factura são notas de compra que se encontram numeradas sequencialmente.
Analisando as mesmas foi elaborado um quadro, tendo sido verificadas as seguintes irregularidades:
a) Não possuem a identificação fiscal do transmitente dos bens; ou
b) Não estão assinadas pelo transmitente dos bens; ou
c) O transmitente dos bens encontra-se cessado, sem NIF válido; ou
d) O transmitente dos bens indicou um NIF inválido; ou
e) O transmitente dos bens não se encontra registado, para efeitos de IVA e IRS, não exercendo qualquer tipo de atividade;
f) O transmitente dos bens está abrangido pelo regime de isenção do artigo 53.º do CIVA; “
d) “Assim sendo, verifica-se que:
a) Nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 45 do CIRC, por remissão do artigo 32.º do CIRS, os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação tenha sido declarada oficiosamente, não são dedutíveis para efeitos fiscais.
b) O SP não cumpriu com os requisitos estatuídos pelo n.º 11 do artigo 36.º do CIVA, nomeadamente, não exibiu os acordos prévios entre as partes, assim, como não provou que o transmitente dos bens tomou conhecimento da emissão da factura ou documento equivalente e aceitou o seu conteúdo.
Deste modo, para além das inexactidões referidas na alínea anterior, também as notas de compra que não reúnem os pressupostos do artigo 36.º do CIVA, consideram-se encargos não devidamente documentados, e como tal nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, por remissão do artigo 32.º do CIRS, não são dedutíveis para efeitos fiscais.
e) também constatei que o SP não cumpriu com o estatuído no artigo 63.º da Lei Geral Tributária, que refere “os sujeitos passivos de IRS que disponham de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir uma conta bancária através da qual sejam movimentados todos os pagamentos e recebimentos de valor superior a 20 vezes a retribuição mensal”
Neste particular, considerou a Administração Tributária que «Nos termos do art.º 23.º n.º1 do CIRC não é aceite fiscalmente a quantia de €385.012,95 em virtude dos documentos de suporte não serem contabilisticamente válidos por em a todas elas faltarem elementos previstos no artigo 35.º do CIVA.
Posição sufragada pelo tribunal a quo.
V- Não concordamos com esta interpretação da lei defendida pelo Tribunal a quo.
Com efeito,
Relembremos o primeiro argumento da AT constante no relatório e contestação:
“a) “2. No decurso da sua actividade empresarial adquiriu “sucata” a vários fornecedores tendo recorrido à denominada “auto-facturação”, prevista no n.º 11 do artigo 36.º do CIVA em que a elaboração das facturas ou documentos equivalentes é efectuado pelo próprio adquirente dos bens.
No entanto, esta disposição legal obriga ao cumprimento de 2 condições, nomeadamente, a existência de um acordo prévio, na forma escrita entre as partes; e o adquirente provar que o transmitente dos bens tomou conhecimento da emissão da factura e aceitou o seu conhecimento.”
Os impugnantes não violaram o n.º 11 do artigo 36º do CIVA.
Com efeito,
Nos termos da lei 33/2006 de 28 de Junho de 2006 e do ofício circular 30098 de 11/08/2006 é determinado que:
“Não existindo a obrigatoriedade de cumprimento das condições previstas no n.º 11 do artigo 35.º do CIVA, não será necessário qualquer acordo prévio ou aceitação pelo fornecedor da facturação elaborada pelo adquirente.”
Em conclusão não resulta da lei e do ofício interpretativo qualquer obrigação de cumprimento das condições previstas no n.º 11 do artigo 35.º do CIVA deverá por esta razão improceder a argumentação da AT e do tribunal a quo.
Deverá improceder este argumento da AT
Relembremos o segundo argumento da AT constante no relatório e contestação:
b) “3. Nos termos do ofício circular 30098/06 que estatui as regras especiais de tributação de desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis, obriga a que todos os SP que efectuem transmissão deste tipo de bens, prevista no Anexo E do CIVA a que se refere a alínea i), do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, estejam abrangidos pelo regime normal de tributação, não podendo beneficiar da isenção prevista no artigo 53.º do CIVA.
Os impugnantes não violaram ofício circular 30098/06 no que diz respeito a não poderem os sujeitos passivos beneficiarem da isenção prevista no artigo 53.º do CIVA.
Com efeito,
Relativamente aos casos em que o transmitente dos bens está abrangido pelo regime de isenção do artigo 53 do CIVA, não há nenhum caso em que o NIF seja inválido, logo não se fere o disposto no artigo 45 alínea b) do CIRC.
Além que, no caso, estão em causa auto facturas que indicam inequivocamente as pessoas singulares que os emitiram, preço e os bens adquiridos.
Repare-se que, apesar das insinuações, não foi invocada ou provada a falsidade das auto-facturas ou que as operações reflectiam operações simuladas.
Não há qualquer invocação de facturas simuladas.
Apenas as auto-facturas não foram aceites em resultado de irregularidades no seu preenchimento até porque as auto-facturas sem irregularidades no preenchimento foram todas aceites.
Igualmente não cabe ao adquirente saber se os dados fornecidos pelos fornecedores são ou não rigorosos.
Nem é possível ao adquirente saber se o fornecedor pessoa singular é ou não sujeito passivo, não há como saber.
Deverá improceder este argumento da AT
Relembremos o terceiro argumento da AT constante no relatório e contestação:
“a) Nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 45 do CIRC, por remissão do artigo 32.º do CIRS, os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação tenha sido declarada oficiosamente, não são dedutíveis para efeitos fiscais. “
Os impugnantes não violaram alínea b), do n.º 1 do artigo 45 do CIRC
Com efeito,
Recorde-se que os SIT consideraram como irregularidades:
a) Não possuem a identificação fiscal do transmitente dos bens, ou;
d) O transmitente dos bens indicou um NIF inválido, ou;
e) O transmitente dos bens não se encontra registado para efeitos de IVA e IRS, não exercendo qualquer tipo de actividade;
O artigo 45 n.º 1 alínea b) e g) do CIRC diz o seguinte:
1- Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.
b) Os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º.
g) Os encargos não devidamente documentados;
Ora,
Atendendo ao sentido jurídico da norma, a alínea b) aplica-se apenas aos documentos emitidos por sujeitos passivos.
No caso em concreto as notas de compra onde se verificaram incorrecções com o NIF os transmitentes são particulares,
Pelo que,
Não ocorreu qualquer violação da alínea b).
Tanto mais que aquando da entrada em vigor desta norma do CIRC não existia a figura jurídica da auto facturação para o sector da sucata que como se sabe só foi introduzida no n.º 14 do artigo 29 do CIVA (anterior 28 – renumerado de harmonia com as alterações introduzidas pelo DL n.º 102/2008 de 20 de Junho, através do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 256/2003 de 21 de Outubro e para o sector pela Lei 33/2006 de 28 de Junho.
Igualmente não se verificou a violação da alínea g).
Deverá improceder este argumento da AT
VI- Acresce que: // Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1 do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, bastando documento, que até poderá ser interno, desde que descreva suficientemente todos os elementos da operação que titulam.», pelo que tendo a Administração Tributária suportado a correcção apenas com base na mera inobservância dos requisitos formais das facturas em causa, a correcção não poderá manter-se e deverá ser anulada.
VII- O tribunal a quo salvo o devido respeito lavrou em erro de julgamento.
O tribunal considera que os impugnantes violaram a al. b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC
Compulsadas as notas de compra trazidas aos autos, verifica-se que existem irregularidades, sendo que os Impugnantes não se podem escudar no desconhecimento da lei (inaptidão para o conhecimento dos seus requisitos essenciais) para as justificar. Verifica-se que algumas não possuem a identificação fiscal do transmitente dos bens (cfr. ponto 8 da matéria de facto assente). O que impede a AT de verificar o início do circuito da transmissão de bens. Note-se que importa aferir da sua concreta materialidade.
Os impugnantes discordam porque, não só a referida norma se aplica apenas a sujeitos passivos e no caso os fornecedores são particulares; como em sede de IRC e IRS o documento comprovativo e justificativo dos custos não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC e IRS , a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova. E no caso em apreço os impugnantes dispunham das auto-facturas e dos cheques de pagamento prova suficiente. Igualmente a AT não ficou impossibilitada de verificar o início do circuito da transmissão dos bens, porquanto tal nunca foi por esta afirmado em sede de relatório e de contestação.
O tribunal considerou relativamente às notas de compra cujos transmitentes estão abrangidos pelo regime de isenção do artigo 53.º do CIVA, são sujeitos passivos, pelo que importava que fossem provados os requisitos constantes do n.º 11 do artigo 36.º do CIVA.
Esta conclusão do tribunal, com o devido respeito, está errada porque como acima se disse de acordo com a lei e o ofício circular não é necessário qualquer acordo prévio ou aceitação pelo fornecedor da facturação elaborada pelo adquirente e porque não é isso que a AT diz. O que a AT diz é que:
“Nos termos do oficio circular 30098/06 que estatui as regras especiais de tributação de desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis, obriga a que todos os SP que efectuem transmissão deste tipo de bens, prevista no Anexo E do CIVA a que se refere a alínea i), do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, estejam abrangidos pelo regime normal de tributação, não podendo beneficiar da isenção prevista no artigo 53.º do CIVA.”
Ou seja, os impugnantes alegadamente trataram alguns sujeitos passivos como estando incluídos no regime especial de isenção quando os deveria ter excluído.
Naturalmente com impacto em sede de IVA e não em sede de IRS.
O que é irrelevante para a alegada violação da alínea b) do artigo 45 do CIRC.
Mais,
O tribunal considerou relativamente: “Quanto aos transmitentes se encontram cessados, sem NIF válido, significa que outrora exerceram atividade. É o caso de C ………………. (cfr. ponto 8 da matéria de facto assente), que se encontra cessado desde 26/03/2005. Ora, face às diversas vendas que fez aos Impugnantes (mais de vinte, de valores consideráveis), não se compreende como podem os mesmos afirmar que se trata de “um particular” e que, assim, não há IVA a liquidar, pois que, pelo volume das vendas, sempre seria de entender tratar-se de alguém que se dedica à atividade de compra e venda de sucatas, ainda que não o declare.”
Ora o tribunal a quo considerou que o fornecedor C …………….. não é particular e que por esse facto teria de liquidar IVA.
Mas a verdade é que, de acordo com o regime especial, o adquirente líquida IVA. Esta questão não é controvertida.
Acresce que o objecto da inspecção não foi o incumprimento em sede de IVA mas sim em sede de IRS.
Logo irrelevante esta conclusão do tribunal a quo.
Mais: O tribunal a quo concluiu que: Sendo certo que a alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC não permite a dedutibilidade de encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º. e que, no caso, o documento não foi emitido pelo transmitente, mas sim pelo adquirente, o que é certo também é que os Impugnantes não provaram tratar-se de um “particular”, como referem (aliás, não o fazem em relação a nenhum dos transmitentes). // Os impugnantes não podem concordar com esta conclusão porquanto é impossível à data os mesmos saberem se os fornecedores pessoas singulares são ou não sujeitos passivos. // Que instrumentos legais ou ferramentas dispõe o comprador para saber ? // Claro que a AT tem esses instrumentos, mas em 2009 o contribuinte não tinha nem tem essa possibilidade. // Mesmo actualmente só é possível saber se o contribuinte tem actividade aberta, mas não é possível determinar que actividade exerce. // Não é possível aceder ao CAE.
VII- Artigos violados alíneas b) e g) do artigo 45 do CIRC, por remissão do artigo 32 do CIRS, 36.º n.º 11 do CIVA, 53.º do CIVA;
VIII- Impõe-se assim a este Venerando Tribunal reapreciar o direito».
X
Não há contra-alegações apresentadas.
X
A Digna Magistrada do M.P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:«
1. O Impugnante marido encontra-se coletado pelo exercício de atividade “Comércio por grosso de sucatas e desperdícios” – CAE 46771, encontrando-se enquadrado, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) na categoria B “Rendimentos empresariais e profissionais”, tributado segundo o regime da contabilidade organizada.
2. Em sede de IVA encontra-se registado no regime normal com periodicidade mensal.
3. Em 2009, o sujeito passivo emitiu documentos designados “notas de compra”, enumeradas sequencialmente, desde o n.º 5621 até ao n.º 8739, com designação e quantidade e preço de sucatas que comprou. - Cfr. docs 108 e ss juntos à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em cumprimento da ordem de serviço OI201101596, foi o Impugnante sujeito de uma fiscalização polivalente, ao exercício de 2009, em sede de IRS.
5. O motivo da ação inspetiva radicou «no facto do s.p. declarar vendas no valor de € 2.391.563,35 e no cruzamento dos anexos O e P da IES, apenas constam compras no valor de €324.116,00. No custo das existências vendidas revelou um valor de €2.228.761,10. Esta situação deverá estar associada à “autofacturação”.
Por outro lado, apenas possui 2 guias de entrega de retenção na fonte no montante de €18,00” - Cfr. doc de fls 374 verso do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Analisadas as compras/bens adquiridos em 2009 pelo Impugnante, a Inspeção apurou o seguinte:
Contas
Valor
%
312111 Fornecedores diversos “peles” 3663,02 0,2
312171 Fornecedores diversos “sucata” 644.764,94 30,5
312172 Autofaturação “sucata” 1.466.966,34 69,3
TOTAL 2.115.394,30 100,0
- Cfr. doc de fls 376 p.a., fls 7 do RIT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. A inspeção aferiu que “A margem declarada sobre as vendas foi apenas 6,8%, se comparada com a do setor de atividade em que o s.p. está inserido, cujos valores estão compreendidos entre 19,97% (média) e 33,92% (mediana).
No decurso da sua atividade (comércio de sucata) verifica-se que do total das compras contabilizadas no valor de € 2.115.394,30, a componente de autofacturação, cujo suporte documental são notas de compra emitidas pelo s.p. representam cerca de 97% do total declarado”.
Cfr. doc de fls e ss do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. A Inspeção detetou que o sujeito passivo emitiu documentos de “auto facturação” que consistem em notas de compra, enumeradas sequencialmente, relativamente às quais registou o seguinte:
« Imagem no original»

- Cfr. docs juntos à petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; fls do p.a.cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. A Inspeção concluiu o seguinte quanto aos documentos designados “autofacturação”:
a) Não possuem a identificação fiscal do transmitente dos bens; ou
b) Não estão assinadas pelo transmitente dos bens; ou
c) O transmitente dos bens encontra-se cessado, sem NIF válido; ou
d) O transmitente dos bens indicou um NIF inválido; ou
e) O transmitente dos bens não se encontra registado, para efeitos de IVA e IRS, não exercendo qualquer tipo de atividade;
f) O transmitente dos bens não se encontra registado para efeitos de IVA e IRS, não exercendo qualquer tipo de atividade;
g) O transmitente dos bens está abrangido pelo regime de isenção do artigo 53.º do CIVA.
- Cfr. RIT a fls do p.a.cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. A Inspeção concluiu existirem notas de compra no montante total de € 385.012,95, com omissões e/ou inexatidões, não as tendo aceitado como gasto.
11. Inferiu a Inspeção que “a única explicação para o reduzido valor declarado da margem bruta sobre as vendas deve-se ao facto do custo das existências vendidas apresentar um valor “sobrevalorizado”, sendo a autofacturação (metodologia que permite ao próprio s.p. de contabilizar o custo das compras) uma via para “empolar” os respetivos custos (…)”.
12. Mais concluiu a Inspeção:
Esta correção ao valor declarado das compras fez com que o Custo das existências vendidas passasse do valor declarado de € 2.228.761,10, para o valor corrigido € 1.843.748,20.
7. Consultando o valor do rácio de IRS da unidade de Lisboa (local onde o s.p. exerce atividade para o setor de atividade onde o s.p. se encontra inserido – Comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos… verifica-se que o valor da média da margem bruta sobre as vendas é de 19,97% e a mediana 33,92% e a nível nacional os valores são de 25,87% e 33,53% respetivamente (anexo 2), sendo calculada através da seguinte fórmula (Vendas – Custo existências vendidas)/Vendas.
O valor da margem bruta sobre as vendas declaradas foi de apenas 6,8%, atendendo ao valor declarado das vendas no montante de € 2391.563,35 e ao Custo existências vendidas declarado de € 2.228.761,10.
Com esta correção ao valor das compras de € 385.012,95 e com base no valor corrigido do Custo das existências vendidas de € 1.843.748,20, a margem bruta sobre as vendas corrigidas será de 22,9%, valor este que se situa no intervalo da média e da mediana da unidade orgânica de Lisboa (entre 19,97% e 33,92%) e inferior aos valores da média e mediana a nível nacional (entre 25,87% e 33,53%).
(…)
13. Os Serviços de Inspeção relataram também que “o s.p. não cumpriu o estatuído pelo artigo 63.º C da Lei Geral Tributária (LGT), que refere que “os sujeitos passivos de IRS que disponham de contabilidade organizada estão obrigados a possuir uma conta bancária através da qual sejam movimentados todos os pagamentos e recebimentos de valor superior a 20 vezes a retribuição mensal.
Contabilisticamente, todos os fluxos financeiros passam pela conta 11 – Caixa, apesar dos seus clientes pagarem através de cheque e haver algumas notas de compra onde no rodapé consta o n.º do cheque (nem sempre indica o Banco) relativamente ao pagamento”. - Cfr. RIT a fls do p.a.cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. O Impugnante exerceu direito de audição, tendo procedido à junção de cheques.
15. No Relatório de inspeção, elaborado em 18/07/2011, procedeu-se à análise dos argumentos esgrimidos pelo Impugnante em sede de audição prévia, constando do mesmo, entre o mais:
(…) 2. A correção efetuada pela AF teve por base as alíneas b) e g) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, por remissão do art. 32.º do CIRS, sendo em termos quantitativos a infração à alínea b), a de valor mais significativo (cerca de 87% do total) e esta não se refere a encargos não devidamente documentados que resulta do facto do s.p. não ter cumprido os requisitos do art. 36.º do CIVA, essenciais para a A.F. controlar a denominada autofacturação.
(…)
O s.p. vem agora apresentar cheques que teriam servido para pagar aos fornecedores. No entanto, para além do facto da contabilidade não refletir quaisquer movimentos através da conta Bancos, pois todos os pagamentos e recebimentos são efetuados por Caixa, apenas foi exibido parte da frente do cheque e não o seu verso, o que impossibilita saber quem os levantou junto do Banco.
16. Sobre o teor do relatório de inspeção recaiu despacho do Chefe de Divisão, por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto, de concordância, designadamente com o seguinte teor: “Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos estabelecidos nos artigos 81.º e 84.º da LGT, para se proceder às correções técnicas propostas para apuramento do rendimento líquido da categoria B de IRS. Desta forma, com os fundamentos referidos, determino que se proceda à liquidação, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do CIRS.
- Cfr. fls 373 do p.a. cujo, teor se dá por integralmente reproduzido.
17. Em sequência, foi emitida a liquidação de IRS do ano de 2009, nota de liquidação 20115004991532.
X
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos e do processo administrativo apenso constam.
X
FACTOS NÃO PROVADOS://Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.»
X
Ao abrigo do disposto n artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
18. Do anexo 1 junto ao Relatório Inspectivo consta a análise das notas de compra em apreço, bem como o motivo da sua não aceitação como custo fiscal.
19. Das notas de compra consta o número da mesma, a indicação do fornecedor, a data da transacção, o bem adquirido e o montante – p.a.
20. A maior parte dos cheques juntos ao procedimento inspectivo correspondem às notas de compra – v. conciliação efectuada no âmbito do procedimento inspectivo – p.a.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa.
A sentença julgou improcedente a presente impugnação. Estruturou, para tanto, a argumentação seguinte:
«Resulta da matéria de facto assente que a AT rejeitou as “notas de compra” porque: // a) Não possuem a identificação fiscal do transmitente dos bens; ou // b) Não estão assinadas pelo transmitente dos bens; ou // c) O transmitente dos bens encontra-se cessado, sem NIF válido; ou // d) O transmitente dos bens indicou um NIF inválido; ou // e) O transmitente dos bens não se encontra registado, para efeitos de IVA e IRS, não exercendo qualquer tipo de atividade; // f) O transmitente dos bens está abrangido pelo regime de isenção do artigo 53.º do CIVA. // Compulsadas as notas de compra trazidas aos autos, verifica-se que existem irregularidades, sendo que os Impugnantes não se podem escudar no desconhecimento da lei (inaptidão para o conhecimento dos seus requisitos essenciais) para as justificar. // Verifica-se que algumas não possuem a identificação fiscal do transmitente dos bens (cfr. ponto 8 da matéria de facto assente). O que impede a AT de verificar o início do circuito da transmissão de bens. Note-se que importa aferir da sua concreta materialidade. // Relativamente às notas de compra cujos transmitentes estão abrangidos pelo regime de isenção do artigo 53.º do CIVA, são sujeitos passivos, pelo que importava que fossem provados os requisitos constantes do n.º 11 do artigo 36.º do CIVA, que acima se expôs. // Quanto aos transmitentes se encontram cessados, sem NIF válido, significa que outrora exerceram atividade. É o caso de C ………….. (cfr. ponto 8 da matéria de facto assente), que se encontra cessado desde 26/03/2005. Ora, face às diversas vendas que fez aos Impugnantes (mais de vinte, de valores consideráveis), não se compreende como podem os mesmos afirmar que se trata de “um particular” e que, assim, não há IVA a liquidar, pois que, pelo volume das vendas, sempre seria de entender tratar-se de alguém que se dedica à atividade de compra e venda de sucatas, ainda que não o declare. // Sendo certo que a alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC não permite a dedutibilidade de encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º. e que, no caso, o documento não foi emitido pelo transmitente, mas sim pelo adquirente, o que é certo também é que os Impugnantes não provaram tratar-se de um “particular”, como referem (aliás, não o fazem em relação a nenhum dos transmitentes). // (…) // Porém, não se estranha que a AT tenha questionado a veracidade dos documentos designados “notas de compra”, pois que, se por um lado, alguns deles não contém todos os elementos necessários à identificação do transmitente, outros foram emitidos, no dizer dos Impugnantes, por compras realizadas a “particulares”, sem que dos mesmos conste o motivo justificativo da não aplicação do imposto. Sendo, assim, de duvidar a existência das operações nos termos que deles constam».

Apreciação. Está em causa a liquidação adicional de IRS de 2009. A fundamentação da correcção em exame é a seguinte:
i) A Inspeção detetou que o sujeito passivo emitiu documentos de “auto facturação” que consistem em notas de compra, enumeradas sequencialmente, relativamente às quais registou o que consta do n.º 8.
ii) A Inspeção concluiu o seguinte quanto aos documentos designados “auto facturação”:
a) Não possuem a identificação fiscal do transmitente dos bens; ou
b) Não estão assinadas pelo transmitente dos bens; ou
c) O transmitente dos bens encontra-se cessado, sem NIF válido; ou
d) O transmitente dos bens indicou um NIF inválido; ou
e) O transmitente dos bens não se encontra registado, para efeitos de IVA e IRS, não exercendo qualquer tipo de atividade;
f) O transmitente dos bens não se encontra registado para efeitos de IVA e IRS, não exercendo qualquer tipo de atividade;
g) O transmitente dos bens está abrangido pelo regime de isenção do artigo 53.º do CIVA. (n.º 9).
iii) A Inspeção concluiu existirem notas de compra no montante total de € 385.012,95, com omissões e/ou inexatidões, não as tendo aceitado como gasto (n.º 10).
iv) Inferiu a Inspeção que “a única explicação para o reduzido valor declarado da margem bruta sobre as vendas deve-se ao facto do custo das existências vendidas apresentar um valor “sobrevalorizado”, sendo a autofacturação (metodologia que permite ao próprio s.p. de contabilizar o custo das compras) uma via para “empolar” os respetivos custos (…)”. (n.º 11).
v) Mais concluiu a Inspeção:
Esta correção ao valor declarado das compras fez com que o Custo das existências vendidas passasse do valor declarado de € 2.228.761,10, para o valor corrigido € 1.843.748,20. // 7. Consultando o valor do rácio de IRS da unidade de Lisboa (local onde o s.p. exerce atividade para o setor de atividade onde o s.p. se encontra inserido – Comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos… verifica-se que o valor da média da margem bruta sobre as vendas é de 19,97% e a mediana 33,92% e a nível nacional os valores são de 25,87% e 33,53% respetivamente (anexo 2), sendo calculada através da seguinte fórmula (Vendas – Custo existências vendidas)/Vendas. // O valor da margem bruta sobre as vendas declaradas foi de apenas 6,8%, atendendo ao valor declarado das vendas no montante de € 2391.563,35 e ao Custo existências vendidas declarado de € 2.228.761,10. // Com esta correção ao valor das compras de € 385.012,95 e com base no valor corrigido do Custo das existências vendidas de € 1.843.748,20, a margem bruta sobre as vendas corrigidas será de 22,9%, valor este que se situa no intervalo da média e da mediana da unidade orgânica de Lisboa (entre 19,97% e 33,92%) e inferior aos valores da média e mediana a nível nacional (entre 25,87% e 33,53%).(…)(n.º 12).
vi) Os Serviços de Inspeção relataram também que “o s.p. não cumpriu o estatuído pelo artigo 63.º C da Lei Geral Tributária (LGT), que refere que “os sujeitos passivos de IRS que disponham de contabilidade organizada estão obrigados a possuir uma conta bancária através da qual sejam movimentados todos os pagamentos e recebimentos de valor superior a 20 vezes a retribuição mensal. // Contabilisticamente, todos os fluxos financeiros passam pela conta 11 – Caixa, apesar dos seus clientes pagarem através de cheque e haver algumas notas de compra onde no rodapé consta o n.º do cheque (nem sempre indica o Banco) relativamente ao pagamento”. (n.º 13).
vii) No Relatório de inspeção, elaborado em 18/07/2011, procedeu-se à análise dos argumentos esgrimidos pelo Impugnante em sede de audição prévia, constando do mesmo, entre o mais: (…) 2. A correção efetuada pela AF teve por base as alíneas b) e g) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, por remissão do art. 32.º do CIRS, sendo em termos quantitativos a infração à alínea b), a de valor mais significativo (cerca de 87% do total) e esta não se refere a encargos não devidamente documentados que resulta do facto do s.p. não ter cumprido os requisitos do art. 36.º do CIVA, essenciais para a A.F. controlar a denominada autofacturação. (…) // O s.p. vem agora apresentar cheques que teriam servido para pagar aos fornecedores. No entanto, para além do facto da contabilidade não refletir quaisquer movimentos através da conta Bancos, pois todos os pagamentos e recebimentos são efetuados por Caixa, apenas foi exibido parte da frente do cheque e não o seu verso, o que impossibilita saber quem os levantou junto do Banco. (n.º 15).
Os recorrentes censuram o veredicto que fez vencimento na instância, considerando que os custos em presença estão devidamente comprovados através da documentação constante da contabilidade. Da mesma resulta a veracidade das operações tituladas, sustentam.
Na sequência da aprovação da Lei n.º 33/2006, de 26/07, o Código do IVA foi alterado, tendo sido estabelecidas novas regras em matéria de transmissão de bens qualificados como desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis e certas prestações de serviços com estes relacionadas. Assim, nos termos do artigo 2.º/1, alínea i), do CIVA, «São sujeitos passivos do imposto: (…) [a]s pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que, no território nacional, sejam adquirentes dos bens ou dos serviços mencionados no anexo E ao presente Código e tenham direito à dedução total ou parcial do imposto, desde que os respectivos transmitentes ou prestadores sejam sujeitos passivos do imposto». Determina o artigo 28.º/15, do CIVA, «[o]s sujeitos passivos referidos na alínea i) do n.º 1 do artigo 2.º são obrigados a emitir uma factura por cada aquisição de bens ou de serviços aí mencionados quando o respectivo transmitente ou prestador não seja um sujeito passivo, não se aplicando, nesse caso, os condicionalismos previstos no n.º 11 do artigo 35.º». Nos termos do artigo 35.º/13, do CIVA, «[a]s facturas ou documentos equivalentes emitidos por sujeitos passivos transmitentes dos bens ou prestadores dos serviços mencionados no anexo E ao presente Código devem conter a expressão «IVA devido pelo adquirente», quando este seja um sujeito passivo dos mencionados na alínea i) do n.º 1 do artigo 2.º» (1).
O impugnante dedica-se ao comércio por grosso de sucatas e desperdícios (n.º 1 do probatório). Em 11.08.2006, a Direcção de Serviços do IVA emitiu o ofício circulado n.º 30098, relativo a “Regras especiais de tributação de desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis”, o qual concretizou os termos das alterações impostas pela Lei n.º 33/2006, de 26/07.
No quadro do regime em apreço, o adquirente tem obrigações declarativas associadas à emissão da factura e à liquidação do IVA correspondente. Tais obrigações declarativas permitem garantir o cruzamento da informação invocada, através da aferição dos elementos caracterizadores da operação económica declarada.
Cumpre, todavia, recordar que está em causa a tributação em sede de IRS, a qual segue o regime do IRC, ex vi artigo 32.º do CIRS. À data, estabelecia o artigo 115.º do CIRC (“Obrigações contabilísticas das empresas”), o seguinte: «[a]s sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direcção efectiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17 , permita o controlo do lucro tributável» (1). // (…) // «Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: // a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário; // b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos» (3).
A questão que se suscita nos autos consiste em saber se os impugnantes lograram provar os lançamentos contabilísticos efectuados, em sede de custos com fornecedores, no montante total de € 385.012,95. Ou se, como refere a impugnada, estão em causa “encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, seja porque se trata de «encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º» (2), seja porque se trata de «encargos não devidamente documentados» (3).
A propósito da comprovação dos custos (ou dos gastos) em IRC, não sofre dúvida que «[a] comprovação das despesas necessárias à obtenção do lucro da sociedade é inerente e indissociável da dedutibilidade (…): os proveitos são os proveitos comprovadamente feitos e os gastos são os gastos comprovadamente tidos» (4). Mais se refere que «[n]a perspectiva dos interesses fiscais, as exigências formais de documentação encontram a sua razão de ser numa dúplice justificação: por um lado, na necessidade de comprovar a efectivação do custo, a sua existência (desiderato alcançado pelo suporte em si); por outro lado, para aferir a natureza da despesa e respectiva comprovação da indispensabilidade do custo face à actividade do sujeito passivo (privilegiando-se aqui os elementos constantes do documento)» (5).
No que respeita ao alcance do ónus da prova dos custos, pontos firmes são os seguintes:
i) «O custo não documentado pode relevar fiscalmente se o contribuinte provar, por qualquer meio admissível, a efectividade da operação e o montante do gasto» (6).
ii) «A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova» (7).
iii) «Na execução da contabilidade, todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário (artigo 123.º/2/a), constituindo uma das obrigações acessórias do sujeito passivo a de exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita» (8).
iv) «Normalmente, a comprovação documental faz-se por documento externo, ou seja, que provenha ou se destine ao exterior (ex: facturas, recibos e notas de crédito), com menção das características fundamentais da operação em causa. Mas, a falta de documento externo não impede a dedutibilidade, podendo a comprovação ser efectuada por documento interno, desde que permita aferir sobre a efectividade da operação e do montante» (9).
v) «Para efeitos da dedutibilidade fiscal dos gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o comprovativo documental, independentemente, da natureza ou suporte, tem que obedecer a um conteúdo mínimo. Assim, pelo menos, deve conter determinados elementos: o nome ou a denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; os números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável em território nacional; a quantidade e a denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; o valor da contraprestação, designadamente, o preço; a data em que os bens foram adquiridos ou os serviços foram realizados» (10).
No caso em exame, para além dos elementos que resultam do relatório inspectivo, do probatório consta o seguinte:
i) Do anexo 1 junto ao Relatório Inspectivo consta a análise das notas de compra em apreço, bem como o motivo da sua não aceitação como custo fiscal - (n.º 18).
ii) Das notas de compra consta o número da mesma, a indicação do fornecedor, a data da transacção, o bem adquirido e o montante - (n.º 19).
iii) A maior parte dos cheques juntos ao procedimento inspectivo correspondem às notas de compra – v. conciliação efectuada no âmbito do procedimento inspectivo – (n.º 20).
Em face dos elementos coligidos nos autos, verifica-se que existe prova dos custos incorridos pelo impugnante, o que coloca em crise os pressupostos em que assenta a correcção em exame. Perante a comprovação da materialidade económica e financeira dos custos em presença, bem como da sua relação com a actividade económica do impugnante (11), cabia à Administração Fiscal a demonstração de que tais custos não têm aderência à realidade, dado que assentariam, por exemplo, em documentação falsa. Prova que no caso não foi feita. Pelo que a liquidação adicional de IRS do exercício de 2009, em apreço, não se pode manter, ao invés do decidido pela sentença recorrida.
A mesma incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto tributário.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela recorrida, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)

Do anexo E ao CIVA consta do seguinte:
«Lista dos bens e serviços do sector de desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 2.º // a) Entregas de resíduos ferrosos e não ferrosos, sucata e materiais usados, nomeadamente de produtos semiacabados resultantes do processamento, manufactura ou fusão de metais não ferrosos. // b) Entregas de produtos ferrosos e não ferrosos semitransformados e prestações de certos serviços de transformação associados. // c) Entregas de resíduos e outros materiais recicláveis constituídos por metais ferrosos e não ferrosos, suas ligas, escórias, cinzas, escamas e resíduos industriais que contenham metais ou as suas ligas, bem como prestações de serviços que consistam na triagem, corte, fragmentação ou prensagem desses produtos. // d) Entregas, assim como prestações de certos serviços de transformação conexos, de resíduos ferrosos, bem como de aparas, sucata, resíduos e materiais usados e recicláveis que consistam em pó de vidro, vidro, papel, cartão, trapos, ossos, couro, couro reconstituído, pergaminho, peles em bruto, tendões e nervos, cordéis, cordas, cabos, borracha e plástico. // e) Entregas dos materiais referidos na alínea d) após transformação sob a forma de limpeza, polimento, triagem, corte ou fundição em lingotes».
(2) (alínea b) do artigo 45.º do CIRC).
(3) (alínea g) do artigo 45.º do CIRC).
(4) Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Almedina, 2017, pp. 224/225.
(5) António Moura Portugal, A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 189.
(6) Acórdão do TCAS, de 06.04.2017, P. 06844/13.
(7) Acórdão do TCAS, de 15.09.2016, P. 09470/16
(8) Rui Marques, Código do IRC, anotado e comentado, Almedina, 2019, p. 209.
(9) Rui Marques, Código do IRC, … cit., p. 209.
(10) Rui Marques, Código do IRC, cit., p. 209.
(11) N.º 1 do probatório.