Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06121/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/18/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:TRIBUNAIS ARBITRAIS.
REGIME DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA EM DIREITO TRIBUTÁRIO (DEC.LEI 10/2011, DE 20/1).
PRINCÍPIOS PROCESSUAIS INERENTES AO PROCESSO ARBITRAL.
RECURSO DE DECISÃO PROFERIDA POR UM TRIBUNAL ARBITRAL (ARTºS.25, 27 E 28, DO RJAT).
FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL JUNTO DOS T.C.ADMINISTRATIVOS.
NULIDADE DA DECISÃO ARBITRAL DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO (CFR.ARTº.28, Nº.1, AL.A), DO RJAT).
NULIDADE DA DECISÃO ARBITRAL QUANDO OS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO (CFR. ARTº.28, Nº.1, AL.B), DO RJAT).
Sumário:1. A possibilidade de existência de tribunais arbitrais surgiu na Constituição da República a partir da sua revisão em 1982 (cfr.artº.211, nº.2, da C.R.P.), actualmente estando consagrada no artº.209, nº.2, do diploma fundamental.
2. O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/1 (RJAT), sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma.
3. Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
4. No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada. Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso. Em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos (cfr.artº.25, do RJAT).
5. Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral para os T. C. Administrativos (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).
6. No que se refere aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b-Oposição dos fundamentos com a decisão;
c-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.
7. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.668, nº.1, do C.P.Civil.
8. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C. P. Civil (cfr.artº.28, nº.1, al.a), do RJAT), é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
9. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.c), do C. P. Civil (cfr.artº.28, nº.1, al.b), do RJAT), é nula a sentença (ou acórdão) quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.158, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.

O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIRECTOR-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, deduziu impugnação de decisão arbitral, ao abrigo dos artºs.27 e 28, nº.1, als.a) e b), do dec.lei 10/2011, de 20/1, dirigida a este Tribunal visando decisão proferida no procedimento arbitral nº.76/2012-T, tendo por objecto acto de liquidação adicional de I.R.C., relativo ao ano de 2006, no montante total de € 3.288.942,08, apenas quanto às correcções à matéria colectável relativas à violação do princípio da plena concorrência, no montante de € 963.927,00, e à variação patrimonial negativa decorrente da reserva de conversão cambial, no montante de € 569.933,73, tendo julgado o mesmo procedente.
X
O apelante termina as alegações da impugnação (cfr.fls.3 a 27 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A presente impugnação tem por objecto a decisão arbitral proferida em 29 de Outubro de 2012, no processo Arbitral nº.76/2012 do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que julgou totalmente procedente a pretensão deduzida pela A..., contra o acto de liquidação adicional n° 20108310001949, de IRC, relativa ao ano de 2006;
2-A qual se encontra parcialmente ferida de invalidade, no seu segmento decisório referente ao mérito da correcção efectuada pela AT ao abrigo do princípio de plena concorrência consignado no artº.58, do CIRC, actual artº.43, atenta a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, bem como a oposição dos fundamentos invocados com a decisão proferida a final, nos termos do previsto nas alíneas a) e b), do n° 1, do artº.28, do RJAT;
3-Com inevitáveis consequências no segmento daquela decisão arbitral que reconheceu à A...o direito a indemnização por garantia indevida no montante de € 9.216,75;
Da não especificação dos fundamentos de facto
4-Da matéria de facto assente no probatório da decisão impugnada consta que a operação financeira efectuada pela A...foi realizada com a assunção pela B...de uma contrapartida, a qual terá consistido na condição imposta à B...de não dispor livremente dos meios financeiros que lhe foram atribuídos a título de dotação de capital, renunciando temporariamente à sua disponibilidade mediante a respectiva canalização para a SBI, através de uma operação financeira de mútuo;
5-Atenta aquela matéria de facto, para o Tribunal Arbitral ter concluído como concluiu, ou seja, que as especiais relações existentes entre as partes e a operação financeira realizada nos termos da "shareholder's resolution" não traduzem uma operação onerosa, reduzindo a expectativa da A...quanto à obtenção de um retorno daquela dotação patrimonial a favor da B...a um posterior recebimento de "dividendos e, eventualmente, de mais valias", com enquadramento na "forma geral de as sociedades proporcionarem aos sócios retorno pelos seus investimentos";
6-Impunha-se que o tivesse explicitado fundamentadamente, apreciando a natureza da contrapartida assumida pela B..., bem como a posição da SBI nesta equação, apreciando a operação na sua globalidade, o que não fez minimamente. Sintomática desta falta de especificação é o facto de a própria decisão Arbitral, no 6° parágrafo de fls. 37, se referir à operação financeira realizada como sendo, afinal, "uma dotação patrimonial efectuada aparentemente a título gratuito";
7-Resulta da leitura atenta do Relatório da Inspecção Tributária, na parte transcrita para o probatório da decisão que ora se impugna, que a AT não pretendeu converter a operação efectuada num empréstimo remunerado, mas antes avaliá-la à luz do princípio de plena concorrência, para efeitos de aplicação do art. 58° do CIRC, não tendo a decisão arbitral fundamentado especificadamente porque conclui de um modo diferente, ou seja, que a AT teria imposto à A...a opção "por um tipo de negócio jurídico completamente diferente, que seria a concessão de um financiamento remunerado a outra empresa do grupo, cujo capital detinha em 93,68, incorrendo", incorrendo, também quanto a este aspecto, na falta de especificação dos elementos de facto que suportam a decisão;
Da não especificação dos fundamentos de direito
8-Muito embora o regime dos preços de transferência seja o resultado das profundas alterações impostas pela Lei n° 30-G/2000, de 29/12, apoiada nos princípios e nas orientações da OCDE, a que alude a Portaria n° 1446-C/2001 e a Portaria n° 620-A/2008, a escassa fundamentação jurídica que integra a decisão arbitral interpretou e aplicou o art. 58° do CIRC sem fazer qualquer referência a esse enquadramento;
9-A interpretação do Tribunal Arbitral quanto ao sentido e alcance daquele normativo, apoiada na mera consideração do elemento literal, concluiu por uma dicotomia entre, por um lado, o tipo de operações comerciais e financeiras praticadas/contratadas e, por outro, os termos ou condições adoptadas, considerando que o art. 58° do CIRC só restringe a liberdade dos contribuintes quanto a estes últimos, os quais, por sua vez, entende que apenas dizem respeito ao preço da operação;
10-Sucede, porém, que esta interpretação, para além de não ter na letra da lei uma correspondência clara e inequívoca, viola os princípios gerais da interpretação contidos no art. 9° do C.Civil, ex vi art.11° da LGT. Mas não são os termos e condições acordados que definem o tipo comercial ou financeiro da operação? O que o Tribunal Arbitral entendeu por "abuso no tipo de operações realizadas", distinguindo de ''abuso da liberdade de decisão em matéria de quantificação de preços", não consta minimamente explicitado no segmento da decisão Arbitral que ora se impugna. Afinal, o preço estipulado não corresponde a uma contrapartida susceptível de ser alcançada por outras condições de efeito económico equivalente?
11-Sobre a articulação do art. 58° do CIRC com o n° 2 do art. 38° da LGT, muito embora essa conjugação se revele decisiva na decisão final, a qual entendeu que "os requisitos para deixar de considerar eficazes, para efeitos fiscais, as operações efectivamente realizadas não são os previstos no art. 58° do CIRC, mas sim os previstos no art. 38, n° 2, da LGT e no art. 63° do CPPT", constata-se a ausência de qualquer consideração jurídica sobre esta matéria, o que redunda em mais uma falta de especificação dos fundamentos de direito que suportaram a decisão, afinal consentânea com a tese da A...de que o disposto naquele n° 2 tem o efeito de restringida aplicação do art. 58° do CIRC quando possa estar em causa uma "requalificação jurídica da operação";
12-A especial influência que o disposto no n° 2 do art. 38° da LGT teve na interpretação do art. 58° do CIRC, atenta a sua falta de fundamentação, resulta incompreensível em face do disposto no n° 4 do art. 36° da LGT, segundo o qual a AT não está impedida de qualificar as operações para efeitos fiscais, atento o primado da substância económica dos actos sobre a forma jurídica dos mesmos, dispositivo legal que foi completamente ignorado no enquadramento jurídico que se impunha à aplicação do direito controvertido;
Da oposição dos fundamentos com a decisão, alínea b) do art. 28° do RJAT
13-Sobre a referência contida na decisão arbitral ao n° 2 do art. 38° da LGT, para além da supra aludida falta de especificação dos elementos que suportam a sua interpretação, constata-se, ainda, uma oposição entre a asserção, contida na fundamentação, de que não existe qualquer utilidade em apreciar o n° 2, do art. 38° da LGT, e a asserção, contida na decisão, de que a situação dos autos teria o seu enquadramento neste normativo, com a consequente inaplicabilidade do art. 58° do CIRC e declaração de ilegalidade da correcção efectuada pela AT ao abrigo do princípio de plena concorrência;
14-Constata-se, ainda, que o Tribunal Arbitral começou por caracterizar a dotação patrimonial efectuada pela A...à B...- questão controvertida fulcral - como sendo uma operação efectuada "aparentemente a título gratuito";
15-Para, sem qualquer fundamentação minimamente esclarecedora, considerar no final que se trata de uma "dotação patrimonial a titulo gratuito", decidindo em oposição com a fundamentação de facto que havia explicitado, inclusive através da matéria de facto que deu como provada e que faz ressaltar o aspecto da onerosidade da operação, atentas as contrapartidas ou exigências impostas à B...no âmbito da aludida resolução de accionistas e das especiais relações entre as entidades envolvidas;
II - Do mérito da impugnação
16-Da extensa argumentação que suporta o pedido de pronúncia arbitral resulta que a A...que não se verificam os pressupostos de sujeição ao regime de preços de transferência em virtude de a operação em análise não consubstanciar uma operação vinculada sujeita ao princípio de plena transferência, mais entendendo que, ainda que assim não se entenda, sempre o método que serviu de base à correcção não se afigura adequado, entendimento que se impugna;
17-Sobre os pressupostos do regime dos preços de transferência, verifica-se que, para efeitos de cumprimento do princípio de plena concorrência, o share premium é incindível do financiamento remunerado efectuado à SBI, consubstanciando uma operação onde existem relações especiais, em virtude das quais foram estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a uma base tributável distinta da que seria apurada na ausência de relações especiais;
18-As relações especiais supra descritas, no âmbito das quais a A...efectua um financiamento não remunerado a uma participada cujo capital detém a 100%, com vista ao financiamento remunerado da SBI, atento o seu interesse, na qualidade de accionista e sociedade dominante do grupo para efeitos de IRC, em prover às suas necessidades de tesouraria;
19-Foram decisivas nas modalidades de que se revestiu a operação controvertida, uma vez que entre empresas independentes não haveria lugar a uma dotação de capital próprio, a título de share premium, nem existiria interesse em alocar à esfera de um terceiro, no caso a B..., os rendimentos obtidos a partir das suas próprias disponibilidades financeiras;
20-Desde logo, e de acordo com o preconizado no parágrafo 1.37 do Relatório da OCDE, a análise da operação deve ser efectuada pela sua globalidade. Na verdade, verifica-se na situação em análise, tal como se transcreve daquele parágrafo, que "as modalidades da operação, vistas na sua globalidade, são diferentes das que seriam adoptadas por empresas independentes, agindo de um modo comercialmente racional";
21-A análise efectuada pela AT incidiu, assim, sobre o investimento efectuado pela A...mediante o qual alocou meios financeiros de que dispunha a um financiamento não remunerado à B..., para que esta efectuasse um financiamento remunerado à SBI;
22-Por sua vez, de acordo com o preconizado pelo parágrafo 1.15, importa na análise de comparabilidade considerar entre as várias opções realisticamente possíveis e concluir pela operação mais vantajosa, à semelhança do que é efectuado por empresas independentes. Ora, justamente, entre as opções possíveis em termos realísticos, a mais vantajosa para a A..., num cenário em que as opções efectuadas não sofressem a influência das relações especiais, teria consistido num financiamento remunerado à SBI;
23-Esta conclusão não coloca em causa a racionalidade da actuação da A...no quadro das especiais relações existentes e supra identificadas, antes pondera a racionalidade da sua actuação num cenário em que a A...actuasse de um modo independente;
24-Nessa perspectiva que se impõe, a operação tal como foi configurada pelas partes alocou disponibilidades financeiras da A...a um financiamento remunerado mas cuja remuneração foi alocada não à A...mas à B..., o que, visto na sua globalidade, consistiu em modalidades da operação diferentes das que seriam adoptadas por empresas independentes, agindo de um modo comercialmente racional;
25-A AT analisou a operação na sua globalidade, nem essa análise comportou alguma vez uma recaracterização da operação, a qual foi sempre analisada como um financiamento não remunerado à B...a título de capitais próprios, e nunca como um empréstimo;
26-Em síntese, na análise à operação em apreço, praticada entre a A...e a B..., não é possível abstrairmo-nos do empréstimo efectuado à SBI, uma vez que o financiamento remunerado constituiu uma condição que presidiu à dotação de capital efectuada pela A..., ou melhor, independentemente de outras motivações que lhe tenham estado subjacentes, entre as quais nem se afigura que se encontre a aquisição da SCS, o destino imediato das disponibilidades da A..., canalizadas para a B..., foi a sua aplicação num financiamento remunerado à SBI, por influência directa da A..., atentas as relações especiais existentes entre as partes e a dinâmica de interesses comuns;
27-A natureza vinculada da operação resulta, assim, não apenas das relações especiais, de natureza jurídica, existentes entre as empresas envolvidas (a A...detém 100% da B..., que detém 5% da SBI, que é detida directamente pela A...em 95%);
28-Mas também do facto de na operação em análise a A...ter efectivamente exercido uma influência decisiva na decisão de gestão da B...de canalizar a dotação de capital para o aludido empréstimo remunerado;
29-Verifícando-se, assim, na situação em apreciação os pressupostos de aplicação do disposto no art. 58° do CIRC relativamente à existência de uma operação financeira vinculada, uma vez que as relações especiais existentes traduziram-se, em concreto, conforme resulta evidente da shareholder's resolution imposta pela A..., aos órgãos decisores da B..., na qualidade de única accionista da B..., numa condição sine qua non de fixação de condições estranhas ao mercado;
30-Sobre a intenção iminente de investimento da B...na B..., ainda que se acolhessem os argumentos aduzidos pela A..., os quais não se afiguram razoáveis nem constam minimamente comprovados, sempre se manteria intocável a distorção que resulta para o princípio de plena concorrência de as disponibilidades financeiras da A..., utilizadas, por influência directa desta, num financiamento remunerado, não se terem traduzido num rendimento obtido pela A..., o que só se justifica pela existência de relações especiais;
31-Também não se vislumbra que a operação em análise seja uma operação de subcapitalização ou de sobrecapitalização, e que exista qualquer incoerência por parte da AT no tratamento destas matérias;
32-Sobre o método de determinação do preço de transferência, a AT não incorreu qualquer erro na escolha e aplicação do método mais adequado para determinar o preço de transferência da operação em apreço;
33-A correcção controvertida não atribuiu uma remuneração à contribuição de capital efectuada pela A...como se de um empréstimo de tratasse. Se assim fosse a AT teria calculado a correcção em apreço pelo mesmo montante de juros pagos pela SBI à B..., o que não foi o caso;
34-Atento o facto de as disponibilidades da A...terem sido, sob a sua influência directa, aplicadas num financiamento remunerado, a AT concluiu que a operação comparável para efeitos de determinação do preço de transferência seria um empréstimo;
35-Ou seja, a AT não tratou a operação vinculada como um empréstimo efectuado pela A...à SBI, considerando como valor a acrescer ao lucro tributável o montante de juros pagos pela SBI à B...;
36-Na verdade, atentas as características da operação vinculada na sua globalidade, de harmonia com a qual as disponibilidades da A...são, sob sua influência directa, aplicadas num financiamento remunerado, a AT elegeu como operação comparável, para efeitos de determinação do preço de transferência, o empréstimo efectuado em condições normais de mercado pela C...SGPS (adiante C...) à A...;
37-No caso em apreço, a comparabilidade incidiu sobre a opção de investimento tomada pela A...(o financiamento da B...com recurso a uma dotação de capitais próprios não remunerados para financiamento remunerado à SBI), considerando a expectável opção que entidades independentes tomariam em circunstâncias comparáveis, movidas por critérios de eficiente racionalidade económica;
38-A metodologia adoptada pela AT teve em conta a repercussão, na esfera tributária da A..., do proveito mínimo que esta estaria disposta a aceitar caso agisse do modo comercial racional que caracteriza uma entidade independente, e que equivaleria a aceitar, no mínimo, uma remuneração pelos fundos cedidos equivalente aos custos em que incorreu para os obter;
39-E foram escolhidos, no âmbito da estrutura de financiamentos com recurso a capitais alheios existente na A..., os empréstimos obtidos junto da C...SGPS, pois foi nestes que se verificou uma maior correspectividade face à operação controvertida;
40-Se se perfilhasse a tese da A..., cingindo as análises de comparabilidade a comparáveis internos, ficaria inviabilizada qualquer avaliação em todas as circunstâncias em que uma sociedade tivesse um único acionista;
41-Por último, não tem qualquer fundamento a alegação de que o acto de liquidação adicional, acima referenciado, na parte que resulta da correcção da matéria colectável, ao abrigo do artigo 58° do CIRC, está ferido de inconstitucionalidade, por afrontar o artigo 104°, n° 2 da CRP;
42-Termos em que, é, pois, válido e legal o acto de liquidação adicional na parte em que corrigiu a matéria colectável, para efeitos do n° 1 do artigo 58° do CIRC, no montante de 963.927,00;
III - Indemnização por prestação de garantia indevida
43-Não assistindo razão à A..., relativamente à correcção da AT objecto do segmento decisório que ora se impugna, por se considerar não haver lugar à anulação da liquidação adicional controvertida nessa parte, deve improceder, na parte que lhe seja imputável, o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida no processo de execução fiscal n° 353020100104122.3;
44-Com a consequente anulação da decisão arbitral na parte em que, pronunciando-se sobre a indemnização pretendida pela A..., teve por fundamento a ilegalidade da correcção efectuada ao abrigo do princípio de plena concorrência;
45-Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a presente impugnação parcial de decisão arbitral ser admitida e, em consequência, ser julgada procedente.
X
Contra-alegou a sociedade impugnada, “A...- A..., S.A.”, com os demais sinais dos autos, a qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.36 a 84 dos autos), sustentando nas Conclusões o seguinte:
1-As presentes Conclusões não pretendem resumir todos os argumentos alegados nestas contra-alegações, bem como nas demais peças que integram este processo, mas apenas oferecer uma visão corrida dos aspectos essenciais da razão da requerente;
2-A AT começa a sua impugnação por defender a invalidade parcial da douta decisão arbitral, invocando a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e a oposição dos fundamentos invocados com a decisão proferida a final;
3-Ora, salvo o devido respeito, e nos termos já amplamente explanados supra (artigos 9.° a 44.°), a argumentação da AT não merece qualquer provimento;
4-Na verdade, a não especificação dos fundamentos de facto apenas se tem por verificada, nos termos da jurisprudência e doutrina dominantes, quando ocorra uma falta absoluta de fundamentação (vide supra artigos 12.° a 16.°);
5-Ainda que, no entender da AT, a fundamentação não seja a mais correcta ou a motivação se pudesse ter como errada - posição com a qual a Requerente discorda em absoluto - sempre seria de salientar que tal fundamento apenas poderia afectar o valor doutrinal da sentença, podendo esta apenas ser atacada através de recurso de mérito (que no caso concreto não é, processualmente, possível);
6-O que a lei sanciona com anulabilidade é, apenas, a falta absoluta de motivação, i.e. a ausência total de fundamentos, o que manifestamente não sucede na decisão arbitral em análise, sendo notório que as páginas 2 a 6 da decisão Arbitral discorrem sobre os factos provados e não provados, explicando a razão da respectiva valoração em cada um dos pontos indicados;
7-Desta feita, facilmente se conclui que os fundamentos de facto se encontram devidamente especificados, não sendo, como tal, possível, aplicar o disposto no RJAT, art. 28.°, n.° 1, al. a), como tenta fazer a AT;
8-No que respeita à não especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, a lei refere-se à indicação, interpretação e aplicação das normas utilizadas para fundar a decisão arbitral;
9-Nos termos da jurisprudência e doutrina dominantes não é sequer necessário apreciar todos os argumentos invocados pelas partes, mas apenas aqueles que suportam a decisão, podendo esta apreciação ser feita, nomeadamente, pela referência a normas legais, princípios jurídicos ou a referências doutrinais (vide supra artigos 23.° a 25.°);
10-Ora, como facilmente se observa, a decisão arbitral encontra-se plenamente fundada nas normas jurídicas relevantes, sendo a respectiva apreciação devidamente efectuada;
11-A título exemplificativo, salienta-se o constante das páginas 32 e seguintes da decisão arbitral, onde se encontra plenamente invocado e justificado o CIRC, art. 63.°, relativo aos preços de transferência, e sua correcta interpretação;
12-É aliás claro, que ao longo de toda a decisão arbitral o Tribunal Arbitral parte sempre de uma cuidada apreciação da matéria de facto, para depois aplicar as normas legais necessárias ao correcto enquadramento e à valoração jurídico-fiscal da situação;
13-Desta feita, é evidente que os fundamentos de direito se encontram devidamente especificados, não podendo, como tal, aplicar-se o disposto no RJAT, art. 28.°, n.° 1, al. a), como pretende fazer a AT;
14-Também no que respeita à oposição entre os fundamentos e a decisão, invocada pela AT, a boa doutrina e jurisprudência são unânimes em referir que esta apenas se verifica caso o iter cognoscitivo devesse conduzir à solução oposta à que foi adoptada (vide supra artigos 34 a 36);
15-Ora, não se verifica qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão arbitral proferida;
16-Com efeito, o Tribunal Arbitral limita-se a afirmar (pg. 36 da sua douta decisão) que: "(...) não tem utilidade para a decisão em apreço apurar se estavam ou não preenchidos os requisitos legais de que depende a aplicação da referida norma geral anti-abuso (...)", afirmação que resulta óbvia, quando foi a própria AT a considerar expressamente que não estava em causa neste caso a aplicação da LGT, art. 38.°, n° 2;
17-O Tribunal Arbitral, na sua douta decisão, não fere o seu raciocínio de qualquer contradição, antes dizendo que, para considerar irrelevante fiscalmente a dotação de capitais efectuada pela requerente, a AT teria tido de socorrer-se da LGT, art. 38.°, n° 2 e nunca do CIRC, art.58.° (fls. 39 da decisão);
18-Ora, o iter cognoscitivo é - na opinião da requerente - absolutamente cristalino e lógico, conduzindo os fundamentos invocados exactamente à decisão que foi adoptada e não a outra oposta ou, pelo menos, distinta, não se aventando qualquer oposição entre aqueles e esta;
19-Assim, resulta, uma vez mais, de forma clara, que não existe qualquer oposição dos fundamentos com a decisão, não podendo, como tal, aplicar-se o disposto no RJAT, art. 28.°, n.° 1, al. b), como pretende fazer a AT;
20-Na verdade, a AT limita-se a enxertar nas escassas excepções de recorribilidade / impugnabilidade da decisão arbitral, um recurso de mérito da referida decisão;
21-O que lhe não é permitido pelo princípio da irrecorribilidade das decisões arbitrais;
22-Todavia, por cautela de patrocínio, caso o venerando Tribunal “ad quem” venha a considerar a decisão arbitral nula e, nessa sequência, considere dever decidir sobre o objecto da causa, sempre a requerente dirá o seguinte, sem prejuízo do que alegou no pedido arbitral e demais peças que compõem o presente processo;
23-Embora reafirmando a sua versão dos factos, tal como descritos a artigos 24.° a 45.° do pedido arbitral, a aceitação por parte da AT, de que a operação subjacente à correcção que efectuou foi uma operação normal, aceitável e não censurável (cfr. entre outros n.°s 94, 95, 140, 141, 179 e 182 da impugnação), tornou irrelevante a necessidade de discutir, em sede arbitral e em sede deste recurso, a intenção por detrás dessa mesma operação;
24-A AT considerou que esta operação violava o princípio da plena concorrência, pelo que impôs uma correcção à matéria colectável da requerente no montante de € 963.927,00;
25-Para sustentar a referida correcção, a AT adoptou, ao longo do processo inspectivo, e no decurso da correspondência trocada com as Autoridades Fiscais Holandesas, abordagens distintas, conforme a requerente demonstrou nos artigos 59.° a 66.° do seu pedido arbitral;
26-Todavia, independentemente de todas estas abordagens, a AT manteve sempre a mesma frase justificativa da correcção, em todos os relatórios elaborados: "[A] correcção proposta do montante de Eur 963.927,00 resulta da determinação da remuneração de plena concorrência para um financiamento efectuado à sua participada B...Investments B. V., sem remuneração, em conformidade com o nº.1 do artigo 58 (hoje 63) do Código do IRC;
27-Assim, coloca-se ao direito uma única questão fundamental, que é a seguinte: - Pode a AT, com base no disposto no artigo 63.° (na altura 58.°) do Código do IRC, determinar uma remuneração de plena concorrência para um "financiamento" "sem remuneração" da A...à B..., quando esse financiamento se traduz numa entrada de capitais próprios a título de Share Premium?
28-A requerente considera que não, excepto se se recaracterizar a operação de share premium como outra coisa qualquer - um empréstimo por exemplo, única forma de se lhe poder atribuir um juro;
29-Foi o que a AT acabou por fazer - recaracterizar o share premium - embora negando-o veementemente (cfr. nº. 134 e 184 da impugnação);
30-E nega-o porque sabe que, à luz da lei portuguesa, essa recaracterização não pode ser feita ao abrigo das regras sobre preços de transferência, carecendo de aplicação do disposto na LGT, art. 38.°, n° 2 - norma que a própria AT expressamente refere não ser aplicável ao caso em análise (clr.nº. 174 da impugnação);
31-Da mesma forma que sabe que, no passado, ela própria admitiu que a contribuição de fundos a título de share premium consubstanciava uma contribuição de capitais (cfr. arts 65.° e 66.° supra) à qual não era aplicável o regime dos preços de transferência;
32-Da mesma forma que sabe que, num outro caso recente, em que estava em causa uma contribuição de capitais a título de prestações suplementares, a norma a que a AT recorreu foi a da LGT, art. 38.°, n° 2 e não a do CIRC, art.° 63° (Acórdão do TCAS 04255/2010 - cfr. art. 67 supra);
33-A AT nega que esteja a recaracterizar o share premium em um empréstimo com juros, mas é isso que acaba por fazer, designadamente quando refere (n.° 93 da impugnação) que, de entre as opções realisticamente possíveis, "a mais vantajosa para a requerente, (...) teria consistido num financiamento remunerado à SBF (cfr. art. 71.° supra);
34-Ou quando refere (cfr. art. 74.° supra) que o que pretendeu foi nada menos nada mais do que "repercutir na esfera tributária da requerente o efeito do custo de oportunidade da opção tomada para o destino dos seus meios financeiros (...) ";
35-Mas afinal que custo de oportunidade é este? É uma remuneração sobre os capitais próprios? É um juro sobre um financiamento não remunerado?
36-No n.° 153 da impugnação a AT diz o seguinte: "Sem deixar de considerar a operação efectivamente praticada pela requerente, a AT concluiu que (...) o investimento da requerente revestiria a forma de um investimento remunerado, com a alocação dos juros à esfera patrimonial, onde aquelas haviam sido geradas" - logo, parece dever qualificar-se o custo de oportunidade como um juro;
37-Mas um juro não é por natureza a remuneração pela concessão de um empréstimo?
38-E onde está o empréstimo efectuado pela A...à B...que justifique esse juro?
39-Ou basta mudar o nome de "juro" para "custo de oportunidade" e já se dispensa a operação subjacente que o justifica?
40-E se "custo de oportunidade" é diferente de "juro", e não visa - apesar de ser isso que a correcção escreveu - remunerar o share premium, então será uma terceira operação, fictícia, acrescida às outras duas que efectivamente correram;
41-Mas que terceira operação será então essa? Uma prestação de serviços da A...à B...? O uso de um activo intangível? A contrapartida pela disponibilidade de fundos próprios que a lei não permite remunerar e as partes jamais quiseram remunerar? O que será? E definido que esteja a natureza do dito "custo de oportunidade" então, como calcular o seu valor de mercado?
42-Perante a posição da AT no caso da requerente, ocorre-nos perguntar se a AT aceitaria que uma subsidiária portuguesa de um grupo estrangeiro que, tendo recebido prestações suplementares do seu accionista único, as tivesse aplicado num empréstimo remunerado a uma sua participada, viesse reclamar a dedução de um custo de oportunidade em Portugal pelo apport de capital que a sua accionista lhe fez?
43-Negada a evidência, a AT procura então disfarçar a recaracterização do share premium através de uma abordagem centrada naquilo a que apelida de uma "análise da operação vista na sua globalidade", assente no pressuposto de que as "modalidades da operação, vistas na sua globalidade, são diferentes das que seriam adoptadas por empresas independentes, agindo de um modo comercialmente racionar (n.° 91 da impugnação);
44-Ou seja, a AT refere que, na realidade, estas duas operações são apenas uma;
45-Para suportar a sua tese, a AT foi buscar os parágrafos 1.15, 1.37 e 3.5 das Orientações da OCDE de 1995 sobre Preços de Transferência;
46-O muito que houve a dizer sobre as razões pelas quais consideramos que nenhum destes 3 parágrafos se adequa ao caso em análise foi já dito supra e em sede do pedido arbitral, designadamente nos artigos 99.° a 136°.. Em todo o caso, salientamos os seguintes aspectos;
47-Primeiro: O artigo 63.° do Código do IRC impõe, como requisito básico e essencial, que a correcção da Autoridade Tributária opere em relação a uma ou mais operações efectuadas entre entidades relacionadas (n.° 1) e que seja feita com base no método que permita o maior grau de comparabilidade entre essas operações e outras substancialmente idênticas;
48-Sempre que a Autoridade Tributária deseje desrespeitar as operações efectuadas, aplicando um princípio de substância sobre a forma, então tem de se socorrer da cláusula geral anti-abuso do n.° 2 do artigo 38.° da LGT;
49-Não faria sentido, perante esta distinção, concluir depois que, afinal, o nosso regime permite a utilização dos preços de transferência para aplicar um princípio de substância sobre a forma, seja remunerando um share premium como se fosse um empréstimo, seja acrescentando uma terceira operação fictícia a duas que as partes relacionadas efectivamente realizaram, como a AT faz no presente caso;
50-Segundo: No caso do artigo 9.° da Convenção Modelo da OCDE (utilizado na Convenção celebrada entre Portugal e a Holanda) a situação é algo distinta. Por dois motivos;
51-O primeiro porque o seu texto não tem exactamente o mesmo conteúdo do artigo 63.° do CIRC, embora tenha na essência o mesmo sentido. Com efeito, a norma convencional fala em "relações comerciais ou financeiras" Q não em "operações efectuadas";
52-O segundo porque nas Convenções de Dupla Tributação não existe uma norma geral anti-abuso, ou seja, a aplicação de um sentido não abusivo às normas (que é também seu objectivo) resulta de conceitos desenvolvidos em torno da interpretação dessas normas (beneficiário efectivo, limitação à concessão dos benefícios da convenção) e não de uma cláusula geral;
53-Mesmo assim, e apesar disso, a própria OCDE veio reafirmar para lá de qualquer dúvida (parágrafo 1.36 das suas Orientações) que, quando falamos de preços de transferência, a regra é a do respeito pelas operações efectuadas pelas partes;
54-Abrindo depois no parágrafo 1.37 (que a AT cita e usa, mal a nosso ver) duas, mas apenas duas, situações em que, excepcionalmente, "as autoridades fiscais podem ter justificação para não atenderem à estrutura adoptada por um contribuinte para realizar a operação vinculada";
55-A AT parece pretender aplicar a segunda excepção referida no citado parágrafo 1.37 ao caso da requerente (artigo 51 do Pedido Arbitral), mas esquece-se de um elemento essencial de que esse 1.37 faz depender essa mesma aplicação: A forma da operação não pode ser afectada, ou seja, a correcção só é permitida dentro dos termos e condições possíveis (vistos na sua totalidade e não apenas na componente preço) da operação efectuada entre as partes;
56-No caso da requerente, não é possível atender aos termos e condições da operação efectuada, porque a operação efectuada (contribuição a título de Share Premium) não permite, por imposição legal, a fixação de qualquer remuneração;
57-O parágrafo 1.15 das Orientações da OCDE 1995 chama a atenção para a necessidade de as administrações fiscais - quando comparam uma operação vinculada com uma operação não vinculada - terem de assegurar:
a. que as características economicamente relevantes das situações em confronto (a operação vinculada e a operação não vinculada) são suficientemente comparáveis;
b. que quaisquer diferenças que eventualmente existam entre a operação vinculada e a operação não vinculada não devem afectar de forma material a condição sob análise (i.e. o preço ou a margem praticados na operação vinculada) e;
c. caso afectem, que é possível proceder a ajustamentos suficientemente rigorosos que permitam eliminar o efeito dessas diferenças;
58-O exemplo utilizado neste parágrafo refere que "Para determinar o grau de comparabilidade, e nomeadamente os ajustamentos a introduzir para obter essa comparabilidade, é necessário entender o modo como as sociedades independentes avaliam os termos de eventuais operações. Na ponderação das condições de uma eventual operação, as sociedades independentes vão comparar essa operação com outras opções que realisticamente se lhes oferecem e só concluem a operação se não tiverem outra alternativa claramente mais vantajosa";
59-No caso da requerente, a AT utiliza este exemplo da OCDE como uma porta que lhe permite concluir que a requerente - posta perante essas mesmas opções - jamais aceitaria capitalizar a B...;
60-Por outras palavras, onde a OCDE lhe indica que, na busca por uma operação não vinculada comparável, a AT tenha em atenção as opções e alternativas que se oferecem a entidades independentes - e note-se que o parágrafo 1.15 está inserido num capitulo das Orientações intitulado "análise de comparabilidade - razões justificativas do exame de comparabilidade" - logo entende a AT que lhe está a indicar que deve usar essas opções e alternativas, não para determinar o preço ou remuneração a aplicar à operação efectuada, mas para questionar a decisão de gestão tomada pela requerente (aporte de capitais à participada B..., em vez de financiamento directo à participada indirecta SBI);
61-Se a posição da AT viesse a ter acolhimento junto dos tribunais portugueses, fácil será ver que nenhuma sociedade portuguesa poderá voltar a aportar fundos próprios às suas participadas, sedeadas em território nacional ou não, em particular, sempre que as controle - pois, nesses casos, existe sempre a opção de prestar um suprimento remunerado;
62-Quanto ao parágrafo 3.5 das orientações da OCDE, haverá que dizer que se refere às situações em que as operações estão tão intimamente ligadas que não é possível avaliá-las numa base individualizada - tal como a AT acha que sucede no presente caso;
63-Mas a OCDE refere-se a esse tipo de operações para dizer, apenas e unicamente, que, nesses casos, o método mais adequado será o método do fraccionamento do lucro. Aliás o referido parágrafo 3.5 está precisamente inserido no capítulo das Orientações dedicado à aplicação do método do fraccionamento do lucro;
64-Parece-nos, salvo o devido e muito respeito, que a AT busca uma manipulação das regras sobre preços de transferência e, em particular, das orientações da OCDE, buscando, numa situação onde não pode aplicar o artigo 38.°, n° 2 da LGT, suporte nas regras sobre preços de transferência para, de modo não autorizado:
a. manter a forma das operações (share premium mais um empréstimo);
b. considerar que são todas parte de uma só (que não será uma única operação de empréstimo - n,° 180 da impugnação);
c. assumir que desse facto nasce uma nova prestação (juro?/custo de oportunidade?),
d. tributar essa nova prestação como se fizesse parte da forma adoptada pelas partes e;
e. defender que com isto não está a aplicar o principio da substância sobre a forma (que remete para o artigo 38.°, n° 2 da LGT) mas o 1.37 das Orientações da OCDE ... que refere os dois únicos exemplos, excepcionais (vide 1.36 das mesmas Orientações), em que a AT pode não atender à estrutura adoptada por um contribuinte;
f. estrutura que se diz não pôr em causa;

65-Perante isto, que legitimidade se pode reconhecer a uma correcção que, começando por considerar a B...uma mera plataforma intermédia numa operação entre a A...e a SBI (n.° 177 da impugnação), continuando a dizer que o juro obtido com o empréstimo da B...à SBI deveria ter sido alocado à esfera patrimonial da A...(n.° 176 da impugnação) e dizendo ainda que, de entre as várias opções realisticamente possíveis, a mais vantajosa teria consistido num financiamento remunerado à SBI (n.° 93 da impugnação);
66-Vem depois, em vez de procurar neutralizar os efeitos da intervenção da B...imputando os juros pagos pela SBI à A..., propor que se tributem juros ao nível da A...pelo share premium concedido e ao nível da B...pelos juros cobrados da SBI;
67-ou seja, não há dupla dedução de juros (como a AT reconhece a n.° 182 da impugnação), mas há dupla cobrança de juros;
68-Pelo dito, se deve concluir que não se verificaram os pressupostos para o recurso às regras sobre preços de transferência e que a correcção é por isso ilegal;
69-Mas ainda que fosse admissível que esta operação pudesse cair no âmbito de aplicação do artigo 63.° do CIRC, ainda assim a AT teria corrigido mal o preço de transferência, pois vejamos;
70-Para sustentar uma análise da operação na sua globalidade, justificada em resultado (n.° 178 da impugnação) de duas operações realizadas (A.../B...e B.../SBI) "tão intimamente relacionadas que a sua desagregação conduziria à perda de funcionalidade ou valor", a AT socorre-se do n.° 2 do artigo 1º. da Portaria;
71-As situações enumeradas nas alíneas a) b) e c) do n.° 2 do referido artigo 1.° são aquelas em que as operações vinculadas revelam tal grau de integração que a sua avaliação individualizada se toma difícil de realizar - razão pela qual essa disposição considera, e bem, que o método a utilizar seja o método do fraccionamento do lucro;
72-Aliás, à semelhança do que faz a OCDE, quer no parágrafo 3.5, quer no parágrafo 2.4 das suas Orientações;
73-Acontece que nenhuma das três situações reflectidas na Portaria se aplica ou sequer tem qualquer semelhança, com o caso em análise;
74-Da mesma forma que o share premium e o empréstimo da B...à SBI, são operações que, vistas de um modo individualizado, não perdem nem funcionalidade nem valor;
75-Pelo que o recurso a uma visão agregada das operações em causa não se encontra permitida, devendo a análise ser efectuada de modo individualizado, como lhe impõe a Portaria - individualizado significando operação a operação;
76-Para além disso, ainda que se considerasse possível aplicar a excepção do n.° 2 do artigo 1.° da Portaria, sempre se diria então que dela resultaria a necessidade de adoptar o método do fraccionamento do lucro, pois seria esse o método mais adequado - o que é imposto pelo n.° 2 do artigo 4.° da Portaria;
77-Bem como dele resultaria a impossibilidade de aplicar o Método do Preço Comparável de Mercado ("MPCM"), método dedicado por natureza a operações individualizadas (cfr. artigo 6° da Portaria onde se fala sempre em "uma transacção" ou "uma operação'');
78-Não poderia por isso, por ser ilegal, a AT aplicar a esta situação o MPCM;
79-Mas ainda que isso fosse legalmente admissível, ainda assim haveria que dizer que a AT utilizou como comparável uma operação que a Portaria não permite que seja tomada como comparável - ou seja uma operação entre entidades vinculadas;
80-Com efeito, a "operação de idêntica natureza" que a AT foi buscar, foram os empréstimos obtidos junto da C...SGPS, entidade que, como a AT bem sabe, é relacionada com a A...;
81-Não preenchendo por isso nenhum dos requisitos impostos pelas alíneas a) ou b) do n.° 2 do artigo 6.° da Portaria;
82-Mas ainda que, por absoluto absurdo, se considerasse poder a operação da C...ser usada como comparável, sempre haveria que ter em conta que a posição da A...é diferente nas duas operações: Numa (a operação vinculada), a sua posição é activa, ou seja, ela é credora ou seria mutuante se o share premium fosse requalificado num empréstimo; na outra (a suposta operação não vinculada da C..., que por acaso é vinculada) a sua posição é passiva, ou seja, ela é devedora ou mutuária;
83-Assim sendo, haveria que apurar (artigo 6.°, n.° 3 da Portaria) os ajustamentos necessários a reflectir estas diferenças, desde logo o facto de as taxas de juro activas se não poderem comparar com taxas de juro passivas), o que não foi feito;
84-E não procure a AT justificar o facto de o não ter feito (como faz no n.° 201 da impugnação) com o recurso ao parágrafo 7.34 das Orientações da OCDE, pois esse parágrafo é circunscrito a certas prestações de serviços intra-grupos, onde não existe qualquer valor acrescentado e portanto onde se admite que não exista qualquer margem de lucro;
85-A Autoridade Tributária comete assim não uma, mas três ilegalidades de uma só vez;
86-Primeira: Vai buscar uma operação de natureza distinta - uma contribuição de capital (e o share premium é uma contribuição de capital) ou uma operação fundida correspondendo a uma contribuição de capital seguida de um empréstimo, nunca é comparável com um empréstimo - neste último caso, excepto se requalificada (requalificação que, em Portugal, como vimos, só pode ser feita ao abrigo da LGT art. 38.°, n°2);
87-Segunda: Vai buscar uma operação distinta realizada entre duas entidades relacionadas, o que o n.° 1 do artigo 63.° do Código do IRC e o artigo 6.° da Portaria lhe proíbem;
88-Terceira: Não acolhe, como lhe ditam as regras (desde logo, o n.° 3 do artigo 6.° da Portaria, para quem ache que o MPCM seria adequado), as diferenças de comparabilidade entre a operação vinculada (financiamento em que a A...é credora) e a operação não vinculada (financiamento em que a A...é devedora);
89-Pelo que também quanto a este aspecto, a correcção não deve prosseguir por ilegal;
90-Para além do que referimos, a requerente salienta ainda as contradições da resposta da AT (cfr. artigos 144.° a 146.° e 156.° a 161.° supra), a indevida utilização e leitura da decisão dos tribunais ingleses no caso DSG Retail Ltd Vs. HMRC (cfr. artigos 147.° a 155.° supra);
91-Finalmente, a requerente considera aqui reproduzidos os argumentos reflectidos a artigos 196.° a 225.° do pedido arbitral, renovando a sua convicção de que a tese da AT, a ser admitida, configuraria (a) uma violação das definições comunitárias (e convencionais) de juros e dividendos , (b) uma violação da via autorizada pela Directiva Mães-Filhas para lidar com a sobrecapitalização, (c) uma restrição dissimulada ao exercício do direito de estabelecimento e da liberdade de circulação de capitais da Requerente, em idêntico caso, e (d) uma violação do n.° 2 do artigo 104.° da Constituição da República Portuguesa , se o artigo 63.° do CIRC for interpretado por forma a impor uma tributação sobre o capital, investido pela requerente na B...;
92-NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, EM FACE DA FUNDAMENTAÇÃO EXPOSTA E PORQUE O TRIBUNAL ARBITRAL BEM DECIDIU, DEVE A DECISÃO ARBITRAL SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA E, POR CONSEGUINTE, NEGADO PROVIMENTO À PRESENTE IMPUGNAÇÃO, ASSIM FAZENDO V. EXAS. A COSTUMADA JUSTIÇA.
X
Foi cumprido o artº.146, nº.1, do C.P.T.A. (“ex vi” do artº.27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1), tendo o Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitido pronúncia sobre a presente impugnação no sentido da não admissão da mesma por falta de fundamento legal (cfr.fls.98 a 102 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
Não tendo havido impugnação da matéria de facto nas conclusões da impugnação deduzida, igualmente não se vislumbrando a necessidade de alteração da factualidade constante do probatório, o Tribunal remete para a decisão arbitral impugnada, a qual julgou provada a matéria de facto inserta a fls.110 a 114 do presente processo e se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr.artº.713, nº.6, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.29, nº.1, al.e), do dec.lei 10/2011, de 20/1).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Arbitral deliberou:
1-Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios com o nº.20108310001949, datada de 31/3/2010, relativa ao exercício de 2006, na parte correspondente às correcções ao lucro tributável nos valores de € 963.927,00 e € 569.933,73 efectuadas com fundamento em violação do princípio da plena concorrência e em indevida contabilização de variação patrimonial negativa relativa a variação cambial;
2-julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à requerente a quantia de € 9.216.75, a título de indemnização por garantia indevida.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil, “ex vi” dos artºs.140, do C.P.T.A., e 27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1).
O impugnante dissente do julgado alegando, em síntese e conforme aludido supra, que a decisão arbitral impugnada padece dos vícios de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, bem como a oposição dos fundamentos invocados com a decisão proferida a final (cfr.conclusões 1 a 44 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à decisão arbitral recorrida vícios que se enquadram no artº.28, nº.1, als.a) e b), do RJAT.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
A possibilidade de existência de Tribunais arbitrais surgiu na Constituição da República a partir da sua revisão em 1982 (cfr.artº.211, nº.2, da C.R.P.), actualmente estando consagrada no artº.209, nº.2, do diploma fundamental (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.550 e seg.).
A arbitragem encontra, assim, um espaço próprio por onde pode começar a irradiar. Com efeito, face aos crescentes níveis de litigação, que se tornam absolutamente incomportáveis para o sistema de justiça tradicional, os Tribunais arbitrais voluntários têm vindo a assumir-se como uma verdadeira alternativa para os cidadãos resolverem os seus litígios.
O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).
Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.
Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.
Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.
Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.
Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.
Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).
Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.
Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.
Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.668, nº.1, do CPCivil.
E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.).
Voltando ao caso concreto, o impugnante fundamenta o seu apelo para este Tribunal, além do mais, no citado artº.28, nº.1, al.a), do RJAT, alegando que a decisão arbitral recorrida padece do vício de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Analisemos se a decisão impugnada sofre de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C. P. Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.659, nº.3, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.906 a 910; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10).
Voltando ao caso concreto, a decisão arbitral impugnada especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de anular a liquidação parcialmente e conforme o pedido arbitral formulado, tal como a condenação da entidade impugnante no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, tudo conforme cópia da decisão arbitral junta a fls.109 a 156 dos presentes autos. Pelo que, e relembrando que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente, deve concluir-se pela improcedência do presente fundamento da impugnação quanto à alegada falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão arbitral recorrida.
Passemos ao exame do outro alicerce do apelo para este Tribunal, o artº.28, nº.1, al.b), do RJAT, alegando a entidade impugnante que a decisão arbitral recorrida padece do vício de oposição dos fundamentos com a decisão.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.c), do C.P.Civil, é nula a sentença (ou acórdão) quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.158, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11).
No caso “sub judice”, não vislumbramos que a decisão do Tribunal Arbitral objecto do presente incidente padeça da nulidade em análise. O impugnante também não concretiza em que consista a nulidade sob apreciação.
Examinando a decisão do Tribunal Arbitral objecto da presente impugnação, cuja cópia se encontra a fls.109 a 156 dos presentes autos, considera a mesma que a liquidação objecto do pedido arbitral deve ser anulada na parte correspondente às correcções ao lucro tributável nos valores de € 963.927,00 e € 569.933,73, efectuadas com fundamento em violação do princípio da plena concorrência e em indevida contabilização de variação patrimonial negativa relativa a variação cambial, mais concluindo pela existência dos pressupostos para a condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, nesse sentido deliberando no dispositivo.
Atento o acabado de mencionar, conclui-se pela inexistência da alegada nulidade de oposição dos fundamentos com a decisão, por parte da deliberação arbitral impugnada.
Quanto a tudo o restante aduzido pelo apelante nas conclusões da impugnação não constitui fundamento legal da mesma, assim não sendo de conhecer por este Tribunal, tudo conforme mencionado supra para onde se remete.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente a presente impugnação e, em consequência, confirma-se a decisão arbitral recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO E CONFIRMAR A DECISÃO ARBITRAL que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o impugnante em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 18 de Junho de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)