Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07530/11
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:12/04/2014
Relator:ESPERANÇA MEALHA
Descritores:COMPLEMENTO DE PENSÃO; MILITARES
Sumário:I – A norma do artigo 9.º/1 do EMFAR/99, na redação da Lei n.º 25/2000, interpretada em função do seu elemento teleológico e sistemático, determina que só será eventualmente devido um complemento de reforma quando se verificar que o montante ilíquido da pensão de reforma fica aquém do montante ilíquido da remuneração de reserva, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação; sendo certo que, independentemente disso, por força do disposto no artigo 53.° do EA (redação da Lei n.º l /2004), a pensão de reforma (incluindo o complemento de pensão) nunca poderá ser superior à remuneração de reserva líquida a que o militar teria direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública.
II – A ratio subjacente a tal complemento de reforma é a de evitar a diminuição do rédito dos militares (obstando a que possam ser prejudicados por terem passado automática e antecipadamente à reforma) enão a de aumentar por esta via a sua retribuição.
III –Ao estabelecer uma fórmula para detetar diferenciais que possam justificar o pagamento do complemento de reforma, o legislador fixou dois termos de comparação que, como tal, têm que ter uma relação de semelhança que não admite, sob pena de subversão do objetivo anunciado, a equiparação de valores “ilíquidos” que partem de pressupostos diversos (de um lado, o da obrigatoriedade de descontos para a aposentação e, do outro, o da cessação dessa obrigatoriedade), nem permite que os termos dessa comparação conduzam a um duplo benefício da condição de aposentado, que resultariada acumulação da cessação da obrigatoriedade dos descontos para a aposentação com a valorização do montante desses mesmos descontos para efeitos do pagamento do complemento de pensão.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, do Tribunal Central Administrativo Sul

A…… C…… e OUTROS interpõem o presente recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente a ação administrativa comum e absolveu os RR. MINISTRO DA DEFESA NACIONAL (MDN), o CHEFE DO ESTADO MAIOR DA ARMADA, o CHEFE DO ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO, o CHEFE DO ESTADO MAIOR DA FORÇA AÉREA e o B……, do pedido de condenação a pagarem aos autores, aqui Recorrentes, os complementos de pensão peticionados.
Os Recorrentes concluem as suas alegações como se segue:
1. No Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR) aprovado pelo DL n.º 236/99 de 25 de Junho, não tendo o Legislador fixado um critério específico para o complemento de pensão previsto no n.º 2 do art. 122º (com uma redacção idêntica à do art. 127º, nº 1 do Estatuto antigo), é de se aplicar os critérios de cálculo estabelecidos expressamente no art. 9º, n.º 1 − naturalmente, o da primeira versão, enquanto vigorou a redacção primitiva deste preceito (confronto entre o montante da pensão de reforma ilíquida e a remuneração de reserva, líquida dos desconto para a CGA) e o da nova redacção, após a entrada em vigor da Lei n.º 25/2000 (comparação dos valores ilíquidos da pensão de reforma e da remuneração de reserva);
2. O Legislador da Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto, quis introduzir uma fórmula de cálculo dos complementos de pensão assente em montantes ilíquidos.
3. Uma tal interpretação não colide com a razão que determinou o pagamento do complemento de pensão, mesmo criando situações em que o valor da pensão final (com o complemento incluído) é superior ao valor da remuneração de reserva líquido, já que esse foi um risco que o legislador necessariamente equacionou ao fixar a nova fórmula de cálculo do complemento de pensão nos termos em que o fez, pois que é de presumir que tenha expressado o seu pensamento em termos adequados (cfr. artigo 9º, n.º 3 do Código Civil);
4. Essa opção do legislador por uma paridade aferida em montantes ilíquidos foi inequívoca e a mesma harmoniza-se com o regime geral de aposentações numa lógica de lei geral – lei especial, resultando da norma em causa a intenção expressa de equiparar a pensão de reforma ilíquida à remuneração ilíquida correspondente, por via da atribuição de um complemento de pensão equivalente ao respectivo diferencial, constituindo pois norma especial relativamente ao regime geral da aposentação.
5. E, sendo assim, os AA., ora Apelantes, têm direito à percepção do complemento de pensão nos termos previstos no artigo 9º do DL nº 236/99, na redacção dada pela Lei nº 25/2000, pois que reúnem todos os requisitos legalmente exigíveis e previstos naqueles diplomas para o mesmo lhes ser atribuído;
6. Em suma, durante o período de vigência da redacção do Art. 9º do Decreto-Lei n.º 236/99 de 25 de Junho, que lhe foi dada pela Lei n.º 25/2000 de 23 de Agosto – a saber, entre 28/08/2000 e 28/07/2008 (data da entrada em vigor da Lei n.º 34/2008 de 23 de Julho, que veio dar nova redacção a tal preceito), o complemento de pensão de reforma devido aos AA., ora Apelantes, deveria ter sido calculado e pago com referência à sua remuneração de reserva ilíquida, estando assente que tal cálculo e pagamento foram realizados com referência à remuneração de reserva líquida, portanto, depois de deduzido o desconto de 10% (dez por cento) destinado à Caixa Geral de Aposentações.
O Recorrido Ministério da Defesa Nacional contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso e salientando que “[U]ma interpretação meramente literal da lei, tal com é efectuada pelo recorrentes, resultaria que os recorrentes passassem a auferir uma remuneração efetiva superior à que perceberiam se tivessem continuado na reserva, inclusive, superior à de outros militares na situação de reforma que não foram abrangidos pelo calendário de transição, criando situações manifestamente violadoras do princípio da igualdade e, consequentemente, de duvidosa constitucionalidade.
O Recorrido Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada contra-alegou, concluindo o igualmente pela improcedência do recurso e salientando que foi absolvido da instância e que tal decisão transitou em julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
O presente recurso tem por objeto a interpretação da norma do artigo 9.º do EMFAR/99 (Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/99), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto, quanto a saber quais os termos de referência da fórmula de cálculo aí prevista para dar como verificado o diferencial que justifica o pagamento de um complemento de pensão ao militar que passou à situação de reforma antes da idade limite legalmente estabelecida.
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III. Factos
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
A) – Os Autores são reformados do Exército, da Marinha e da Força Aérea Portuguesa;
B) – Os Autores transitaram para a situação de reforma nos termos do DL n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, que aprovou o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, designadamente e estabeleceu uma calendarização aplicável aos militares que, atenta a idade ou número de anos na situação de reserva fora da efectividade de serviço, deveriam passar automaticamente à situação de reforma.
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IV. Direito
1. A sentença recorrida julgou improcedente o pedido formulado pelos AA., aqui Recorrentes, de lhes serem pagos os complementos de pensão (no período entre 28 de agosto de 2000 e 28 de julho de 2008, durante o qual vigorou a redação do artigo 9.º do EMFAR/99, conferida pela Lei n.º 25/2000),calculados com referência ao valor ilíquido da pensão de reserva e não, como vem sendo feito, por referência ao seu valor (líquido) após descontado o valor de 10% correspondente à quota para a CGA. Para tanto, a sentença recorrida interpretou o artigo 9.º do EMFAR/99, na redação da Lei n.º 25/2000, da seguinte forma:
Nesta conformidade, quanto à fórmula de cálculo do complemento de pensão, constante do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 25/2000, que, se refere a montantes ilíquidos, quer da pensão de reforma, quer da remuneração de reserva, afigura-se-nos ser de concluir que o valor total líquido a atribuir (pensão de reforma+complemento de pensão) nunca poderá ser superior à remuneração de reserva líquida a que o militar teria direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública.
Devemos, assim, interpretar o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 25/2000, no sentido de que só será devido um complemento quando se verificar que o montante liquido da pensão de reforma fica aquém do montante líquido da remuneração de reserva a que o militar teria direito caso passasse à reforma apenas na idade limite estabelecida.
Parece, assim, poder concluir-se que o regime previsto no artigo 9.º do Decreto- Lei n.º 236/99, de 29 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 25/2000, de 23 de Agosto, para efeitos de determinação do diferencial pago a título de complemento de pensão, deve atender, no que diz respeito à remuneração de reserva, à dedução da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, sendo que os AA só teriam direito ao complemento se a sua pensão de reforma fosse inferior à pensão de reforma a que teriam direito caso se tivessem reformado aos 70 anos, sendo esta, por sua vez, calculada por referência à remuneração de reserva líquida do desconto para a Caixa Geral de Aposentações. Pois, ainda que o artigo 9.º, na redacção introduzida pela Lei n.º 25/2000, faça menção a valores ilíquidos e se pudesse entender que seria de atender aos valores ilíquidos, considerando a referida génese do complemento do pensão, tem de se interpretar o mesmo, como referindo-se ao pagamento de um complemento de pensão aferido em face dos valores líquidos, pois, tal interpretação como se mencionou tem apoio no próprio texto legal, e embora faça menção a pensão e remuneração de reserva ilíquida, a pensão e remuneração de reserva a que teriam direito seria sempre após a dedução dos descontos obrigatórios. Esta é a interpretação que se nos afigura conforme ao espírito do legislador aquando da instituição do complemento de pensão em causa.
Nesta conformidade, conclui-se que não são devidos aos AA os pagamentos peticionados dos complementos de pensão pelos valores ilíquidos de 28 de Agosto de 2000 a 28 de Julho de 2008, data em que entrou em vigor a Lei n.º 34/2008, de 23 de Julho, pelo que, deve a presente acção improceder.
Os Recorrentes impugnam esta decisão alegando que, durante o período de vigência da redação do artigo 9.º do EMFAR/99, conferida pela Lei n.º 25/2000, assistia-lhes o direito de receber o complemento de pensão de reforma calculado e pago com referência à sua remuneração de reserva ilíquida, em suma, porque essa foi a fórmula de cálculo introduzida pela Lei n.º 25/2000 no n.º 1 do artigo 9.º, que expressamente alude a montantes “ilíquidos” e mesmo que dela resultem situações em que o valor da pensão final (com o complemento incluído) é superior ao valor da remuneração de reserva líquido, tais situações foram um “risco”necessariamente equacionado pelo legislador quando introduziu esta fórmula de cálculo.
O Recorrido MDN contrapõe que a adoptar-se a interpretação meramente literal defendida pelos Recorrentes, tal significaria que aquele artigo 9.º do EMGAR/99, na redação da Lei n.º 25/2000, determinaria que um militar com todo o tempo de serviço, ao reformar-se, passaria a receber valores líquidos superiores em 10% em relação aos militares no ativo ou na reserva (resultando tal diferença da circunstância de, contrariamente ao montante ilíquido da pensão de reforma, a remuneração ilíquida de um militar no ativo ou na reserva incluir 10% de quota para a CGA, que posteriormente é deduzida).
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2. No presente recurso está, assim, em causa a interpretação da norma do n.º 1 do artigo 9.º do EMFAR/99, na redação da Lei n.º 25/2000, que dispõe o seguinte:
1 - Quando da aplicação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 160.º do Estatuto resultar, para os militares que ingressaram nas Forças Armadas em data anterior a 1 de Janeiro de 1990, um montante da pensão de reforma ilíquida inferior à remuneração da reserva ilíquida a que teriam direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública, ser-lhe-á abonado, a título de complemento de pensão, o diferencial verificado.
2 - O direito ao abono do complemento de pensão previsto no número anterior mantém-se até ao mês em que o militar complete 70 anos de idade, momento em que a pensão de reforma será recalculada com base na remuneração de reserva a que o militar teria direito.
3 - Caso a pensão de reforma auferida pelo militar seja inferior à resultante do novo cálculo, ser-lhe-á abonado, a título de complemento de pensão, o diferencial verificado.
4 - A fórmula de cálculo do complemento de pensão estabelecida no n.º 1 é aplicável aos militares abrangidos pelo regime previsto nos artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro.
5 - O disposto no n.º 1 é aplicável aos militares reformados ao abrigo das alíneas b) e c) do artigo 175.º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 15/92, de 5 de Agosto, que não foram abrangidos pelo regime previsto nos artigos 12.º e 13.º daquele diploma.
6 - As verbas eventualmente necessárias para fazer face aos abonos previstos no presente artigo serão anualmente inscritas no orçamento da defesa nacional e pagas pelos ramos a que os militares pertencem, mantendo-se as atribuições do Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas relativamente ao abono dos complementos de pensão dos militares abrangidos pelo artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro.
Na anterior redação do Decreto-Lei n.º 236/99, o n.º 1 do artigo 9.º previa que fosse abonado um complemento de pensão quando verificado o diferencial correspondente a “um montante da pensão de reforma ilíquida inferior à remuneração da reserva, líquida do desconto para a Caixa Geral de Aposentações”; e nesta redação da Lei n.º 25/2000 prevê que tal diferencial corresponde a “um montante da pensão de reforma ilíquida inferior à remuneração da reserva ilíquida a que teriam direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública”. Posteriormente, a Lei n.º 34/2008 veio conferir nova redação a este artigo 9.º/2 do EMFAR, estabelecendo que o diferencial a ter em conta para efeitos do complemento de pensão é o verificado entre “um montante da pensão de reforma ilíquida inferior à remuneração de reserva ilíquida, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação”. Assim, como peticionado pelos Recorrentes, a interpretação em causa nos presentes autos apenas se pode refletir no cálculo das pensões pagas no período de vigência da citada Lei n.º 25/2000, ou seja, no caso, no período entre 23 de agosto de 2000 e 28 de julho de 2008.
Sobre questão próxima – mas, como veremos, não exatamente idêntica ao caso em apreço – pronunciou-se o Acórdão do TCAS, de 26.01.2012, P. 04011/08, no qual se concluiu, com um voto de vencido, o seguinte:
“— Resulta do artigo 9º do D.L. n° 236/99, de 25/06, com a redação dada pelo artº 1º da Lei nº 25/2000, de 23/08, de forma expressa, que o complemento de pensão deve ser calculado tendo por referência o montante da reforma ilíquida e a remuneração de reserva igualmente ilíquida.
Não obstante com a aplicação do citado regime legal os militares na reforma venham a auferir pensões superiores às remunerações líquidas de militares em idênticas condições que se encontrem no ativo, não só o legislador expressou de forma clara e inequívoca a sua vontade, como a Lei nº 25/2000, de 23/08 é uma lei especial, que afasta o regime geral contido no Estatuto da Aposentação, designadamente, do seu artigo 53º, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 1/2004, de 15/01.
Esta decisão veio a ser objeto de recurso de revista, tendo sido revogada pelo Acórdão do STA de 15.01.2013, P. 0692/12, cujo sumário tem o seguinte teor:
I – Há que distinguir entre o complemento de pensão (até aos 70 anos) a que se reportam o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, e o artigo 9.º, n.º 1, do DL n.º 236/99, na redacção da Lei n.º 25/2000, e o complemento de pensão (completados os 70 anos de idade) a que se reportam o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, o artigo 1.º, n.º 2, a), do Decreto-Lei n.º 269/90, e o artigo 9.º, n.º 3, do DL n.º 236/99, na redacção da Lei n.º 25/2000;
II – Para o complemento completados os 70 anos a sua exacta determinação decorre das disposições conjugadas do referido artigo 9.º, n.º 1, 2, 3 e 4.
III – Assim:
a) Recalcula-se a pensão de reforma com base na remuneração de reserva a que teria direito nessa data;
b) Verifica-se se a pensão que está a auferir é inferior à pensão recalculada – se for inferior é abonado complemento;
c) O diferencial a considerar é o que exista entre a reforma ilíquida que o militar está a receber e a reforma ilíquida que receberia se se reformasse completados os 70 anos.
Em sentido idêntico pronunciou-se mais recentemente o Acórdão do STA, de 19.06.2014, P. 0448/12, no qual se conclui que:
I – A determinação do complemento da pensão dos militares, após completados os 70 anos, decorre das disposições conjugadas do artigo 9º, nºs 1, 2, 3 e 4, do DL. nº 236/99, de 25 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 25/2000 de 28 de Agosto.
II – O diferencial a considerar é o que existe entre a reforma ilíquida que o militar está a receber e a reforma ilíquida que receberia se se reformasse completados 70 anos.
Acontece que, como se salienta nos citados Acórdãos do STA, as situações aí apreciadas respeitavam ao complemento de reforma a que se reporta o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, ou seja, ao complemento eventualmente devido depois de o militar completar os 70 anos de idade; enquanto que o caso dos autos respeita ao complemento de reforma previsto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, i.e., ao complemento de pensão eventualmente devido ao militar (que se aposentou antecipadamente) até este completar os 70 anos de idade.
Ou seja, a análise efetuada naqueles arestos não se debruçou diretamente sobre a norma do n.º 1 do artigo 9.º do EMFAR/99, na redação da Lei n.º 25/2000, mas sim sobre a conjugação da fórmula de cálculo aí prevista com o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do mesmo preceito legal. Pelo que o diferencial considerado nesses casos tinha como termos de comparação a reforma ilíquida que o militar estava a receber e a reforma ilíquida que receberia se se reformasse completados 70 anos. Diversamente, no caso vertente, o que está em causa é saber se a norma do n.º 1 do artigo 9.º do EMFAR/99 deve ser interpretada no sentido de determinar que o diferencial relevante para o pagamento do complemento de reforma deve ser encontrado por comparação entre a reforma ilíquida que o militar está a receber e a remuneração de reserva ilíquida que receberia, caso não tivesse sido reformado antes de completar os 70 anos de idade.
Por isso, ainda que se venha concluir, como veremos, no mesmo sentido dos acórdãos citados (ou seja, no sentido da improcedência da pretensão dos Recorrentes), os fundamentos destes arestos não são integralmente transponíveis para o caso em apreço, atentas as diferenças assinaladas entre o caso presente e os que aí foram decididos.
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3. Feitas estas precisões, indispensáveis à correta identificação do problema em apreço, afigura-se inteiramente correta a interpretação do quadro legal adoptada na decisão recorrida, essencialmente, por duas ordens de razões:
Em primeiro lugar, porque a interpretação da norma do artigo 9.º/1 do EMFAR/99, na redação da Lei n.º 25/2000, não pode cingir-se à letra da lei, mas tem também que ter em conta, designadamente, os seus elementos teleológico e sistemático (artigo 9.º do CCiv).
Assim, não pode deixar de se atender à razão de ser do complemento de pensão aqui previsto, o qual se destina a evitar a diminuição do rédito dos militares (obstando a que possam ser prejudicados por terem passado automática e antecipadamente à reforma, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 34-A/90), mas já não a aumentar por esta via a sua retribuição (relativamente aos militares que permanecem no ativo ou na reserva).Ora, esta ratio da norma não consente uma interpretação da sua letra no sentido de permitir que um militar reformado passe a receber valores líquidos superiores em 10% em relação à remuneração dos militares no ativo ou na reserva.
Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Administrativo sempre interpretou o regime resultante dos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, no sentido de considerar que “[A] comparação entre o montante da pensão de reforma percebida pelos militares sujeitos à antecipação da passagem a essa situação, por força do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de Janeiro, e o montante da remuneração da reserva a que teriam direito se não lhes tivesse sido aplicado o calendário de transição, para determinação do diferencial a abonar a titulo de complemento de pensão, nos termos do n.º 1 do artigo 12.° do mesmo diploma, deve ser feita tendo em conta os respectivos valores líquidos.” (cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 10.02.1999). Mais salientando que “a justificação que se crê mais racional de preceito em análise [o artigo 12.º do DL 34/A/90 de 24 de Janeiro], é a de evitar que, no período transitório, a que se reportam as suas diversas alíneas, os militares passados à reforma, independentemente da sua vontade, antes de atingirem os setenta anos, não sejam, por esse motivo prejudicados: isto é, não aufiram uma pensão de reforma diferente daquela que poderiam auferir, se permanecessem na reserva, até complementar 70 anos.” (Acórdão do STA, de 28.01.1998, P. 037191).
Como também se refere na decisão recorrida, a própria letra da lei acaba por revelara necessidade de atender aos descontos para a CGA, pois o artigo 9.º/1, apesar de se referir à “remuneração ilíquida”, determina quese atenda à “remuneração da reserva ilíquida a que teriam direito” (itálico nosso), sendo certo que a remuneração de reserva “a que teriam direito” nunca estaria isenta de descontos para a CGA.
Além disso, mas não menos importante, não pode esquecer-se que o legislador quis estabelecer uma fórmula para detetar eventuais diferenciais que pudessem justificar o pagamento do complemento de reforma e, para tanto, estabeleceu uma comparação cujos termos têm que ter uma relação de semelhança e não podem, sob pena de subversão do objetivo anunciado, atender a valores “ilíquidos” que partem de pressupostos diversos (o valor ilíquido no ativo que inclui necessariamente o montante do desconto para a CGA e o valor ilíquido da pensão que não inclui tal valor, por já não ser devido tal desconto). Da mesma forma, não podem os termos de tal comparação redundar num duplo beneficio da situação de aposentado, em que se traduziria a cessação da obrigatoriedade dos descontos para a aposentação seconjugada com a valorização do valor desses mesmos descontos para efeitos de encontrar um diferencial justificador do pagamento de um complemento de pensão.
Em segundo lugar, e sem prejuízo do exposto, sempre se teria de concluir pela improcedência da pretensão dos autores, aqui Recorrentes, face ao disposto no artigo 53.º do Estatuto da Aposentação, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 1/2004, pelas razões já salientadas no voto de vencido aposto ao citado Acórdão do TCAS,de 26.01.2012, P. 04011/08, que passamos a transcrever:
“A alteração posteriormente introduzida ao artigo 53° do Estatuto da Aposentação, pela Lei n° l /2004, de 15 de Janeiro, ditariam uma solução diferente daquela que foi decidida no Acórdão em presença.
Com efeito, determina o artigo 53.°,n.° l e 2, do EA, na redação da Lei n.°1/2004, o seguinte:
"1— O calculo de aposentação é igual à 36. "parte da remuneração mensal relevante, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência, multiplicada pela expressão em anos do numero de meses de serviço contados para a aposentação, com o limite máximo de 36 anos.
2 — A pensão não pode, em caso algum, exceder o montante da remuneração liquida a que se refere o numero anterior." (negrito nosso)
Esta nova redação do n.°2 do artigo 53.° citado, que se consubstanciou na introdução da palavra "líquida", traduz, salvo opinião em contrário, uma vontade inequívoca do legislador no sentido de, doravante, não ser possível, seja em que situação for, que a pensão de reforma paga seja superior ao montante que se vinha percebendo.
Por conseguinte, e apesar de se tratar de uma lei geral, afigura-se-me que a mesma terá revogado todas as leis especiais anteriores, face ao disposto no artigo 7.°,n.° 3, do Código Civil, tornando nítido, face às novas regras de cálculo das pensões de reforma, que se pretende que os reformados não aufiram montantes líquidos superiores àqueles que recebiam no momento da reforma.
Na verdade, teoricamente, é admissível um diploma de carácter geral revogue outro especial; Posto é, que seja essa a sua intenção inequívoca. (...)
Ora, a expressão "em caso algum" contida no n.° 2 do artigo 53.° do EA, na redação constante da Lei n.° 1/2004, parece configurar uma vontade inequívoca do legislador de não permitir que sejam auferidas montantes líquidos superiores àqueles que os beneficiários recebiam mo momento da reforma.
Conclui-se deste modo, ajustando à situação em apreço, que, no tocante à forma de cálculo do complemento de pensão, constante do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 236/99, de 25 de Junho, na redação introduzida pelo artigo 1.° da Lei n.° 25/2000, de 23 de Agosto, que manda comparar montantes ilíquidos, quer da pensão de reforma, quer da remuneração de reserva, o valor total líquido a atribuir (pensão de reforma mais eventual complemento) nunca poderá ser superior à remuneração de reserva líquida a que o militar teria direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime geral da função publica.
Por conseguinte, o artigo 9.° do Decreto - Lei n.°236/99 na redação introduzida pelo artigo 1.° da Lei n.° 25/2000, de 23 de Agosto, deverá ser interpretado no sentido de que só será eventualmente devido um complemento quando se verificar que o montante líquido da pensão de reforma fica aquém do montante líquido da reserva que o militar teria direito caso passasse à reforma apenas na idade limite estabelecida para o regime geral da função publica.
As razões explanadas neste voto de vencido, que subscrevemos, são inteiramente aplicáveis ao caso em apreço e cumulativamente com a interpretação que fizemos do disposto no artigo 9.º/1 do EMFAR/99, na redação da Lei n.º 25/2000, conduzem à improcedência do presente recurso.
Em suma:
— A norma do artigo 9.º/1 do EMFAR/99, na redação da Lei n.º 25/2000, interpretada em função do seu elemento teleológico e sistemático, determina que só será eventualmente devido um complemento de reforma quando se verificar que o montante ilíquido da pensão de reforma fica aquém do montante ilíquido daremuneração de reserva, deduzida da percentagem da quota para efeitos de aposentação; sendo certo que, independentemente disso, a pensão de reforma (incluindo o complemento de pensão) nunca poderá ser superior à remuneração de reserva líquida a que o militar teria direito caso a passagem à situação de reforma se verificasse na idade limite estabelecida para o regime geral da função pública, por força do disposto no artigo 53.° do Estatuto da Aposentação, na redação da Lei n.º l /2004.
— Na interpretação da norma do artigo 9.º/1 do EMFAR/99, na redação da Lei n.º 25/2000, não pode deixar de se atender à razão de ser (elemento teleológico) do complemento de pensão aí previsto, o qual se destina a evitar a diminuição do rédito dos militares (obstando a que possam ser prejudicados por terem passado automática e antecipadamente à reforma), mas já não a aumentar por esta via a sua retribuição;
— Ao estabelecer uma fórmula para detetar encontrar eventuais diferenciais que pudessem justificar o pagamento do complemento de reforma, o legislador fixou dois termos de comparação que, como tal, têm que ter uma relação de semelhança que não admite, sob pena de subversão do objetivo anunciado, a equiparação devalores “ilíquidos” que partem de pressupostos diversos (de um lado, o da obrigatoriedade de descontos para a aposentação e, do outro, o da cessação dessa obrigatoriedade), nem permite que os termos dessa comparação conduzam a um duplo benefício da condição de aposentado, que decorreria de uma acumulação da cessação da obrigatoriedade dos descontos para a aposentação com a valorização do montante desses mesmos descontos para efeitos de encontrar um diferencial justificador do pagamento de um complemento de pensão.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 04.12.2014

(Esperança Mealha)
(Maria Helena Canelas)
(António Vasconcelos)