Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04187/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/12/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IRS
PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
PROCEDIMENTO INSPECTIVO E DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO
Sumário:I) -Para diligenciar e obter a derrogação do sigilo bancário dos contribuintes, ao abrigo do art.º 63.º-B, n.º 2, al. c), da LGT, tem a AT de recorrer a um procedimento inspectivo nos termos preconizados no RCPIT.

II) – Mas existindo, no caso vertente, um procedimento inspectivo que deu lugar à liquidação impugnada, nele se utilizando elementos de prova colhidos, não apenas no âmbito do procedimento de derrogação do sigilo bancário, mas outros, como a declaração de rendimentos do contribuinte e cópias de cheques, já do conhecimento da AT, é legal a actuação desta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. A..., veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do TAF de Leiria, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação do IRS do ano de 2003.
São estas as conclusões das alegações do recurso e que definem respectivo objecto:
“33. O aqui recorrente A..., através do oficio n.° 7872 de 14 de Julho é notificado da decisão do Director Geral dos Impostos, de 11 de Julho de 2006, que autoriza a derrogação do dever do sigilo bancário.
34. A 7 de Maio de 2007, pela ordem de serviço n.° OI200700830 foi determinado procedimento inspectivo interno aos aqui recorrentes.
35. Em sede de impugnação judicial, é levado à discussão, não a decisão do Director Geral dos Impostos de derrogação do dever do sigilo bancário, de 11 de Julho de 2006, notificada a 14 do mesmo mês e ano.
36. Mas, a liquidação de IRS do exercício de 2003, que devendo resultar de um procedimento inspectivo externo, resulta dos elementos e documentos bancários recolhidos no âmbito de um procedimento de derrogação do dever de sigilo bancário, iniciado a 27 de Fevereiro de 2006, desacompanhado de qualquer procedimento inspectivo externo.
37. Pretendem os aqui recorrentes, ver dirimida pelo Tribunal, a questão relativa aos documentos e informações bancárias, recolhidos no âmbito do procedimento de derrogação do sigilo bancário.
38. Designadamente, se podem ou devem ser levados a cabo no âmbito de um procedimento de inspecção ou, se no entanto essa actuação, da administração fiscal, está situada à margem da necessidade de se inserir num procedimento inspectivo.
39. Na medida em que foi essa autorização, proferida fora e à revelia de qualquer procedimento inspectivo externo, independentemente de se verificarem ou não os pressupostos de que a lei substantiva faz depender a derrogação do sigilo bancário.
40. Os actos prévios, não podem ser confundidos com os próprios actos substantivos da inspecção, melhor, com os actos que se visam praticar com o procedimento de inspecção.
41. Os actos prévios devem-se limitar a reunir os elementos que venham a possibilitar, de forma célere, aderente, uniforme e com menor prejuízo possível para o inspeccionado, o apuramento das situações tributárias em causa.
42. A derrogação do sigilo bancário, por todas as implicações que acarreta, não pode ser utilizada como instrumento de preparação de um procedimento inspectivo sujeita a critérios de discricionariedade E oportunidade por parte da administração fiscal.
43. Nesse sentido o Acórdão do TCA sul, processo n.° 01187/06 de 11.07.2006 e já antes também posição há muito defendida por Martins Alfaro, que no seu artigo "Sigilo Bancário e dever de abertura de procedimento de inspecção tributária " escreve o citado autor "as actuações da administração tributária, consistentes no pedido de elementos, no pedido de informações e na vontade de aceder livremente a contas bancárias do sujeito passivo, integram-se indubitavelmente no elenco de actuações previstas no artigo 2. ° n. °2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.
44. Constituem por tal motivo, actuações contidas no procedimento administrativo tributário especial, designado por procedimento de inspecção tributária".
45. Diz ainda o mesmo autor, que, não sendo respeitado este pressuposto, a administração tributária está a proceder a uma inspecção externa de facto à situação tributária do particular, sem que para tal tenha aberto qualquer procedimento de inspecção, nos termos da LGT e RCPIT.
46. A correcção levada a efeito pela administração tributária, à custa dos elementos obtidos pela derrogação do sigilo bancário, desapoiado de procedimento inspectivo externo, não pode subsistir no ordenamento jurídico.
47. O procedimento inspectivo para o exercício de 2003, inicia-se a 7 de Maio de 2007, classificado de interno.
48. O procedimento de derrogação do dever de sigilo bancário havia sido iniciado a 27 de Fevereiro de 2006.
49. Contrariamente ao entendimento da douta sentença, nunca se constou, que a derrogação do sigilo bancário, fosse um meio ao dispor da Direcção Geral dos Impostos para preparar uma eventual acção inspectiva, muito menos, um meio, sujeito a critérios de discricionariedade e oportunidade por parte da administração fiscal.
50. A administração tributária, não esclarece em momento algum, que actos de inspecção, praticou.
51. Ademais, porque classifica o procedimento inspectivo de interno.
52. A douta sentença de que se recorre, deixa expresso, que resulta do probatório que houve efectivo procedimento inspectivo, o qual não foi instaurado com a finalidade de apenas derrogar o dever de sigilo bancário conforme sustentam os impugnantes.
53. Os impugnantes nunca sustentaram tal coisa, nem podiam, justamente porque, a autorização do Director Geral dos Impostos de derrogação do sigilo bancário, surge no ano anterior ao início do procedimento inspectivo externo.
54. Os elementos recolhidos nesse âmbito, não podem por isso ser utilizados para nenhum dos efeitos, dos aqui pretendidos pela administração tributária.
Termos em que nos melhores de direito sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.a, devem as presentes alegações de recurso ser recebidas por em tempo, concedendo-se provimento ao mesmo por provado, decidindo a dota sentença do Tribunal ad quem pela revogação da decisão do Tribunal a quo, substituindo-a por outra que dê sem efeito as correcções levadas a efeito em sede de procedimento inspectivo interno, com os consequentes reflexos no acto de liquidação, na medida em que os elementos e documentos recolhidos no âmbito da derrogação do dever do sigilo bancário, não podem servir para nenhum dos efeitos dos aqui pretendidos pela administração tributária.”
Não foram apresentadas contra -alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. -A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos com base no teor dos documentos juntos aos autos:
1. Mediante ofício n.°2377, de 21 de Fevereiro de 2006, a administração fiscal notificou o impugnante Cristóvão Pereira, solicitando-lhe esclarecimentos sobre rendimentos sujeitos a IRS e autorização de acesso a informação bancária, nos termos e fundamentos constantes de fls. 19, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
2. Desse ofício consta, designadamente o seguinte: «1.Consta nos nossos registos que V. Exa. exerce funções de administrador da sociedade "Guerreiro e Pereira, Lda."...»; «2. Havendo necessidade da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ser convenientemente esclarecida sobre as relações entre V. Exa. e a citada Sociedade (...) fica V. Exa. notificado para (...) remeter (...) esclarecimentos (...) Se, no período que decorreu entre 1 de Janeiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2005, recepcionou em seu nome pessoal importâncias referentes à actividade da citada sociedade»...;
3. O ora impugnante não respondeu;
4.Em 21 de Abril de 2006 foi instaurado procedimento de derrogação do sigilo bancário contra Cristóvão Pereira, com os fundamentos que constam de fls. 32, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
5. Nos fundamentos do pedido, menciona-se a existência de indícios de o visado ter auferido em nome pessoal pelo menos um total de €260.892,55, respeitantes à transacção de 8 fracções de um imóvel alienado pela sociedade da qual era gerente;
6. Mais ali se refere que foi notificado o SP com o intuito de esclarecer os factos e que este não cumpriu o solicitado;
7. Finalmente, ali se refere que a confirmarem-se tais indícios existem omissões de âmbito tributário e eventualmente criminal na sociedade e no SP (...);
8. Em 30 de Junho de 2006 foi remetida ao SF de Santarém uma declaração da sociedade "Guerreiro & Pereira" de autorização de acesso à informação bancária daquela sociedade - cfr. fls. 62, do P.A., em anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. Por despacho do Exmo. Sr. Director Geral dos Impostos de 11 de Julho de 2006, foi autorizada a derrogação do dever do sigilo bancário do contribuinte Cristóvão Pereira - cfr. fls 65, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
10. Mediante ordem de serviço n.°200700830 foi efectuado procedimento interno de inspecção ao SP ora impugnante, Cristóvão Pereira, iniciada em 7 de Maio de 2007 - cfr. fls. 18, do P.A. em anexo cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
11. No âmbito dessa inspecção foi elaborado o relatório da inspecção, junto a fls. 16, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
12. No relatório mencionam-se duas fases para apuramento do lucro tributável do impugnante. A primeira fase, iniciou-se com a comparação do que se apurou em sede da inspecção efectuada à sociedade na qual foram detectadas situações em que o valor inscrito na escritura de compra e venda celebrada foi diferente do valor real do negócio celebrado; a segunda fase, inclui o procedimento de derrogação do sigilo bancário dos sócios gerentes (cfr. fls. 19, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido);
13. Do relatório consta ainda que, no âmbito desta referida segunda fase, foi detectado o depósito na conta do impugnante de dois cheques emitidos por dois adquirentes de imóveis à sociedade "Guerreiro e Pereira", que foram emitidos em nome do impugnante e não da sociedade, bem como cheques emitidos pela própria sociedade ao impugnante - cfr. fls. 19, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
14. Em consequência, foram efectuadas correcções ao lucro tributável, de que resultou a liquidação adicional, referente ao exercício de 2003.
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Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não houve.
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MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se no correlacionamento e análise critica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para os documentos juntos aos autos para os quais se remete no probatório, bem como o processo administrativo em anexo.
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3. -A questão a decidir, como bem a identificou a sentença, consiste em saber se, a circunstância da AF se ter servido de elementos coligidos em sede de procedimento de derrogação do sigilo bancário do impugnante, para proceder à correcção dos rendimentos por este declarados em sede de IRS e, nessa sequência, ter procedido ao acto tributário impugnado, padece de ilegalidade que inquine esse mesmo acto tributário, na medida em que, no entendimento da impugnante, não houve processo inspectivo.
Consoante o disposto no nº 1 do art.° 63.°, da LGT na redacção introduzida pela Lei 30-G/2000DEZ29:
Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:
a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais;
b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária;
c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução;
d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas;
e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;
f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.
Dispondo sobre as acções que devem considerar-se abrangidas pelo âmbito do procedimento tributário, o art. 44.°, n.° 1 do CPPT, nele inclui, além da liquidação de impostos, “…as acções preparatórias ou complementares da liquidação dos tributos, incluindo parafiscais, ou de confirmação dos factos tributários declarados pelos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários.
Esse normativo deve articular-se com o art. 54.°, n.°1, da LGT, que se reporta ao procedimento tributário e no qual se estabelece que:
1. o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente:
a) As acções preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária;
b) A liquidação dos tributos quando efectuada pela administração tributária;
c) A revisão, oficiosa ou por iniciativa dos interessados, dos actos tributários;
d) O reconhecimento ou revogação dos benefícios fiscais;
e) A emissão ou revogação de outros actos administrativos em matéria tributária;
f) As reclamações e os recursos hierárquicos;
g) A avaliação directa ou indirecta dos rendimentos ou valores patrimoniais; h) A cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial.
Sendo este o quadro normativo face ao qual se deve aquilatar se ao proceder à correcção dos rendimentos declarados pelos impugnantes em sede de IRS e, as mesmas foram efectuadas, bem como a liquidação a que deram origem e ora impugnada, no âmbito de processo inspectivo.
Para tanto e como o fez correctamente a sentença recorrida, há que destacar, antes de mais, a matéria de facto apurada a qual revela, com clareza e segurança, que:
-Em 21.02.2006 foi solicitada ao impugnante informação versando factos eventualmente sujeitos a tributação ao abrigo do princípio da colaboração previsto no n.° 4 do art. 59° da LGT;
-nesse pedido era ainda solicitada autorização para acesso a informação e documentos bancários em seu nome, sendo que o impugnante não respondeu àquele pedido;
-ao tempo a AT detinha já elementos de prova acerca do recebimento de valores provenientes da alienação de imóveis pela sociedade "Guerreiro & Pereira, Lda" de que o impugnante era gerente, directamente a favor do impugnante - Cf. fls 35 a 43 e 46 a 55 do PA;
-em 05.05.2006 foi emitido pelo Director-Geral dos Impostos projecto de despacho de derrogação do sigilo bancário para cuja notificação foi remetido em 16.05.2006 o ofício n.°5705 – cfr. fls. 56 do PA;fls. 57 do PA;
-em 02.06.2006 o ora impugnante exerceu o seu direito de audição nele tendo declarado que juntava declaração permitindo à AT o acesso a informação bancária; não obstante essa declaração foi remetida sem ser preenchida nem assinada – cfr. fls. 58 a 61;
-mediante ordem de serviço n.°200700830 foi efectuado procedimento interno de inspecção ao SP ora impugnante, Cristóvão Pereira, iniciada em 7 de Maio de 2007 - cfr. fls. 18, do P.A. em anexo cujo teor se dá por integralmente reproduzido
-no âmbito dessa inspecção foi elaborado o relatório da inspecção, junto a fls. 16, do P.A. em anexo no qual se mencionam duas fases para apuramento do lucro tributável do impugnante, a saber:
a) A primeira fase, iniciou-se com a comparação do que se apurou em sede da inspecção efectuada à sociedade na qual foram detectadas situações em que o valor inscrito na escritura de compra e venda celebrada foi diferente do valor real do negócio celebrado;
b) a segunda fase, inclui o procedimento de derrogação do sigilo bancário dos sócios gerentes (cfr. fls. 19, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido);
-do relatório consta ainda que, no âmbito desta referida segunda fase, foi detectado o depósito na conta do impugnante de dois cheques emitidos por dois adquirentes de imóveis à sociedade "Guerreiro e Pereira", que foram emitidos em nome do impugnante e não da sociedade, bem como cheques emitidos pela própria sociedade ao impugnante - cfr. fls. 19, do P.A. em anexo, cujo conteúdo se dá por reproduzido;
-Em consequência, foram efectuadas correcções ao lucro tributável, de que resultou a liquidação adicional, referente ao exercício de 2003.
Do quadro fáctico-conclusivo exposto, resulta que foi levado a efeito um procedimento de derrogação do sigilo bancário ao sujeito passivo A..., NIF 203.455.380, no âmbito das competências definidas para a inspecção tributária nos art. 54° n.° 1 al. a) e 63° n.° l ai. d) da LGT e art. 44° do RCPIT, sendo através dele confirmadas situações referentes a pagamentos de valores relacionados com a alienação de imóveis pela sociedade de que o impugnante era gerente, directamente a este.
Sucede que a AT estava já na posse de cópias de cheques emitidos ao impugnante e pagamentos de SISA adicional respeitantes às diferenças entre os valores constantes das escrituras de compra e venda e registados na contabilidade da sociedade e os valores reais das transmissões dos imóveis.
E foi porque existiam na posse da DGCI elementos acerca de negócios de compra e venda de imóveis cujo pagamento terá sido efectuado por meio de cheque a favor de Cristóvão Catarino, que foi ordenado o levantamento do sigilo bancário a fim de se aquilatar da indiciada omissão de proveitos, destinando-se o procedimento de derrogação do sigilo bancário tão só a comprovar os indícios do recebimento pelo impugnante de adiantamentos por conta de lucros.
A essa luz e em concordância com os impugnantes, o procedimento de derrogação do sigilo bancário não é o procedimento adequado para operar as correcções à matéria tributável dos sujeitos passivos.
Todavia, uma vez autorizado pelo Director-Geral dos Impostos o acesso a informação bancária, foi emitida Ordem de Serviço para efeitos de credenciação do técnico da inspecção e início da acção inspectiva, havendo as correcções à matéria colectável do impugnante e que originaram as liquidação impugnada ocorrido no âmbito de um procedimento inspectivo no qual foi analisada a situação tributária do impugnante mediante o confronto entre o teor da declaração de rendimentos do impugnante e os depósitos nas suas contas bancárias.
Através dessa exegese, foram detectados depósitos de cheques provenientes de compradores de imóveis à sociedade de que era gerente mas também de cheques emitidos pela própria sociedade, o que vale por dizer que se confirmou naquele procedimento que os cheques emitidos à ordem do impugnante foram efectivamente depositados na sua conta bancária e que os seus valores não foram declarados pelo impugnante na sua declaração de rendimentos.
Como se vê das conclusões recursórias, os impugnantes invocam a favor da sua tese a doutrina que dimana do Acórdão deste TCAS de 11.07.2006 proferido no processo 01187/06 e relatado pelo 2º adjunto desta formação mas, a nosso ver, fazem-no erradamente.
É que, no citado douto aresto, o que está em causa é um procedimento de derrogação do sigilo bancário a um sujeito passivo que é o mesmo sobre o qual se produziu a liquidação objecto da impugnação, vendo-se que na situação ali versada a liquidação não teve na sua génese qualquer procedimento inspectivo mas unicamente o procedimento de derrogação do sigilo bancário, sendo por isso que se entendeu que, dadas as consequências que aquele procedimento acarretou para o seu sujeito, no caso a liquidação de imposto, deveria ter sido integrado num procedimento inspectivo, e, não o tendo sido, o Tribunal considerou inquinado o acto anulando-o por força da procedência da impugnação.
Assim, e como bem se refere na sentença recorrida, a factualidade tratada naquele aresto é distinta da litigada nestes autos fundamentalmente porque, como supra se demonstrou, não foi o procedimento de derrogação do sigilo bancário que, por si só, esteve na base da liquidação de imposto ora em crise.
Ou seja, na senda do doutrinado naquele douto aresto, é ilegal a liquidação operada à revelia de um procedimento inspectivo que, formal e materialmente, é muito mais garantístico dos direitos dos contribuintes do que tão só o procedimento de derrogação do sigilo bancário, quanto mais não seja pela extensão à análise de outros factos e elementos e à notificação para o exercício da audição pelo contribuinte.
No entanto, «in casu» o procedimento de derrogação teve por sujeito Cristóvão Catarino e a liquidação que aqui é impugnada resultou de uma acção de fiscalização realizada ao abrigo de uma Ordem de Serviço e na qual foram cumpridos todos os formalismos legais, sendo certo que no caso de Administração Fiscal for já detentora de informações susceptíveis de ajudar ao apuramento da situação tributária dos sujeitos passivos se deve abster de os incomodar requerendo-lhe cooperação e elementos de que já é possuidora e informações que já conhece, princípio que está ínsito no n.° 3 do art. 63° da LGT e no artº 7° do RCPIT e cujo sentido e alcance é o de reduzir o incómodo provocado aos sujeitos passivos inspeccionados, sendo o mesmo rector e transversal a toda a actuação da AT.
Em suma: - enquanto no Acórdão do TCAS invocado pelos impugnantes em favor da sua tese estava em causa a legalidade da decisão de derrogação do sigilo bancário e não de uma decisão acerca da legalidade da liquidação, no caso vertente existiu um procedimento inspectivo que deu lugar à liquidação impugnada nele se utilizando elementos de prova colhidos não apenas no âmbito do procedimento de derrogação do sigilo bancário mas outros elementos, como a declaração de rendimentos do contribuinte e cópias de cheques, já do conhecimento da AT.
Conclui-se, por isso, que a actuação da AT foi legal, inexistindo fundamentos de facto e de direito, para anular acto tributário impugnado.
Dai que não mereça qualquer censura a sentença recorrida ao sufragar tal entendimento, como se capta do seguinte excerto do seu bloco fundamentador:
“… é conclusivo que se tais importâncias entraram na conta/património desse mesmo sócio gerente e não se reflectiram nos proveitos daquela empresa se estaria, necessariamente e nessa mesma medida, perante a omissão de rendimento/acréscimo na declaração de IRS apresentada pelo impugnante. Ora, aquele excerto do pedido de derrogação não é nada mais do que isso, isto é que, a comprovar-se que os referidos meios de pagamentos entraram nas contas bancárias do sócio gerente se estaria perante matéria tributável, sem aderência à realidade, justificativa do controlo e correcção que se impõe à AT, por força do princípio da legalidade a que se encontra adstrita.
Por outro lado, nada obsta, como nunca obstou, que a AF se sirva dos elementos de prova de que disponha, desde que, evidentemente, credíveis e legais, para corrigir a matéria tributável e, sendo caso disso, liquidar adicionalmente o imposto devido, como, no caso de IRS.
Ou seja, por um lado, na medida em que se não acusa de padecer de qualquer ilegalidade o procedimento de derrogação do sigilo bancário do impugnante, o conhecimento de factos relevantes, relativamente à sua matéria tributável apurada em resultado daquele é de todo legítima, não padecendo de qualquer ilegalidade, por outro, conforme resulta dos autos as correcções efectuadas não tiveram unicamente em conta os elementos recolhidos em sede desse procedimento mas ainda dos elementos resultantes da inspecção realizada.
Assim, resulta do probatório que houve efectivo procedimento inspectivo, o qual não foi instaurado com a finalidade de apenas derrogar o dever de sigilo bancário, conforme sustentam os impugnantes.
O procedimento de derrogação do sigilo bancário destinou-se apenas a comprovar os indícios do recebimento pelo impugnante de adiantamentos por conta de lucros.
As correcções à matéria colectável do impugnante ocorreram na sequência de um procedimento inspectivo, no âmbito do qual foi analisada a situação tributária do impugnante em termos declarativos, confrontando as suas declarações de rendimentos com os depósitos nas suas contas bancárias, tendo-se nessa inspecção apurado que houve depósitos na sua conta bancária de valores que não foram declarados pelo impugnante.
Todos estes factos se encontram expressamente no relatório inspectivo, encontrando-se suportados por documentos.”
(…)
No que se refere ao Acórdão invocado pelos impugnantes, entendemos que aquele aresto teve por objecto a análise de procedimento de derrogação do sigilo bancário, por referência a procedimento inspectivo onde se devia inserir, na consideração daquele que é visado com aquele procedimento de derrogação do sigilo bancário e que, em última análise, se encontra concretizado no despacho da AT que o autoriza, não tendo aqui aplicação.”
Improcede, pois, o recurso, merecendo confirmação a sentença recorrida.
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3. Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
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Lisboa, 12 de Outubro de 2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Lucas Martins)