Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:674/07.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:NOTIFICAÇÕES
RCPIT
RECUSA EXIBIÇÃO ESCRITA
MÉTODOS INDIRETOS
Sumário:I-A notificação para exibição da escrita e demais documentos contabilísticos, pode ser efetuada por carta registada, ainda que não se demonstre a impossibilidade da notificação por contacto pessoal, porquanto o n.º 2 do artigo 38.º do RCPIT estabelece, não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos atos, mas uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços.

II-Admitindo-se como lícita a opção da Administração Tributária de envio de carta registada com aviso de receção, diferentemente do que era preconizado no artigo 38.º do RCPIT, a mesma auto vinculou-se a respeitar essa forma e o seu regime legal, com as inerentes consequências e cominações.

III-Se a notificação para exibição de escrita e apresentação de demais elementos contabilísticos, endereçada para a Recorrente, veio devolvida com a menção “desconhecido na morada”, e se a notificação endereçada para os sócios gerentes foi remetida por carta registada com aviso de receção e veio, igualmente, devolvida e não se diligencia no envio de outra carta, não se pode inferir que houve lugar à recusa da exibição de escrita legitimadora da determinação da matéria coletável por via do recurso aos métodos indiretos.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

L…., LDA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes ao ano de 2002, no valor de €89.818,59.


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A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I  - O dever de notificação dos actos administrativos constante do artigo 268.°, n° 3 da Constituição da República, bem assim o n° 1 do artigo 35° do Código de Procedimento e Processo Tributário, ditam que a notificação sirva efectivamente para dar conhecimento de um acto e não se esgote apenas na sua própria tentativa de feitura e/ou na sua expedição, o que infirma uma perigosa tendência segundo a qual essas tentativas de feitura e/ou expedição, só por si, satisfaria os objectivos constitucionais e legais da dita notificação, independentemente de através dela se efectivar ou não o conhecimento de determinado acto pelo seu destinatário.

II - A alínea DD da matéria assente deverá ter-se por não escrita, pois não é pelos relatórios de inspecção que se aferem os domicílios fiscais dos contribuintes.

III               - A alínea EE da matéria de facto assente deverá ter-se por não escrita, porque não estava lá aquando da anterior decisão da Primeira Instância e não era lícito aditá-la, atenta a impossibilidade legal de o Tribunal a quo ampliar agora a matéria de facto, apenas com base num aresto proferido por um Tribunal que não conhece de facto.

IV              - Não podia também o Tribunal a quo ter valorado acriticamente o depoimento da terceira testemunha ouvida em sede de audiência de inquirição, sem haver factos assentes a que reportar as suas declarações (cf. artigo 607.°, n° 4 do Código de Processo Civil), primeiro, para se convencer de uma recusa da Impugnante em exibir a sua escrita, depois, para tomar como boa a sugestão de que as Inspectoras se tinham deslocado ao local da sede da Impugnante antes da prevista realização da inspecção que é tema destes autos.

V               - Tal valoração acrítica esbarra nas contradições dessas declarações com as próprias precisões que a mesma testemunha fez em sede de contra-instância.

VI              - No caso da suposta recusa de exibição da escrita, a mesma não é verosímil, na medida em que não vem alegada na contestação da Fazenda Pública, nomeadamente em 9.º dessa peça processual, mais sendo inelutável que a Administração Tributária não reagiu a essa “recusa” com o mecanismo do artigo 59° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

VI - Aliás, só a conversa telefónica entre terceira testemunha e gerente da Impugnante, sem mais, é que é de aceitar que tenha sucedido porque está corroborada pelo artigo 9.º da contestação da Fazenda Pública, demonstrando tal conversa que o contacto pessoal com os legais representantes da Impugnante, em ordem a notificá-la nos termos legais, era possível.

VII             - A primeira deslocação das Inspectoras ao C….., como resulta do esclarecimento prestado em contra-instância pela terceira testemunha inquirida, dá-se só após a saída do relatório final de inspecção, já em sede de tentativa de notificação das liquidações adicionais de IVA, o que — conjugado com os restantes depoimentos testemunhais - demonstra que a notificação pessoal, a 18.9.2006 (cf. D e E da matéria de facto que sustenta a sentença recorrida) e a 26.9.2006 (cf. F a M dessa matéria), poderia ter sido levada a cabo, cumprindo o formalismo legal.

VIII           - O artigo 38.°, n° 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária - que a Administração Tributária desrespeitou, nem sequer tentando a notificação pessoal em nenhuma das passagens do procedimento explanado de D a V da matéria de facto que sustenta a sentença recorrida - estabelece que a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de realização da notificação pessoal.

IX              - O n° 1 dessa disposição legal não se limita a exprimir uma possibilidade de notificação pessoal, por mor do uso da forma verbal “podem”, pois que a expressão “podem” é utilizada nessa disposição legal também para a notificação postal, e é o n° 2 dessa norma que estabelece a ordem de prioridade entre ambas.

X - A prioridade dada às notificações pessoais não tem uma ratio prática, relacionada com a localização da inspecção nas instalações do sujeito passivo, dado que o contacto pessoal é mais solene do que o envio de uma carta, podendo controlar-se em tempo real que a notificação por ele veiculada é efectivamente levada a cabo; de qualquer maneira, se o que subjazesse à notificação pessoal fossem razões relacionadas com a inspecção ter lugar nas instalações do cliente, então - antes dessa inspecção - sempre teria (como tem) de se começar por essas instalações, aí tentando a notificação e lavrando-se certidão negativa, caso tal notificação não pudesse ser levada a cabo.

XI              - A dita norma do artigo 38° também não é exclusivamente dirigida aos serviços, pois que o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária foi aprovado por Decreto-Lei, sendo certo que toda a lei é abstracta e geral e, portanto, não pode ser norma interna.

XII             - O n° 1 do artigo 41° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção aplicável em 2006, manda que as notificações de sociedades sejam feitas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar em que se encontrem, nada disto tendo sido feito ou tentado pela Administração Tributária em nenhuma das passagens do procedimento explanado de D a V da matéria de facto que sustenta a sentença recorrida.

XIII            - A Administração Tributária também não tentou, nesse procedimento, a alternativa notificação prevista no n° 2 do mesmo artigo 41°, com as especificidades do artigo 40° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

XIV           - Faltou, mesmo do exclusivo ponto de vista das notificações postais, a segunda tentativa de notificação na sequência da devolução do primeiro expediente, conforme manda o n° 5 do artigo 39° do Código de Procedimento e Processo Tributário, não havendo lugar - por postergação de todo o formalismo inerente à notificação - ao funcionamento da presunção constante do artigo 43°, n° 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

XV            - Não foi entregue pessoalmente à Impugnante cópia da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção nem esta foi chamada a assiná-la(o), pela maneira prevista nos n°s. 1 e 2 do artigo 51° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

XVI           - O aviso para o início da acção inspectiva tem de ser feito pessoalmente e, só na impossibilidade de ser feito pessoalmente, deve ser feito por carta.

XVII          - O artigo 49° da Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária não introduz qualquer especificidade relativamente à notificação, pelo que terão de se cumprir as normas expressamente dirigidas a esse acto.

XVIII        - O modelo aprovado para a carta aviso respeita ao próprio seu teor e não às formalidades do seu envio, sendo ademais certo que tal carta aviso tem de obrigatoriamente conter um anexo com os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários; tal preocupação com dar conhecimento de direitos, deveres e garantias não se compagina com uma notificação feita por carta simples, que não importaria que fosse ou não recebida.

XIX           - O acto de inspecção inicia-se com a entrega de uma cópia da ordem de serviço ou despacho ao sujeito passivo ou seu representante, podendo até - caso o legal representante não esteja presente - ser entregue ao seu Técnico Oficial de Contas ou a qualquer empregado ou colaborador presente no local (cfr., a este propósito, o Acórdão da 2a Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 5.11.2014, proferido no processo 0914/13, disponível em www.dgsi.pt), pelo que, tendo todo este formalismo sido ilegalmente postergado, impõe-se concluir que o procedimento inspectivo nem sequer se iniciou no caso sub judice.

XX             - Por isso, as diversas notificações de que dão conta os factos provados F a N que sustentam a sentença recorrida são todas ilegais, não só porque seguiram por via postal antes da pessoal, a que a lei dá prioridade, mas porque - não se tendo sequer iniciado o procedimento inspectivo externo por falta de cumprimento do formalismo dos n°s. 1 e 2 do artigo 51° do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária - tais actos, inegavelmente actos de inspecção, não podiam sequer ter sido praticados, sendo por isso nulos.

XXI           - Não existe qualquer “pressuposto” do sistema donde se extraia que as regras de notificação dos actos só funcionam quando o sujeito passivo se tivesse aprestado a acolher os Inspectores, recebendo ou não a carta-aviso, uma vez que o sujeito passivo não se pode aprestar a receber Inspectores se não recebeu a carta a avisar que eles vinham.

XXII          ~ Não pode ser valorada a declaração de uma testemunha que afirma que os sócios da Impugnante o eram também de outra sociedade, que refere ter a mesma sede, uma vez que a existência de uma sociedade e a localização da sua sede se provam por certidão de registo comercial (cf. artigo 75°, n° 1 do respectivo Código e 392° in fine do Código Civil), estando vedada a prova testemunhal a respeito.

XXIII         - O projecto de relatório, que em bom rigor, já era nulo, uma vez que a inspecção não podia ter começado, não foi notificado (cf. alíneas O e P da matéria de facto que sustenta a sentença recorrida), ficando, portanto, a audição prévia postergada, actuação violadora do n° 1 do artigo 60° do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

XXIV        - O relatório final de inspecção, nulo como é, por estar inquinado do mesmo vício que afectou todos os actos de inspecção relatados nos autos por esta nem sequer se ter iniciado, e não tendo sido também quanto a ele cumpridas as formalidades de notificação, é não obstante demonstrativo de que a Administração Tributária sabia do n° 5 do artigo 39° do Código de Procedimento e Processo Tributário, pois quanto a ele foram feitas as duas notificações previstas nessa norma, apenas não tendo sido respeitados os quinze dias que ela impõe.

XXV         - Não pode o Tribunal a quo, que reconheceu (a fls. 503 v°) que “de modo expresso nada resulta dos autos sobre a mencionada recusa”, que deu como provados factos que traduzem falta de cumprimento das normas aplicáveis à notificação, extrair uma “recusa tácita” da simples devolução do correio (saído - aliás - praticamente todo ao mesmo tempo) enviado à Impugnante, porque esse não é um facto que, com toda a probabilidade, a revele (cf. artigo 217° do Código Civil), tampouco a pode extrair do depoimento da terceira testemunha, por falta de credibilidade, e nessa suposta recusa virtual ancorar o recurso a métodos indiciários.

XXVI        - Os métodos indirectos são a última ratio, o seu uso está restringido àqueles casos em que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo sujeito passivo, consequentemente, não podem ser utilizados no circunstancialismo real que é retratado nos autos e que se resume a faltas de notificação.

XXVII       - Os artigos 81°, n° 1, 82°, n°s. 3 e 4, 85°, n° 1, 87°, alínea b) e 88° da Lei Geral Tributária dão o enquadramento da faculdade da Administração Tributária optar pela avaliação indirecta, da qual ressalta o seu carácter subsidiário, a participação do sujeito passivo nessa avaliação, bem assim, a necessária verificação de um pressuposto que traduza, v. g., inacessibilidade à contabilidade do sujeito passivo, enquadramento e pressupostos cuja inexistência no presente caso veda o recurso aos métodos indiciários.

XXVIII     - A sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artigo 615°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Civil e, para além disso, violou as normas vertidas nos artigos 268°, n° 3 da Constituição da República, 35°, n° 1, 39°, n° 5, 41°, n°s. 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 38°, n°s. 1 e 2, 40°, 51°, n°s. 1 e 2, 43°, n° 1, 49°, 59°, 60°, n° 1 do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, 81°, n° 1, 82°, n°s. 3 e 4, 85°, n° 1, 87°, alínea b) e 88°, alínea b) da Lei Geral Tributária, 607°, n° 4 do Código de Processo Civil, 217°, 349° e 392° in fine do Código Civil, e 75°, n° 1 do Código do Registo Comercial.

Aplicando correctamente as referidas normas no sentido de revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação, farão V. Exas., como é hábito, Justiça.”


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A Recorrida devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) A Impugnante é uma sociedade por quotas, enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, cuja atividade foi iniciada em julho de 1990 com o CAE 52.444 – Comércio a Retalho de Outros Artigos Para o Lar – cfr. fls. 38. – cfr. fls. 38.

B) Cessou a sua atividade em 31/12/2005 para fins de IVA – cfr. fls. 38.

C) Em cumprimento da ordem de serviço n.º ….., datada de 02/05/2006, a Impugnante foi alvo de procedimento inspetivo externo parcial com incidência em IVA e IRC relativo ao exercício de 2002 – cfr. fls. 36.

D) Pelo ofício n.º ….., de 18/09/2006, os Serviços de Inspeção enviaram à Impugnante – para a …..LISBOA –, sob registo postal CTT ….., a notificação prévia para procedimento de inspeção – cfr. fls. 140.

E) A carta a que se refere a alínea anterior foi devolvida com a anotação “dizem-me ser desconhecido nesta morada” – cfr. fls. 142.

F) Em 26/09/2006 foi enviada à Impugnante a notificação n.º …..para exibição da escrita – cfr. fls. 143 e 144.

G) A notificação a que se refere a alínea anterior foi enviada para a impugnante na morada Av. …..e devolvida ao remetente – cfr. fls. 143 a 145 e 149.

H) Em 26/09/2006 foi enviado ao sócio gerente da Impugnante a notificação n.º …..para exibição da escrita – cfr. fls. 146 e 147.

I) A carta a que se refere a alínea anterior, expedida para a …..Carcavelos, veio devolvida com a anotação de “não reclamado” – cfr. fls. 149.

J) Em 26/09/2006 foi enviado ao sócio gerente da Impugnante a notificação n.º …..para exibição da escrita – cfr. fls. 151 e 152.

K) A carta a que se refere a alínea anterior, expedida para a …..Carcavelos, veio devolvida com a anotação de “não reclamado” – cfr. fls. 153.

L) Em 26/09/2006 foi enviado à sócia-gerente da Impugnante, M….., a notificação n.º …..para exibição da escrita – cfr. fls. 154 e 155.

M) A carta a que se refere a alínea anterior, expedida para a ….. Carcavelos, veio devolvida com a anotação de “não reclamado” – cfr. fls. 156.

N) Em 26/09/2006 foi enviado ao TOC da Impugnante, D….., a notificação n.º …..para exibição da escrita – cfr. fls. 158 a 160.

O) Em 25/10/2006 a Administração Fiscal enviou à Impugnante o “Projeto de Relatório da Inspeção Tributária” para a morada Av. ….., através do registo …..– cfr. fls. 161 a 163.

P) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.

Q) Em 21/11/2006, AF enviou o relatório de inspeção tributária, of. ….., à Impugnante, para Av. …..– cfr. fls. 168 a 171.

R) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.

S) Em 21/11/2006 a AF enviou o relatório de inspeção tributária, of. ….., ao gerente da impugnante, J….., com a morada …..Carcavelos, através do registo …..–cfr. fls. 165 a 167.

T) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.

U) Em 04/12/2006, a AF enviou 2.ª notificação do relatório de inspeção tributária, of. ….., à Impugnante, para Av. ….. – cfr. fls. 172 a 174.

V) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.

W) Em 13/01/2007, a AF elaborou as liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos 0212T, 0209T, 0206T e 0203T – cfr. fls. 175.

X) O prazo de pagamento terminou em 31/03/2007 – cfr. fls. 175.

Y) As liquidações a que se refere a alínea W) foram todas notificadas em 05/02/2007 – cfr. fls. 176 a 187, 266 a 269.

Z) Em 25/08/2007 a Impugnante solicitou a emissão de uma certidão, ao abrigo do art. 37.º do Código Procedimento e Processo Tributário – cfr. fls. 17.

AA) A Impugnante apresentou novo requerimento ao abrigo do art. 37.º do CPPT – cfr. alegado pela Impugnante e não contrariado pela Fazenda Pública.

BB) A Certidão foi entregue em 03/10/2007 – cfr. fls. 29.

CC) A petição foi apresentada em 19/12/2007 – cfr. fls. 119.

DD) A Impugnante tinha o seu domicílio fiscal na Av. …..– cfr. relatório de inspecção a fls. 37.

Adicionalmente, deve ainda considerar-se provado que:

EE) Em 22.03.2007 a Impugnante alterou a sua sede, junto dos serviços da AT, para ….., em Quarteira, correspondente à indicada na petição inicial e na procuração que a acompanha – cfr. fls. 206 a 209.


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A motivação da matéria de facto fundou-se no seguinte:

“Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto. De realçar ainda os depoimentos das testemunhas arroladas na formação da convicção do tribunal.

A primeira testemunha, em síntese, referiu que foi o técnico de contas da Impugnante:

A Impugnante cessou a actividade em 31/12/2005 e deixou de realizar operações.

Recorda-se que recebeu uma notificação da AF a quem informou que já não era técnico de contras da impugnante desde 2006 e não detinha elementos contabilísticos.

A instância da Representante da Fazenda Pública esclareceu que os documentos da contabilidade ficavam sempre na posse da Impugnante: entregavam os documentos ao depoente que efectuava os lançamentos e que, por sua vez os devolvia. Tentou contactar os sócios da Impugnante mas soube que estavam no Brasil onde têm casa. A Impugnante vendia artigos de mobiliário e decoração. Tinha uma loja aberta ao público, que funcionava no C….. em Lisboa.

A segunda testemunha, em síntese, referiu:

A Impugnante deixou de exercer atividade no final de 2005, altura em que fechou as portas, encerrou. Na altura funcionava na Av. …... O marido da depoente era o gerente da Impugnante e normalmente de outubro a dezembro estão no Brasil. Não se recorda de ter recebido nenhuma notificação das finanças.

A instância da Representante da Fazenda Pública esclareceu: a L….. fechou em final de 2005 e não tem conhecimento que em janeiro de 2006 não foi aberta nenhuma loja.

Não recebeu qualquer notificação para exibir a escrita.

A terceira testemunha, em síntese referiu:

Enviou a carta aviso em 19/09/2006, para a sede que constava no cadastro, na Av. ….., em Lisboa. Contactou telefonicamente o Gerente da Impugnante , Sr. J….., que referiu que tinha cessado a atividade e que não tinha nada que apresentar elementos. Das cartas que enviou apenas o TOC a contactou a informar que já não prestava serviços à Impugnante. Utilizou os dados que a AF já detinha da inspeção ao exercício de 2001, nomeadamente os extratos bancários apresentados pelo gerente da Impugnante. As notificações do relatório de inspeção quer para a Impugnante quer para o gerente e foram todas devolvidas. A Impugnante manteve o domicílio fiscal .

A depoente e uma colega dirigiram-se à sede à loja …... Foram recebidos pela funcionária da antiga loja que confirmou que a loja atual pertencia aos mesmos sócios e a quem informaram que iriam afixar dado que não tinha poderes para receber a notificação e que contactasse um dos sócios para no dia seguinte receber a notificação. Compareceram no dia seguinte e não estava ninguém para receber a notificação. No mesmo sítio foi aberta uma outra loja que pertencia aos mesmos sócios.

A instância da Impugnante esclareceu: com a devolução da carta aviso tentaram o contacto telefónico com o gerente da Impugnante para comunicaram a intenção de proceder a inspeção ao exercício de 2002. Não chegou a ir à loja na …..em Lisboa durante o procedimento de inspeção e só ali se dirigiu para notificação das liquidações de IVA e IRC.

Abrangeu todos os períodos de IVA do ano de 2002. Apurou os elementos a partir dos extratos de conta com valores que não estão refletidos na contabilidade. Deslocou -se à loja à ….. para notificar as liquidações à Impugnante. Procedeu à afixação de hora certa, pois, foi informado que o gerente não se encontrava. Compareceram no dia seguinte à hora marcada e pensa que deixou afixado a certidão, o mandado, a certidão de verificação de hora certa e a certidão de notificação. As liquidações, não se recorda de foram afixadas, mas foram depois remetidas pelo correio com um ofício.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.”


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.[1]

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

F) A 28/09/2006, foi expedida carta registada com aviso de receção, com a referência alfanumérica ….., visando a notificação para “exibição da escrita livros ou outros documentos” – cfr. fls. 143 e 144.

G) A notificação a que se refere a alínea anterior foi endereçada para a impugnante para a morada Av. ….., a qual foi objeto de devolução ao remetente, com a menção “desconhecido na morada" – cfr. fls. 145 e 149.

H) A 28/09/2006 foi expedida carta registada com aviso de receção, com a referência alfanumérica ….., endereçada ao sócio gerente da Impugnante, J….., visando a notificação para “exibição da escrita livros ou outros documentos” – cfr. fls. 146 e 147.

I) A carta a que se refere a alínea anterior, foi expedida para a …..Carcavelos, tendo sido devolvida com a anotação de “não reclamado” – cfr. fls. 148.

J) Em 28/09/2006 foi expedida carta registada com aviso de receção, com a referência alfanumérica ….., endereçada ao sócio gerente da Impugnante, J….., visando a notificação para “exibição da escrita livros ou outros documentos” – cfr. fls. 150 e 151.

K) A carta a que se refere a alínea anterior, foi expedida para a …..Carcavelos, tendo sido devolvida com a anotação de “não reclamado” – cfr. fls. 153 e verso.

L) Em 28/09/2006 foi expedida carta registada com aviso de receção, com a referência alfanumérica ….., endereçada à sócia gerente da Impugnante, M….., visando a notificação para “exibição da escrita livros ou outros documentos”– cfr. fls. 154 e 155.

M) A carta a que se refere a alínea anterior, foi expedida para a …..Carcavelos, tendo sido devolvida com a anotação de “não reclamado” – cfr. fls. 156 e verso e 157.

N) Em 28/09/2006 foi expedida carta registada com aviso de receção, com a referência alfanumérica ….., endereçada ao TOC da Impugnante, D….., para a morada ….., visando a notificação para “exibição da escrita livros ou outros documentos”– cfr. fls. 158 e 159..

O) A 25/10/2006 foi expedida carta registada, com a referência alfanumérica ….., endereçada à Impugnante, visando a notificação do “Projeto de Relatório da Inspeção Tributária – cfr. fls. 161 a 163.

P) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.

Q) Em 21/11/2006, foi expedida carta registada com aviso de receção, com a referência alfanumérica ….., endereçada à Impugnante, para Av. ….., visando a notificação do relatório de inspeção tributária – cfr. fls. 168 a 171.

R) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.

S) Em 21/11/2006, foi expedida carta registada com aviso de receção, com a referência alfanumérica ….., endereçada ao gerente da impugnante, J….., com a morada ….. Carcavelos, visando a notificação do relatório de inspeção tributária –cfr. fls. 165 a 167.

T) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “não reclamado”-cfr. fls. 165 v.

U) A 04.12.2006, foi expedida nova carta registada com aviso de receção, com a referência alfanumérica ….., endereçada Impugnante, para Av. ….., visando a notificação do relatório de inspeção tributária – cfr. fls. 172 a 174.

V) A notificação a que se refere a alínea anterior veio devolvida com a anotação “mudou-se”.


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

X) O Relatório de Inspeção Tributária referido em Q), foi emitido em 06 de novembro de 2006, dele constando, designadamente, o seguinte teor:

 

(…)

(…)

(…)

 

(cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, referentes ao ano de 2002.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento de facto, porquanto valorou, erradamente, a factualidade constante no acervo probatório dos autos e o depoimento das testemunhas, e bem assim se padece de erro de julgamento de direito, por ter incorrido em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ao ter decidido pela inexistência dos seguintes vícios:
Ø Falta de verificação dos pressupostos para o recurso aos métodos indiretos.
Ø Falta de notificação do início da ação de inspeção;
Ø Preterição do direito de audição prévia;

De relevar, ainda neste particular, que não obstante no pedido final a Recorrente evidencie que “[a] sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artigo 615°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Civil”, a verdade é que atentando nas suas conclusões coadjuvada com as alegações, a mesma não se encontra devida e minimamente substanciada, como legalmente se impõe, o que, per se, inviabiliza qualquer apreciação.

Feito este introito e delimitação da lide comecemos pela apreciação do erro de julgamento de facto.

Apreciando.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

A Recorrente começa por defender que a alínea DD) da matéria de facto assente deverá ter-se por não escrita, porquanto não é pelos Relatórios de Inspeção que se aferem os domicílios fiscais dos contribuintes.

Mais requerendo que a alínea EE) da matéria de facto se dê, igualmente, como não escrita, e isto porque não estava lá aquando da anterior decisão da Primeira Instância e não era lícito aditá-la, atenta a impossibilidade legal de o Tribunal a quo ampliar agora a matéria de facto, apenas com base num aresto proferido por um Tribunal que não conhece de facto.

Em termos de prova testemunhal, é relevado que não podia o Tribunal a quo ter valorado acriticamente o depoimento da terceira testemunha ouvida em sede de audiência de inquirição, sem haver factos assentes a que reportar as suas declarações (cf. artigo 607.°, n° 4 do Código de Processo Civil), primeiro, para se convencer de uma recusa da Impugnante, ora Recorrente, em exibir a sua escrita, depois, para tomar como boa a sugestão de que as Inspetoras se tinham deslocado ao local da sede da Impugnante antes da prevista realização da inspeção que é tema destes autos.

Ademais, concretiza que tal valoração acrítica esbarra nas contradições dessas declarações com as próprias precisões que a mesma testemunha fez em sede de contra-instância.

Até porque, do aludido depoimento o que se extrai é que era possível o contacto pessoal com os legais representantes da Recorrente, em ordem a notificá-la nos termos legais, e bem assim que a primeira deslocação das Inspetoras ao C….., sucede apenas com a saída do relatório final de inspeção, já em sede de tentativa de notificação das liquidações adicionais de IVA, donde, que era possível e viável a notificação pessoal.

Vejamos, então, se a sentença recorrida padece do arguido erro de julgamento de facto.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida[2].

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.”

Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, conforme decorre do artigo 662.º do CPC , aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Dir-se-á, portanto, que o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC .

Mais importa ter presente que quando é colocada em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, não basta a mera alegação que o depoimento não é crível. E isto porque, se a convicção formada pela Recorrente sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, não coincide com a convicção do julgador, tem de objetivar-se a ausência de credibilidade ponto da discordância, impondo-se ao Recorrente que indique as razões de ciência em que se firma, e bem assim, sendo caso disso, as passagens da gravação demonstrativas da desconformidade.

Não podendo, outrossim, o Tribunal ad quem “[i]gnorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador.

Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados ”.

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente impugna a matéria de facto decorrente da prova documental, requerendo a supressão de duas alíneas da factualidade assente.

Vejamos, então.

A Recorrente começa por evidenciar que deve dar-se por não escrita a alínea DD) da matéria de facto assente, porquanto não é pelos Relatórios de Inspeção que se aferem os domicílios fiscais dos contribuintes.

Importa, desde já, relevar que o relatório da ação inspetiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objetivas, nele atestadas, com base na perceção direta do seu autor[3]. Sendo de relevar, no entanto, que os factos devem ser sempre atestados pelos respetivos suportes documentais, devendo essa certificação merecer especial acuidade quando existe desconformidade entre a realidade nela mencionada e o facto inscrito nesses mesmos suportes documentais.

In casu, de facto, não consta dos autos o documento que atesta qual o domicílio fiscal da Recorrente até 22 de março de 2007, apenas existindo comprovativo da síntese cadastral e bem assim da confirmação de alteração de dados nessa data. Porém, como visto, a Recorrente nunca evidencia que a ….., não corresponda ao seu domicílio fiscal, não juntando, outrossim, qualquer  documento que ateste em sentido contrário.

Mais importa relevar que atentando na petição inicial, a Recorrente nunca contesta que o seu domicílio fiscal até 22 de março de 2007, foi, efetivamente, nesse local -aferindo-se, de resto, essa assunção face, designadamente, aos artigos 12.º, 31.º, 40.º e 42.º da p.i- sendo certo que a contestação no artigo 6.º elenca essa factualidade.

Ademais, importa ter presente que já foram proferidas duas decisões nas quais consta, expressamente, essa factualidade (1ª e 2ª sentença prolatadas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé as quais evidenciam essa factualidade na alínea AF), a qual não só nunca foi impugnada, como foi assumida como certa, donde, como assente, tendo sido, outrossim, com base na assunção dessa realidade fática que os Tribunais Superiores julgaram as questões que se encontravam subjacentes (caducidade do direito de ação e caducidade do direito de liquidação), e que se encontram, ora, transitadas em julgado.

Assim, face a todo exposto indefere-se a supressão da aludida alínea.

Atentemos, ora, na alínea EE) da factualidade assente.

Como visto, a Recorrente entende que a citada alínea tem de dar-se como não escrita, e isto porque não constava da anterior decisão da primeira instância e não era lícito aditá-la, atenta a impossibilidade legal de o Tribunal a quo ampliar agora a matéria de facto, apenas com base num Aresto proferido por um Tribunal que não conhece de facto.

Porém, sem razão. Com efeito, se o Aresto do STA decidiu que os autos deveriam descer à primeira instância para conhecimento das questões julgadas prejudicadas, não só pode, como deve, o Tribunal a quo, fixar a factualidade necessária para apreciação das aludidas questões.

E por assim indefere-se a aludida supressão.

Atentemos, ora, no erro de julgamento da prova testemunhal.

Como devidamente evidenciado anteriormente, a Recorrente não procede à transcrição de qualquer depoimento ou excerto do mesmo, nem tão-pouco indica, com exatidão, as passagens de gravação dos depoimentos que pretende ver analisados, não requerendo, por conseguinte, qualquer aditamento por complementação ou substituição, e bem assim qualquer supressão do acervo probatório.

Se bem entendemos a posição da Recorrente, o que a mesma propugna é que a na fundamentação de direito constam juízos de valoração concatenados com as inferências referentes à recusa de exibição da escrita, e com a deslocação das Inspetoras quanto ao local da sede que não se encontram espelhados na factualidade, mas, tão-só, na motivação da matéria de direito, o que colide com o disposto no artigo 607.º, nº4 do CPC.

Cumpre, desde logo, evidenciar que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Mais importa relevar que a aludida questão não se coaduna com a impugnação da matéria de facto, mas sim com erro de julgamento por subsunção ao direito de factos que não constam do probatório.

Não obstante, importa, contudo, relevar que a generalidade de tais questões se encontram, desde logo, patenteadas no relatório inspetivo contemplado no probatório, apelando, desde logo, à fundamentação nele constante. É certo que o Relatório de Inspeção Tributária não se encontrava integralmente transcrito no acervo fático, o que motivou na presente sede a alteração desse mesmo facto, dando como integralmente reproduzido esse Relatório de Inspeção Tributária e acrescentando-se algumas partes que se considera clarificarem o teor da fundamentação da Administração Tributária.

Por outro lado, e como demonstraremos, em sede própria, tais realidades são inócuas para a presente lide.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

No concernente às asserções acríticas quanto ao depoimento da terceira testemunha constantes nos pontos V) a VII) das conclusões, as mesmas não cumprem os requisitos do artigo 640.º do CPC, não competindo, nessa medida, dilucidar sobre as mesmas.

Atentemos, ora, no erro de julgamento de direito.

A Recorrente começa por defender que a Administração Tributária, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, desrespeitou o artigo 38.°, n° 2 do RCPIT, porquanto o nº1 estabelece uma ordem de prioridades que tem de ser respeitada, ou seja, a notificação postal só deve efetuar-se em caso de impossibilidade de realização da notificação pessoal, a qual, no caso, não sucedeu.

Mais sustenta que o n° 1 do artigo 41.° do CPPT, manda que as notificações de sociedades sejam feitas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar em que se encontrem, nada disto tendo sido feito ou tentado pela Administração Tributária, e conforme resulta do probatório.

Sublinha, outrossim, que a Administração Tributária não tentou, outrossim, a alternativa da notificação prevista no n° 2, do mesmo artigo 41°, com as especificidades do artigo 40.° do RCPIT.

Relevando, neste particular, que do ponto de vista das notificações postais, não foi cumprida a segunda tentativa de notificação na sequência da devolução do primeiro expediente, conforme preceitua o n° 5 do artigo 39.° do CPPT, não havendo lugar - por postergação de todo o formalismo inerente à notificação - ao funcionamento da presunção constante do artigo 43°, n° 1 do RCPIT.

Aduz, in fine, que não foi entregue, pessoalmente, à Impugnante cópia da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspeção nem esta foi chamada a assiná-la(o), pela maneira prevista nos n°s. 1 e 2 do artigo 51.° do RCPIT, não podendo a carta aviso ser efetuada por mera carta registada.

Face a todo exposto, tendo sido postergados todos os formalismos supra aludidos, a verdade é que o procedimento inspetivo nem sequer se iniciou no caso sub judice, existindo, assim, uma ilegalidade da determinação da matéria coletável por recurso a métodos indiretos, porquanto contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, inexiste ato de recusa.

O Tribunal a quo fundamentou a improcedência sobre a aludida questão da seguinte forma:

“No caso em apreço, e como resulta quer do relatório de inspeção a que se refere a al. Q) dos factos provados, quer da própria posição assumida pelas partes nos respetivos articulados que compõem a causa, o recurso à avaliação indireta da matéria coletável teve como fundamento a recusa de exibição da contabilidade – cfr. o ponto 3 do capítulo IV do Relatório de Inspeção, onde se diz que «…todas as notificações efectuadas vieram devolvidas. Assim sendo, não foi possível proceder à análise da escrita. Dado que tivemos conhecimento que nas instalações desta empresa está instalada uma outra empresa dos mesmos sócios, não há já justificação para a devolução das notificações com a indicação de “desconhecido”. Neste contexto, estamos perante a recusa de exibição de escrita…».

Deste modo, e dos factos provados nos autos, importa aferir se existem alguns que sejam concludentes, de forma expressa ou de forma tácita, de que a Impugnante, se recusou a apresentar a contabilidade.

Como já se relatou, além de defender que não foi validamente notificada para o procedimento de fiscalização – o que se verá adiante, se for caso disso –, a Impugnante alega que também não foi notificada para apresentar a sua escrita.

Às notificações efetuadas no âmbito do procedimento de inspeção tributária aplicam-se, primordialmente, as regras especialmente previstas no RCPIT, concretamente os artigos 37.º a 43.º.

 (…)

Portanto, temos que, e retomando o caso, que a Administração não estava obrigada a efetuar a notificação para apresentação da contabilidade por contacto pessoal com o notificando, podendo fazê-lo usando a via postal, restando agora aferir se, pelo facto de todas as cartas enviadas – quer para a própria Impugnante, quer para os seus sócios gerentes – terem sido todas devolvidas ao remetente (a AT) [cfr. als. E) a M) do probatório] não pode dar-se por verificada a presunção de notificação do artigo 43.º, n.º 1, do RCPIT.

Antes de mais tenhamos presente que a carta enviada à Impugnante o foi para o local da sede, conforme registo no cadastro de contribuintes vigente à data da expedição da correspondência – Av. ….., em Lisboa [cfr. als. F) e G) dos factos provados] –, sendo certo que só em 22.03.2007, cerca de seis meses depois, é que a Impugnante alterou a sua sede, junto dos serviços da AT, para ….., em Quarteira [cfr. als. DD) e EE) dos factos provados].

Daqui pode, desde logo, concluir-se que se mostra preenchida a previsão do n.º 1 do art.º 43.º do RCPIT na parte em que exige que a carta tenha sido remetida para o seu domicílio fiscal. (…)

Tendo a notificação enviada para a Impugnante, para apresentar a contabilidade, sido devolvida, como se alcança do teor do Relatório de Inspeção, com a menção “desconhecido”, a falta de receção da carta pela Impugnante não pode ser imputada à AT, por força dos referidos preceitos legais.

Por outro lado, e como também resultou da prova produzida em audiência, que confirmou o teor do relatório de inspeção, os serviços de inspeção apuraram que no local que correspondia à sede da Impugnante funcionava uma outra sociedade, com o mesmo objeto social e os mesmos sócios gerentes, pelo que a devolução da carta em apreço, não obstante a menção de “desconhecido”, como é referido no relatório, sempre se pode considerar que o foi por ter sido “recusada” a sua receção, conforme previsto na parte final do n.º 1 do art.º 43.º do RCPIT, o que nos conduz à presunção de notificação.

Acrescente-se que, ainda que assim não se entendesse, a mesma notificação foi também enviada a ambas os sócios gerentes da Impugnante, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 41.º do CPPT [cfr. als. H) a M) do probatório], tendo sido, em ambos os casos, devolvida à AT com a menção «não reclamado», o que equivale à expressão contida no n.º 1 do art.º 43.º do RCPIT «não ter sido levantada». Ou seja, uma vez mais a fazer funcionar a presunção de notificação dos sujeitos obrigados a colaborar no procedimento de inspeção.

Concluindo-se, desde modo, que a notificação para apresentação da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos se presume efetuada nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 43.º do RCPIT, importa agora saber se a Administração Tributária podia concluir, como concluiu, pela verificação da recusa de exibição da contabilidade.

Como se disse acima, só pode entender-se que a Impugnante se recusou a entregar a contabilidade se os factos provados, de forma expressa ou de forma tácita, permitirem retirar tal inferência. De modo expresso nada resulta dos autos sobre a mencionada recusa. No entanto, existem outros factos, designadamente aqueles que levaram à presunção de notificação, que permitem, com base nas regras da experiência comum, concluir que ao furtar-se às notificações da Administração Tributária ao longo do procedimento inspetivo, a Impugnante tinha por intenção não colaborar com a AT e, consequentemente, fornecer os elementos necessários para a realização dos atos inspetivos. (…)

Podemos por isso afirmar que o comportamento da Impugnante, exteriorizado pelo dos seus sócios gerentes, configura uma recusa tácita à apresentação da contabilidade, o que nos leva a concluir pela verificação dos pressupostos de que depende a avaliação indireta da matéria coletável, com a consequente improcedência, no ponto, da alegação da Impugnante.”

Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente. Para o efeito, importa, desde já, convocar os normativos que relevam para o caso vertente.

Preceitua, desde logo, o artigo 59.º, n.º 3, alínea l), da LGT, que a colaboração da Administração Tributária com os contribuintes compreende, designadamente:

“A comunicação antecipada do início da inspeção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo”.

Como corolário desse princípio de colaboração, consigna o artigo 49.º do RCPIT relativamente à notificação prévia para o procedimento de inspeção que:

“1 - O procedimento externo de inspeção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.

2 - A notificação prevista no número anterior efetua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo diretor-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos:

a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objeto da inspeção;

b) Âmbito e extensão da inspeção a realizar.

3 - A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspeção.”

No concernente à forma de notificação importa convocar o disposto no artigo 38.º do RCPIT, o qual sob a epígrafe de notificação pessoal e postal, dispõe:

“1 - As notificações podem efetuar-se pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada.

2 - No procedimento externo de inspeção a notificação postal só deve efetuar-se em caso de impossibilidade de realização de notificação pessoal.”

Importando, outrossim, ter presente que as notificações pessoais de atos tributários ou em matéria tributária, a realizar de acordo com as regras das citações pessoais, poderão ser efetuadas de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no CPC (cfr. artigo 38.º, nº6 e 192.º ambos do CPPT, e 192.º designadamente a citação através de contacto pessoal do funcionário com o citando e a citação com hora certa ou através de afixação com posterior advertência (cfr. artigos 239°, 240° e 241° do CPC)[4].

De convocar, in fine, o consignado no artigo 43.º, nº1 do RCPIT, segundo o qual:

“Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.

Quanto ao citado normativo 38.º do RCPIT, importa relevar que embora o seu n.º2 estabeleça que “no procedimento externo de inspeção a notificação postal só deve efetuar-se em caso de impossibilidade de realização de notificação pessoal”, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem vindo a entender que:

 “[o] n.º2 do art.º 38.º do RCPIT estabelece, não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, mas uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços, sendo que a notificação pessoal é aí prevista por exclusivas razões de ordem prática (o funcionário encarregado da inspecção estará nas instalações do sujeito passivo) e não em ordem a prosseguir uma forma mais solene de comunicação”[5].

Com efeito, e como doutrina claramente o STA em Acórdão proferido no processo nº 01394/12, datado de em 13 de março de 2003:

“Desde logo, na interpretação do art. 38.º do RCPIT, como de todas as normas legais, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite (Com a função de «eliminar aqueles sentidos que não tenha qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 189).), não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à «unidade do sistema», nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil (CC).

Na verdade, na tarefa hermenêutica, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico) e que se atente nas demais disposições que regulam as notificações, designadamente em sede do procedimento de inspecção, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretanda (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Idem, págs. 175 a 192.).

A notificação pessoal a que se refere o art. 38.º do RCPIT surge no seu n.º 1 como uma possibilidade – não como uma imposição –, como resulta inequivocamente da expressão «podem» que nela é usada. A norma do n.º 1 do art. 38.º do RCPIT surge, assim, não como preceptiva, mas como permissiva.

Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo, ao dizer que «[n]o procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de notificação pessoal» estabelece uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços, e não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, pelo que o uso da notificação postal, ainda que a notificação pessoal seja possível ou não se faça a demonstração da sua impossibilidade, não resulta irregularidade alguma que possa qualificar-se como preterição de uma formalidade essencial.” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido, doutrina o Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº 07165/13, de 22 de março de 2018:

“A notificação para exibição da escrita e demais documentos contabilísticos, pode ser efectuada por carta registada, ainda que não se demonstre a impossibilidade da notificação por contacto pessoal, pois o n.º2 do art.º38.º do RCPIT estabelece, não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, mas uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços (…).”

Feito o enquadramento legal, regressemos, então, ao caso dos autos e vejamos o que dimana do acervo fático dos autos.

No caso vertente, resulta que quanto à notificação para exibição de escrita e apresentação de demais elementos contabilísticos, endereçada para a Recorrente, veio devolvida com a menção “desconhecido na morada”.

Ora, tal menção contrariamente ao evidenciado pelo Tribunal a quo não permite acionar a presunção constante no citado artigo 43.º do RCPIT, porquanto essa devolução não se circunscreve na “devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.

Com efeito, é hoje jurisprudência pacífica que é irrelevante para efeitos da presunção de notificação a devolução com a menção “desconhecido”, uma vez que, neste circunstancialismo de facto, não opera a referida presunção jurídica.

Com efeito, impunha-se, no caso vertente, que a Administração Tributária diligenciasse pela realização de nova tentativa de notificação, mormente, pela realização de notificação pessoal conforme consignado no citado artigo 38.º, nº2, do RCPIT, uma vez que, conforme referido, não beneficia de qualquer presunção de notificação.

Ademais, nada evidencia, inequivocamente, que a correspondência só não foi reclamada porque a Recorrente assim não o pretendeu, e bem assim nada indicia que estejamos perante uma situação em que recaísse sobre a Recorrente um especial dever de se acautelar face a um expectável recebimento desta correspondência, porquanto, como visto, o ofício elencado em D) e E), foi devolvido com idêntica menção.

Diferente seria se nos encontrássemos perante uma notificação por carta registada simples em que a devolução ocorria, tão-só, porquanto o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para o efeito, não a foi levantar na estação dos correios onde a carta ficou depositada. Como visto, não é, de todo, o caso vertente[6].

É certo que o Tribunal a quo evidencia que, resulta provado que no local que correspondia à sede da Recorrente funcionava outra sociedade, com o mesmo objeto social e os mesmos sócios gerentes, donde, tal permite inferir que a menção “desconhecido”, mais não representa que uma recusa de colaboração e de aceitação.

Porém, assim o não entendemos.

E isto porque, por um lado, a recusa tem de se encontrar minimamente demonstrada, não podendo inferir-se, tão-somente, pela circunstância de nela funcionar uma outra empresa ainda que pertencente aos mesmos gerentes, e por outro lado, porque tal situação só levaria a que a Administração Tributária pudesse lançar uso da notificação pessoal.

Aliás, em função da ratio legis do normativo que vimos analisando, deveria em caso de devolução com a menção desconhecido serem envidados esforços e enveredar-se pela notificação pessoal.

É certo que na motivação da matéria de facto é evidenciada a existência de um telefonema para com o sócio gerente, mas a verdade é que nos encontramos perante uma alegação absolutamente genérica, sem a devida circunscrição temporal.

Note-se, ademais, que sendo a terceira testemunha ouvida a Técnica de Inspeção Tributária que procedeu à elaboração do Relatório Inspetivo, importa ter presente que o seu depoimento não pode servir para suprir quaisquer falhas na fundamentação do mesmo, ou seja, apenas pode corroborar a fundamentação nele constante, competindo ao Tribunal aferir em que medida as considerações de facto e de direito nele contidas permitem suportar os atos tributários sindicados, no fundo, só pode ser valorado no sentido da contextualização fáctica e apenas existindo alguma dúvida na sua interpretação.

Acresce, outrossim, que também na matéria de facto consta, em sede de contra instância que "Não chegou a ir à loja na …..em Lisboa durante o procedimento de inspeção e só ali se dirigiu para notificação das liquidações de IVA e IRC.”

Donde, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, não se pode assumir que a Recorrente tenha sido validamente notificada para a exibição de escrita.

Mas, igual inferência de preterição de formalidade essencial, teremos de retirar quanto às notificações dos sócios gerentes da Recorrente.

Explicitemos, então, porque assim o entendemos.

Conforme já evidenciado anteriormente a notificação para exibição da escrita e demais documentos contabilísticos, pode ser efetuada por mera carta registada, ainda que não se demonstre a impossibilidade da notificação por contacto pessoal, porém conforme resulta do probatório, verifica-se que a Administração Tributária não utilizou o expediente da carta registada, mas sim o expediente da carta registada com aviso de receção.

E a questão que se coloca é a seguinte: não vinculando a lei a expedição de carta registada com aviso de receção, mas, tão-só, a mera carta registada, optando a Administração Tributária por usar uma solenidade superior à legalmente contemplada, se tem de suportar as consequências de tal opção?

E a resposta é afirmativa.

Neste particular, importa chamar à colação, designadamente, o Acórdão deste Tribunal proferido no processo nº 00325/10.7 BEBRG, datado de 10 de fevereiro de 2017, o qual doutrina na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Admitindo-se como lícita a opção da Administração pelo envio de carta registada com aviso de recepção, diferentemente do que era preconizado no n.º 1 do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 360/97, de 17.12 (pessoalmente ou mediante carta registada), deverá coerentemente concluir-se que se auto vinculou a respeitar essa forma e o seu regime legal, com as inerentes consequências e corolários.

Dito de outro modo, admitindo-se que a Administração poderia ter feito doutra maneira (carta registada), deve assumir as consequências do que fez (carta registada com aviso de recepção).

2 - Ora, a modalidade da carta com aviso de recepção não é apenas um “plus” formal em relação à modalidade da carta registada, mas sim uma figura com uma filosofia própria, buscando ser uma (quase) notificação pessoal e não o mero depósito de um objecto postal (aviso) numa caixa de correio. “.

No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do STA no processo nº 0553/05, de 07, de julho de 2005, e bem assim no processo deste Tribunal proferido no processo nº 509/06, datado de 14 de novembro de 2019[7].

Face a todo o exposto, tendo as notificações para exibição de escrita sido remetidas por carta registada com aviso de receção, e tendo as mesmas sido devolvidas sem que o aviso de receção se mostre assinado, ter-se-ia de aplicar o estatuído no artigo 39.º, nº5 do CPPT, donde a Administração Tributária encontrava-se vinculada a expedir nova carta registada com aviso de receção nos quinze dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de receção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.

De relevar, outrossim, que não podemos, in casu, face aos elementos constantes no probatório, nem tão-pouco a Administração Tributária alega nesse sentido, que a aludida preterição se tenha degradado em não essencial, porquanto não foi, de todo, atingido o objetivo visado com a notificação e que é o de levar ao conhecimento do respetivo destinatário o teor do ato notificado, in casu, notificação para apresentação dos elementos de escrita e demais elementos contabilísticos.

Aqui chegados, encontramo-nos, assim, e contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, perante a preterição de formalidades essenciais, por conseguinte, não se pode concluir pela existência de uma recusa de exibição de escrita, e, nessa medida, legitimar a aplicação do recurso a métodos indiretos, conforme dimana do Relatório Inspetivo.

Note-se que da interpretação conjugada dos normativos 86.º, 91.º, e 92.º da LGT, resulta, desde logo, que o recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual. Uma “ultima ratio fisci”, para que a Administração Tributária possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos.

É certo que o artigo 87.º consigna no seu nº1, alínea b), da LGT que:

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

Densificando, por seu turno, o normativo 88.º, que se subsume no conceito de impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação”.

Mas, a verdade é que a aludida recusa terá de consubstanciar, desde logo, um incumprimento da notificação para exibição de escrita no prazo contemplado para o efeito, o que, in casu, como visto não sucede[8].

Note-se que esta alínea b), visa abranger todas as situações “que preenchem um tipo de ilícito, punível como contra-ordenação (cfr. artigos 113.º e 118.º do RGIT). Mas neste artigo surgem elencadas, não por merecerem uma censura primitiva da Lei, mas por serem justificativas da utilização da avaliação indirecta, não como reacção sancionatória, mas porque impossibilitam a quantificação directa e exacta da matéria tributável[9].”

Neste particular e a propósito da densificação do conceito de recusa, chamamos à colação o Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00067/03, de 18 de maio de 2017, no qual se doutrina que:

“Nas situações mais graves, deparamos com anomalias ou incorrecções imputáveis ao sujeito passivo a título de dolo. São as situações em que o seu próprio comportamento revela a intenção de não colaborar com a AT e de ocultar a sua verdade fiscal, inviabilizando a cabal aferição da sua capacidade contributiva.

Será o caso de ser recusada a exibição da escrita depois de a sua apresentação lhe ser exigida pela AT, o que poderá depreender-se de comportamentos que inequivocamente denunciem a manifestação de vontade de não a apresentar, como a obstaculização do acesso aos locais onde se encontre centralizada.

Será também o caso de terem sido falsificados ou viciados os suportes documentais da escrita. Ou ainda quando tenham sido apresentadas diversas contabilidades, entendendo-se como tal as situações em que são detectados elementos contabilísticos relativamente aos mesmos factos com conteúdo diverso. Sendo que, neste caso, o recurso à tributação indirecta pressupõe que a AT não tenha meio de saber qual delas é verdadeira.

Nestas situações, o legislador não exige que seja fixado um prazo legal para o suprimento da falta, dado que os comportamentos descritos revelam por si só uma intenção de não colaborar com a AT.

In casu, nada indica que a Recorrida tenha agido com dolo, pelo que não estaremos, efectivamente, perante o disposto no artigo 88.º, alínea b) da LGT.”

Assim, face a todo o exposto, tudo visto e ponderado, resulta que não se encontra legitimado o recurso aos métodos indiretos, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, e por assim ser, a decisão recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, devendo, por isso, ser revogada.

A aludida procedência determina que resulte prejudicada a apreciação das demais questões.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO revogando-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a presente impugnação, com todas as legais consequências.

Custas pela Recorrida.

Registe. Notifique.


Lisboa, 19 de novembro de 2020

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
[3] Vide, designadamente, Acórdão deste TCA Sul, proferido no processo nº 07165/13, de 22.03.2018.
[4] Neste sentido, vide, designadamente, Acórdão do STA, proferido no processo 0305/11, datado de 21.09.2011, e do TCA Sul prolatado no processo nº 07165/13, de 22.03.2018.
[5] In Ac. do STA, proferido no processo nº 01394/12, datado de 13.03.2013.
[6] Vide, neste particular, a propósito da presunção de notificação constante no artigo 43.º do RCPIT, o Acórdão do STA, proferido no processo nº 0347/10, de 17.10.2018.
[7] Este último prolatado pela presente Relatora.
[8] Vide, no mesmo sentido o Aresto deste Tribunal já citado, proferido no processo nº 07165/13.
[9] In José Maria Fernandes Pires e outros, LGT comentada e anotada, Almedina, 2015, p.913.